sábado, 30 de novembro de 2019

Por Que é Que Eu Sou Ateu II

"Ficou célebre aquela vez em que os Novos Ateus pagaram anúncios nos autocarros em Londres, e os anúncios diziam, e ainda por cima, como toda a publicidade, eram enganosos: "Provavelmente Deus não existe, por isso pare de se preocupar e Viva a Vida"!

Ora, é quando a gente constata que Deus não existe que se começa a preocupar. Seria menos preocupante se Deus existisse. Eu devo confessar que mais do que não acreditar em Deus eu confesso que não gostaria que existisse. Euu tenho grandes reservas à existência de um ser que exerce sobre mim um poder arbitrário. Um ser omnipotente que é o meu criador e a quem, em última análise, pertenço. Essa hipótese aflige-me um bocado.

Não existindo Deus, como diria um crente mais básico, aquilo que nos resta é "nascer, comer e morrer". 

A vida assemelha-se ao teatro. A gente vai ao teatro, os atores montaram o espetáculo,  cem, duzentas, trezentas pessoas vêem, e aquilo esvai-se no tempo, nunca mais é repetido e acabou. Sim, parece-me que é isso. Eu também tenho bastante mau perder com essa realidade, mas parece-me que o que vi acontecer é que o próprio sol se há-de extinguir e tudo desaparece. 

Eu, creio que, como é público, não sou omnipotente, mas tento que o mundo das minhas filhas seja o mais possível seguro para elas, e eu não vejo que isso lhes limite a liberdade. O facto de Deus não ter tido o mesmo cuidado connosco, no sentido em que de vez em quando vem um tsunami em 1755 e destrói uma  cidade, o Voltaire achou que isso era de facto um argumento muito poderoso contra a existência de Deus, e eu acho que há boas razões para acreditar que isso é assim. 

E qual é que é o sentido da vida para que aqueles que não acreditando, que sentido e que estímulo têm para o bem?

Eu acho que é possível ter um sistema moral independente dele ser proposto por uma divindade. Eu acho que é anterior a Deus a ideia que certos valores são bons e os outros valores não são bons. Eu duvido que quando Moisés apresenta os mandamentos as pessoas tenham ficado surpreendidas com o facto de Deus achar que o homicídio não é uma coisa especialmente boa.  Eu acho que toda a gente sabe isso. 

Em grande medida o sentido da vida que a religião oferece (não é o caso do judaísmo acho eu -  mais uma vez digo, acho que o judaísmo não tem uma ideia muito clara da vida depois da morte) mas o sentido da vida dado pela religião costuma ser esse: há uma vida depois desta, e no fim desta nós respondemos a um exame, e nesse exame alguém chumba e alguém passa, consoante o comportamento que teve aqui. E é esse o sentido.

Um ateu tem passagem administrativa? 

Não. Um ateu não passa para lado nenhum. Passa para o mesmo sítio, acho eu, que estava antes de ter nascido.  E o que eu acho é que, se precisamos de uma recompensa (nesse caso o sentido da vida é dado por essa recompensa, não é) e no final quem se portou bem, quem se portou de acordo com os valores bons tem a recompensa de no final passar o exame e ir para a companhia de Deus e não chumbar e ir digamos para outros sítios menos recomendáveis. Em primeiro lugar, se calhar, o facto de a gente precisar dessa recompensa para  se comportar decentemente tem qualquer coisa de interesseiro. Significa que não teríamos esse comportamento mas como há esse exame mais tarde, precisamos de o ter. E eu acho que não precisamos ter o exame. Mas se é preciso termos uma recompensa, eu acho que se vive melhor tratando bem as pessoas do que tratando-as mal. Mesmo tendo em conta que muitas vezes os maus são premiados e os bons são castigados. 

Ricardo Araújo Pereira - E Deus Criou o Mundo - Antena 1

Alguém Viu Por Aí o Diabo?



Chove há mês e meio seguido. Dia-após-dia-após-dia, quase ininterruptamente. Chove desde  meados de Outubro, e neste Novembro de 2019 que hoje termina não houve sequer para o "Verão de São Martinho". Tenho as bicicletas no estaleiro, e apesar de haver umas caminhadas pensadas para fazer com os amigos, a verdade é que ficou tudo adiado.

Chove há mês e meio seguido. E geralmente, a seguir à época de fogos, logo com a primeira chuvinha,  temos as primeiras inundações. Chove há mês e meio e nem uma notíciazinha de inundações, com estragos avultados para a Direita poder culpar o governo e os partidos que o suportam. 

Alguém viu por aí o Diabo?

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

É P'ra Isto Que Não Devemos Votar Sempre Nos Mesmos?

Nunca a democracia portuguesa teve tanta representatividade. Das últimas legislativas foram eleitos dez partidos para a assembleia da república, incluindo três que foram eleitos pela primeira vez: Chega, Iniciativa Liberal e Livre. 

Ainda nem dois meses passaram, e que relevância tiveram estes três partidos?

O Chega ficou conhecido por ter falsificado a recolha de assinaturas que permitiram que pudesse ter ido a eleições:




A incompetência é tanta que os senhores fascistas nem sabem que os partidos políticos podem ser financiados com publicidade




E em pleno parlamento André Ventura agita uns papeis que supostamente provavam que o priministro mentia relativamente à compra de coletes à prova de bola por parte da GNR, afinal, revelou-se que era mentira:



Entretanto para o  Iniciativa Liberal a coisa mais importantes que o país precisa é celebrar o 25 de Novembro, o 25 de Abril para Quem não Gosta do 25 de Abril e ainda ficamos a saber neste cartaz, pago com o dinheiro do Estado de que disseram em campanha eleitoral serem contra, que Salazar era Comunista!



Por último o Livre, eleito com a bandeira da lei da nacionalidade, que nem sequer entregou a tempo o seu projeto de lei.



Afinal é para isto que não devemos votar sempre nos mesmos?

terça-feira, 26 de novembro de 2019

Tudo Que Precisas Hoje Sobre o 25 de Novembro

Os fachos Neo-Liberais andaram a colocar cartazes sobre o 25 de Novembro, com dinheiro pago por todos, aquele dinheiro que em campanha eleitoral berravam serem liminarmente contra que o Estado servisse para financiar os partidos. Mas agora serve para os financiar e colocarem verdadeiras aberrações mentirosas fazendo crer que, pasme-se!, Salazar era comunista! Entretanto também o Chaga do Ventura berra pelo mesmo, e andam estes dois à luta com os fachos do CDS a ver quem tem mais protagonismo sobre o tema, como se hoje, em 2019, isso fosse a coisa mais importante para o país!

Hoje no Twitter, a Constança Cunha e Sá numa pequena frase diz tudo:



Mais a sério já o historiador Fernando Rosas em 2009 tinha dissecado o tema no parlamento e mostrado por que é que o CDS já nessa altura andava sempre com o 25 de Novembro na boca:



segunda-feira, 25 de novembro de 2019

É Por Causa da Religião que os Americanos São Tão Atrasadinhos da Cabeça?


Por vias travessas, sim, para o que me havia de dar!, ontem aterrei a ler uma notícia de um jornal do Alabama, estado que fica no sul dos Estados Unidos (aquela zona mais perto dos Açores) e relativamente perto de um outro estado mais conhecido que é o Texas. A notícia chamou-me a atenção pelo título:

Losing our religion? Faith is part of identity in the South, but it’s changing
Em português qualquer coisa como: "Estamos a perder a fé? A fé é parte da identidade no Sul, mas as coisas estão a mudar".

A notícia começa por nos dizer que não há símbolo mais tradicional no Alabama que nos mostra como é a fé por aquelas bandas, do que aquela enorme placa junto da estrada, e que diz "Vai à missa ou o Diabo te apanhará". 

Um dos traços mais vincados deste Estado é a fé e a religião. No Alabama dá-se graças antes das refeições, participa-se de avivamentos, envia-se as crianças para acampamentos religiosos etc, ou seja, facilmente percebemos que por lá a fé é uma coisa séria, tão séria que colocaram o nome de Deus no dinheiro! "In God We Trust"!

Mas vamos a números. Um estudo de 2014 dizia que:

86% das pessoas no Alabama identificam-se como cristãos
78% são Protestantes de diferentes tipos 
7% são Católicos

82% Acreditam em Deus com "Certeza Absoluta"
12% Acreditam em Deus e estão bastante seguros da sua existência

Entretanto em dez anos:

Ateus: Passaram de 1% para 3%
Agnósticos: Passaram de 2% para 4%
Sem religião: Passaram de 10% para 16%

Eu estou muito pouco interessado na ligeira perda de fé dos habitantes do Alabama e de todos os outros estados todos. O que me chamou a atenção foram mesmo os números impressionantes de crentes por aquelas bandas. Mas para o percebermos melhor comparemos por exemplo com as taxas de crentes deles com a Europa, no caso no intervalo de idades entre os 16 e os 29 anos divulgados no ano passado:



Excluindo os três países mais crentes (Israel, Polónia e Lituânia) na Europa as pessoas que se dizem sem religião vão dos cerca de 40% da Áustria, Eslovénia, Irlanda e Portugal, até aos 91% de ateus na República Checa! 

E agora façamos outra análise. E a religião, tem alguma influência e importância na política americana? Se eu vos disser que todos os presidentes americanos, desde a fundação da nação, de George Washington até ao último presidente Donald Trump, todos eram religiosos responde à pergunta? 


Temos então que a religião nos Estados Unidos é coisa muito séria, como já referi, eles até escrevem nas notas que confiam em Deus! E não importa a religião que tenhas, o que importa é que tenhas fé e acredites em Deus, aquele mesmo Deus que também se acredita cá por estas bandas. 

Agora vejam este vídeo da FOX NEWS, a CMTV lá do sítio que contribuiu para a eleição de Donald Trump, e respondam à pergunta do titulo desta publicação:


E, se nos Estados Unidos são muito tementes a Deus e são todos cristão e boas pessoas, como é que se reflete isso na política? Eles preocupam-se com os pobres e os mais desfavorecidos? Não! De todo! Os Estados Unidos praticam desde sempre o capitalismo selvagem. Têm quarenta e um milhões de sem abrigo! Usam armas, matam primeiro e perguntam depois, uma atitude verdadeiramente cristã diga-se! Um em cada seis americanos não consegue tratar da sua saúde e um estudante universitário quando acaba o seu curso tem um empréstimo de cem mil euros para pagar!

Acho que este é um daqueles casos para dizer, como nós dizemos em bom português:
"Fia-te na Virgem e não Corras"!

sábado, 23 de novembro de 2019

Por Que é Que Eu Sou Ateu

O que é que distingue um ateu de um crente? O que é que é ser ateu?

"Falta de fé. No meu caso concreto, eu convivo com a fé desde sempre. Eu frequentei um colégio de freiras  vicentinas na escola primária, de padres franciscanos até ao nono ano, de padres jesuítas até ao décimo segundo e ainda fiz a universidade católica. Nunca frequentei um estabelecimento de ensino que não fosse religioso. 

Vive com paciência este tempo?

A crença é uma questão de fé. E eu não tenho fé. A questão é saber, por que é que umas pessoas são crentes e outras não? Basicamente, em princípio há dois tipos de ateísmo: o ateísmo positivo e o ateísmo negativo. São ligeiramente diferentes e a diferença é importante. Num caso podemos dizer "eu não vejo provas consistentes da existência de Deus", esse é o ateísmo negativo. O ateísmo positivo é "eu vejo provas consistentes da não existência de Deus". E portanto eu subscrevo sem dúvida o primeiro, e sinto que estou cada vez mais subscritor da segunda posição. E a razão pela qual isso acontece é a ala pediátrica do IPO. É claro que isso é um símbolo. Isto é um problema conhecido na filosofia, que é, o "problema do mal". Como é que, um Deus omnipotente, omnisciente e omnibenevolente como creio que é comum, permite que, por exemplo, crianças nasçam com leucemia? Eu conheço vários argumentos, por exemplo, daquilo a que a gente chama "o mal moral", que é, como é que o holocausto acontece? Deus criou os homens livres e portanto eles têm liberdade de praticar o mal e Deus não interfere porque porque se interferisse isso violaria o livre arbítrio das pessoas. Claro que isso depois não explica que haja milagres, mas enfim. É uma justificação. E a gente pode dizer "certo, isso justifica o mal moral, o mal social". Mas o mal natural, a ideia que de vez em quando um tsunami mata duzentas mil pessoas no sudoeste asiático, lá está, ou a ala pediátrica do IPO é mais difícil de justificar e também aí há vários argumentos, e ao longo do tempo, um dos quais, não se é Santo Agostinho, que fez referência ao facto de assim como os homens foram criados livres, também, digamos, anjos são criados livres e alguns caem, e esses anjos caídos estão na origem daquilo que chamamos o "mal natural". A minha questão é a seguinte: eu acho que o mundo é demasiado mau para a existência de um Deus omnipotente, omnisciente e omnibenevolente e é demasiado bom para haver demónios à solta. 

Eu conheço os argumentos a favor, e aquele que acaba de enunciar é conhecido como o argumento do relojoeiro. Nós tropeçamos num relógio na rua e pensamos "alguém fez isto". A questão é que o argumento do relojoeiro não valida a existência de um Deus omnibenevolente. Segundo, é um argumento por analogia e os argumentos por analogia apresentam algumas fragilidades. Nesse caso há uma fragilidade bastante evidente, que é, um relógio é produto da obra de várias pessoas (umas pessoas fazem a engrenagem, outras fazem a corda, outras fazem o vidro, etc) e isso também não demonstra a existência de um Deus único. Esse argumento é também aquele que se costuma chamar da prima causa, ou seja, que todas as coisas têm uma causa, portanto, o mundo também terá. Se que é um argumento que não resiste à pergunta - qual é a causa de Deus? 

Eu não estou empenhado em convencer ninguém de que Deus não existe. 

Creio que foi João Crisóstomo, o primeiro teólogo a constatar que no Novo Testamento Jesus Cristo chora duas vezes (quando vê Jerusalém e quando Lázaro morre) e não ri nenhuma. E isso acho eu, é importante. A gente olha para a Idade Média e lemos "O nome da rosa" e percebe-se claramente o modelo de ser humano para os cristãos: é uma pessoa que não riu nenhuma vez e isso faz diferença.

Um dos meus livros favoritos da Bíblia, que é o Eclisiastes, eu acho que há ali três ou quatro momentos em que me parece que o Coelet não acredita em Deus. Há ali momentos em que ele diz "que é que resta a nós debaixo do sol a não ser comer, beber e alegrar"? E o que ele diz, o acaso e o tempo acontecem a toda a gente. E isso, tendo em conta que Deus é o criador do mundo e lhe impôs uma ordem moral, se o acaso acontece a toda a gente, ou seja, se os bons como os maus sofrem... Lá está, a gente vê isso...Há aquela écloga do Camões que diz até o contrário: "eu aos bons vi sempre passar dificuldades e às vezes os maus são premiados. Tendo em conta isto resolvi ser mau e só eu é que fui castigado. Por azar o mundo está certo para mim e está errado para os outros todos". A gente olha lá para fora e nem todos os bons são recompensados, nem todos os maus são castigados, antes pelo contrário, e pronto, isso também gera perplexidade."

Ricardo Araújo PereiraE Deus Criou o Mundo - Antena 1

Da Minha Rua Para o Multiusos


Muita coisa aconteceu desde o torneio de ténis-de-mesa do ano passado cá na semana cultural da união de freguesias. Este ano, e como já era mais do esperado não houve revalidação do título! E se no ano passado a minha presença no torneio deveu-se ao folheto que encontrei na caixa do correio, este ano tudo foi diferente porque passei de paraquedista a elemento da organização.

Findo o torneio do ano passado, logo tratei de me filiar na coletividade para poder bater umas bolas todas as semanas e tentar evoluir um pouco mais. E assim foi. O que não estava à espera era que, apesar do ténis-de-mesa na coletividade ser praticado quase só por lazer, pudesse ter tido a oportunidade de ter um treinador a sério, com curso de desporto e tudo, e bater bolas com o seu pai, um ex-campeão nacional. Se o ping pong sempre foi uma paixão de criança, e todos os intervalos lá estava no polivalente da escola a jogar, trinta anos depois, a vida encarregou-se de me presentear. E eu sinto-me muito grato por isso. É uma coisa tão simples, mas é algo que me faz feliz. Certamente que não é agora que vou treinar para competir, mas vou treinar simplesmente porque gosto. É essa a definição de amador, sinónimo de amante, apreciador ou diletante. Não por ofício ou obrigação como os profissionais, mas simplesmente por gosto.

Começamos a treinar nas manhãs de domingo e duas vezes a meio da semana, conforme a disponibilidade de cada  um. Os meses foram passando e começamos a pensar na organização de um torneio cá na terra, mas por vários motivos acabamos por não reunir o apoio necessário para fazer um evento num espaço apropriado  e onde pudéssemos captar atletas  federados e não federados. Mas entretanto movido pela motivação de ter mais condições de treino indaguei os meus camaradas e presidente do clube sobre a possibilidade de conseguirmos arranjar um espaço melhor, com mais condições, e perguntei (depois de ter visto uma disputa do campeonato distrital) se por ali perto não haveria, por exemplo, uma escola vazia que se  pudesse solicitar na Junta de Freguesia. Havia, e a uns quinhentos metros, e mesmo em frente de um café sede de um rancho folclórico, que por certo iria atrair atenções.


E assim foi. Tinha ficado decidido treinar na escola, à experiência, para ver como as coisas correriam, durante dois meses, até à data do torneio. Se houvesse adesão, seria para continuar, assegurara o presidente do clube. Começamos a treinar na antiga escola primária, e treino após treino mais gente começou a aparecer, mesmo que alguns mal soubessem pegar na raquete, mas nesses mais visíveis ainda  eram os progressos mal passavam pela mão do Mister.

Entretanto começou-se a preparar o torneio anual da semana cultural. Divulgou-se nas redes sociais, imprimiu-se cartazes e eu espalhei inclusive vários nos locais de maior afluência na minha freguesia e outros noutros locais. Na ausência de algum material para o torneio (que não houve nas duas edições anteriores) contactei a associação distrital da modalidade no sentido de saber da disponibilidade para emprestar. Fiquei surpreendido, a resposta foi muito favorável, emprestavam o que quiséssemos e incentivaram a divulgação da modalidade.

Os dois meses a treinar na escola, com treinos abertos e gratuitos para a população tinham sido um sucesso. Fizeram-se alguns vídeos que foram divulgados nas redes sociais. Já o número de inscritos para o torneio não foi assim grande sucesso. E todos aqueles, amigos e colegas, a quem disse para se inscreveram, nem um sequer, por diferentes motivos apareceu. Porque uns tinham um casamento, outros de tarde tinham cenas marcadas, outros porque por este ou aquele motivo, a verdade é que nem um só se inscreveu. E dois antes da data marcada tinha chegado o dia do sorteio. A mim havia-me calhado na fase de grupos o finalista do ano anterior e um nome que ninguém conhecia.

E até ao dia do torneio algumas coisas não correram como o devido. E o pior foi mesmo o balde de água fria que não esperava, mas esses aspetos prefiro agora não mencionar.

Mas o que interessa é que, mal ou bem, com melhor ou pior organização, com maior ou menos afluência o torneio realizou-se. O vencedor foi o óbvio, com os seus sessenta anos, que entretanto poderemos ver arbitrar nos nacionais. Eu acabei por vencer o meu grupo. O tal nome desconhecido era uma criança de onze anos! Ainda nos aquecimentos comentei logo com os meus colegas que o miúdo tinha muito jeito. Vinha pela mão do pai que também dava uns toques.

Quis o sortilégio do sorteio que nas eliminatórias se  defrontassem, vejam só!, pai e filho! O filho de onze anos, implorava ao pai que o deixasse ganhar! E que é que vocês fariam no lugar do pai, hein?  O pai acabou por jogar normalmente, e a três ou quatro pontos da vitória já eram visíveis as lágrimas nos olhos do pequeno jogador. Eu fui avançando nas eliminatórias mas já sabia, iria tão longe possível enquanto não apanhasse o nosso campeão! Mas pelo meio ainda  perdi um set e comecei-me a enervar e tive com calma fui até à meia final onde perdi por 3-0 e venci depois o pai da criança para ficar em terceiro lugar.

Os senhores convidados, entre os quais o autarca procedeu à entrega dos prémios, deixou elogios aos treinos realizados na escola primária e deixou-nos à vontade para por lá ficar. De imediato aproximei-me dele, agradeci, mas a verdade é que ainda estou para saber porque raio não mais para lá voltamos.
Toda aquela gente que ia treinar se perdeu. O pai e o filho, que no torneio logo se mostraram interessados em fazer sócios e treinar também nunca apareceram. Acabamos por angariar mais dois jogadores, o Leandro e o Paulo, sempre cheios de motivação e continuamos à espera que o treinador venha do exílio, ou do fim do trabalho escravo como ele diria.

Vai daí vi divulgado nas redes sociais o tornei anual do Ala Nun'Alvares em que também se iria realizar um torneio de "populares" que é como quem diz não federados. E nem pensei duas vezes! De imediato falei com os meus colegas e  inscrevi-nos a todos. Mas logo os avisei que iríamos levar uma valente tareia! O torneio aconteceu numa sexta-feira, às oito da noite, à mesma hora que se realizava, umas mesas ao lado, um jogo do campeonato nacional de femininos! Eu era uma espécie de gladiador deslumbrado por pisar pela primeira vez o Coliseu de Roma, mesmo sabendo que estava a fazer o aquecimento para morte! Fiquei mesmo deslumbrado! Eu ali no pavilhão multiusos a pisar aquele vinil e a jogar naquele espaço com mesas profissionais e a ter a oportunidade de competir.

Dois colegas nossos, incluindo o nosso melhor representante, infelizmente não puderam ir. Um amigo meu foi e depois ainda tirou algumas fotos para recordar. A minha ideia em ir, era que, por um lado iria competir o que é sempre importante, por outro seria fazer alguns contactos e aprender, ver ali ao vivo como é que quem sabe, organiza as coisas. E aconteceu um pouco de tudo isso.
Começamos por treinar, bater bolinhas, e rapidamente percebi que o nível amador ali era alto, nada comparável aos nossos torneios que levam pessoas que estão habituadas a jogar uma ou duas vezes por ano! Nos gestos de manobrar a raquete rapidamente ficamos a saber o nível de determinado jogador ainda que, uma coisa é bater bolinha, outra bem diferente é jogar.

Ao certo não sei, mas estariam por ali entre trinta e quarenta atletas. Por ali estavam pessoas mais velhas, de cabelos brancos, tantos homens como mulheres, por certo alguns ex-federados, e também malta jovem do desporto escolar. Percebi que a organização dividiu bem o mal pelas aldeias. Todos os grupos (de três ou quatro pessoas) tinham uma mulher, e nenhum de nós ficou no mesmo grupo. Eu fiquei num grupo com dois miúdos de dezoito anos, um rapaz e uma rapariga, que me tratavam por você. Equipados a rigor, como grande parte dos presentes, com equipamentos de marcas de ténis-de-mesa, o que já diz muito do nível das pessoas. Nós fomos de forma descontraída, nem sequer vestimos os pólos do clube (ficará para a próxima vez!)

Como sempre entrei muito nervoso. Por isso talvez seja importante competir mais. Talvez todo este nervosismo comece a desaparecer, ou não. Nao sei. Mas às vezes parece que o meu maior opositor está dentro de mim mesmo e as coisas não me saem naturalmente. De repente, no primeiro set já estava a perder 6-0 contra o rapaz! Como é possível estar eu a perder os pontos todos? Respirei fundo, tentei acalmar-me e fiz um e outro ponto seguido. E de repente já dava para sentir o nervosismo no adversário. E a verdade é que consegui mesmo empatar a 10-10 e depois ganhei o set. E a partir daí parece que a tensão abrandou e comecei a jogar mais tranquilamente. Venci a primeira partida e depois a segunda contra a menina que também jogava bem e estava apurado para os oitavos de final em primeiro lugar. Os meus dois outros colegas também se conseguiram apurar o que foi ótimo!

Nos oitavos de final a todos nós nos calharam mulheres! E não vale a pena fazer grande mistério, a verdade é que todos perdemos contra elas! A mim calhou-me a irmã da menina que perdera comigo na fase de grupos. E neste caso se calhar não entrei focado o suficiente. Os jogos foram muito renhidos, mas ela venceu as duas partidas, para minha incredulidade no final. Porque cá entre nós, não fiquei totalmente convencido. Acho que tinha jogo para lhe ganhar, mas ela venceu bem. De qualquer das formas, caso eu vencesse, iria ficar-me pelos quartos de final porque iria defrontar o senhor que venceu o torneio com grande destaque.

Lá continuamos até ao final, a ver as restantes eliminatórias e entretanto as meninas que tinham estado a disputar o jogo do campeonato nacional, incluindo a campeã nacional também por ali apareceram, e estavam a apoiar as suas amigas, incluindo a que jogou contra mim! Entretanto o Leandro telefona ao meu colega, e este informa-o que já tínhamos sido todos eliminados, ao que ele terá falado em limpeza, porque o meu colega diz-lhe "Sim sim, limpavas isto tudo. Até parece que tem por ali uma vassoura"!

Foi muito fixe, competir ali, num clima de boa disposição e desportivismo. Entretanto logo veremos o que se sucederá na nossa coletividade onde estão previstas obras para breve.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Quantos Anos é Preciso Trabalhar Para Compensar uma Licenciatura?

"O homem pode amar o seu semelhante até ao ponto de morrer por ele; 
mas não o ama tanto que trabalhe em seu favor." 
(Proudhon)

heraldsun.com.au/
Nesta sociedade, todos nós que vimos ao mundo somos obrigados a trabalhar para podermos sobreviver. Vamos para a escola e lá passamos muitos anos, uns mais do que outros, quer pelas diferentes capacidades de cada um, quer muitas vezes pelas possibilidades socio-económicas que os nossos progenitores têm, em poder, ou não, de nos proporcionar os estudos e mais concretamente ainda os estudos universitários. 

Desde criança que ia ouvindo dos adultos que se quisesse ser alguém na vida (seja lá o que isso queira dizer) que teria que estudar, ou então, em alternativa, ir acartar baldes de massa (só porque nasci com um pénis).

Ninguém dizia às crianças "estuda para seres culto e saberes muitas coisas" ou "vê se te esforças na escola para aprenderes e não seres um ignorante". No fundo as crianças passarão longos anos a fio nas escolas, e mesmo durante a vida adulta, para serem treinados para o trabalho e em função disso terem expectativas melhores ou piores na retribuição salarial. E muitas vezes escolhe-se em função disso, das expectativas salariais, porque sinceramente, eu duvido que haja tanta gente com vocação para medicina!

Quando eu era miúdo, ouvia muito falar na quarta classe, que eram os estudos que a maioria da população tinha, e ouvia também falar no "quinto ano" ou então no "sétimo ano", que já era uma coisa importante! Mas aos poucos e poucos a sociedade portuguesa foi mudando e os estudos e os empregos também. Se quando eu era criança a grande parte das mulheres ainda ficava em casa a cuidar da casa e dos filhos, nas últimas décadas já trabalham homem e mulher e chegados ao fim do mês muitas vezes não há dinheiro para se pôr de lado. 

Entretanto os estudos obrigatórios passaram para nove anos e de nove para doze anos (apesar do CDS ser contra). Os primeiros nove, segundo ouço falar, são agora quase de passagem obrigatória, e os doze são, se calhar a nova quarta classe. Cada vez mais os alunos vão para as universidades, e longe vão também os tempos em que as meninas ficavam em casa a aprender a bordar, e são agora elas que enchem mais as universidades. Aconteceu também o processo de Bolonha, as licenciaturas estão mais curtas, e entretanto investe-se mais em mestrados e doutoramentos que, de facto, depois compensam realmente mais do ponto de vista salarial. 

Só que, fruto de todas estas mudanças, e da recente crise que implicou a última vinda do FMI a Portugal, os salários praticados vêm sendo nivelados muito por baixo, e a crise serve de desculpa para se pagar menos e os patrões embolsarem ainda mais. E já não há vergonha para se oferecerem salários mínimos, ou pouco mais que mínimos a licenciados. E depois temos ainda o problema da falta de empregabilidade, ou seja, o jovem adulto passa três, quatro ou cinco anos na universidade, para depois ir dobrar roupa para uma loja ou estar na caixa de um hipermercado. 

Diz-se que em Portugal ainda é dos países onde mais compensa fazer fazer um curso superior visto que o salário mínimo é miserável. Mas, vamos lá ver uma coisa: quantos anos é que um jovem licenciado tem que trabalhar para compensar ter passado cinco anos a estudar a mais?

Vamos fazer umas pequenas estimativas. Segundo alguns estudos, o salário base anual dos recém-licenciados, no primeiro emprego, situa-se entre os 13 280 euros e os 17 856 euros anuais, ou seja, mais coisa menos coisa mil euros.

Vamos então supor o seguinte. Um jovem com o 12º anos, começa agora a trabalhar e nos primeiros cinco anos tem um vencimento médio de 700 euros. Ao fim de cinco anos ganhou cerca de 50 mil euros. Já o jovem que foi para a universidade, e que por lá estará durante cinco anos, vai pagar propinas, muitas vezes terá que pagar o aluguer de um quarto e todas as despesas inerentes ao estudo, como manuais, material, etc.

Se daqui por cinco anos o jovem que se ficou pelo 12º ano terá ganho cinquenta mil euros, o recém licenciado só daqui por cinco anos ganhará o seu primeiro salário (sim, é verdade que entretanto poderá fazer uns biscates, mas esse dinheiro será para sustentar os seus estudos). Fazendo as contas sem aumentos salariais será então assim:

Daqui por seis anos e seguintes:

                                  58.800    /    14.000
                                  68.600    /    28.000
                                  78.400    /    42.000
                                  88.200    /    56.000
                                  98.000    /    70.000
                                107.800    /    84.000 
                                117.600    /    98.000
                                127.400    /  112.000
                                137.200    /  126.000
                                147.000    /  140.000
                               156. 800    /  154.000
                                166.600    /  168.000
                                   
Respondendo, um licenciado que fique cinco anos na universidade, com estes valores estimados que introduzi, precisa de dezassete anos para ultrapassar o rendimento obtido por um aluno que se ficou pelo secundário.

domingo, 17 de novembro de 2019

Então Caiu a Chuva de Outono


... Então a chuva de Outono lavou toda a minha dor
E de alguma forma sinto-me mais brilhante, mais leve para respirar mais uma vez
E então caiu a chuva de outono lavou minhas mágoas
E de alguma forma com o pôr-do-sol por trás acho que os sonhos são para ficar
Então caiu a chuva de Outono...

So Fell Autumn Rain - Lake of Tears (1999)

sábado, 16 de novembro de 2019

dos Lugares no Céu aos Laiques nas Redes Sociais

"Assim que uma moeda tilinta no cofre, uma alma sai do purgatório".

Tenho para mim, e ninguém me tira mesmo da cabeça, que foi a Igreja Católica, de forma pioneira, que inventou o capitalismo selvagem tal como o conhecemos hoje. A basílica de São Pedro não se construía sozinha e era preciso muito dinheiro, e vai daí surgiu a ideia: e se começássemos a permitir que as pessoas cometessem pecados mortais e cobrássemos uma taxa para meter uma cunha a Deus? Todos aprendemos na escolinha sobre a bula das indulgências, no fundo como o pobre endinheirado pecador poderia comprar a sua salvação desde que, claro, pagasse a quantia certa!  

BBC
Entretanto a Idade Média já lá vai à uns tempitos, mas também hoje, em pleno século XXI as pessoas compram a entrada no céu, a sua vida perfeita através das redes sociais. Vem isto a propósito de eu ter estado a ler sobre o Instagram estar já a estudar a possibilidade de banir os gostos e isso estar a deixar muita malta apreensiva porque seria o mesmo que a Igreja da Idade Média passasse a não aceitar avultadas quantias de dinheiro para conduzir à salvação eterna! Porque tudo se compra e tudo se vende. Hoje os utilizadores das redes sociais compram a sua entrada no reino dos céus dos que têm mais laiques e seguidores, comprando gostos e seguidores! Fiquei a saber que cerca de 64% dos influenciadores admitiram que compram gostos!, e dei-me conta também como é que a senhora Dolores é a personalidade portuguesa mais seguida nas redes sociais. Basta comprar não é?, e tendo em conta que o seu filho não recebe o salário mínimo e até pagou a sua própria estátua para se auto-homenagear, ficou claro como água como é que a senhora é a rainha das redes sociais em Portugal, apesar de não lhe ser conhecida qualquer vocação ou especial capacidade física ou intelectual.  

Frequentemente digo que a nossa vida hoje não é assim tão diferente da Idade Média. E a verdade é que as novas Igrejas são agora as redes sociais, onde até um gajo que nem saiba falar pode ser eleito presidente com recurso a exércitos de bots, desde que, obviamente, os possa comprar!

Cada Gosto que cai no perfil, é mais uma vida perfeita que se constrói na rede social. 

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Marshall Eriksen É Um Jornalista Metaleiro Infiltrado numa Rádio do Brasil!


Não podia acreditar no que estava a ver! Alguém partilhava umas daquelas muitas coisas que se partilham no Twiiter que nos passam ao lado. Ainda por cima era no Brasil. Simplesmente não interessa e passamos à seguinte publica... ção... Alto! Pára tudo! Está ali um jornalista (deixa ver melhor) da Rádio Itatiaia com uma t-shirt de Morbid Angel do primeiro álbum Altars of Madness?! Uau! Respeito!

Olho mais para cima e... não pode ser!! É o Marshall Erikson de How I Met Your Mother! É jornalista numa rádio brasileira e é grande fã de Death Metal! 


Se não é... é o seu sósia perfeito!

# How I Met Your Mother


segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Ditado Popular 0 - Meteorologia 1

ALEX WONG, GETTY IMAGES


Sábado ao fim da tarde:

"Vermelho ao Mar.... amanhã vai estar um belo dia de sol."

Olhe que a meteorologia diz que depois de meio-dia vai chover.

- "Vais ver que vai estar sol". 

Veremos se "vermelho ao mar trará um calor de rachar".

Em pleno Verão de São Martinho (que se comemora hoje) temos tido chuva permanente e temperaturas que não fazem lembrar nenhum verão, nem sequer mesmo primavera. E ontem, domingo, choveu. 

Não há assim muito tempo que toda a gente considerava a meteorologia mais ou menos ao nível da economia que nunca acertas com as suas projeções para o semestre seguinte. Mas entretanto a meteorologia, pelo menos as previsões que fazer aqui para os meus lados, tem andado bastante certinhas, tão certinhas que conseguem mesmo bater a sabedoria popular. 


domingo, 10 de novembro de 2019

# LULA LIVRE

"A arbitrariedade serviu para despertar o vigor de um líder nato e iniciar o processo de construção de uma lenda"
(Max Cavalera / 2016)



"...Army in siegeTotal alarm
I'm sick of this
Inside the state
War is created
No man's land
What is this shit?!

Refuse/Resist
Refuse..."

Refuse / Resist - Sepultura (1993)

sábado, 9 de novembro de 2019

O que é que Haveria de ser dos Ricos e da Religião sem os Pobrezinhos?

"O "pobrezinho"era uma entidade que povoou a minha infância e que recolhia o amparo e o carinho de todos (...) Em todas as "boas" casas da minha meninice meiga e temente cultivavam-se os pobrezinhos, regavam-se com bocadinhos de pão com conduto, com pequenas moedas de cobre, e cultivava-se sobretudo a sua pobreza. Havia a comida dos pobres, a esmola dos pobres, as visitas dos pobres e a sexta-feira, sobre ser diz aziago, era também o dia dos pobres (...) As coisas para os pobres eram objetos intermédios entre o uso e o lixo. Estavam pré-determinadas e correspondiam ainda à dificuldade do desapossamento das coisas, mesmo as que já não servem, que está na base da civilização em que vivemos.

(...) Sinto que, se não houvesse pobrezinhos, a vida espiritual da minha infância teria sofrido uma lacuna tão grave como se não tivesse havido missa (...) Os ricos deliravam com estes pobrezinhos assim cordatos, submissos e respeitadores. Havia muitas espécies de pobres. Quanto ao modo como adquiriam os meios de subsistência, havia os pedintes, os necessitados e os envergonhados (...) quanto à sua conformação psíquica, havia os preguiçosos, os bêbados e os mmaluquinhos propriamente ditos.
Alguns atrasados mentais davam muito jeito numa casa. Faziam pequenos serviços: regar as flores, ir a uma loja certa buscar isto e aquilo. Acomodavam-se aos trabalhos de uma certa estrutura doméstico-provinciana, ganhavam menos, ficava-se muito bem visto (...) Quem não viveu como eu vivi a monotonia dos anos trinta não pode imaginar como estas coisas eram importantes e divertidas. De resto, com alguma razão a avó do Otto Lara dizia: "Boa criada só meio retardada".

(...) Entre o pessoal efetivo das casas e os pobres de pedir havia uma zona intermédia de seres que viviam da esmola mas não eram tratados, nem gostariam, de ser profissionais propriamente ditos. Eram normalmente mulheres, e eram chamadas "meninas" até à decrepitude. Faziam pequenos trabalhos de costura, algumas tinham jeito para bordados, outras faziam bolos (...) Vestiam do vestir que sobejava dos guarda-fatos quando já estava no fio, comiam do comer que sobejava da mesa quando já estava frio.

(...) Toda a minha infância ficou assim povoada de pobres de que estes eram os mais valiosos, porque mais autónomos, alguns mesmo marginais às estruturas, mas havia outros que estavam completamente integrados no nosso status comum em conluiado contraponto.
Todos os que faziam parte do chamado "mundo do trabalho" também eram pobres se se mantinham submissos e respeitadores. Caso contrário eram "bolchevistas". Quando aprendi a palavra  "bolchevista", longe estava de saber que eles tinham tido coisas lá na Rússia com os "menchevistas".

(...) Todo este clima justificava a filosofia do velho Meneses:
"Nosso Senhor acuda aos ricos, que os pobres com qualquer coisa se governam". E era.

Como o mundo dos ricos tinha grandes contestações ao nível da ética tradicional e porque, evidentemente, havia pessoas muito mais ricas que nós, isso dava-nos alguma margem de manobra para singrar entre a riqueza, que implicaria uma série de imprecações em relação aos preceitos evangélicos e não justificava o ritmo de poupança em que estávamos sendo criados e que era o nosso estilo de viver, e a pobreza, que não era manifestamente o nosso estado.
Recorria-se então a um truque  de linguagem: "éramos remediados". A situação de "remedido" era extremamente cómoda porque, sem as dificuldades da pobreza e sem o odioso da riqueza, permitia que vivêssemos de boa consciência o nosso quotidiano privilegiado, sendo certo também que os pobres, desconhecedores destas subtilezas  linguísticas, nos enquadrava, muito justamente no mundo dos ricos, mas nunca nos trouxeram por isso qualquer espécie de dificuldades (...)

Mansos, cordatos, "òmildes", respeitadores, obedientes ao senhor e ao Senhor, por eles não vinha ao mundo qualquer espécie de males. Pretendiam só que lhes fosse permitido viver o seu dia-a-dia da miséria e que lhes assegurassem aquele mínimo que os deixasse subsistir. Em troca, forneciam a boa consciência aos ricos e deixavam até que os poetas os tomassem para pretexto do seu lirismo barato.
A cariente disso. Não, de maneira dosa burguesia tradicional cultivou por tudo isto a pobreza dos outros com um carinho enternecedor. Nunca lhes passou pela cabeça que cabeça que talvez fosse possível acaba com ela ou, pelo menos, tratar muito seriamnenhuma. A pobreza fazia parte integrante do universo económico, religioso e moral dos ricos que encontraram sempre nos pobres a mais devotada das colaborações (...)

Logo que a classe operária teve, nos tais países desenvolvidos, teve acesso aos benefícios do capitalismo, passou a incomodar-se menos com a transcendente missão de que os outros a tinha encarregado e, muito naturalmente, passou a preocupar-se mais com o frigorífico, a televisão e o automovelzinho, que são coisas que dão muito jeito e só quem as tem é que sabe a falta que isso faz (...)

Acresce que as pessoas talvez não se tivessem dado bem conta de que uma sociedade capitalista cria, muito naturalmente, um proletariado de mentalidade capitalista porque os processos, as motivações, os valores, são exatamente os mesmos. Por essa razão, natural é também que tudo assim aconteça: o condicionamento global em que a sociedade capitalista vive não é de molde a dar ao problema uma solução adequada (...)

Foram quase sempre "traidores" da burguesia que criaram as motivações capazes de mobilizar as forças que originaram as grandes mutações sociais (...)

Este tipo de situação que aparece de forma clara na sociedade em geral tem muito naturalmente os seus reflexos na sociologia duma religião que enfiou como uma luva a sociedade burguesa com as suas grandezas e misérias. Em vez de, como esperava, a religião ter modificado as estruturas, foram as estruturas que modificaram a religião. A conveniência dos pobres dos ricos corresponde exatamente à conveniência dos pobres da Igreja. Os mesmos sinais de perigo iminente soltam-se, simultaneamente, dos senhores da burguesia e dos senhores da Igreja, preocupados com "a agitação e a subversão que se pode provocar nos seus queridos pobrezinhos".

Vou Começar a Minha Startup!

As grandes ideias muitas vezes ou surgem do acaso ou então, como pude constatar, da genialidade de alguém como a minha mãe, que, num ápice, e de forma extremamente simples, resolve um problema universal sem solução até à data! 

Estão a ver aquele drama de muitos casais, em que ela, em Junho ainda dorme de pijama, com cinco cobertores e dois edredons, ao passo que ele dorme nu? Ou então o oposto, porque nada de generalizar, até porque no caso da minha mãe sempre foi mesmo ao contrário: "casei com dois homens friorentos"!


Tenho para mim que, muito mais do que não se amar quem não ouve a mesma canção, não se deveria  dormir na mesma cama com quem tem sensações térmicas muito diferentes das nossas! Ou então, por raio as pessoas insistem em dividir cama quando se juntam, sabendo que um vai morrer de calor e o outro vai morrer de frio? Por que é que as pessoas simplesmente não dormem em camas separadas (já que dormir em casas separadas seria bem mais dispendioso)!

Mas sobre esta descoberta espetacular, infelizmente não vos posso dar mais pormenores, senão, como já me aconteceu no passado, alguém aproveita-se das minhas ideias e vai já patentear esta inovação que irá revolucionar a vida no lar!

Mas agora preciso é de um investidor!

Ou então... espera lá! Se calhar tenho que começar a ler sobre vaquinhas da net (crowdfounding),  começar para cima (startup) e fazer o meu plano de negócio (business plan) para poder perceber qual o tempo que o meu negócio levaria a queimar os recursos recebidos (burn rate)!

Sócios é que não! Tenho aprendido muito sobre sociedades lá na empresa e não é isso que quero para mim! Até porque, como diz o povo: "a melhor sociedade é com a mulher na cama"! Numa cama em que um homem quente e mulher gélida possam dormir confortáveis, pois 'tá claro!

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Virgem aos 78 Anos

Todos os dias saem livros para as livrarias, para serem vendidos e para darem dinheiro ao autor e ao editor e às livrarias que os vende. Mas os livros são, ou deveriam ser feitos, para ser lidos. É essa a sua utilidade, uma mensagem que se pretende que seja lida. Mas há livros que, foram comprados, ficaram em casa de alguém por este ou aquele motivo, vão ficando esquecidos ou encostados. O tempo vai passando, o papel vai amarelecendo, e o livro continua ansioso pelo dia em que alguém pegue nele e o folheie.  Infelizmente há mesmo livros, como este pobre coitado "Alianista" de Machado de Assis, que já tem 78 anos e continua virgem, verdadeiramente intacto, por rasgar e desvirginar as suas páginas...



Sim, para quem é jovem e/ou não lê livros antigos, antigamente muitos livros saíam para as livrarias com as suas folhas unidas. Competia ao leitor pegar numa faca e separá-las. Se é verdade que tenho recebido muitos livros usados, que suspeito nunca terem sido lidos, neste caso não é uma suspeita, é uma evidência!

P.S: E será que este livro pode ter mais valor por estar intacto? No fundo acho que isto ainda é mais valioso que uma primeira edição! Leiloo já a virgindade do livro!

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Rosa Mota Perde a Corrida Contra o Capitalismo

1952 - Pavilhão dos Desportos - 1991 - Pavilhão Rosa Mota - 2019 - Arena Super Bock 

Este disco voador extraterrestre aterrou na cidade do Porto há sessenta e nove anos, mesmo em cima do Palácio de Cristal, que tinha sido inaugurado em 1865. Chamaram ao disco voador "pavilhão dos desportos" mas o antigo nome do espaço sobreviveu até aos dias de hoje ainda que não haja nenhum palácio para ver.

Entretanto em 1991, no mandato de Fernando Gomes (PS) à frente da câmara municipal do Porto, este decide homenagear a grande atleta e campeã olímpica portuense atribuindo-lhe o nome ao pavilhão dos desportos, passando este a designar-se "Pavilhão Rosa Mota", facto que não obteve qualquer contestação pública. 

Os anos foram passando e o uso do pavilhão, que acolhia dos mais variados espetáculos e eventos, foi entrando em decadência, talvez, especulo eu, devido à falta de manutenção. Onze anos depois da mudança de nome, Rui Rio (PSD) chega à câmara municipal e por lá haveria de ficar doze anos sem nada ter feito, apesar de em 2005 o LNEC ter afirmado que estava em risco de cair. Ainda teve um projeto pensado, que causou grande polémica, porque previa a construção de um centro de congressos na zona do lago e teria de ser destruído parte do jardim e cortadas árvores (nada que Rio não tivesse feito na destruição da Praça da Liberdade pelo lápis de Siza Vieira). A verdade é que o que fica para a história é que Rui Rio nada fez pelo pavilhão Rosa Mota e este continuou a degradar-se ao longo dos seus doze anos de mandato e a cidade perdeu 5.7 milhões de euros de fundos comunitários para o restaurar. 

Há seis anos chega à Câmara Municipal do Porto Rui Moreira (CDS/Independente) que inicia o processo de recuperação em 2014 com o lançamento de um concurso público que foi tudo menos pacífico. 

Chegados a 2019 temos o disco voador que destruiu o Palácio de Cristal restaurado e independentemente de qualquer polémica, há que dar o mérito a quem fez alguma coisa para não o deixar implodir sobre si mesmo. Quem nada faz é que nunca é criticado. 

Mas a polémica rebentou porque o mecenas privado quis ficar com a toponímia para si - "não há almoços nem restauros grátis"! - mas, segundo consta, o que estava acertado seria manter-se o nome da atleta e acrescentar-se o nome da marca de cervejas Ora, quando Rosa Mota soube da mudança de ideias, e da sua subalternização, como é óbvio, mandou-se ao ar e promete agora uma guerra nos tribunais com a câmara municipal. 

O que eu acho disto tudo? Que não temos que andar a mendigar homenagens. Se o senhor presidente da câmara Rui Moreira deu o dito por não dito, eu, no lugar da Rosa Mota, o que fazia era de imediato exigir a retirada do meu nome daquele local. A Rosa Mota não fez como o outro que pagou a sua própria estátua, não exigiu nada, foi a câmara que decidiu homenageá-la, se agora outro presidente resolve subalternizar o seu nome, está no seu direito, mas a atleta também tem o direito, se quiser, de obrigar a autarquia a retirar o seu nome. 

Um dia destes iremos passear pelos jardins Coca-Cola de Serralves ou subir à Torre McDonald's dos Clérigos, tal como o Coliseu do Porto não passou a ser da IURD mas é agora AGEAS e parece que ninguém se importou muito com isso, não houve manifestações, nem gente amarrada a cadeado, nem as gentes da cultura portuense muito incomodadas com isso.

Rosa Mota, conjuntamente com Carlos Lopes e Eusébio, foram dos maiores atletas portugueses do século vinte. Eu vi inúmeras maratonas de Rosa Mota, aquela menina franzina da Foz, que quando arrancava deixava toda a gente para trás. E não foi agora a primeira vez que foi maltratada. Lembro que há muitos anos, devido à falta de apoios, ameaçou correr por outro país de língua portuguesa (Angola ou Moçambique não lembro ao certo). Rosa Mota como atleta não tinha rival à altura. Mesmo numa altura em que se achava que as mulheres não deveriam correr a maratona porque eram inferiores aos homens. Rosa Mota sempre venceu as suas maratonas. Foi campeã europeia, mundial e olímpica! Infelizmente perdeu agora a corrida contra o capitalismo. 

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Já Que se Fala Tanto em Ambiente e Produtividade...

Agora não se fala de outra coisa. É Ambiente para cá ambiente para lá, são as palhinhas e beatas, mas falemos de coisas verdadeiramente importantes: e se experimentássemos trabalhar só quatro dias por semana? 

Sim senhor António Costa, em vez de proibir a entrada de carros anteriores a 2000 na cidade de Lisboa (como fez quando era presidente da câmara) medida simbólica e que apenas descrimina as pessoas que não têm rendimentos para terem carros mais modernos, diga-me lá,  quanto é que representaria retirar 20% por semana, dos mais de um milhão de carros que todos os dias circulam só em Lisboa e Porto?

Ah, mas ó Konigvs, e quanto é que isso custaria às empresas, tadinhas das empresas...

Falemos então de produtividade. Senhor empresário: interessava-lhe ter um aumento de 40% produtiviade na sua empresa?

Então atente no seguinte. Ontem o The Guardian trouxe uma reportagem muito interessante. Então não é que a Microsoft testou uma semana de trabalho de quatro dias em seus escritórios no Japão e descobriu que os funcionários não eram apenas mais felizes, mas também significativamente mais produtivos?



Durante o mês de Agosto, a Microsoft experimentou um novo projeto chamado Work-Life Choice Challenge Summer 2019 (qualquer coisa como Trabalho-Vida Desafio-Escolha 2109) oferecendo a todos os seus 2300 trabalhadores as cinco sextas-feiras seguidas sem diminuir os salários.

"Trabalhe por um curto período de tempo, descanse bem e aprenda muito", afirmou o presidente e CEO da Microsoft Japão, Takuya Hirano, em comunicado ao site da empresa. "Quero que os funcionários pensem e experimentem como podem alcançar os mesmos resultados com 20% menos tempo de trabalho."

Então não é que além do aumento da produtividade, os trabalhadores tiraram ainda menos folgas durante o teste, o uso de eletricidade caiu 23% no escritório e imprimiram menos 59% páginas de papel?

Já um estudo publicado pela Harvard Business Review mostrou que, dias de trabalho mais curtos, diminuindo as oito horas de trabalho para seis horas, aumentam a produtividade. Outro estudo realizado em 2018 com 3000 trabalhadores descobriu que metade dos trabalhadores achava que poderia fazer o seu trabalho em cinco horas por dia.

Então, e até porque também não se pode fazer tudo de uma vez, e visto que os políticos querem tanto proteger o Ambiente (nem dormem de noite a pensar no Ambiente!) mas querem também captar votos, porque raio o governo não começa por dar o primeiro sinal, reduzindo o horário de trabalho dos trabalhadores do privado, tornando igual o que neste momento é desigual em relação aos trabalhadores do Estado? 

E depois por que é que a União Europeia não coloca um horário de trabalho igual em todos os países da zona Euro e reduz definitivamente a semana de trabalho para quatro dias?

domingo, 3 de novembro de 2019

CHEGA! Já Nem Nos Fascistas Podemos Confiar!


Primeiro foram os fascistas neo-liberais a dizer uma coisa em campanha eleitoral e a fazer outra mal foram eleitos. Agora é o Ventura, que de tanto se falar que o homem até tinha um doutoramento (um fascista com canudo é outra coisa!) mas vai daí e alguém se decidiu a ir ler o que ele escreveu na sua tese. E não é que o senhor em 2013 criticava a estigmatizarão das minorias, a expansão do poder das polícias e critica tudo aquilo que o André Ventura/2017 passou a dizer como candidato à Câmara de Loures e como líder do novo partido que entretanto criou?

Puta que pariu! Já não há fascistas em condições para votar! Agora quando se falar em André Ventura nunca sabemos se é o que aparece na net ao lado de pretos, ou o André Ventura racista e xenófobo!
Eu acho que Salazar deve estar às voltas na campa com esta cambada de aprendizes a ditadores! E digo mais, depois admirem-se que um dia destes o poder seja tomado por uma maioria absoluta dos perigosos extremistas do PSD ou PS!!

Diário de Notícias

Em Quantos Tipos se Divide a Humanidade?

Dostoievsky, através da sua personagem Raskólnikov dividiu a humanidade entre os ordinários e os extra-ordinários... 

Já Gabriel Garcia Márquez preferiu dividir, na sua personagem Florentino Ariza, a humanidade entre os que cagam bem e os que cagam mal...




Eu acrescentaria ainda um terceiro grupo: aqueles que se estão a cagar para tudo: