quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Do instinto da aquisição

O instinto de aquisição comporta mais perversões, na minha opinião, do que o instinto sexual. Pelo menos as pessoas parecem-me mais estranhas em questões de dinheiro do que mesmo em questões de amor. Que parcimónias espantosas  não se encontram constantemente, sobretudo nos ricos! Que extravagâncias fantásticas, também. Muitas vezes as duas qualidades, ao mesmo tempo e na mesma pessoa. E, depois, os entesouradores e enterradores, as pessoas que vivem inteira e quase incessantemente preocupadas com o dinheiro! Ninguém se preocupa com o sexo assim dessa maneira incessante - sem dúvida porque a satisfação fisiológica é possível em assuntos sexuais, ao passo que não existe quando se trata de dinheiro. Quando o corpo está saciado o espírito cessa de pensar em alimentos ou em mulheres. Mas o apetite do dinheiro, a necessidade de o possuir, é de ordem mais ou menos exclusivamente mental. Não há nenhuma satisfação física possível. É o que explicará os excessos e as perversões do instinto de aquisição. O nosso corpo obriga, por assim dizer, o instinto sexual a conduzir-se normalmente. É preciso que as perversões sejam muito violentas para que possam dominar as tendências fisiológicas normais. Mas no que diz respeito ao instinto de aquisição, não há no corpo regulado, nem massa de carne sólida em demasia para ser empurrada para fora dos trilhos do hábito fisiológico. A menor tendência para a perversão torna-se imediatamente manifesta. Mas talvez a palavra "perversão" não tenha sentido neste contexto. Porque a perversão implica a existência de uma norma que lhe sirva de ponto de partida. Qual é a norma do instinto de aquisição? Pode-se entrever vagamente algum meio honesto; mas estará aí, de facto, a verdadeira norma estatística? Quanto a mim imagino que sou antes um subaquisitivo; menos interessado que o comum das gentes do dinheiro e nas posses em geral. Illidge diria que isto se deve inteiramente ao facto de eu ter sido educado numa atmosfera de largas facilidades pecuniárias. Isso pode ser verdade em parte. Mas não inteiramente, na minha opinião. Consideremos o grande número de pessoas que nasceram ricas e que vivem unicamente preocupadas com ganhar dinheiro. Não, a minha "subaquisitividade" é hereditária e também adquirida. Seja como for, não tenho muito interesse pela posse, e não sinto senão pouca simpatia pelos que se interessam por ela; não os compreendo também. Nenhuma personagem cuja dominante seja o instinto de adquirir figura em algum dos meus romances... É um defeito; porque os aquisitivos são manifestamente muito comuns na vida real. Mas é duvidoso que eu possa tornar uma tal personagem interessante - pois que eu mesmo não me interesso pela paixão aquisitiva. Balzac podia; as circunstâncias e a hereditariedade tinham-no feito apaixonadamente interessado pro dinheiro. Mas quando achamos um assunto aborrecido, a nossa tendência é tornarmo-nos também aborrecidos ao tratarmos dele...

Contraponto / Aldous Huxley




- Dinheiro! O dinheiro é uma espécie de instinto, uma das caraterísticas da natureza humana é fazer dinheiro. Não tem nada a ver com o que uma pessoa faça, nem é um jogo. É uma espécie de acidente permanente da nossa própria natureza. Quando se começa, faz-se dinheiro e não se pára mais, até um determinado ponto, é claro. 
- Mas é preciso começar - respondeu Clifford. 
- Oh absolutamente, é preciso entrar na roda, quando se está de fora não se consegue nada. Tem de se lutar para entrar, e uma vez que o tenha conseguido, é inevitável. 
- Mas poderia ter ganho dinheiro sem as peças?
- Oh provavelmente não! Posso ser bom ou mau, mas sou escritor teatral, e não podia ser outra coisa. Disso não tenho a menor dúvida. 

O Amante de Lady Chatterley / D.H. Lawrence 

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