"Que diferença há entre nós e os miúdos senão, como diz Aríston, que as nossas brincadeiras - loucuras bem mais caras que as deles! - são antes os quadros e as estátuas? As crianças ficam todas contentes quando encontram na praia alguns calhaus coloridos; nós preferimos enormes colunas variegadas, importadas das areias do Egipto ou dos desertos do Norte de África para a construção de algum pórtico ou de um salão de banquetes com capacidade para uma multidão. Olhamos com admiração paredes recobertas de placas de mármore, embora cientes do material que está lá por baixo. Iludimos os nossos próprios olhos: quando recobrimos os nossos tetos a ouro o que fazemos senão deleitar-nos com uma mentira? Sabemos bem que por baixo desse ouro se oculta reles madeira!
Mas não são só as paredes ou os tetos que se recobrem de uma ligeira camada: também a felicidade destes aparentes grandes da nossa sociedade é uma felicidade "dourada"! Observa atentamente, e verás a corrupção que se esconde sob a capa de dignidade. Desde que o dinheiro (que tanto atrai a atenção de inúmeros magistrados e juízes e tantos mesmo promove a magistrados e juízes!...), desde que o dinheiro, digo, começou a merecer honras, a honra autêntica começou a perder terreno; alternadamente vendedores ou objetos postos à venda, habituamo-nos a perguntar pela quantidade, e não pela qualidade das coisas. Somos boas pessoas por interesse, somos bandidos por interesse, praticamos a moralidade enquanto dela esperarmos tirar lucro, sempre prontos a inverter a marcha se pensarmos que o crime pode ser mais rendível (...)
Ninguém, de facto, se satisfaz com a própria prosperidade por muito rapidamente que a alcance; todos se lamentam dos seus projetos de modo como as coisas lhes correm, e acham sempre que afinal estavam melhor anteriormente.
Cartas a Lucílio (Carta 115) - Séneca
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