Acabava de sair da biblioteca de Matosinhos e liguei o telemóvel. Uma mensagem do treinador (que é o sujeito que treina a dor, como diria o Abel Xavier!):
"-'Tás muito ocupado agora"?
Oh pá, acabo de deixar de estar, mas ando extremamente cansado (porque não há fome que não dê em fartura e já vomito trabalho pelos olhos) e por acaso não me apetecia muito ir agora bater umas bolas. Mas afinal não, não era para treinar, era para ir ver os outros jogar.
Estava a decorrer no fim-de-semana passado o campeonato nacional de ténis-mesa.
- Fôda-se! Por que é que o pessoal se lembra sempre de me convidar para as coisas em cima da hora? De manhã era uma amiga que tinha vindo ao Porto para ir ao cinema e perguntava-me se eu queria ir... Mas será que as pessoas acham que, por eu não estar casado nem ter filhos, que não tenho nada de interessante para fazer e estou sempre de pernas abertas (como as putas) para satisfazer vontades alheias?!
Meto-me na carroça todo-terreno e dez minutos depois já estava no Multiusos de Gondomar! Ele estava com a mãe e estavam a prestar atenção aos jogos que o pai estava a arbitrar. Pelo meio chamou-me a atenção de alguns atletas, uma mesatenista em particular, muito forte segundo ele, que estava a disputar um jogo de pares.
"-Queres ver, ela vai ser para tentar marcar dois pontos nos serviços..."
E marcou mesmo, a adversária mandou ambas as bolas para fora!
"- Não te disse?!"
É sempre um prazer para quem quase só joga em lazer, ver ténis-de-mesa ao mais alto nível, e acho até que se aprende a ver. A minha própria colega costuma dizer que aprende vendo-nos jogar, e é verdade. Nós aprendemos a observar quem sabe. Há músicos que vão ver concertos de outros músicos tocar. Tal como, provavelmente, quantos mais livros lermos mais nós mesmos saberemos escrever, e aí por adiante.
E não terá sido acaso que na manhã de domingo eu já estava, anormalmente, a bater de forma mais assertiva de backhand (dizer que um destro bate de esquerda parece-me muito parvo! deveria ser qualquer coisa como costas-da-mão ou detrás-da-mão), precisamente porque o meu cérebro ainda estaria com as imagens dos atletas a fazer os movimentos mais corretos.
No domingo à tarde disputavam-se as finais de seniores e infantis, masculinos e femininos. Desta vez fui sozinho. Entrei, escolhi o primeiro lugar vago na bancada que encontrei e comecei a ver o que se ia passando nas várias mesas. Não pude deixar de reparar que dois jogadores (um masculino e outra feminino) do clube da terra, o Ala Nun'Álvares, estavam a disputar as meias-finais. Olha que bem!
Aos poucos comecei prestar mais atenção num jogo que se disputava na mesa mais próxima da bancada, e a reparar na jogadora da casa porque, de facto, achei-a engraçada. Falhava um ponto e ria-se!, e não raras vezes olhava para o treinador, aliás, se estivesse a jogar de costas para ele, virava-se mesmo para ele, como que tentando perceber o que é que fez de errado. Mas com maior ou menor dificuldade, conseguiu passar à final. Como a fui seguindo com o olhar, quis-me até parecer que ela estaria a chorar... Talvez não estivesse, talvez tivesse sido só impressão minha. Mas entretanto ela vai para a zona onde os atletas têm as mochilas, descansa um pouco, come qualquer coisa (a final ia acontecer passado pouco tempo) mas afinal eu estava certo, ela acabava de tirar lenços de papel da mochila.
Terminadas as meias-finais, esperou-se algum tempo, não muito, e já os atletas, conjuntamente com os árbitros (que neste desporto não são assobiados nem insultados) se perfilavam para disputar as finais, as quatro ao mesmo tempo, seniores masculinos e femininos e iniciados.
Dois pontos de interesse nas mesma linha de visão, para onde olhar? Ora ia botando um olho na final masculina, que cedo percebi que seria ganha sem grande dificuldade pelo suspeito do costume, ora ia prestando atenção à mesa 4 onde se disputava a final feminina.
A jogadora da casa que me tinha chamado a atenção é Marta Santos que disputava a final com Rita Fins (que tinha visto jogar no dia anterior em duplas, e que também já tinha visto anteriormente noutra competição) e que é do clube de Mirandela, outro clube que tenho percebido que é bastante forte no ténis-de-mesa. Mas uma coisa é certa, ambas (no meu modesto entender) jogam muito. Melhor dizendo, toda a gente que esteve lá joga muito! Até os pequeninos jogam muito!
Ao início eu não estava secretamente a torcer por nenhuma das jogadoras. É verdade que sou do concelho de um dos clubes, mas estava ali para ver ténis-de-mesa, que ganhasse a melhor. E a primeira partida foi ganha pela Rita, sempre muito forte e consistente. Cheguei a pensar que seria ela a vencedora, talvez por a Marta me ter parecido um pouco instável emocionalmente. Mas entretanto, e se calhar, fruto também dos incentivos que vinham da bancada, a verdade é que Marta empatou e a coisa ficou muito renhida, ora ganho eu, ora ganhas tu.
Na bancada, à minha frente e na primeira fila da bancada estava agora, nem de propósito, a jogadora que a Marta tinha derrotado na meia-final. E a determinado momento alguém comentou qualquer coisa sobre a Marta chorar se ganhasse a final, ao que ela diz "ela chorou depois de me ganhar"! (mas também verdade seja dita que eu vi lágrimas nos olhos desta jogadora, mas pronto, a tristeza por se perder é mais compreensível que a tristeza por se ganhar)
Mas esta mesma jogadora, acrescentou logo de seguida uma coisa interessante, e que certamente me perdoará a inconfidência:
"A Marta joga mesmo bué ("bué" assim com pronúncia de gente que é lá de báxo - 'tão a ver?) mas nunca foi campeã nacional..."
E será que vai ser desta vez?, perguntei-me.
O jogo de masculinos acabou muito antes porque só foram disputados quatro set's e o Diogo Carvalho (Sporting) revalidava o título, e assim sendo, todas as atenções estavam centradas na final feminina.
Nas bancadas ouvia-se cada vez mais "Vamos Marta". Os aplausos sucediam-se, por vezes mesmo para a Rita, a adversária da jogadora da casa. Este é o verdadeiro desportivismo. E houve algumas jogadas verdadeiramente espetaculares, alguns golpes de sorte também, com as bolas a bater na quina da mesa e a impossibilitar a resposta da adversária. Pena eu não ter filmado as grandes jogadas. Entretanto a Marta faz o 3-2 e passa para a frente e pressente-se que pode mesmo ganhar. O sexto set é disputado, há alguns erros de parte a parte, é normal, porque a tensão está no auge.
E a Marta chega aos 10-8 ou 10-9 e tem agora a oportunidade única de servir para vencer o encontro e ser, pela primeira vez, campeã nacional. E ganha mesmo logo no primeiro match point! Festeja-se na bancada com muitos aplausos.
E a Marta, a nova campeã, como é que reagiu?
Desabou...
Havia qualquer coisa dento dela, dentro daquele coração que tinha mesmo de sair e manifestou-se em lágrimas. Muitas lágrimas que quase afogaram todas as pessoas presentes naquele pavilhão.
Eu pressionei o botão da máquina fotográfica e comecei a disparar sobre ela. Ela aninhou-se junto ao solo, como que agradecendo aos deuses por esta vitória que, se calhar (estou a especular) já esperaria há muitos anos. Levantou-se, tapou a cara com as costas da mão para se tentar proteger. Mas todos os olhares estão fixos nela. Não te podes esconder Marta. Hoje és tu a vencedora, és o centro das atenções. Ela cumprimenta a adversária que sorri. Já a Marta volta a tapar a cara.
Mas não há ninguém que lhe dê um abraço?!
Ela dirige-se ao treinador que a tentar confortar, mas nada consegue parar aquele vale de lágrimas sofrido. Cumprimenta a treinadora adversária, até que, instantes depois, alguém, não sei se familiar (pai?) ou alguém do clube, sei que seria alguém próximo, um senhor já de cabelos brancos, irrompe pavilhão adentro, salta os separadores e abraça-a. Pouco depois um outro homem, este bem mais jovem, talvez namorado, marido ou um amigo próximo, também a abraça timidamente.
Abracem-na com força! Ela ganhou, merece um abraço apertado como deve ser!
Uma mulher desce as bancadas, dizendo para toda a gente ouvir:
"- Isto é emoção demais"!
Eu não fiquei para a entrega de prémios, talvez aquilo ainda demorasse e ainda por cima a barriga já dava horas, até porque uma banana não é lanche de jeito. Fui saindo tranquilamente para regressar a casa. Talvez estivesse a sorrir, certamente que, pelo menos, os meus olhos estariam a sorrir. Acabava de assistir a uma experiência de grande intensidade. Emocionalmente muito forte. Tal como eu gosto.
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Finais masculinos e femininos seniores ténis-de-mesa / Diogo Carvalho - Duarte Mendonça / Marta Santos - Rita Fins |
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