domingo, 30 de janeiro de 2022

Conversas Improváveis (66) - Eu até há 10 Minutos Julgava Que Eras Inteligente


Semana de obras na empresa. Imagine-se, pintar um teto que era preto e deixá-lo bem branco. Levou umas quatro demão porque o preto, que absorve a luz em vez de a refletir, é a cor mais difícil de cobrir. Nem quero imaginar quantas demão é que teve que levar a pele do Michael Jackson para ficar mais branca que uma gótica que não apanha sol desde 1986!

Vários trabalhadores a pintar, um a fazer paredes de pladur e um eletricista a mudar a iluminação. A fazer os recortes um jovem de cor bem morena e cabelo grenho, que pelas conversas percebi que é de origem africana tendo vindo para Portugal aos cinco anos.

Durante os primeiros dias da semana fui conversando com um colega que relembrou a história de ter descoberto que um primo, de 23 anos, que antes até votava PS mas que agora assumiu que iria votar no CH por "protesto". 

Eu manifestei a minha estranheza. Afinal, iria protestar contra o quê? 
- Chega de aumento do salário mínimo todos os anos?
- Chega de desemprego em mínimos históricos?
- Chega de crescimento económico acima da média Europeia?
- Chega de país mais vacinado do mundo? 
- Chega de prosperidade?

Mas meu colega respondeu-lhe muito bem:

"Eu até há dez minutos julgava que eras uma pessoa inteligente".

As obras foram continuando ao longo da semana e a pouco e pouco os trabalhadores sentem-me com mais confiança com quem as pessoas da empresa. Por exemplo, ao início até apareciam de máscara, mas rapidamente - que basicamente foi no dia seguinte! - ninguém as usava apesar dos cinquenta mil casos COVID diários. Estranho ainda mais porque os pintores lidam diariamente com produtos químicos, mas tudo bem. 

No último dia de semana, e no meio de todo aquele caos de obras e tentar trabalhar, o choque. Passo de relance por um telemóvel pousado em cima duma estante e via-se André Ventura a falar. Não liguei, Mas momentos depois o outro colega chama-me a atenção: o pintor estava a ouvir o discurso do fascista! Eu fiquei boquiaberto!

Aquele jovem português de origem africana, que terá certamente sangue escravo nas veias, estava a ouvir o discurso do político racista, xenófobo, homofóbico e que quer fazer cercas sanitárias a minorias étnicas!

"Eu até há dez minutos julgava que eras inteligente".

Quando esta coisa deste partido ilegal apareceu (com mais destaque nos media que o anterior partido fascista PNR), dizia-se que o seu discurso era acolhido pelos mais velhos. Mas não é nada essa a minha sensibilidade. Tão simplesmente porque os mais velhos ainda se lembram muito bem da ditadura, das prisões arbitrárias e mortes, duma guerra colonial injusta, mas principalmente da fome e da "sardinha para três". 

Pelo contrário. São estes jovens que cresceram numa sociedade em que não lhes falta nada, que mais se deixam seduzir por estes discursos fascistas. Bom, não lhes falta nada é como quem diz: falta-lhes o mais importante: inteligência.  

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