"A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão."
domingo, 30 de janeiro de 2022
Conversas Improváveis (66) - Eu até há 10 Minutos Julgava Que Eras Inteligente
sábado, 29 de janeiro de 2022
Quando o Inverno Era Inverno e Não Travestido de Primavera
Dia 29 de Janeiro de 2022, véspera das legislativas que irão encher o parlamento de fascistas. Pleno Inverno.
Não chove há semanas e pouco ou nada tem chovido neste Inverno que tem sido quente. Vários incêndios a decorrer no dia de hoje. De tarde andei de manga curta ao sol. Mas não suficientemente estranho, andei a regar as plantas porque a terra estava completamente seca.
Há um ditado popular que diz: "Muito vai mal Portugal quando não tem três cheias antes do Natal".
Relembro as palavras de Hélder Pacheco, em 1995:
"Quando a humanidade do meu quinteiro acreditava nas virtudes purificatórias e propiciatórias dos rituais para se defender do Mal, das Trevas, dos Mafarrico e demais forças ocultas, gozava à tripa-forra no Entrudo e em alguns dias do seu prolongamento no tempo da mortificação: a Quaresma. Era, claro, humanidade - como se diz agora - mais do que básica, pois, além de não possuir quatro canais de televisão a debitar telenovelas, suportava invernos à altura dos seus pergaminhos astrológicos e não travestidos de Primavera. Naquelas eras Inverno era Inverno, sendo preciso afastá-lo, renegá-lo deitá-lo fora como trapo velho para que o rejuvenescimento da Natureza fosse feliz e sem entraves. Eis, no fundo, a essência dos rituais do Natal à Páscoa, com plena representação na Serração da Velha, no enterro do João e na morte - queima - ritual do Judas antes da alegria esplendorosa da Ressurreição da Vida.
Conversas Improváveis (65) - Não Vás Votar de Bicicleta
O meu colega:
"Não vás de bicicleta. Assim ficam logo a saber em quem vais votar"!
E, de facto, ele tem toda a razão! Ficavam logo a saber que vou votar num partido de Esquerda!
quinta-feira, 27 de janeiro de 2022
Pobres de Direita ou Inconsciência de Classe
Na escolinha aprendemos que, há uns séculos, antes da revolução industrial, existiam três classes: povo, nobreza e clero. Mas hoje porque adora-se fragmentar e estratificar tudo, dividimos as pessoas em muitas outras classes além destas: pobres, classe média, ricos e multimilionários, quando na verdade poderíamos dividir em duas: os que tudo têm e exploram os outros e aqueles que nada têm além da mão de obra que vendem para sobreviver.
E entre aqueles que nada têm tanto está o sem abrigo que vive na rua, aquele eremita que vive sozinho e come do que planta no sopé da montanha; o operário que trabalha na linha de produção, ou o engenheiro informático que ganha cinco mil Euros numa daquelas melhores empresas para se trabalhar em Portugal, bem como o pequeno empresário empreendedor.
Mas Königvs, como é que tu metes no mesmo saco o operário com o 9ºano de escolaridade duma linha de produção com um engenheiro que ganha cinco mil Euros numa bela duma empresa com playstation, televisão e mesa de ping pong?
Meto porque ambos vivem de se vender para sobreviver. O operário trabalha 8h por dia para ganhar 700€ e gasta em função desse salário mínimo, de igual forma também o engenheiro faz o mesmo: de vender a sua mão-de-obra para pagar as despesas que esse salário lhe permite.
Ou o que é que acham que vai acontecer ao engenheiro dos cinco mil Euros por mês se tiver um cancro e deixar de trabalhar? Será que ele tem dinheiro para pagar os custos dos tratamentos do seu bolso e pagar as suas despesas como as prestações do apartamentozinho que lhe custou 300 mil euros a quarenta anos bem como o Volvo de 60 mil Euros, ou está bem fodido porque estouraria as poucas economias que amealhou se não existisse um coisa chamada Serviço Nacional de Saúde, que não existia durante a ditadura (nem pela vontade de PSD e CDS)? Porque se estivesse à espera que o seguro de saúde que não fez (porque em Portugal só os pobres fazem seguros de saúde) bem morria ao desmazelo porque os seguros não cobrem esse tipo de tratamentos caríssimos.
De um lado estão os trabalhadores, do outro os donos dos meios de produção que enriquecem à custa da exploração do lucro que obtêm. De um lado os 99%, do outro os 1% que tudo têm. e põem os trabalhadores a mijar para uma garrafa.
Mas se entendo que alguém que ganhe cinco mil euros por mês possa pensar mais no seu bolso do que no bem comum (a nível de impostos por exemplo), já acaba por ser ridículo que o trabalhador que se queixa de ganhar o salário mínimo vote no mesmo partido que vota o seu patrão!
A Direita existe para representar os 1% que tudo têm. É justo. Em democracia todos se devem fazer representar. Mas o que não faz sentido nenhum é os ratos continuarem ao longo dos tempos a eleger os gatos para os governarem.
"No Brasil, o pobre odeia o miserável, a classe média odeia o pobre, o rico odeia a classe média, o milionário odeia o rico, acha cafonérrimo. E por aí vai, é sempre o ódio pela classe imediatamente abaixo."
domingo, 23 de janeiro de 2022
Coisas Que as Pessoas Deixam Dentro dos Livros (2)
Quem será a Alexandra que tem esta bela caligrafia?
Tinder Político Legislativas 2022
Estamos a uma semana de novas eleições legislativas, perfeitamente dispensáveis diga-se. Culpo toda a gente, desde logo o culpado-mor, o rei-das-selfies que dissolveu a assembleia e esperou para marcar eleições porque toda a direita estava em pé de guerra: PSD, CDS, CH, todos sem líder e em disputa interna. Culpo também o primeiro-ministro, aquele que tendo minoria é obrigado a negociar. Mas culpo também os partidos da oposição, todos eles menos o PAN e as deputadas não inscritas, porque quiseram chumbar um orçamento de Estado que, já se sabia, acabaria por resultar em eleições porque assim tinha definido o presidente da república.
Temos assim que, em plena pandemia, com o país a crescer acima da média europeia, e precisando de investir na recuperação, ficaremos estagnados, se calhar com um ano sem Orçamento de Estado, porque quase toda a gente colocou os seus interesses à frente dos interesses do país.
Mas o mal está feito, há eleições e temos que votar.
Não vi nenhum debate, tal como não ouvi nenhuma entrevista. E acho que ver tempos de antena e acompanhar campanha eleitoral é como aquele aluno que nunca foi às aulas mas depois quer entender toda a matéria no dia anterior ao exame. Eu já tenho uns cabelitos brancos para conhecer de ginjeira todos os partidos com assento parlamentar.
Mas ainda assim gosto sempre de fazer testes políticos. Credíveis como é lógico e não como o do jornal Manipulador em que se pessoa responder neutro em tudo dá que é de extrema-direita!
Creio que foi em 2019 que já tinha feito o teste político do jornal Público. Repeti agora, numa coisa estilo Tinder, em que os resultados me parecem muito fidedignos, salientando no entanto que nos resultados só encontramos os partidos com assento parlamentar.
Se o teste é uma espécie procura de relação no Tinder, então eu posso dizer que me saiu uma menage-a-troi com o Rui Tavares, a Catarina Martins e Inês Sousa Real. E parece-me muito bem
Não é a Tua Amiga Aqui na Revista?
Sim e não. Sim, é a pessoa que tinha falado, mas não é minha amiga. Em boa verdade até já faz muito tempo que deixamos de falar.
Anteriormente já tinha aqui falado como as figuras públicas exercem um enorme poder de atração sobre os anónimos. E quem não me conhecer até poderá pensar que eu já tive uma amizade com alguma figura pública ou, pior, que andei envolvido de alguma forma com alguma. Lamento desiludir mas, não! E por isso não há detalhes sórdidos para ninguém!
Contudo, já tive uma pequena amostra quando me deparei com uma cantora, bem conhecida do meio que frequentava e que, muitos anos depois, acabei por ter como colega de trabalho. E a verdade é que, nunca a consegui ver como outra pessoa comum, igual a outro colega. Havia ali sempre uma diferença.
Se eu agora, por algum motivo, começasse a conversar, ainda que na net, com determinada figura pública, não tenho dúvidas que seria sempre toldado pelo fascínio, mais ou menos como a atração que, de noite, os mosquitos sentem pela luz.
Acredito que para um ~ilustre anónimo como eu, seja sempre uma espécie de troféu ou conquista, mesmo que ninguém saiba. "Eu sou amigo, ou eu relaciono-me ou eu ando a comer a pessoa X". Que fixe que é. Sou o maior! Porque o que vem primeiro não é o conhecimento da índole ou personalidade da pessoa pública mas sim o brilho do mediatismo e o feito de nos relacionarmos com alguém que tem determinado protagonismo e que está muito acima de nós.
Sim, eu conheci aquela senhora que apareceu na revista. Foi um conhecimento virtual ainda que, a determinada altura, até tenha sido agendado um encontro pessoal que acabou por não acontecer. Foi meramente um encontro casual num local inesperado do éter cibernético que desembocou em conversas e revelações pessoais.
Fomos trocando conversas entre dois iguais, meros ilustres anónimos e, só bem mais tarde, fruto de a ir acompanhando na sua rede social, comecei a perceber, bem antes das revistas, que se estava a tornar numa figura de destaque mundial.
Guardo para mim a triste revelação (na minha maneira de ver as coisas) que nunca se apaixonou. Que estava farta de ver as amigas sofrer por causa das suas relações. Então, decidiu nunca se entregar. Começou a pedalar com rodinhas na bicicleta e resolveu nunca mais as retirar com medo de cair. É verdade que assim não corre o risco de cair e aleijar-se, mas também nunca conhecerá a sensação de pedalar livremente. Viver sempre debaixo da cama com medo que a casa um dia venha abaixo também não é viver. É só existir. A dor faz parte da vida, tal como faz a alegria. É legítimo estar sempre na defensiva, mas eu acho triste. Mais triste ainda foi confessar-me que achava que os homens só a viam como um bom naco de carne para foder.
Deixamos de falar, de forma natural, tal como deixamos de falar com tantas outras pessoas com quem nos cruzamos na net. Como deixamos de falar com os próprios amigos, que estão à distância de um clique na rede social. Também sei que será uma pessoa extremamente ocupada, sempre a viajar de um lado para o outro lado do mundo e a gerir o grupo de pessoas que com ela trabalha diretamente. E depois eu também nunca gostei de sentir que estou a forçar algo. Gosto de deixar fluir.
Fico feliz que esteja a ter muito sucesso porque o trabalho ou o sucesso profissional, e consequente reconhecimento pessoal, é sempre uma componente importante das nossas vidas. Mas mais importante que o brilho dos holofotes, espero que longe deles, a vida pessoal também lhe esteja a correr bem.
quinta-feira, 20 de janeiro de 2022
Caravana do PAN
terça-feira, 18 de janeiro de 2022
Conversas Improváveis (64) - Macetes e Batota
Ela está muito entusiasmadas a fazer a sua árvore genealógica. Comprova-se a análise de ADN dando-lhe 80% de origens europeias e descendência judia que já suspeitava.
domingo, 16 de janeiro de 2022
O Altruísta
Muito sucintamente, "O altruísta", romance de 1884 de Bernard Shaw, (An Unsocial Socialist, no original) o primeiro livro que li este ano, é uma sátira, a história de Sidney Trefusis que herda um império mas que, percebendo que tudo foi roubado pelo seu pai, que escravizou os trabalhadores, acaba por desprezar a sua classe e privilégios em que nasceu e abraça a causa socialista na luta e defesa dos mais pobres. Para isso, por vezes assume assume uma outra identidade, Smilash, um humilde e cómico trabalhador, para se aproximar das pessoas que entende e tentar persuadi-las à sua causa.
"A sociedade inglesa moderna, a parte brilhante, a esfera na qual nasci , afigura-se-me tão corrompida como o consentem o sentimento da sua cultura e a sua ausência de honestidade . É uma multidão de hipócritas que admira a mentira, detesta a realidade, garatuja, palreia, procura a riqueza, os prazeres, a celebridade. Já perdeu o temor do inferno e não substitui este temor pelo amor da justiça. Por isso ela deseja sòmente a parte de leão das riquezas arrancadas, pela ameaça da fome, das mãos das classes que as produzem.
sábado, 15 de janeiro de 2022
Coisas que se Compram por 1 Euro
Mãe: Tive 2K no Twitter!
domingo, 9 de janeiro de 2022
As Vinhas da Ira do Interstellar
"Nas estradas, onde o gado transitava e onde as rodas dos carros moíam o chão e as patas dos cavalos calcavam a terra, rompia-se a crosta de lama e formava-se a poeira. Tudo que se movia lançava a poeira no ar; um viandante levantava uma camada, que lhe chegava à cintura, uma carroça fazia-a subir até aos taipais e um automóvel deixava uma nuvem atrás de si. E só muito tempo depois a poeira acabava de assentar".
"Homens e mulheres refugiavam-se precipitadamente nas casas e, quando saíam, atavam lenços ao nariz e punham óculos para proteger os olhos.
Apesar de não ser propriamente fã de filmes sobre a conquista do espaço, não posso dizer que o filme não seja bom (e ainda por cima tem o sorriso de Anne Hathaway, não é?) mas, para mim, o mais curioso de tudo foi ser transportado para os cenários narrados por Steinbeck em "As vinhas da Ira".
Não é subliminar. Está tudo lá escarrapachado! A casa; o pó por todo o lado e os pratos em cima da mesa virados ao contrário; as máscaras e os óculos que as pessoas usavam para se proteger; os campos de cultivo cada vez mais improdutivos e a fome generalizada; o êxodo dos carros carregados com os haveres em cima do tejadilho; e até há um Tom no filme.
sábado, 8 de janeiro de 2022
Pequenas Coisas para Melhorar a Vida (sem grande esforço)
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1. Exercício 2a feira à noite - nada de divertido acontece 2a à noite!
2. Em dúvida sobre uma compra? Então espera 72h antes de comprar.
4. Leva frutas para o trabalho. E para a cama também!
33. Junta-te à tua biblioteca local - e usa-a!
34. Dá um passeio sem telefone.
42. Não tenhas Twitter no telefone
43. Se encontrares uma peça de roupa que adores e tiveres a certeza que a usarás para sempre, então compre três.
47. Tira os fones do ouvido ao caminhar - ouve o mundo.
48. Compra em 2a mão
52. Diz olá aos teus vizinhos.
53. Aprende o básico para consertar as tuas roupas.
55 Aprende os nomes de 10 árvores.
56. Liga a um velho amigo do nada.
62. Vai para a cama mais cedo - mas não leves o telefone.
92. Não olhes para o telefone durante o jantar.
93. Faz aquela coisa que vens adiando.
94. Elogia ampla e livremente.
98. Faz um amigo de uma geração diferente.
Esta lista foi inspirada na de 2000, 100 Maneiras de Tornar o Mundo um Lugar Melhor
quinta-feira, 6 de janeiro de 2022
A Origem do Bolo-Rei (que deixou de ter fava)
"Se calhar a maioria das festas do meu quinteiro teve origem em comemorações remotas adaptadas a novos tempos. Assim, folguedose e costumes da Natividade foram - digamos - a cristianização das saturninas romanas.
As saturninas, celebradas a 16 e 17 de Dezembro - quando começa a novena de Natal -, eram grandes festejos a Saturno (que, na tradição romana promoveu a paz, trouxe a abundância e ensinou a agricultura aos homens). Tais honrarias celebravam a igualdade entre os indivíduos e davam origem às maiores licenciosidades e liberdades. Incusive dos escravos, a quem tudo permitiam. Rezam as crónicas que pessoas de bem e gent séria até abandonava Roma, ness ocasião, para não serem incomodadas.
Porém, não só herdámos do passado as grandes festividades - Natal, Páscoa, Entrudo, São João e outras - mas também pequenas tradições, humildes e significativas. É o que caso da fava que aparece no bolo-rei, estranho costume hoje visto ao contrário do seu significado original. A história é assim: o alimento base dos primeiros romanos, camponeses e rudes e sóbrios, tinha o nome de pulmentum, composto de farinha de trigo (ou cevada) e água. No serão que precedia a festa saturnal - que tem evidente analogia com a atual consoada -, era costume comer daquela espécie de pão, em cujas entranhas se escondia uma fava seca. O comensal que, bafejado pela sorte, a recebesse no prato convertia-se no homem principal da comemoração de Saturno. E isto independentemente da sua condição social, já que, por sorteio, a igualdade da condição humana era proclamada.
O crescimento do Império transformou o pulmentum em pão de qualidade e a própria festa saturnal em extensa e imaginativa orgia. Neste novo contexto festivo-luxirioso, os escravos, vestidos como os amos, vinham para as ruas fazer pantominas nas calendas de Januaris, e o velho costume do sorteio gastronómico da fava converteu-se em jogo erótico. Mediante ele elegia-se o rei escravo que encontrasse o fruto seco, aquando da partilha de um grande doce chamado scriblita. O poder daquele "rei por um dia" não era mais do que possuir mulher (ou homem - conforme os gostos) que quisesse escolher, de qualquer condição social.
Estes saturnais, criticados por Séneca na frase non semper sunt saturnalia (nem tudo são saturnais), foram abolidos após a cristinização do Império, que, todavia, não conseguiu evitar o enraizamento da crença nas virtudes da fava. Desde há mais de 2000 anos ela adquiriu novos cambiantes, deslizando das formulações eróticas e sexuais romanas para as interpretações que atualmente lhe damos: encontrar a fava é pouca sorte, pois implica comprar um novo bolo-rei para a festa seguinte.
No entanto, mesmo este costume pacífico e amigável não corresponde à lenda cristã sobre a origem do bolo-rei e do uso da fava: aquando do nascimento do Menino-Deus, começaram a chegar a Belém sábios, sacerdotes e magos. Vinham prestar homenagem ao anunciado redentor do mundo. Os magos não chegaram, todavia, a acordo sobre qual deles seria o primeiro a oferecer os presentes ao Menino. Resolveram então fazer um bolo contendo, no interior, uma fava (a continuidade do uso romano). O bolo seria repartido por todos, em partes iguais, e aquele a quem saísse a fava teria sorte de oferecer o presente antes dos outros (é a crença num objeto benfazejo e signo da sorte).
A lenda não diz a quem saiu. Mas o facto correu de boca em boca e, a partir daí, propagou-se o hábito de cozinhar um bolo com a fava dentro sempre que fosse necessário resolver - pela sorte - qualquer divergência. Posto isto, se lhes sair a fava, em vez de chorarem o que vão ter que pagar, pensem como, há milhares de anos, em Roma, ficaria o felizardo a quem caberia ser rei por um dia - com os atributos e facilidades daí advindas.
"Vistas do Meu Quinteiro" / Hélder Pacheco (1995)
terça-feira, 4 de janeiro de 2022
Tinder Surpresa
Comprar lotes de livros sem saber bem o que está lá dentro é como uma criança abrir um Tinder Surpresa.
Não sei se fui eu que coloquei o número errado no GPS ou se, pelo contrário, foi ele que se arrogou na vontade própria de me levar quatrocentos números adiante do antiquário. E como ainda por cima era numa estrada de sentido único, e porque meia hora depois tinha outro compromisso (e ultimamente sou um gajo de tantos compromissos que hoje até tentei comprar uma agenda. Tentei mas a menina da papelaria disse-me que já tinha vendido todas) então, acabei por deixar o carro onde estava e caminhar os quatrocentos números a pé.
Lá chegado fiquei surpreendido pelo peso dos livros. Mas o caminho é em frente. A senhora arranjou-me um daqueles sacos resistentes das compras, e eu ainda coloquei o saco que levei por cima, não fosse os pingos de chuva conspurcarem-me as raridades e fiz-me ao caminho, primeiro carregando os livros numa mão, depois passei para outra e, por fim, carreguei-os com as duas mãos até à mala do carro. E sou tão pouco curioso - à semelhança de quando recebia cartas de amor - que, só quando cheguei a casa, depois do outro tal compromisso, é que fui ver o que me me tinha calhado em sorte.
Devo ter parecido uma criança com os olhos a brilhar enquanto retirava os livros, um-por-um, com muito cuidado dentro dos caixotes, e, sempre surpreendido com o título que ia saindo. E tanta coisa absurdamente interessante e valiosa me calhou em sorte pelo preço de uma ida ao cinema...