"A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão."
Último dia de férias. Depois de umas pedalas na bicicleta e porque a fome já apertava, meto a bicla no suporte e decido rumar ao Parque Nascente para almoçar. Estaciono deixo a bicicleta no suporte, ainda meio desconfiado se aquele cadeado será suficiente para dissuadir algum amigo do alheio e lá me dirijo à entrada do centro comercial. À entrada um segurança, e eu pergunto se posso entrar. Responde-me que sim, com espanto como se a minha pergunta não fizesse qualquer sentido, mas eu acho que tinha ouvido que as entradas nas grandes superfícies tinha que ser controladas e só poderia estar lá dentro um certo número de pessoas.
Passo a porta e lá me dirijo tranquilamente à praça de alimentação. E de repente: mas o que é isto?! Todas as mesas ocupadas e um montão de gente em frente dos restaurantes e um monte de gente a caminhar para um lado e para o outro como baratas tontas. E o que eu faço é dar meia-volta e fazer o caminho de volta até ao carro.
"Bem, deixa-me ir até ao Dolce Vita (que já mudou de nome para Alameda) pois aquele sempre foi um centro comercial que, mesmo sem nenhuma pandemia, sempre cumpriu o distanciamento! E assim foi. Deixei desta vez o carro na rua (e já se paga!) e lá fui em direção ao centro comercial. Nas escadas que levam à porta da netrada um gandim pedia uma moedinha. Ignorei-o, (ainda por cima como passo sempre por estrangeiro fiz cara de quem não estava a perceber a situação) entrei no centro comercial e dirigi-me para a praça da alimentação.
Olho em volta e vejo um restaurante de massas sem nenhuma pessoa. Bem, não ter ninguém esta altura parece-me que é sempre um bom critério de escolha! E assim foi. Pago e recebo de troco umas moedas... Como sou sempre um pouco distraído fico meio perdido a pensar, mas respondo: "Desculpe, eu não lhe dei vinte euros"? A mulher lá se desculpou "não foi de propósito", e confecionou-me a massa com tiras de frango e lá peguei eu no tabuleiro para ir comer.
Mesas vazias era coisa que não faltava é verdade. O pior é que estavam todas com tabuleiros e comida em cima e eu não me podia sentar! Encontrar um lugar vago para me sentar era quase como procurar um lugar de estacionamento no Norte Shopping num domingo à tarde! Lá acabei por encontrar um lugar num balcão.
Concluindo. Num centro comercial não sei como é que se permite tanta gente no mesmo espaço, no outro não consigo perceber como não se reforçam as equipas de limpeza para que, quem ali se dirige para comer possa ter um sítio onde se sentar tranquilamente, caso contrário, para já, o melhor mesmo é evitar centos comerciais.
Estava por aqui à procura de umas fotografias e eis se não quando, por obra e graça de sabe-se lá que santinho, tropecei numas fotografias tiradas por mim na cidade do Porto a 30 de Agosto de 2010. Precisamente no dia de hoje há dez anos!
E muito se tem falado este ano da crise do turismo por causa da pandemia. Os profetas da desgraça já falam em fome, nas sete pragas da bíblia, no regresso do Diabo... (respirar fundo) mas atentemos como era a cidade do Porto em Agosto de 2010.
Dá muito que pensar e refletir que, apesar da pandemia que estamos a viver, ainda assim as ruas do Porto têm hoje muito mais gente que em Agosto de 2010.
Praça da Liberdade quase vazia:
Convento dos Carmelitas e Praça Gomes Teixeira (Leões) vazias:
Livraria Lello e Rua das Carmelitas vazias:
Praça da Ribeira vazia:
Cais da Ribeira com meia dúzia de pessoas:
Sé do Porto vazia:
Vista de São Bento com a Igreja dos Congregados ao centro, passa um autocarro de turismo e meia dúzia de pessoas a atravessar uma passadeira...
Ontem fui dar uma voltinha de bicicleta no passadiço de Valbom. Para quem não conhece começa junto ao Palácio do Freixo e segue junto ao rio Douro durante cerca de três quilómetros. Como já tinha ouvido que o troço tinha sido finalmente concluído, numa parceria que envolveu as câmaras de Gondomar e Porto (porque fica na fronteira dos dois concelhos) quis ver como ficou a obra. O que me surpreendeu nisto tudo, foi ter-se gasto 142 mil euros (é o que está afixado no edital mas na imprensa fala-se em "quase 145 mil euros") para fazer meia dúzia de metros suspensos sobre o rio.
Perguntar-me-ão se não ficou bem. Sim, ficou bem mas vou só comparar duas realidades.
Quando meti à câmara o projeto para requalificar minha casa e ter licença de utilização, disseram-me logo que tinha que alinhar o meu terreno (em curva) com o terreno do vizinho e e algumas zonas foram dois metros de terreno que tive que dar à estrada. No caso desta obra, o que aconteceu foi que a câmara de Gondomar não quis chatear o Grupo Pestana e, em vez de ser o dono a ceder dois metros de terreno para o passadiço, não, acabou por se gastar 145 mil euros do Estado para não chatear o pobrezinho Grupo Pestana.
Muito se tem falado dos lares ultimamente, não pelos melhores motivos e, certamente que, digo eu, não será alheio o facto de serem instituições privadas que, como tal, se baseiam na produção de lucro e não em prestar o melhor serviço possível às pessoas. Mas eu não vou escrever sobre o funcionamentos dos lares nem da cruzada anedótica do líder da oposição, o sindicalista de direita da Ordem dos Médicos até porque isso tem sido tema que me dá tanto asco que até fujo dele.
Venho falar de uma lenda que ouvia em criança. Era a história que se contava que quando os idosos estavam velhos demais para trabalhar era tradição os filhos levavam-nos às costas, monte acima para ali serem abandonados para morrer longe de casa, não dando assim trabalho até aos seus últimos dias. E contava a lenda que, certa dia, um filho carregou o seu pai às costas para fazer o mesmo procedimento. Chegado lá acima, deitou o pai e para o deixar mais confortável cobriu-o com uma manta e foi à sua vida. Mas o pai resolveu cortar a manta a meio e chamou o filho para lhe dar a outra metade. O filho insistiu que o pai ficasse com a manta inteira mas o pai - moral da história - disse-lhe estas sábias palavras:
"Não filho, leva esta metade porque vai-te fazer falta quando os teus filhos te vieram cá trazer."
The Wounded Angel - Hugo Simberg
Hoje em dia já não se vai abandonar os familiares no monte para morrerem. Até há uma lei que não permite que isso não seja feito aos animais de estimação. Contudo a mantinha confortável são agora os hospitais onde os velhos ficam depositados e depois os filhos não os vão buscar, e são principalmente os lares, onde ficam tranquilamente depositados sem chatear nem dar trabalho a ninguém. É este o mundo perfeito onde vivemos. Mas um dia, a mantinha que te levou a depositar os teus pais num lar, será a mesma com que os teus filhos te depositarão a ti. E isto era tudo muito bonito se os lares fossem locais de enriquecimento e de vida feliz. O que a pandemia está a provar é que, por esse país fora, do norte ao sul, os lares simplesmente não dão condições para as pessoas viver. E eu diria mais, vivemos num tipo de sociedade em que, por um lado os pais já não têm possibilidade de educar e estar com os seus filhos, nem depois o têm para acompanhar os últimos dias dos pais. Triste esta sociedade.
"Na verdade somos todos ovelhas. Comemos às mesmas horas, vamos à casa de banho à mesma hora, vemos televisão à mesma hora. No passado faríamos um protesto público, no mínimo. Hoje em dia a escravatura é a norma. Mas sempre fomos escravos dirão vocês. Mas chegar a este ponto! Até dormimos com alguém às mesmas horas.
- Não senhor, não fazemos isso à mesma hora.
Melhor para vocês! Aproveitem porque não vai durar muito.
- Que simpático que você é.
Pensem por momentos, naqueles que daqui a uns anos vão ter filhos e que se terão de sujeitar a muitas restrições. Olhem para aquele cartaz. O que acham dele?
Sedutor. Talvez até excitante.
Foi feito com essa ideia. Pensem um pouco... As cuecas foram feitas para proteger dois orifícios. Ou para nos proteger desses dois orifícios. Os soutiens, como sabem, servem para dar sustentação. Estes pedaços de tecido, cumprem a sua principal função, e são transformados em objetos de charme. Por isso tornam-se caros provavelmente por sermos todos... fetichistas.
Bom, agora que já devo ter conseguido captar a atenção do leitor (se um título sensacionalista não consegue certamente não é o conteúdo que conseguirá) venho aqui dizer que, uma das coisas que mais me irrita é ouvir constantemente e de forma generalizada, toda a gente afirmar que "Portugal é um país pequeno".
Eu, que até sempre fui olhado como estrangeiro no meu próprio país, não tenho qualquer sentimento tribalista, patriótico, nem sou defensor acérrimo do meu país, contudo, gosto sempre de colocar os pontos nos is. E, se não gosto de exaltamentos bacocos de que somos sempre os maiores do Guiness na maior chouriça de Arrebimba-o-Malho-de-Cima, também não gosto deste sentimento tão desgraçadinho e miserabilista do triste fado português que olha sempre para o copo meio vazio.
Factualmente Portugal não é um país pequeno. Na União Europeia, agora a 26, Portugal é 11º maior país, ou seja, fazemos parte dos maiores países da Europa (e não dos mais pequenos).
De entre os quase 200 países do mundo Portugal é o 89º país com mais população do mundo, ou seja, de novo no quadro superior dos mais populosos.
Mas podemos medir a dimensão de um país de diferentes formas.
Portugal possui também a 3a maior zona económica exclusiva da União Europeia e a 11a do mundo!
E depois ainda há outras questões muito curiosas. Por exemplo, alguém que passe a vida a dizer que Portugal é um país pequeno (como ouço por exemplo todos os dias os bloggers de viagens dizerem no programa da Antena 1 #EuFicoEmCasa e que supostamente deveriam conhecer muito bem o nosso país) é, como é que essas pessoas explicam o facto de um "país pequeno" ter, por exemplo a maior estrada da Europa e a terceira mais estrada do mundo?
É verdade. A mítica estrada nacional nº2, que liga Chaves a Faro é a maior estrada da Europa e a terceira maior estrada do mundo,só ficando atrás da Rota 40 da Argentina e da Route 66 dos Estados Unidos.
Isto faz tanto sentido como se os portugueses dissessem que Portugal tem um pénis pequeno, mas que no entanto é o maior pénis da Europa! Então parem lá de dizer que Portugal é um país pequeno, sim?
Há coisas muito curiosas. Depois de ter terminado o primeiro volume de Andanças para a liberdade e porque gostava de confrontar a opinião de Mortágua com outras opiniões de outras pessoas que privaram de perto com o "general sem medo", Humberto Delgado, o candidato à presidência da república opositor de Salazar, resolvi que não iria ler de seguida o segundo volume, mas sim pegar no "Obviamente Demito-o". Findo este livro lá retomei as andanças do segundo volume.
Mesmo antes do final do livro já tinha pensado para comigo em jeito de piada que, se calhar, a grande última missão do autor na luta pela liberdade já em tempos de democracia foi as duas filhas que deu à democracia no parlamento.
"Foi numa quarta-feira de manhã, na cave-"poço" da Repro-Rapid, n número 4 da rua de Cretet, Metro Pigalle ou Anvers em Paris, que por volta das nove da manhã ouvi o Idálio gritar: É pá, a rádio está a dizer que houve uma revolução em Portugal...
O dia 27 foi destinado a carregar o Simca e a convencer os colegas da minha decisão inabalável de participar da Festa tão esperada, nem que fosse a última coisa a fazer na vida.
A estrada até Vilar Formoso era o Rio da Alegria, bandeiras e cantares enchiam a paisagem de cores e as gargantas anunciavam aos ventos... Somos livres! Somos livres! Mesmo sem saber se de facto o éramos. Os peitos inchados de orgulho! Finalmente, íamos demonstrar ao mundo que neste país também havia gente capaz de lutar pela sua dignidade, capaz de sacrifícios para alcançar a LIBERDADE.
Chegámos a Vilar Formoso por volta da meia-noite do dia 30 de Abril e a Lisboa ao romper da mais bela aurora da minha vida!
Da minha e, certamente, da de todos os que encheram as estradas da Europa a caminho da pátria em festa, de todas as organizações, de todos os comités. Trotzquistas, maoistas, comunistas, de todas as tendências e inspirações, cruzavam-se, saudavam-se abraçavam-se como nunca tinham feito."
E não é que, no mesmo dia em que terminei o livro do herói revolucionário romântico que lutou como poucos, arriscando muitas vezes a própria vida contra a ditadura de Salazar, nesse mesmo dia da semana que passou, e na sequência da manifestação de cara tapada, ao melhor estilo KKK que a extrema-direita nazi e fascista fez em frente sede da SOS Racismo, nesse mesmo dia venho a saber que a sua filha, Mariana Mortágua, foi ameaçada de morte conjuntamente com outras deputadas e pessoas ativistas anti-racismo? E para a semana ter terminado em beleza, a PSP processou o jornal Público por causa de um cartoon satírico!
Vivemos tempos muito estranhos e não, isto não tem nada que ver com a pandemia. Será que não aprendemos mesmo nada com quarenta e oito anos de fascismo?
Estou para entender por raio porque as empresas historicamente sempre gostaram de encerrar em Agosto ou, porque é que a maioria das pessoas adora tirar férias em Agosto?! É que eu nunca consegui entender esse fetiche!
Já diz o ditado popular que "Agosto é o primeiro mês de Inverno" ou "Primeiro de Agosto, primeiro de Inverno", e é fácil percebê-lo. Em Agosto os dias deixam de ser grandes. Já não é dia até quase às dez da noite e às oito horas já anoitece. As noites, e neste caso muitas vezes felizmente, já são bem mais frias. De manhã, ou pelo menos aqui pelos meus lados já faz bastante nevoeiro e não há Agosto sem uns bons dias de chuva que, como se vê, é o que me espera na próxima semana!
E claro que é óbvio que pode chover em qualquer dia de qualquer mês do ano. Mas alem da meteorologia há outras razão válidas para que, estando eu no meu juízo perfeito, jamais marcaria férias para Agosto! É sempre mês de muitos incêndios (é lógico que se há muitas pessoas em casa com muito tempo disponível é normal que as coisas aconteçam!); é mês de muitos emigrantes que regressam e se fazem passar por estrangeiros; é mês onde tudo é mais caro; é mês de uma enorme confusão e como é sabido eu gosto de poucas confusões.
E entretanto passou-se mais um 15 de Agosto e já há algum tempo que não vou a Estarreja...
A primeira vacina patenteada para a COVID-19 é russa e chama-se Sputnik. Mas sabes o que é que quer dizer Sputnik em russo?
"Mas Sumire revelou-se muito mais competente do que eu alguma vez teria imaginado e encarregou-se de uma série de coisas por mim. Comprava os bilhetes, fazias as reservas dos hotéis, negociava os preços, tomava notas das despesas, descobria os bons restaurantes, esse tipo de coisas. Tinha feito grandes progressos no seu italiano e foi graças a ela, e àquela dose de proverbial curiosidade que é seu apanágio, que fiz uma série de coisas em que não pensava caso viajasse sozinha. Nunca julguei que pudesse ser tão agradável passar tanto tempo na companhia de outra pessoa. Em parte, acho que isso se ficou a dever ao ele afetivo muito especial que se criou entre Sumire e eu.
"Lembro-me perfeitamente da conversa que tivemos sobre o Sputnik da primeira vez que nos enontrámos. Ela estava a referir-se aos escritores beatnick e eu fiz confusão com Sputnik. Desatámos a rir e isso ajudou a quebrar o gelo. Sabe o que quer dizer Sputnik em russo? Companheiro de viagem. Pensando bem, não deixa de ser uma estranha coincidência para dar ao seu satélite. Gostava de saber onde foram os russos buscar um nome tão curioso para dar ao seu satélite. Afinal de contas, aquilo não passava de uma porcaria de um pedaço de metal que andava para ali a girar à volta da Terra. Miu calou-se por instantes, depois retomou o fio à meada.
"... É importante ter crianças.
Já não são crianças. As coisas mudam. Sempre foi assim. É uma das leis da natureza. As pessoas têm medo de mudanças mas se tomarmos uma atitude de confiança, fica a ser um reconforto. Não há muitas coisas em que se pode confiar.
Sem dúvida.
Creio que faço parte dos medrosos... Duvido.
Porque diz isso? De Itália para o Iowa é uma mudança importante.
O Richard fez lá a tropa. Conheci-o quando vivia em Nápoles. Não sabia nada do Iowa. O importante é que era a América e que ia estar com o Richard. Como é que ele é?
É muito asseado. Asseado?
Quero dizer...tem outras qualidades também. É muito trabalhador, muito atencioso, honesto. É meigo, e é um bom pai. E asseado...
Sim... ... E agrada-lhe viver no Iowa, suponho?
.... Diga lá, não vou contar a ninguém!
Devia dizer: é ótimo, calmo, e as pessoas são muito simpáticas." Tudo isto é verdade, a maior parte. É calmo... e as pessoas são simpáticas. De uma certa maneira... ajudamo-nos uns aos outros. Se alguém fica doente, os vizinhos vêm ajudar... Colhem o milho, ceifa a aveia, o que for preciso. Não é preciso fechar o carro e as crianças andam à vontade sem nos preocuparmos. As pessoas daqui têm excelentes qualidades. Respeito-as por isso. Mas... Mas...?
Não é bem o que eu sonhava quando era jovem. Eu anotei algo no outro dia, é um hábito quando viajo. Era mais ou menos isto: "Os velhos sonhos eram bons sonhos. Não se realizaram mas estou feliz por os ter tido."
Muito me tinhas falado em vermos As Pontes de Madison County juntos, mas, por este ou por aquele motivo isso acabou por não acontecer e eu acabei por ver o filme, só agora, este fim-de-semana, sozinho, porque acabei de o receber conjuntamente com muitos outros que queria colecionar.
Não sei se sabias, provavelmente sim, mas podes não ter reparado que este filme, que eu não tenho dúvidas que seja um dos teus filmes preferidos, é do mesmo ano do meu filme preferido do mesmo género, o "Antes do Amanhecer". São ambos de 1995 e já têm vinte e cinco anos, vê lá tu! E como acho que de facto o filme é muito bom, até fui ver um listagem do The Guardian com os melhores filmes de sempre para ver em que lugar estava classificado, mas se o filme do Linklater está num espetacular 3º lugar, este, muito injustamente a meu ver, não figura no ranking porque se devem ter esquecido dele ou então por causa dum argumento muito batido: "mulher-casada-trai-o-marido".
E já agora, sabes que filme está também nos vinte e cinco melhores filmes de sempre na categoria Romance? Aquele outro que na altura emprestei, o "Eternal Sunshine of the Spotless Mind", que está no oitavo lugar! Acho que não é um filme muito falado, mas eu sei que sempre gostei muito desse filme, e afinal parece que tinha motivos para isso porque os críticos são da mesma opinião.
Voltando ao filme. É assim, o Antes do Amanhecer é um filme romântico do ponto de vista da juventude, dos primeiros amores, da ilusão que aquilo que lhes aconteceu naquela noite na Áustria se irá repetir inúmeras vezes ao longo da vida. As Pontes de Madison County é um filme de amores já vividos e solidificados ou de sonhos destruídos, de uma outra fase da vida, até porque a Francesca e o Robert têm idade para ser pais da Celine e do Jesse. Se o Antes do Amanhecer é todo ele encantamento, As Pontes de Madison County é encantamento mas é também culpa, porque a Francesca é casada e tem dois filhos.
Mesmo antes do final há uma grande decisão a ser tomada: a italiana Francesca que casou com um americano e que foi viver para o Iowa parte com o fotógrafo Robert divorciado que corre o mundo a tirar fotografias para a National Geographic e com quem viveu quatro dias tórridos de amor que lhe abanaram as estruturas ou decide ficar com o seu marido honesto e trabalhador e bom pai de família? Sim, e asseado.
Eu não estou a estragar o final a quem eventualmente não viu o filme (e não leu o livro) dizendo que ela decide não viver o amor deste forasteiro porque o filme começa precisamente com os filhos a tratarem da sua morte e com a descoberta, depois de lido o testamento, deste seu romance secreto e com a sua vontade que lancem as suas cinzas da ponte (um choque para a população do Iowa de 1965).
Provavelmente a tua parte preferido do filme, como se calhar da maioria das pessoas, é aquela cena à chuva, a caminhar para o final, quando os carros ficam um atrás do outro no semáforo, o Robert coloca no retrovisor a cruz celta que era dela (e que tem o seu nome e que ela lhe deu como uma espécie de proteção) e entretanto o sinal passa a verde. O Robert não arranca, a Francesca põe a mão na porta e começar a abri-la e não sabemos o que irá acontecer em seguida.
Mas se analisarmos bem a decisão mais importante da Francesca foi tomada bem antes, no momento em que, depois de lhe ter ido mostrar onde ficava a ponte que ele andava à procura, e quando depois ele a deixa em casa, ela, uma senhora casada, convida-o para entrar e beber um chá gelado (a cena que mostrei acima) e depois acontece o que se sabe... E mesmo tendo decido não viver aquele amor, vive-o no seu coração, a quem decide entregar os seus restos depois da sua morte.
"Num universo de ambiguidades, este tipo de certezas só existe uma vez, e nunca mais, não importa quantas vidas se vivam" (Robert)
"Em que consiste, de facto, a tua vida senão em te aperfeiçoares um pouco cada dia, em te libertares de um ou outro erro, em entenderes bem como os vícios que imputas às coisas estão afinal dentro de ti? Certos vícios, temos o hábito de atribuí-los aos condicionalismos do lugar e do tempo, mas o certo é que, para onde quer que vamos esses vícios nos acompanham. Sabes que Harpaste, a boba da minha primeira mulher, continua em minha casa, pois o testamento obrigava-me a assumir esse encargo. Pessoalmente não sinto o menor interesse por estas pobres criaturas; se precisar de um bobo para me divertir não preciso ir buscá-lo muito longe: troço de mim mesmo! Ora a boba perdeu subitamente a vista. Podes não acreditar, mas a verdade é que a infeliz não percebe que está cega. De vez em quando pede ao escravo que a trata que a leve para outra sala, porque a casa está toda às escuras! Nesta mulher faz-nos rir uma coisa que, espero que o entendas, sucede com a generalidade das pessoas: ninguém se dá conta da própria avareza, da própria ambição. Os cegos, ao menos, ainda pedem a alguém que os guie; nós andamos aos tropeções, não queremos quem nos guie...