domingo, 12 de julho de 2020

Andanças para a Liberdade

"Emigrar jovem, com a vida pela frente, não é a mesma coisa que emigrar quando já se constituiu família e a necessidade de estabilidade económica se impõe como objetivo maior e urgente.

Para mim, a expressão "governar a vida", na Venezuela daquele tempo (tempo de ditadura), significava uma de duas coisas: ou "honestamente" dedicar-se exclusivamente ao trabalho braçal, sem pensar em mais nada, privando-se de tudo o que não fosse essencial à sobrevivência física e a manutenção da saúde para o trabalhar, embrutecendo para ser um rico "bruto", ou pôr de lado princípios e valores, "perder os escrúpulos" e, traficando influências, manipulando e interagindo com os poderosos corruptos locais, alcançar a fortuna de um dia para o outro. 

Aí comecei a compreender porque os governantes e poderosos , quando corruptos, preferem praticar a corrupção com "gente de fora", com estrangeiros sem relações sociais sucetíveis de serem aproveitadas para os denunciar. 

Sempre me pareceu que voltar sendo alguém pelo que se é e não pelo que se tem era uma opção de difícil concretização, incompreendida pelos mentores dos pátrios esteriótipos sociais reinantes, e para a qual os caminhos eram muito mais reduzidos e incertos do que aqueles que podiam levar a ser alguém pela acumulação e ostentação da riqueza material. Sobretudo para quem os escrúpulos éticos e os valores morais não fossem impeditivos de ilícitos bem lucrativos. 

Sem disso ter então consciência, graças ao ditador de Santa Comba, tive oportunidade de poder encontrar, anos mais tarde, um caminho para o SER... empenhando vida, família e improvável fortuna, na luta pela LIBERDADE do meu país, na luta contra a miséria material e cultural de todos os "pátios fundos" do Mundo, e pela afirmação e universalização de valores que, naquela época, ainda não relacionava com políticas ou ideologias. 

Prestando atenção às projeções do que a memória reteve, suspeito sempre que as reflexões hoje feitas não passem de meras justificações para dar razoabilidade a práticas de vida que não eram nada resultantes de opções conscientes, tão só e apenas, as mais atrativas de um jovem que se vê aos dezoito anos, só e senhor da sua vida e do seu corpo, sem orientações tutelares de qualquer espécie, para além dos ensinamentos práticos retirados da sua curta existência. 

"Andanças para a Liberdade" / Camilo Mortágua (2009)

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