domingo, 31 de maio de 2020

Cinco Mil Negros Linchados Neste País

 " - Não posso crer que qualquer americano com dois dedos de testa possa acreditar que as tropas comunistas da Coreia do Norte se metam em barcos, atravessem dez mil quilómetros de mar e invadam os Estados Unidos. Mas é o que as pessoas andam por aí a dizer. "Cuidado com a ameaça comunista. Eles vão dominar este país". O Truman quer fazer uma exibição de força para os republicanos... é isso que ele quer. É disso que se trata. Fazer uma exibição de força à custa do inocente povo coreano. Nós vamos atacar e bombardear aqueles filhos da puta, 'tás a perceber? É tudo para apoiar esse fascista do Syngman Rhee. O maravilhoso presidente Truman. O maravilhoso General MacArthur. Os comunistas. Os comunistas. Não o fascismo deste país, não as iniquidades neste país. Não, o problema são os comunistas! Cinco mil negros linchados neste país e, por enquanto, nem um só linchador foi condenado. Isso é culpa dos comunistas? Noventa negros foram linchados desde que Truman veio para a Casa Branca com a boca cheia dos direitos dos cidadãos. Isso é culpa dos comunistas ou culpa do procurador geral do Truman, o maravilhoso Mr. Clark, que se lança numa vergonhosa perseguição judicial a doze líderes do Partido Comunista e lhes destrói a vida sem piedade por causa das suas ideias, mas que, quando se trata dos linchadores, se recusa a levantar um dedo! Guerra aos comunistas... e, para onde quer que a gente vá neste mundo, os primeiros a morrer na luta contra o fascismo são os comunistas! Os primeiros a lutar em defesa dos Negros, em defesa dos trabalhadores...
SINOPSE:
Casei com Um Comunista é a história da ascensão e queda de Iron Rinn, uma popular estrela da rádio, que vê a sua vida pessoal e profissional destruída na era da caça às bruxas de McCarthy. Nos seus dias de glória, casa com a famosa estrela de cinema mudo Eve Frame. O idílico romântico é breve e o seu casamento transforma-se num drama de lágrimas e traições, passando da esfera privada a escândalo nacional quando Eve faz revelações estrondosas a um colunista, denunciando o seu marido como espião comunista e sabotador. Uma história de crueldade, humilhação, traição e vingança, onde Philip Roth retrata de forma brilhante a conturbada época do pós-guerra, quando a febre do anticomunismo não só contaminava a política nacional mas também a intimidade das vidas de amigos e famílias, maridos e mulheres, pais e filhos.

"Casei com um comunista" / Philip Roth (1998)

sábado, 30 de maio de 2020

Quando Te Volto a Abraçar?

"Ainda não sei, mas talvez seja breve. Porém, aviso-te. Depois da tempestade, tens de te sentir forte, porque vou apertar-te com força, como se aperta quem se quer para sempre. E não me vou importar que seja no meio da rua, à porta de tua casa ou até mesmo num lugar qualquer onde o silêncio seja obrigatório.

Vi-te há poucas horas, mas tenho saudades tuas. E quando mais te vejo, mais te aceno, mas te sorrio, mais saudades tenho de ti. Preciso de te abraçar, sabes? Sim, porque a saudade só se mata com um abraço. De preferência, forte. Tão forte como a amizade. Tão forte como o amor. Tão forte como as histórias que te repito vezes sem conta sempre que te reencontro.

Quanto te voltar a abraçar, não vou querer que o tempo acabe. Quero que o sol não nasça se te encontrar à noite e quero que ele não se ponha se te encontrar de dia. Nem ele nos vai fazer isso, sabes? Ele vai querer testemunhar o nosso abraço e saber que é assim que a saudade se mata.

E se houver lágrimas, quando te voltar a abraçar, que escorram pela face e que apenas se enxuguem quando passarem no peito, onde tenho o coração. E não te preocupes se caírem em abundância, pois também assim é a alegria que os olhos querem mostrar quando a saudade se mata.

Quando voltar a abraçar-te, quero também pedir-te desculpa. Por te ter abraçado depressa, da última vez que te vi e por não te ter dito todas as palavras que tinha para te dizer. Se eu soubesse que iria estar perto de ti sem te poder abraçar, teria ficado mais contigo. O tempo, essa coisa inventada por mim e que agora tenho de sobra…

Acabei de falar contigo, logo depois de te ver à janela e a saudade aumentou ainda mais. Pergunto a mim mesmo quando te volto a abraçar.

Ainda não sei, mas talvez seja breve.  (José Rodrigues)


Depois da quarentena passei um mês na solitária. Apesar de estar num dos concelhos mais infetados do país, o meu risco maior é fora da empresa, não propriamente lá dentro. Um mês de auscultadores nos ouvidos a ouvir rádio. Ontem, enquanto saltava de estação em estação (e por vezes, especialmente de tarde é muito complicado encontrar algo de jeito para ouvir nas diferentes rádios) tropecei na TSF no programa "Com os livros estamos mais próximos" onde apanhei este mesmo excerto dum livro de José Rodrigues, autor que não conhecia, pena não ter sido identificado de que livro é o excerto. Se alguém souber que diga.

Quero Abraçar-te de José Rodrigues - Com os Livros Estamos Mais Próximos / TSF

Conversas Improváveis (53) - Autista na Unha Encravada



Olha, uma amiga minha cisma que eu posso ser autista. Não me fala de outra coisa e manda-me montes de informação para eu ler (que eu não leio nada) e acha que eu deveria fazer um teste. Qual é a tua opinião?

- És autista? Onde? Na unha encravada?
De autista não tens nada. 
Uma das coisas que se nota logo num autista é a incapacidade de olhar nos olhos de outra pessoa. E  isso tu fa-lo muiiiito beem!
Sabes que os autistas não conseguem entender as emoções espalhadas na cara da pessoa.
Oh Konigvs, eu passei quatro anos e estudar o autismo, trabalhei com crianças e adultos autistas como educadora social e como professora tive dois alunos autistas e tu nada tens a ver com autista. Ela vê a tua forma de ser à parte da sociedade como autismo. Nada a ver. Simplesmente és um dos que questiona a sociedade.... 

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Expressões Extintas Pelas Alterações Climáticas

Para o mês de Maio existe um conhecido provérbio aludindo ao frio que ainda costuma fazer:

"Em Maio ainda se come a cereja ao borralho" 

Entretanto, com as alterações climáticas, e com o calor que se tem sentido o melhor será passar para:

"Em Maio coloca-se a piscina cá fora para o catraio".


terça-feira, 26 de maio de 2020

Telospital



Depois de há mais de trinta anos ter feito o Ciclo Preparatório na Telescola, hoje tive a primeira consulta via Telospital. Nas últimas semanas recebi finalmente cartas para as consultas e análises que ficaram por fazer dos últimos meses devido à pandemia e, aos poucos, com os devidos cuidados, as coisas começam a voltar à normalidade.

Em boa verdade, com tanto digital e simplex, com a receita eletrónica e o Portal da Saúde, porque é que um doente crónico, que muitas vezes tem que fazer dezenas ou até mesmo centenas de quilómetros para se deslocar à consulta da especialidade, não pode simplesmente, e porque estamos a tratar de um ato médico, burocrático, que não implica ser analisado fisicamente, ir trabalhar normalmente e aguardar uma chamada telefónica do médico que envia as receitas, próximas e análises para casa? Poupam-se viagens e despesas de deslocação, poupa-se tempo e absentismo ao trabalho e perdas de produtividade e perdas de salário ao fim do mês. E o ambiente também agradece. 

Claro que isto não pode ser usado para todas as situações, para todo o tipo de doentes, mas não tenho quaisquer dúvidas que a pandemia pode ter sido uma oportunidade para repensarmos a forma como sempre fizemos determinadas coisas que podem ser otimizadas seja o teletrabalho (ainda que se tenha de ter muito cuidado com os abusos) ou, neste caso o Telospital!|

Uma Questão de Solidez Politica

Descubra as diferenças entre a calma da primeira-ministra neozelandesa Jacinda Arden's (de quem certamente deveríamos ouvir falar muito mais do que de Trumps, Bolsonaros, Boris e afins) em direto do parlamento numa entrevista para a televisão quando acontece um tremor de terra de magnitude 5.8 na escala de Richter...



... com o borrar de medo de Francisco dos Santos líder do CDS e aspirante a líder da direita portuguesa, quando fazia um discurso na Madeira e se dá um abalo de 5.3




segunda-feira, 25 de maio de 2020

Amor ao Primeiro Ouvido

Depois dos inúmeros telefonemas que fizemos ao longo do último mês, finalmente conheci o senhor Mário e ele acabou também por me ficar a conhecer a mim. Eu não o imaginava assim mas julgo que ele ficou bem mais surpreendido comigo, e foi por isso mesmo que, depois de me ter metido no carro sorria para mim mesmo, com o ar de surpresa com que ele me olhou, quase boquiaberto.

Se eu passasse por ti na rua sem te conhecer, nunca que diria que és a pessoa que és.

A visão é um dos sentidos mais importantes que temos mas, nas relações humanas, não raras são as vezes que, infelizmente, desvia-nos do essencial e foca-nos no supérfluo. Concentra-nos demasiado no papel que embrulha e ignora o que está lá dentro. Claro que todos nós gostamos de rostos atraentes, de sorrisos bonitos com dentes direitinhos e corpos tonificados e com esta ou aquela característica consoante o gosto de cada um.  Mas já por diferentes vezes eu já me perguntei se por caso fôssemos todos cegos, se escolheríamos as mesmas pessoas com que nos envolvemos romanticamente. E a resposta é: não.

Os ouvidos não vêem. Os olhos vêem mas não prestam atenção.

E o coração, precisa de ver ou de escutar?

A partir do momento que iniciamos a comunicação com uma pessoa que não conhecemos pessoalmente nem sequer imaginamos como é fisicamente, de imediato começamos a pintar-lhe o perfil na tela em branco. E ao longos dos últimos quatorze anos muitas foram as vezes que isto me aconteceu. E a grande aproximação, principalmente se começamos pela escrita, é a voz. E agora que penso, veja-se como já existem video-chamadas há tantos anos, mais de dez certamente, mas as pessoas continuam a colocar os telemóveis nos ouvidos e não nos olhos. Não é curioso isso? Foi assim tão importante essa invenção? Sim, se for para fazer umas poucas vergonhas certamente que tem a sua grande utilidade da estimulação visual, de resto, a verdade é que ainda hoje, seja nas empresas ou do ponto de vista particular, não tem grande utilidade.

É muito curioso que agora, até nas redes sociais e tudo, que me vou apercebendo de coisas que já toda a gente sabia menos eu. Coisas como, num vídeo ou numa fotografia em que alguém está a falar de determinado assunto, as pessoas muitas vezes vão ignorar o que está a ser dito, e vão reparar na estante que está lá atrás ou em todo e qualquer pormenor sem importância e a mensagem que é importante perde-se. Os olhos não filtram, muitas vezes perturbam. Há um termo na fotografia que era revelada em película que se chamava grão ou ruído. E o mesmo se passa com os nossos olhos analógicos. Perante um determinado cenário eles focam-se um determinado ponto que lhe interessam, e tudo à volta fica granulado, com ruído, desfocado.

A este propósito observei por estes dias um bom exemplo. Naquele programa dos agricultores, o mais jovem agricultor tinha em casa três jovens mulheres. De imediato focou-se só numa e toda a sua linguagem corporal denunciava-o claramente. Olhava sempre para a mesma, a que de imediato reclamava mais atenção como se fosse uma cria de pássaro a piar mais alto e a abrir mais o bico que as outras. E ele caiu no engodo e só alimentava aquela cria que ia ficando cada vez mais gorda ao passo que as outras, se calhar tão mais cheias de virtudes, ficaram esquecidas. E o que qualquer homem no lugar dele deveria fazer era tratar todas as convidadas por igual, ouvi-las a todas por igual. Mas não é isso que as pessoas fazem. E eu quase que aposto que, se lhes fossem só mostradas as fotografias das concorrentes, a escolha deles recairia exatamente na mesma pessoa que vão escolher, ao fim de todo aquele tempo para supostamente as conhecer.

Não há amor à primeira vista. Há beleza à primeira vista.
Há beleza à primeira vista para saber se estás, ou não, à minha altura. Há conta bancária à primeira vista, para saber se és, ou não, um bom partido para mim. Há a pressão social. E o que é que os outros vão dizer? E não duvido que na maior parte dos casos é isso que pesa: a pressão social.

Eu namorava contigo mas só se cortasses o cabelo.

Por artes mágicas, foi também numa Primaverava passada, que uma certa desconhecida de uma terra distante para onde, curiosamente, eu  há vinte anos, todos os anos me dirigia, haveria de me telefonar. E eu sempre achei, ou quis achar, ou comecei a querer acreditar porque a vida tem-me mostrado que comigo é assim que vem acontecendo, que nós andamos sempre à volta daquela pessoa com quem eventualmente um dia haveremos de chocar. E nos vinte anos a correr para aquela localidade, é bem provável que já tivéssemos estado bem próximos, mas quis o sortilégio da vida que haveria ser naquela Primavera, por causa dum interesse comum, que só naquele ano é que tinha passado a ser comum. Se naquele ano, por um milhão de pequenos acasos, esse interesse não tivesse sido plantado na sua cabeça, não teríamos tido oportunidade de ter chocado um contra o outro.

E o tal dia que me haveria de telefonar chegou. Os dois desconhecidos chocaram. A conversa decorria com tal sintonia e interesse que até me haveria de esquecer dum encontro lá com a malta do ténis-de-mesa. Todo eu era todo ouvidos e estava a gostar muito do que estava a ouvir daquela pessoa eu não sabia absolutamente nada: idade, estado civil ou índice de massa corporal. Nada. Falava-me da paixão comum das plantas; que certo dia carregou o carro com livros e os doou à biblioteca (logo eu que os continuo a acumular sem ler metade). Falava-me de Mujica e do tempo, e de como todas as coisas que temos não são compradas com dinheiro, mas sim compradas com o tempo que perdemos a trabalhar... E que coisa tão bonita de se ouvir.

Ouvindo-a com atenção, a determinada altura já me tinha decidido encantar-me bem antes de saber se um dia ainda nos iríamos conhecer pessoalmente...

domingo, 24 de maio de 2020

Um Bando de Ratos Com as Mãos Cheias de Sangue


Em Portugal, pouco antes da pandemia (que abafou todos os outros assuntos) os jornalistas portugueses só agora tinham descoberto, graças às revelações de Rui Pinto, que Isabel dos Santos era uma grande ladra - como lhe chamou em direto Ana Gomes. Antes disso eram só entrevistas a mostrar como era uma grande empreendedora!

No Brasil, os jornalistas, que tudo fizeram para retirar do poder Lula e Dilma para lá colocar lá uma figura de direita, erraram na quantidade de pólvora, como diz no vídeo o nosso conhecido José de Abreu, e acabaram por colocar no poder um verdadeiro ditador filho da puta. Mas agora, todos esses jornalistas mostram-se muito surpreendidos quais Madalenas arrependidas! Muito surpreendidos quando todos já conheciam bem a figura de Bolsonaro e ainda por cima quando ele disse ao que vinha! Agora, que está quase instalada uma ditadura no Brasil, em que o próprio presidente diz que interfere na justiça para não se prejudicar nem prejudicar a própria família, agora é demasiado tarde para arrependimentos. Agora, os ratos abandonam o navio mas com as mãos cheias de sangue.  

Cá em Portugal temos outro grande filho da puta, apoiado pelos mesmos média, pelas mesmas igrejas evangélicas, associado a grupos de criminosos de extrema-direita, com as mesmas ideias racistas e xenófobas, que quer aplicar as mesmas leis para que os ricos paguem menos impostos e para meter ainda mais o pé no pescoço dos mais pobres. 

Muitas pessoas dizem que não devemos falar nele para não lhe dar publicidade. Pois eu acho precisamente o oposto: é mostrar o grande filho da puta que ele é, as suas contradições, o seu discursos racista, xenófobo, é mostrar bem para toda a gente veja e que depois não diga que não sabia o grande filho da puta que ele é. Se uma só pessoa que seja parar para pensar e ganhar anticorpos já terá valido a pena. 

Grande José de Abreu. 

Ninguém Pode Compreender Aquilo Que Não Sente

Acendeu um cigarro e continuou com o livro. Bateram à porta. Philip ergueu-se e foi abrir: era Elinor.
- Que tarde! - exclamou ela, atirando-se para uma cadeira. 
- Então que novidades me contas de Marjorie?
- Novidades? Nada que se pareça com isso... - disse Elinor num suspiro, enquanto tirava o chapéu. -A pobre criatura está insípida como sempre. Mas lamento-o sinceramente. 
- Que lhe aconselhaste?
- Nada. Que queres que ela faça? E Walter? - perguntou Elinor por sua vez.  - Achaste ocasião para fazer de papá severo?
- De papá semi-severo, digamos... Consegui que ele se fosse instalar em Chamford com Marjorie.
- Conseguiste? Foi um verdadeiro triunfo!
- Não tanto como julgas. Não tive inimigo contra quem combater. Lucy parte para Paris no próximo sábado .
- Esperemos que ela fique por lá... Pobre Walter!
- Sim, pobre Walter... Mas eu tenho que te falar dos diabos-marinhos.
Falou-lhe. 
- Um dia destes - concluiu - preciso escrever um Bestiário moderno. Que lições de moral! Mas dize-me, como achaste Everard? Tinha esquecido completamente que o tinhas visto.


- Não podias deixar de esquecer... - retorquiu ela desdenhosamente. 
- Achas? Não sei porquê...
- Não, não sabes. 
- Estou esmagado sob o peso do teu desdém - disse Philip com uma humildade fingida.
Houve um silêncio.
- Everard está apaixonado por mim - disse por fim Elinor, sem olhar para o marido, e com uma voz perfeitamente calma e fria. 
- Mas isso é novidade? Julguei que fosse um velho admirador. 
- Mas é a sério - prosseguiu Elinor- Muito a sério. - Ela esperava ansiosamente os comentários do marido. Estes vieram, depois de um curto silêncio. 
- Isso já deve ser menos divertido...
No fim de contas Philip não era um tolo. Ou talvez compreendesse muito bem e estivesse apenas a fingir o comentário; talvez estivesse mesmo secretamente contente com os sentimentos de Everard. Ou era então simplesmente a indiferença que o tornava cego? Ninguém pode compreender aquilo que não sente. Philip não podia compreendê-la, porque não sentia as coisas como ela. Estava confiante na crença de que as outras pessoas eram tão razoavelmente mornas como ele. 
- Mas gosto dele - afirmou Elinor em voz alta, fazendo uma derradeira tentativa desesperada para arrancar do marido pelo menos um simulacro de demonstração de amor. Se ao menos ele se mostrasse ciumento, ou triste, ou zangado, como ela seria feliz, como lhe ficaria reconhecida por isso!
- Gosto muito de Webley - continuou Elinor. - Há alguma coisa de muito atraente. Aquele seu carácter apaixonado, aquela violência...
Philip pôs-se a rir:
Exatamente o irresistível homem das cavernas, hem?
Elinor ergueu-se com um pequeno suspiro, pegou no chapéu e na bolsa e, inclinando-se para o marido, beijou-lhe a testa, como para lhe dizer adeus; depois afastou.-se e, sempre sem dizer palavra, subiu para o quarto.
Philip tornou a abrir o livro que tinha abandonado. Leu;
"Benellia viridis é um verme verde, não muito raro no Mediterrâneo. A fêmea tem o corpo da grossura aproximada de uma ameixa, munida de um apêndice proboscidinano em filamento, bífido na extremidade, fortemente contráctil, e que pode atingir os dois pés de comprimento. Mas o macho é microscópico, e vive no que pode ser denominado o conduto reprodutor (nephridium modificado) da fêmea. Não tem boca a alimenta-se unicamente do que absorve parasitariamente através das suas superfícies ciliadas..."
Mais uma vez Philip largou o livro. Ficou a pensar sobre se devia ou não subir e falar a Elinor. Estava convencido de que ela nunca chegaria a amar realmente Everard. Mas talvez ele, Philip, não devesse ter a coisa como muito certa. A mulher parecera-lhe um pouco transtornada. Talvez esperasse que ela lhe falasse, que lhe dissesse do seu amor e de quanto ficaria infeliz - e furioso - se ela deixasse de o querer. Mas eram estas precisamente as coisas mais impossíveis de dizer. Finalmente decidiu não subir. Ia esperar para ver... transferia para outra ocasião. Continuou a leitura sobre a Bonellia viridis.

Capítulo XXI / Contraponto (Point Counter Point) - Aldous Huxley (1928)

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Número De Infectados Pelas Ideias do Chega Continua a Subir

"Seguimos agora em direto para a Direção Geral de Saúde onde a Doutora Graça Freitas se prepara para fazer um importante anúncio:

Diário de Aveiro


Muito bom dia. Bom, como sabem a DGS está a realizar testes serológicos à população em geral mas especialmente aos taxistas e aos veteranos do Ultramar e a conclusão preliminar é a de que, o número de portugueses infetados pelas ideias do CHEGA de André Ventura poderá ser dez vezes superior ao registado. 


- Dra Graça Freitas, como é que isso isso possível se o CHEGA só foi fundado há menos de um ano?

Bom, na verdade há estudos que dizem que as ideias já circulam entre nós, pelo menos desde 1933, e foram feitas análises ao bolor de algumas propostas do senhor André Ventura, e a datação por carbono14 aponta para a década de trinta ou para o período jurássico da era mesozóica e as ideias nunca foram erradicadas, ao contrário da poliomielite e das calças à boca de sino. 

- E haverá uma vacina em breve?

Bom, há ensaios clínicos a decorrer cujos resultados iniciais são promissores. Houve oito pessoas a quem foi dado a ler um livro de história e todas elas desenvolveram anticorpos contra o André Ventura ao fim de duas páginas. Portanto vamos ter esperança, esta bem?

- E a hidroxicloroquina não resulta?

É prematuro dizer. Eu preço-vos que não tomem isso, a não ser que estejam a ficar com alergia aos Gipsy Kings ou às trivelas do Quaresma. Está tudo, muito obrigado a todos e eu volto amanhã com novos dados e uma nova pregadeira. 

PORTUGALEX 21 DE MAIO / 2020

* há coisas que a Patrícia Castanheira escreve (não faço ideia quem seja) absolutamente geniais. Não é possível escrever todos os dias coisas geniais, há coisas que resultam melhor que outras, mas há episódios como este absurdamente geniais. Logicamente que a interpreção dos atores Manuel Marques e António Machado também ajuda, mas há que valorizar a pessoa escondida dos holofotes, que escreveu e permitiu que os atores brilhassem.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Lei de Karmurphy

O karma, para quem acredita nas ideias budistas, diz que colhemos o que plantamos, ou seja, se tivermos bons comportamentos e agirmos corretamente para com os outros, seremos recompensados no futuro, caso contrário, se procedermos de forma errada, mais à frente, ou mesmo muito mais à frente no tempo ou até numa outra vida qualquer (reencarnação) seremos punidos. E é então aqui  que o karma entra em cena. Isto também poderia ser traduzido por uma 2a lei de Newton adaptada, uma coisa deste género: quanto pior agires sobre os outros o universo responderá com igual força e igual maldade sobe ti. Só que, cá entre nós que o Buda não nos ouve, é uma pena que tenha que se esperar tanto tempo para poder observar tal reação. Quer dizer, um gajo tem que morrer para depois poder ver o Adolf Hitler nascer cigano, ser descriminado e acabar gaseado pelo André Ventura!

Edward Murphy foi um engenheiro aeroespacial que no século passado acabou por ficar na história por dar o seu nome à conhecida lei de Murphy e consequentemente a muitas outras umas espécies de provérbios em que o mais conhecido começa por dizer que "qualquer coisa que possa ocorrer mal, ocorrerá mal, no pior momento possível".

Ora, se juntarmos o karma com a lei de Murphy que temos então: a Lei de Karmurphy. Não me digam que nunca tinham ouvido falar? É provável, acabei de inventar agora e diz o seguinte:

Quando menos esperares, se o karma puder correr mal, correrá mal da pior forma possível no pior momento possível.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Amizade Entre Mulheres é Apenas Uma Trégua Nas Hostilidades

Cá em casa dos mais pais, antes de jantar, e até há pouco tempo, a televisão estava sempre ligada no Preço Certo, mas desde que apareceu o programa dos "agricultores" que não sai do mesmo canal. E é o único bocadinho de televisão que vou vendo. O programa é uma terrível seca e aborrecimento. Se na segunda-feira estão à mesa no pequeno-almoço no episódio de sexta-feira ainda estão à mesa só que ao jantar. E durante todos os outros dias repetem e repetem e repetem sempre as mesmas coisas. 

Mas botar o olho no programa deu no entanto para perceber algumas coisas. Desde logo como é ser agricultor em Portugal. Percebi que a maioria dos agricultores passam montes de tempo a passear, mormente a cavalo mas também de carro e gostam muito de conversar, mas abrigados do sol, pois quase todos os concorrentes apresentam uma tez tão queimada do sol como a Branca de Neve! 

Mas, tudo bem, aquilo é um programa de engate e os agricultores têm que conversar para ver se arranjam par, ainda que, na maior parte das casos não parece que eles queiram encontrar o amor, mas sim querem só encontrar uma companhia que os ajude no negócio e isso não é desde logo um bom princípio. 

E eu não percebo muito bem as regras e a orgânica do programa, mas sei que há uns agricultores a quem lhes calhou duas cabras, perdão, duas mulheres, enquanto a outros calhou três, e a agricultora até teve logo direito a quatro homens! Mas uma coisa salta logo à vista: a forma como os concorrentes se tratam entre si. Não há nenhum agricultor que tenha mulheres em casa e em que não haja intrigas, manipulação, chatices e discussões ou choro. Já a agricultora tem quatro marmanjos em casa cheios de testosterona, mas estão sempre na galhofa e divertidos entre si. Por estes dias apanhei até uma parte em que a agricultora teria que mandar um dos convidados para casa e um dele diz em jeito de desabafo: "ou saímos todos ou não sai ninguém". 

E é isto que eu nunca consegui entender nas mulheres, este comportamento de quem parece estar sempre a marcar o território, sempre na defensiva, com uma agressividade latente quando outra mulher está por perto.

O título desta publicação é de Rivarol, um escritor francês do século dezoito. Não podia ser mais atual. 

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Para a Secção Política da Estante

Recebi por estes dias mais uns quantos livros, e em minha defesa dizer que custaram todos dois euros cada um, e se calhar só o valor de mercado dum deles paga os outros todos, ainda por cima porque, por coincidência (e não que eu ligue especificamente a isso) mas quando os recebi reparei que são quase todos primeiras edições. 

Quatro livros sobre duas das figuras mais importantes na luta contra da ditadura de Salazar. Dois volumes "Andanças para a liberdade" de Camilo Mortágua:


Entre os inimigos de Salazar que lutaram de armas na mão contra o Estado Novo destacam-se dois homens: Camilo Mortágua e Hermínio da Palma Inácio – os últimos revolucionários românticos. A eles se devem os golpes mais espectaculares que abalaram a ditadura. Mas a história da acção directa contra o regime há-de reservar a Camilo Mortágua um capítulo muito especial, pela sua perseverança na luta, ao longo de mais de vinte anos, iniciada, em Janeiro de 1961, com a participação na Operação Dulcineia, comandada pelo capitão Henrique Galvão – o desvio do paquete português «Santa Maria» – e prosseguida com o assalto ao avião da TAP, em Marrocos, no mesmo ano, e com a LUAR, de que foi um dos fundadores, até ao 25 Abril.

E dois livros sobre o general sem medo Humberto Delgado que proferiu, provavelmente, uma das frases mais célebres na política do século vinte português. Na campanha para as presidenciais de 1958, quando perguntado sobre o que faria em relação ao Presidente do Concelho (Salazar) caso as vencesse, respondeu: "Obviamente demito-o". Depois foi, como se sabe, assassinado a mando do nosso ditador.


sábado, 16 de maio de 2020

Malditos Ciganos Que Vivem à Custa da Teta do Estado


Relacionar-se Com Um Jardineiro Aprende-se Mais do Lendo Marx


"E não fazer as coisas simplesmente porque as pessoas dizem que é bom. Eu faço porque eu estou a fim de fazer. 

Não é crise do ego. É a crise do Eu, que é uma coisa muito diferente. 

Na troca aprende-se muito mais que no isolamento. 

Às vezes, no simples relacionar-se com um jardineiro aprende-se mais do que lendo Marx. Se você for fundo, conversando com um jardineiro que está arrumando o seu jardim você aprende muito mais do que lendo "O Capital". Porque aí não é a teoria, é a prática. 

Está muito difícil viver. Deve ser um sinal que está meio acabando esta era. 

Se a gente não fazendo mal a ninguém já está fazendo um grande negócio, porque hoje em dia as pessoas só fazem mal às outras. 

Não foi para isso que a gente veio ao mundo. Não foi para isso que este planeta foi criado. Ainda dá para fazer alguma coisa. Mas tem que fazer. 

Está tudo errado. A gente tem que perder tempo, sim. A gente tem que se envolver. A gente veio para o mundo para contribuir para o bem. Tem que trabalhar para o bem. Não é responsabilidade do governo, da polícia. Não, é responsabilidade nossa. 

É dentro de casa que começa a grande transformação da sociedade. 

A coisa está do jeito que está porque as pessoas que têm um pouco de lucidez e um pouco de poder e um pouco de possibilidade e um pouco de alguma coisa na mão não querem saber. Elas querem é tomar conta da sua conta bancária." 

Elis Regina / 1980

Qual o Papel de Deus na Pandemia?


Acabava agora de ler que, nos Estados Unidos, dois terços da população crente (que são quase todos) acredita que a pandemia é uma mensagem de Deus.

E como é que os crentes portugueses verão o papel de Deus nesta pandemia?

Para um milhão de euros:

A - Deus nem sabe que está a acontecer uma pandemia

B - Deus sabe da pandemia mas não lhe apetece fazer nada

C - Deus sabe da pandemia mas é incapaz de acabar com ela

D - Deus causou deliberadamente a pandemia


quarta-feira, 13 de maio de 2020

CTT: Um Serviço de Merda (7) - A Jogar Ping Pong Com a Minha Encomenda?

Depois de há duas semanas eu ter requisitado e pago a recolha de três encomendas por CTT Expresso e simplesmente ninguém ter aparecido para as recolher, atentemos agora na seguinte encomenda enviada pelo vendedor no dia 8 de Maio em correio registado que deveria chegar no dia seguinte e hoje é já o terceiro dia útil. 

A encomenda foi entregue em São Félix da Marinha (Vila Nova de Gaia).
Entretanto foi para Matosinhos.
Depois foi para Aveiro.
Voltou para Matosinhos. 
Regressou de novo para Aveiro...

Pergunta: andam quê? A jogar ping pong com a minha encomenda entre Aveiro e Matosinhos? 

E sabem que mais? Eu não vivo em nenhum desses dois concelhos!!
Obrigadinho Passos e Portas pela privatização, nota-se que os CTT estão a funcionar lindamente. 


Atualização: Hoje dia 14, quatro dias úteis depois, no site diz que está disponível para entrega no posto dos correios mas não deixaram qualquer aviso na caixa do correio. 
Dia 15, uma semana depois de uma encomenda registada ter sido enviada, deixam aviso na caixa do correio para levantamento da mesma. 


sábado, 9 de maio de 2020

Um Longo Silêncio Perdido




A Long Lost Silence / There's A Light (2018)


Novos Ditados Populares: A Dobradiça do Portátil

Já ninguém vai à fonte buscar água porque hoje em dia todos temos água canalizada em casa. Então, o velho ditado popular "tantas vezes vai o cântaro à fonte que um dia deixa lá a asa" extinguiu-se e não faz mais sentido ser usado.

A partir de agora a expressão deverá ser substituída por:

"Tantas vezes o computador portátil abre e fecha que um dia fode a dobradiça". 


HP

A Doutrinação Política que o CDS Gosta

Nesta semana que agora termina várias foram as polémicas causadas pelos fachos dos CDS e pelo facho-coiso-comentador-da-bola-que-de-vez-em-quando-mete-os-pés-na-assembleia-da-república para atos racistas e que mais uma vez foi driblado, desta vez com uma trivela do primeiro-ministro António Costa.

O CDS, na pele do eurodeputado Nuno Melo, o português mais faltoso do parlamento europeu, veio-se insurgir contra o historiador Rui Tavares, e o partido acabou mesmo a perguntar ao governo se este era professor da Telescola e falaram mesmo doutrinação política. Não, o historiador Rui Tavares não é professor da Telescola, apareceu simplesmente num vídeo de uma aula.

Mas eu acho é que o CDS e o Nuno Melo têm muitas saudades e salivam pelos tempos do fascismo e da ditadura, tempos esses de verdadeira isenção no ensino! Nesses tempos, como se provam as imagens abaixo retiradas dum livro de ensino para adultos do meu avô, era o próprio presidente do conselho de ministro, "Doutor Oliveira Salazar" que publicava textos para os alunos lerem!, e ainda diziam cobras e lagartos do comunismo, principal motor da oposição em Portugal ao fascismo. 

Ah, Nuno Melo, nesse tempo é que havia isenção no ensino, não era? 



terça-feira, 5 de maio de 2020

Máscaras: Vestir uma Roupa Lavada Sem Primeiro Tomar Banho

Encontro para uma venda pessoal proveniente do Custo Justo. Dez minutos antes da hora marcada já eu estava no local combinado. Dez minutos depois da hora marcada chega um Renault 4L. Momentos depois de estacionar, sai de lá de dentro um senhor de cabelo quase rapado e uns olhos azuis bem bonitos. Sai disparado em passo apressado em direção ao meu carro. E nota-se que é uma pessoa muito consciente pois usa uma máscara que lhe tapa a cara. 
Chega ao pé de mim e diz: "Boa tarde", enquanto me estende a mão para eu o cumprimentar. 

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Como É Que o Sabão Mata o Coronavírus?

Quem percebo um pouquinho que seja de agricultura biológica, sabe que o sabão é muito usado porque, entre outras bichezas, mata o piolho, a cochonilha e limpa a  fumagina, aquela película escura que se forma sobre as folhas das árvores. Diluindo um bocado de sabão em água, e pulverizando as plantas, todas estas bichezas morrem.

Como tal, para mim não é surpresa nenhuma que o sabão também mate o coronavírus, e por isso devemos lavar muito bem as mãos, porque se ele estiver nas nossas mão o sabão matá-lo-á! Mas o que a grande maioria das pessoas não sabe é porquê! Então, é muito simples e vão perceber porquê. As bichezas são, quando comparadas connosco, microscópicas não é? Então é mais do que óbvio. As bichezas, tal como o coronavírus acabam por morrer, com um enorme ardor nos olhos!

Justiça Portuguesa a Dar Cambalhotas

Nesta semana que passou o jornal "Público" noticiou que o Tribunal da Relação recusou condenar este jornal por causa duma reportagem que fez em que dava conta das péssimas condições de trabalho (falava mesmo em escravatura) dos cruzeiros do Douro da empresa Douro Azul do senhor Mário Ferreira.



Mas a mesma Justiça Portuguesa, condenou duas vezes um ex trabalhador da Douro Azul por ter denunciado as mesmas más condições de trabalho!


Acho que não é preciso fazer um curso de Direito para perceber que, se os factos são verdadeiros para o jornal Público, não servem os mesmos factos também para ilibar o trabalhador? Ou, pelo contrário, se há provas que afinal o trabalhador cometeu difamação, então que dizer do jornal que falou em escravatura?! Que merda de Justiça é esta? É a pedido? É conforme apetece? É consoante os juízes estarem bem dispostos ou mal dispostos, se almoçarem bem ou mal? Acho absolutamente lamentável.