domingo, 7 de outubro de 2018

Cinco Anos

Confesso que não tinha a data de cor na minha cabeça, mas claro que sabia que era agora, mais dia menos dia, que fazia anos que nos conhecemos. Então fui revirar os cerca de cinco mil e-mails que tenho ali numa pasta com o teu nome para chegar à conclusão que o dia é hoje.

O nosso encontro foi um pouco insólito. Não nos conhecíamos, tu esqueceste-te do telemóvel em casa, e ainda por cima chegaste bem mais cedo do que seria suposto, mas ainda assim, por artes mágicas, eu consegui estacionar a uns cinco metros de onde estavas sentada. De imediato eu fiquei com a ideia que aquela jovem menina, magra, de chapéu preto de aba larga na cabeça, e que lhe escondia metade da cara, ali sentada a ler um livro fosses tu... mas podias não ser!, até porque não era suposto estares ali aquela hora!

Nesta semana que passou, por diversas vezes dei por mim a pensar como a tua vida tem mudado radicalmente. Há cinco anos quando te conheci, tinhas o nono ano de escolaridade. Mas não foi por isso que desde logo deixei de pensar que serias uma das pessoas mais cultas que tive oportunidade de conhecer. 

Aguarela pintada por ti com o teu auto-retrato
A cultura, que define muito do que somos, é muitas vezes uma das principais desigualdades quando nascemos. Tu por exemplo, tiveste a sorte de nascer no seio de uma família de classe média-alta, com uma mãe das letras, um avô anarquista importante e tudo, e rodeada de livros por todos os lados. Por vezes tens mesmo de ter cuidado para não ficares soterrada debaixo de todos esses livros! Outras pessoas, como eu, nascem em casas onde não havia livros ou, e quiser ser mais exato, onde havia apenas um livro (ou conjunto de escritos) a que se dá o nome de Bíblia Sagrada. 

E claro que ninguém é melhor do que ninguém só porque tem um imenso conhecimento de literatura, cinema, pintura, fotografia, no fundo tudo que está associado às artes e que tu dominas. Tal como ninguém é melhor do que ninguém só porque tem um canudo ou dois, aliás, como disse alguém, a universidade apura todas as capacidades, incluindo a estupidez. Tal como todos nós temos as nossas especificidades, e não raras vezes, é nas pessoas mais humildes que encontramos os maiores ensinamentos.

O teu caminho não tem sido propriamente fácil. Por vezes também tem que ver com a nossa forma de ser, com as nossas escolhas, também com a sorte. Mas, aos poucos, não deixa de ser assinalável as experiências por que aquela menina fechada na sua concha passou. E, depois de tantas peripécias que fui acompanhando, ora mais de perto, ora mais à distância, contavas-me por estes dias, pessoalmente, porque já sabes como sou, que ias começar, inesperadamente, com as aulas na universidade.

Fazem hoje cinco anos que nos conhecemos. 

2 comentários:

  1. A aguarela é linda! Talentosa a tua amiga :)
    Bonita dedicatória.

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    1. Esta publicação teve pedido de autorização (e eu mesmo censurei muita coisa) mas foi curioso que ela ficou surpreendida ao ver a aguarela, pois como sabes os artistas costumam ter mau feitio, e neste caso ela tinha destruído essa pintura, e pensou nunca mais a ver. Quando viu o meu texto ficou de boca aberta!
      Obrigado pela visita e comentário.

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