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sábado, 21 de junho de 2025

A Riqueza Obscena

"Para contar de 1 a um milhão sem parar é preciso 11 dias. 

Para contar a fortuna de Musk sem parar levaria mais de 13 mil anos. 

Quem é que precisa de tanto dinheiro"?

(1a página da revista The New Republic)


"No início deste ano, soube que Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg valiam agora todos bem mais de 200 mil milhões de dólares. A notícia que li referia que, nos três casos, as suas fortunas tinham pelo menos duplicado na última década, e a de Musk aumentara até dez vezes.

Este é um aumento incompreensível. Passar, por exemplo, de 30 mil milhões para 300 mil milhões não é o mesmo que passar de 30 para 300 dólares, ou de 30 mil para 300 mil. Sim, todos são aumentos por um factor de 10. Mas ter 300 dólares significa que pode oferecer um bom jantar a si e a um convidado. Ter 300 mil permite comprar um bom barco. Ter 300 mil milhões significa que poderia comprar vários países pequenos.

A desigualdade de riqueza neste país atingiu proporções obscenas e claramente antidemocráticas. Nem sempre foi assim. Na verdade, nunca foi assim. Há cinquenta anos, J. Paul Getty era o homem mais rico do país, com 6 mil milhões de dólares. Hoje, mesmo ajustando à inflação, os mais ricos dos Estados Unidos mal considerariam convidar Getty para jantar.

Nesta edição especial, examinamos como é que isto aconteceu, o que pensam os americanos sobre esta realidade, e como poderá eventualmente ser revertida. O jornalista Timothy Noah apresenta o relato sombrio e épico de como chegámos até aqui. A cineasta e escritora Abigail Disney (neta de Roy, irmão de Walt) faz um apelo emocionado ao aumento dos impostos sobre ela e os seus pares. O veterano jornalista Joe Conason analisa a corrupção de Trump, argumentando que esse tipo de autoenriquecimento é característico dos regimes autoritários. E, por fim, encomendámos uma sondagem exclusiva, analisada pelo editor executivo Ryan Kearney, sobre o grau de consciência dos americanos em relação à desigualdade de riqueza (muito elevado) e o quanto gostariam de ver isso mudar (bastante).

As palavras de Louis Brandeis continuam a ser verdadeiras: “Podemos ter democracia neste país, ou podemos ter uma grande riqueza concentrada nas mãos de poucos, mas não podemos ter as duas coisas.” De formas que Brandeis nunca poderia ter imaginado, podemos estar prestes a descobrir qual das duas prevalecerá. 

domingo, 19 de março de 2023

Só os Mais Conceituados Gestores Podem Levar um Banco à Falência

* Artigo publicado hoje na Folha de São de Paulo por Ricardo Araújo Pereira

"E cá estamos novamente. O sistema financeiro opera sem freio nem regulação, dois ou três bancos vão à falência, o Estado intervêm para evitar o efeito de contágio, os bancos falidos prometem se comportar e, uns anos depois, começa tudo outra vez.

E cá estamos novamente. O Silicon Valley Bank, o Signature Bank e o Credit Suisse estão em dificuldades. O mais fascinante, para mim, é a frequência com que bancos caem. O negócio dos bancos é infalível. Trata-se de comprar dinheiro barato e vendê-lo mais caro. Eles comercializam um produto de que todo o mundo gosta e que não estraga. Nunca ninguém foi ao banco dizer: “Desculpem, estas notas são da semana passada. Este dinheiro não está fresco”. Nunca.


Os bancos são administrados por pessoas que estudaram nas melhores universidades e usam as melhores gravatas. É gente inteligentíssima a gerir um negócio seguríssimo. Ainda assim, os bancos vão à falência constantemente.


No entanto, há bastantes sinais de que os bancos são administrados por gente superior ao mortal comum. Quando o mortal comum vai à falência, ele vai à falência. O banco é recapitalizado.

Não é uma ajuda: é uma recapitalização. Ajudas são para pobres, que não conseguem se governar. Esses devolvem a ajuda com juros dolorosos, para não se esquecerem do que fizeram. Mesmo que alguém quisesse, não poderia recapitalizar um pobre, porque ele nunca teve capital para começar.


O ramo mais atraente para quem quer construir uma carreira de sucesso é ser proprietário de um banco falido. Enquanto o banco não vai à falência, os acionistas retiram todos os benefícios que ser banqueiro oferece; quando vai à falência, não suportam nenhuma das desvantagens de falir - o Estado toma conta de tudo.


Quem deve R$ 5.000 pode ter problemas: intimações, tribunais, penhoras. Quem deve R$ 5 milhões, em princípio, está mais à vontade. Se você contrair empréstimos, já sabe: o segredo é apontar para cima.

Para os devedores, aplica-se o mesmo princípio de mérito que rege o resto da sociedade: os maiores e mais talentosos têm mais dinheiro e prestígio.


Eu teria todo o gosto em fundar um banco falido. Desgraçadamente, não tenho curso de economia ou gestão e temo que a minha falta de preparação técnica me levasse a criar um banco bem-sucedido e próspero. Só os mais conceituados e bem pagos gestores parecem ter a capacidade para conduzir um banco estrondosamente à bancarrota.


domingo, 5 de julho de 2020

A Capa Dourada da Felicidade



"Que diferença há entre nós e os miúdos senão, como diz Aríston, que as nossas brincadeiras - loucuras bem mais caras que as deles! -  são antes os quadros e as estátuas? As crianças ficam todas contentes quando encontram na praia alguns calhaus coloridos; nós preferimos enormes colunas variegadas, importadas das areias do Egipto ou dos desertos do Norte de África para a construção de algum pórtico ou de um salão de banquetes com capacidade para uma multidão. Olhamos com admiração paredes recobertas de placas de mármore, embora cientes do material que está lá por baixo. Iludimos os nossos próprios olhos: quando recobrimos os nossos tetos a ouro o que fazemos senão deleitar-nos com uma mentira? Sabemos bem que por baixo desse ouro se oculta reles madeira!

Mas não são só as paredes ou os tetos que se recobrem de uma ligeira camada: também a felicidade destes aparentes grandes da nossa sociedade é uma felicidade "dourada"! Observa atentamente, e verás a corrupção que se esconde sob a capa de dignidade. Desde que o dinheiro (que tanto atrai a atenção de inúmeros magistrados e juízes e tantos mesmo promove a magistrados e juízes!...), desde que o dinheiro, digo, começou a merecer honras, a honra autêntica começou a perder terreno; alternadamente vendedores ou objetos postos à venda, habituamo-nos a perguntar pela quantidade, e não pela qualidade das coisas. Somos boas pessoas por interesse, somos bandidos por interesse, praticamos a moralidade enquanto dela esperarmos tirar lucro, sempre prontos a inverter a marcha se pensarmos que o crime pode ser mais rendível (...)

Ninguém, de facto, se satisfaz com a própria prosperidade por muito rapidamente que a alcance; todos se lamentam dos seus projetos de modo como as coisas lhes correm, e acham sempre que afinal estavam melhor anteriormente. 

Cartas a Lucílio (Carta 115) - Séneca 


sexta-feira, 17 de abril de 2020

Lavagem de Dinheiro

A expressão "lavagem de dinheiro" significa que é preciso tornar "limpo" o dinheiro "sujo". É preciso justificar a entrada de grandes quantidades de dinheiro sujo obtido ilegalmente.  Não se pode simplesmente desatar a gastar dinheiro à toa sem se ter uma justificação plausível para o efeito. Então lava-se o dinheiro para ele ficar limpinho, limpinho, limpinho!

E eu hoje também andei a lavar dinheiro. Não foi propriamente uma grande quantidade de dinheiro, mas tendo em conta que não sabia a sua origem, achei mesmo por bem lavá-lo com sabão. 


sábado, 6 de outubro de 2018

De que Serve Tanto Dinheiro aos Ricos?

A meu ver, os homens extraordinariamente ricos, são maníacos, enfermos, psicopatas. Em suma, sejamos  francos: para que serve todo esse dinheiro aos ricos? 

Eles têm no máximo vinte, trinta anos de vida, 7300 ou 10950 dias. De que lhes vale uma coleção de automóveis, se não há possibilidade de utilizar senão um de cada vez? Por muito que possua, ninguém poderá fazer mais de três a quatro refeições diárias; não ocupará mais de uma poltrona nem viajará melhor do que em primeira classe. Por mais que se use a roupa esta não durará menos de uma estação. De cinquenta pares de sapatos, escolhe-se afinal sempre o mesmo par, o que não magoa os pés. Os livros zelosamente guardados, adquiridos aos metros para encher a estante e que o dono jamais emprestaria a um rapaz inteligente, nunca serão lidos, para não estragar a encadernação preciosa. As adegas transbordantes de vinhos caros, tornam-se inúteis , porque o médico de luxo, forçado a dizer alguma coisa para justificar o preço da consulta, recomenda a abstenção das bebidas.

O colecionador hipertrófico de dinheiro acaba colhendo desprezo e ingratidão. Julga-se rodeado de amigos e está entre comparsas, remunerados como coristas de melodrama. Quanto mais se ilude de atrair os homens, tanto mais se vê isolado de si mesmo. 

Certo dia, um rico avarento foi pedir conselho e ensinamentos a um rabino. Este conduziu-o a uma janela e disse-lhe:



- Olha para esta vidraça e diz-me o que vês.
- Vejo muita gente - respondeu o ricaço.
O rabino levou-o então a um espelho e perguntou:
- Que estás vendo agora?
- Vejo-me a mim próprio.
- Muito bem, irmão. A janela e o espelho são ambos de vidro. Mas o vidro do espelho reveste-se duma ténue camada de prata. Entrando de permeio um pouco de prata, deixamos de ver os outros e só nos vemos a nós próprios. 

A camada de prata! A barreira de prata ou de ouro é que leva o operário, o artista, o boémio, o refratário, o irregular, o não-conformista, a repartir com o pobre a sua última nota de cem, ao passo que o multimiliioário, a sociedade anónima, a alta finança afrontam o tribunal, o ridículo, para negar os cinco contos que devem sacrossantamente ou para obrigar outrem a pagar os dez tostões em dívida. 

"O sexo dos Anjos" / Pitigrilli / 1952

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Procuro Cara Metade... ou O Azar de Ficar com a Metade Errada



O Banco de Portugal substitui as notas de euro mutiladas ou danificadas por uma nota de igual valor apta a circular se:
- A autenticidade da nota for confirmada; 
- No caso de nota mutilada, a fração da nota apresentada for superior a 50% ou, não o sendo, for produzida prova bastante da destruição da parte em falta.


sábado, 30 de junho de 2018

Na Riqueza Confiamos



Quando o dinheiro comanda o jogo, reduz a vida
Reduz a perspetiva
Se é demais nunca é suficiente
Por mais que ganhemos, por muito mais ansiamos

Estamos à procura de prazer
O nosso mundo está cheio de ambição
Tudo o que fazemos é em excesso
Somos viciados em sucesso

Todas as nossas emoções são pensadas
Somos cuidadosos com o que amealhamos
Pedras e metais preciosos
O nosso poder cresce, é natural

Se a fé tem uma utilidade é para nos fazer acreditar
A honradez está do nosso lado
Não temos nada a esconder
Do nosso objetivo, da nossa luxúria
Na riqueza confiamos

Dinheiro, prosperidade
A riqueza tem autoridade
(tradução livre)

"In Gold we trust "/ Samael / 2011


sábado, 25 de fevereiro de 2017

Dúvida Existencial: Dinheiro a Voar

Eu sempre ouvi algumas pessoas dizerem que não se podem eleger governos de Esquerda, porque senão quem tem muito dinheiro tira o dinheiro todo do país. Então alguém que me explique por favor, por que é que, durante o governo mais à Direita que Portugal teve desde o 25 de Abril, tanto dinheiro voou dos cofres portugueses para paraísos fiscais? É que assim de repente também parece que os ricos ("e toda a riqueza provém de um roubo") não confiam lá muito nos governos de extrema direita! 


E já agora, por que é que qualquer pessoa, qualquer ilustre anónimo, se não declarar 1€ que seja nos IRS está logo com as contas penhoradas, e por que é que, todos estes milhões foram declarados pela banca portuguesa, mas os senhores do discurso da austeridade e do "temos que empobrecer" fecharam os olhos e lavaram as suas mãos a estes "VIP" todos? 

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Quando as vítimas são culpadas do estado em que estão

O milénio caminhava a passos largos para o seu final. O salário mínimo eram 56 contos de réis ou 56 mil escudos se preferirem. Apesar de ter aparecido na entrevista todo vestido de preto, com uma camisola de capuz com três pentagramas nos braços e com um enorme nas costas, e de usar ao pescoço um fio com uma pequena caveira que tinha uns olhos que brilhavam, havia conseguido, fruto da reputação, da parceria ou provavelmente da extrema necessidade, um estágio numa reputada empresa alemã que precisava de estagiários para uma grande Central deste país. 

Acho que mais coisa menos coisa, entre compensação à hora mais ajudas de custo, o que estava acordado de forma verbal, depois duma visita guiada às instalações, eram cerca de 120 contos para trabalhar em regime de turnos rotativos durante o verão. E a necessidade era óbvia, a de preencher as férias dos próprios funcionários da empresa e não tanto proporcionar uma grande formação na área dos estagiários, para quem sabe, mais à frente, talvez o estagiário pudesse ficar com um emprego, e a empresa ficar com mais um trabalhador. Não, ninguém estava iludido a esse respeito. Eles precisavam de gente minimamente competente e responsável, a nós dava-nos jeito o dinheiro e a experiência para colocar no currículo.  

Eu desde criança que sempre trabalhei em casa, mas pode-se dizer que esta foi a minha primeira experiência no mercado de trabalho. E a esta distância, que estágio verdadeiramente surreal que foi! 

"Só me apetece dar peidos pela piça"! 

Retenho sempre esta frase de um dos seguranças da portaria. De noite, e quando só lá estávamos, naquela imensa Central, duas ou três pessoas, ele vinha para lá, para a sala de controlo, passar o tempo conversando connosco. Também me lembrei dele, quando os seguranças das empresas privadas que trabalham nos aeroportos fizeram greve por estes dias. O Pobre coitado tinha de fazer doze horas seguidas, e às vezes mais. Só pode ser mesmo escravatura.

E agora que estou a escrever e a pensar sobre isso, começam aos poucos a virem-me imagens desses tempos... e já lá vão quase vinte anos! Naquela sala de controlo, entre outras coisas, eu acho que até cheguei a levar um saco para pintar! É verdade, eu pintava os meus próprios sacos. Estão a ver aqueles sacos de estilo militar que se usam à tiracolo? Eu pintava os meus,  mas cheguei mesmo a pintar um saco para um colega de outro curso, ou amigo se preferirem. O Jorge foi meu amigo muito próximo durante dois, três anos no máximo. E naquela mesma sala, eu escrevia cartas a uma correspondente. E agora penso como seria interessante ir pegar nessas cartas e relembrar quem era afinal essa pessoa com quem me correspondi há quase duas décadas... Mais. Eu até terei essa tal carta que escrevi naquela mesma sala de controlo... 

Muita coisa se passava por lá.
Lembro-me também, quando mostrei aos operadores, que podiam jogar aqueles jogos do Windows95, em que o ambiente de trabalho estava escondido por aquelas páginas de dados, bastando para isso carregar em determinadas teclas de atalho! E pronto, a partir daí, de noite, enquanto eu pintava ou escrevia - tudo a ver com a área do curso! - alguém passava horas a jogar às cartas. 

Mas lembro também como odiava os turnos. Os turnos, como referi, eram rotativos e os colegas também rodavam, e aos poucos ia-os conhecendo a todos. Sei que detestei os turnos rotativos e naquele momento disse a mim mesmo que nunca mais votaria a trabalhar naquele regime. Aquilo não é vida para ninguém. Ninguém deveria ser obrigado, seja qual for o dinheiro que paguem, a ter de trabalhar de noite. Nós somos um animal diurno, não somos mochos nem morcegos. E é uma aberração ter de trabalhar de noite, e depois, passado umas horas ter de trabalhar de dia, e andar a rodar entre três horários e daí a algum tempo o nosso cérebro está completamente fodido. 

Até me lembro agora do Hugo, um ex-colega de trabalho, que quando trabalhava comigo, me disse que se ia despedir, para trabalhar, precisamente numa outra Central, com os mesmos turnos rotativos que eu havia experienciado. Mas ele estava muito agradado por ir ganhar mais do dobro. Mas o dinheiro não é tudo disse-lhe. E quando me lembro dele, lembro talvez um dos gaijos mais calmos que conheci. Ele tinha mais ou menos a minha altura, olhos azuis, corpo robusto, e algum cabelo já a rarear. Era o típico betinho-certinho de sapatinho de vela que qualquer mulher poderia apresentar aos pais, na certeza que o sucesso estaria garantido. Lembro-me também do que ele mudou mal casou! O Hugo sempre foi certinho e cumpridor. Pois não é que a partir do dia em que casou, nunca mais conseguiu entrar a horas? Lembro-me até, quando certo dia lhe telefono do trabalho, e ele ainda estava na cama! E conversei com ele sobre isso, sobre como com os turnos rotativos ele quase nunca se iria encontrar com a mulher na cama... Talvez ele ache que o dinheiro pague tudo isso. Eu acho que não paga.
De volta ao estágio, dizer que tudo foi correndo bem. Era era cumpridor, mostrava interesse em aprender e dava-me bem com os colegas. Não tinha por isso porque correr mal. 

Eu era tão responsável, mas tão responsável, que faltei ao próprio casamento da minha mãe. Se estou arrependido? Oh pá, foi como teve de ser. Se calhar bastaria ter trocado com outro colega ou avisado, ou sei lá, agora também já não lembro dos detalhes e também já não interessa. Estive com ela e o futuro marido em casa, e ainda cumprimentei os convidados, mas depois, quando todos foram para a cerimónia e para os comes e bebes, eu fui almoçar a um restaurante sozinho e depois fui trabalhar normalmente. E lá na empresa nunca ninguém teve nada que me pudesse apontar. E como eu costumo dizer, eu prefiro sempre que tenha de dizer dos outros, que os outros tenham alguma coisa a dizer de mim.

Mas infelizmente eu tive que dizer. O dinheiro lá foi sendo pago, mas depois parecia que afinal que nós tínhamos compreendido mal. Afinal já não eram 120 contos, parece que era só metade! E não fomos só nós, os estagiários, que tínhamos estado em reunião com o diretor lá da Central. Não, também lá tinha estado connosco o responsável do estágio por parte da instituição de ensino. 

E foi aí que o caldo ficou literalmente entornado. Sei que fiquei a saber da novidade num sábado. Pois bem, no domingo seguinte, simplesmente não apareci. E depois liga-me o responsável, todo exaltado, que não podia ser, que não podia ter faltado que só lá tinha ficado uma pessoa e mais não sei o quê. Fiz-lhe ver os meus motivos e homem já me queria pagar o táxi e tudo para ir para lá. Sim, porque na altura eu nem sequer tinha carta nem carro. Mas não, não mais lá pus os pés, pelo menos durante o período de estágio (haveria de lá voltar mais tarde). Não, eu não queria que me pagassem a merda do táxi, queria simplesmente que assumissem o que disseram e que não faltassem à palavra. Porque eu sempre aprendi em pequeno, que a palavra de honra vale mais do que um contrato assinado, mas logo ali, na primeira experiência profissional, aprendi que hoje em dia a palavra vale muito pouco. A vida está cheia de irrevogáveis.

E eu creio que seríamos uns cinco estagiários, em duas centrais distintas. Querem adivinhar quantos tomaram a posição que eu tomei?

Eu lembrei-me destes tempos, agora, porque por estes dias se tem falado muito na comunicação social, sobre esses grandes filhos da puta, desses patrões, que pisam e aproveitam-se das pessoas mais fragilizadas: os estagiários. Segundo as notícias, muito empresário obriga os estagiários a devolver o dinheiro da comparticipação da empresa no valor a receber. Se primeiro declaram que pagam ao estagiário e esse dinheiro entra no balanço das contas da empresa, depois, quando o estagiário é coagido a devolver o dinheiro, este é entregue pela porta do cavalo. 

Mas logo quando ouvi a notícia, e pasmem-se, à data da notícia não havia qualquer queixa por parte das vítimas que isto acontecia! Só depois das notícias é que começaram a aparecer as queixas! Assim ao género da Casa Pia, só depois da reportagem da Cabrita é que afinal havia gente a apresentar queixas que foram abusados. Será que também ainda vou a tempo de acusar alguém que fui violado e receber uns 50 mil euros? Quem é que querem que eu acuse?!

Mas quando ouvi a notícia, veio-me logo à memória o que tenho comentado a algumas pessoas próximas e que até certamente já terei comentado aqui no blogue: que muitas vezes a vítima é o principal culpado do seu estado. 

Pois o que eu acho é que, ninguém se deve deixar pisar. Já sei. Vão-me dizer que as pessoas sujeitam-se porque precisam, nas neste caso, nem é de todo o que está em causa! É só a merda dum estágio! Não é o trabalho de uma vida! E uma coisa é precisar, outra é que deixemos que nos roubem e que não façamos nada contra isso. Porque eu pergunto: e se um dia os estagiários chegassem ao trabalho, e o patrão também lhes dissesse: olha, agora sempre que me apetecer vou-te enrabar, se não acaba-se o estágio! Será que eles também se iam sujeitar? (excluindo os que iriam gostar como é óbvio)

Não. Se não queremos ser pisados nem humilhados, então não podemos deixar que nos pisem e nos humilhem. Se ninguém aceitasse ser roubado e denunciasse a situação, por certo mais nenhum patrão ousaria roubar os próximos estagiários. Deixar ser roubado é abrir a porta e incentivar que os próximos estagiários também o sejam. E se as pessoas aceitam ser roubadas e humilhadas, então, como digo mais uma vez, as vítimas é que são as principais culpadas do estado em que estão. 

domingo, 3 de julho de 2016

Todo dinheiro é assaz imundo

- E quanto ao dinheiro? continuou Pete. - Acha que eu deva recebê-lo, sabendo de onde vem e a quem pertence?

- Todo o dinheiro é assaz imundo - disse Mister Propter - e não me consta que o do pobre Jo seja sensivelmente mais imundo que o de outro qualquer. Talvez você o ache, mas isso porque vê, pela primeira vez, o dinheiro na sua fonte - fonte pessoal e humana. Você é como uma dessas crianças acostumadas a receber o leite em garrafas esterilizadas, de um camião branco e reluzente. Quando vão ao campo vêem ser extraído de um animal enorme, gordo, malcheiroso, ficam horripiladas, enojadas. O mesmo se dá com o dinheiro. Você está acostumado a recebê-lo detrás de uma grade de bronze, ao balcão de um Banco monumental todo de mármore. Agora veio para o campo; mora no estábulo com o animal que segrega o dinheiro que recebe. E o processo não lhe parece primar pela delicadeza ou pela higiene. Mas, mesmo enquanto você não sabia, esse processo realizava-se. Se não estivesse a trabalhar para Jo Stoyle, provavelmente trabalharia para alguma universidade ou colégio. Mas, de onde sai o dinheiro das universidade e colégios? Dos ricos. Em outras palavras: de gente como Jo Stoyle. De modo que seria a mesma imundície servida em recipientes esterilizados e distribuída por cavalheiros de beca e capelo. 
- Então o senhor acha bem que eu continue a ser o que sou? 
- Sim - respondeu Mister Propter - entendendo-se por isto que não é escandalosamente pior que qualquer outra coisa. 

"Também o cisne morre" / Aldous Huxley (1939)

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Do instinto da aquisição

O instinto de aquisição comporta mais perversões, na minha opinião, do que o instinto sexual. Pelo menos as pessoas parecem-me mais estranhas em questões de dinheiro do que mesmo em questões de amor. Que parcimónias espantosas  não se encontram constantemente, sobretudo nos ricos! Que extravagâncias fantásticas, também. Muitas vezes as duas qualidades, ao mesmo tempo e na mesma pessoa. E, depois, os entesouradores e enterradores, as pessoas que vivem inteira e quase incessantemente preocupadas com o dinheiro! Ninguém se preocupa com o sexo assim dessa maneira incessante - sem dúvida porque a satisfação fisiológica é possível em assuntos sexuais, ao passo que não existe quando se trata de dinheiro. Quando o corpo está saciado o espírito cessa de pensar em alimentos ou em mulheres. Mas o apetite do dinheiro, a necessidade de o possuir, é de ordem mais ou menos exclusivamente mental. Não há nenhuma satisfação física possível. É o que explicará os excessos e as perversões do instinto de aquisição. O nosso corpo obriga, por assim dizer, o instinto sexual a conduzir-se normalmente. É preciso que as perversões sejam muito violentas para que possam dominar as tendências fisiológicas normais. Mas no que diz respeito ao instinto de aquisição, não há no corpo regulado, nem massa de carne sólida em demasia para ser empurrada para fora dos trilhos do hábito fisiológico. A menor tendência para a perversão torna-se imediatamente manifesta. Mas talvez a palavra "perversão" não tenha sentido neste contexto. Porque a perversão implica a existência de uma norma que lhe sirva de ponto de partida. Qual é a norma do instinto de aquisição? Pode-se entrever vagamente algum meio honesto; mas estará aí, de facto, a verdadeira norma estatística? Quanto a mim imagino que sou antes um subaquisitivo; menos interessado que o comum das gentes do dinheiro e nas posses em geral. Illidge diria que isto se deve inteiramente ao facto de eu ter sido educado numa atmosfera de largas facilidades pecuniárias. Isso pode ser verdade em parte. Mas não inteiramente, na minha opinião. Consideremos o grande número de pessoas que nasceram ricas e que vivem unicamente preocupadas com ganhar dinheiro. Não, a minha "subaquisitividade" é hereditária e também adquirida. Seja como for, não tenho muito interesse pela posse, e não sinto senão pouca simpatia pelos que se interessam por ela; não os compreendo também. Nenhuma personagem cuja dominante seja o instinto de adquirir figura em algum dos meus romances... É um defeito; porque os aquisitivos são manifestamente muito comuns na vida real. Mas é duvidoso que eu possa tornar uma tal personagem interessante - pois que eu mesmo não me interesso pela paixão aquisitiva. Balzac podia; as circunstâncias e a hereditariedade tinham-no feito apaixonadamente interessado pro dinheiro. Mas quando achamos um assunto aborrecido, a nossa tendência é tornarmo-nos também aborrecidos ao tratarmos dele...

Contraponto / Aldous Huxley




- Dinheiro! O dinheiro é uma espécie de instinto, uma das caraterísticas da natureza humana é fazer dinheiro. Não tem nada a ver com o que uma pessoa faça, nem é um jogo. É uma espécie de acidente permanente da nossa própria natureza. Quando se começa, faz-se dinheiro e não se pára mais, até um determinado ponto, é claro. 
- Mas é preciso começar - respondeu Clifford. 
- Oh absolutamente, é preciso entrar na roda, quando se está de fora não se consegue nada. Tem de se lutar para entrar, e uma vez que o tenha conseguido, é inevitável. 
- Mas poderia ter ganho dinheiro sem as peças?
- Oh provavelmente não! Posso ser bom ou mau, mas sou escritor teatral, e não podia ser outra coisa. Disso não tenho a menor dúvida. 

O Amante de Lady Chatterley / D.H. Lawrence 

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Paradoxos da higiene

Por estes dias, comentava no trabalho que não gostava de ler no computador, e nunca que nunca iria aderir a ler a livros em formato ficheiro para ler em bugigangas eletrónicas. Eu gosto de pegar no livro, cheirá-lo, senti-lo, gosto de folhear, não gosto de ler num monitor. Mas rapidamente  uma colega contra-argumentou que não gostava dos livros, pois são uma fonte de porcaria, afinal toda a gente pega neles, e era ver a cara dela toda impressionada enquanto proferia tais palavras. 

Hoje, enquanto esperava numa sala de espera, sentei-me num lugar vago, junto a uma mulher que estava de máscara na boca. Os preconceitos são tantos, que as pessoas quando vêem alguém de máscara, não percebem que é a pessoa a proteger-se dos outros, e não porque tenha uma doença trasmissível! Sentei-me, saquei do meu livro, e comecei a ler tranquilamente, enquanto os números de chamada iam passando, muito len-ta-mente-te. 

Esta senhora de máscara, estava sentada junto de outra mulher. Enquanto estava embrenhado na minha leitura, pouco ia prestando atenção ao que as senhoras conversavam, mas a conversa foi começando a animar, e estando ali encostado a elas, era quase impossível não ouvir a conversa-de-gaija, e logo eu que gosto de retirar alguma coisa do convívio em sociedade!

Mal ouvi "Ai a barba e o bigode... ui, que nojo. São pêlos não é? Acumula muita sujidade", comecei logo a franzir o sobrolho. Com que então estas senhoras, já com idade para terem juízo, têm nojo dos pêlos dos homens... Os pêlos acumulam sujidade... interessante. Mas e os cabelos caralho? Sim, os pêlos da cabeça, a que damos o nome de cabelos, e que por norma, tal como estas duas senhoras, os tinham bem compridos? Será que os cabelos são diferentes? Não acumulam "sujidade"? 

É muito interessante reparar que, de repente, muita gentinha tem nojo em relação a muitas coisas, mas depois, paradoxalmente, não têm nojo das coisas mais nojentas que existem!


Qual é a coisa mais nojenta que existe? É o dinheiro! Sim, o dinheiro, que anda de mão em mão. As notas que podem ter sido pegadas pela mão de alguém que foi mijar ou cagar, não lavou as mãos e depois pegou nas notas, que passaram por milhares de mãos, até chegar às mãos desta senhora que usava máscara na cara, e que tem nojo de homens com barba!

Eu, "ainda sou do tempo" do que "não mata engorda", mas hoje vejo muita gente muito complexada e paranóica com o excesso de limpeza, Tudo tem de ser limpo e relimpo até ao infinito. Tudo tem "bactérias" e mais não sei o quê. Esquecendo-se esta gente paranóica, que é convivendo com as bactérias, que nos tornamos imunes a elas. Nunca como hoje se vêem criancinhas alérgicas a tudo e mais alguma coisa - porquê? Porque vivem numa redoma, fechadas, isoladas do mundo exterior. 

Em breve chegará o tempo, em que para se foder, inventarão um preservativo gigante, em que as pessoas não se tocam, porque tudo que são fluídos é porco, tudo tem sujidade, tudo tem de se passar álcool com algodão, porque o "algodão não engana".  Dar um beijo com língua é porco, num beijo transmitem-se oitenta milhões de bactérias! 

É tudo muito higiénico hoje em dia, mas curiosamente nunca vi ninguém passar álcool nas notas e nas moedas. Nem conheço ninguém que seja alérgico ou tenha nojo ao dinheiro. Curioso não é?

domingo, 3 de agosto de 2014

Desemprego: o fim do calvário e o princípio de outra coisa qualquer

Passaram mais de três anos, e muito poucas entrevistas depois (apesar dos muitos currículos enviados) e estou de volta ao mercado de trabalho. Estar desempregado não é fácil, e não o é unicamente por um motivo: a falta de dinheiro. Não fosse o problema do dinheiro, e esta sociedade assentou as suas bases na escravatura do dinheiro e do trabalho em prol de outrem, e quem não o tem, ou vai pedir, ou rouba, ou monta uma tenda num qualquer terreno baldio e planta para comer. Não tendo dinheiro, as pessoas não têm direito a nenhuma dignidade, principalmente se tiverem carro e casa, se não tiverem ainda podem receber um qualquer apoio da segurança social. Como eu tinha um carro e uma casa, em caso de fome, a segurança social manda-me comer os faróis do carro, ou as grades da varanda; deve ser por isso que quem tem uma casa e/ou um carro não tem apoios neste país depois de ter sido roubado na duração e valor do subsídio de desemprego para o qual descontou durante mais de uma década.

Mas sejamos honestos, não fosse esse pequeno "pormaior" e estar desempregado seria melhor coisa do mundo! Temos tempo, e é sempre importante termos tempo, apercebe-mo-nos até da mudança das estações; é tão desagradável quando em pleno inverno, saímos de casa de noite, e é à noite que regressamos e nem sequer vemos o sol. E é assim que se desperdiça toda um vida inutilmente. Sim claro, a trabalhar em prol de outrem, para ter o tal dinheiro para termos direito a poder existir. 
E temos todo o tempo do mundo. Em três anos relvei as extensas áreas em volta da minha casa, plantei, trabalhei e tenho agora um espaço aprazível. Se estivesse a trabalhar nunca que o conseguiria ter feito ao fim-de-semana, e se fosse a pagar, pagaria rios de dinheiro pelo trabalho que eu mesmo fiz.

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Mas é a falta do dinheiro que nos complica a vida. É pela falta de emprego e consequente falta de dinheiro que nos obriga, por um lado a conter e diminuir as despesas - cancelam-se serviços supérfluos por exemplo, pois "quem não tem dinheiro não tem vícios" - e por outro a perceber o que podemos fazer para o arranjar. E é então que se vende um monte de coisas que já não precisamos, fazem-se biscates, e faz-se, eu pelo menos fiz, o que fosse preciso para ganhar uns tostões; sim claro, nada ilegal, até porque roubar é ilegal! Isto apesar de ironicamente "toda a propriedade privada vir de um roubo".

Até que três ou quatro entrevistas depois, e tendo resistido ao alerta deste governo de canalhas que nos incentivava a emigrar para baixar o desemprego, lá conseguimos quase o milagre de conseguir um emprego. Um dia antes de começar, a minha ansiedade é tal, que acho que tenho a mesma motivação de um condenado à morte no dia anterior à execução. Sempre fui ansioso e masoquista a sofrer por antecipação, não é agora com esta idade que as coisas irão mudar. Inicia-se uma nova fase, novas coisas virão.