"Numa das tardes antes da vinda de Emídio, a poucos metros do casebre, um homem vindo de nenhures dirigiu-se-lhes. O olhar do tio alterou-se e ordenou que fossem imediatamente para dentro. Jaime empoleirou-se no janelo e, mergulhado numa espécie de ingénua especulação, ficou a espreitar. Quando o desconhecido se afastou, Anselmo veio contar-lhes uma longa história. Num certo sítio da terra chamado Egipto, muito longe dali, reinava um faraó. Sob o domínio desse faraó e desse povo, os egípcios, viviam os hebreus. Todos os hebreus eram escravos. Homens, mulheres e crianças eram obrigados a trabalhar noite e dia, carregavam fardos pesadíssimos, cultivavam, limpavam e tratavam das cabras. Uns morriam de fome e, outros, de cansaço. Sempre que queriam dormir ou quando ficavam doentes, os egípcios batiam-lhes. Apesar das duras condições, os hebreus eram cada vez mais. Posto isto, o terrível faraó começou a temer que se revoltassem. Decidiu, então, que todas as crianças hebreias fossem atiradas ao rio. Algumas mães, não muitas, conseguiram esconder os bebés e levá-los até ao mar vermelho. Era o único mar vermelho à face da terra e dividia o Egipto do resto do mundo, mas era muito difícil atravessá-lo. Anselmo era um dos poucos homens que conseguiram fazer a travessia e os meninos, bebés hebreus que as mães trouxeram às escondidas. Contudo, não estavam completamente a salvo. De tempos a tempos, os egípcios vinham por toda a terra à procura dos fugitivos e, sempre que apanhavam crianças, matavam-nas. Convencidos de quão importante era que se escondessem mal avistassem um estranho, ainda que ao longe, os meninos ajudaram a tecer o próprio casulo. Jaime foi o primeiro a passar pela metamorfose. Depois do pânico, perante polícias e médicos estupefactos, jurou a pés juntos que era egípcio, talvez assim lhe poupassem a vida. Quanto aos mais novos, trazidos pelo próprio Anselmo não sem antes conversar com eles, a mudança foi menos dramática.
Apercebi-me, depois, que tinha acabado de ler o livro no dia sete, precisamente um mês depois de o ter tirado da caixa do correio. O dia sete não foi um dia bom para mim. Foi triste e continua a ser triste sempre quando me lembro. Mas ao fim da tarde, quando cheguei do trabalho, abri a porta da caixa do correio, e vi que tinha lá um livro, o tal livro que me tinhas dito que me querias oferecer, fiquei curioso. Abri o envelope, olhei para a capa, e não pude deixar de sorrir quando vi que me tinhas oferecido um livro de uma autora com o mesmo nome que o teu. Olha que coincidência!, pensei.
Trouxe o livro para casa e guardei-o muito bem guardado. Nem o abri. Eu sei bem que sou um bocado estranho com as coisas que me oferecem. Só dias depois, quando peguei nele para o começar a ler, é que vi que tinha a dedicatória. E outra coincidência! Além de me teres oferecido um livro de uma autora que tem o teu nome, dentro, fiquei mesmo espantado com as parecenças da fotografia. Podia jurar que eras tu!
Gostei do livro. Gostei de ir desvendando a história daquelas três crianças, e do Anselmo, que vai prendendo a curiosidade do leitor. Gostei de pormenores como aquele do Custódio ter contratado o Jaime para ver se havia toupeiras lá no terreno dele, e da resposta que lhe deu; gostei da comparação entre as mulheres do Custódio e os goivos; gostei daquela metáfora sobre a morte:
"A morte é uma represa a interceptar cursos de vida, projetos quase sempre embargados a pique para a cova":
"A morte é uma represa a interceptar cursos de vida, projetos quase sempre embargados a pique para a cova":
Gostei do livro que me ofereceste mas não pesquisei rigorosamente nada sobre a autora. Não sei, acho que não me sentiria confortável, seria como estar ali a bisbilhotar; imagino que seja assim que as pessoas fazem quando acabam de conhecer alguém, e vão logo logo ao Facebook ver o perfil da pessoa. Imagino, porque eu nunca estive no Facebook.
Não fui pesquisar nada sobre a autora porque acho que me bastou tê-la conhecido pessoalmente. Mas é provável, até porque eu costumo voltar a autores que goste, que um dia venha a querer pegar noutro livro da mesma autora do livro que me ofereceste. E, já agora, e tal como vos disse, eu tenho andado realmente a conhecer pessoas muito interessantes...
Deste Lado do Mar Vermelho / Sónia Cravo (2013)
Não fui pesquisar nada sobre a autora porque acho que me bastou tê-la conhecido pessoalmente. Mas é provável, até porque eu costumo voltar a autores que goste, que um dia venha a querer pegar noutro livro da mesma autora do livro que me ofereceste. E, já agora, e tal como vos disse, eu tenho andado realmente a conhecer pessoas muito interessantes...
Deste Lado do Mar Vermelho / Sónia Cravo (2013)
E que bom que é, bem que faz, conhecer pessoas muito interessantes.
ResponderEliminarVerdade. Ainda que sejam só primeiras impressões, porque conhecer alguém implica estar em contacto com essa pessoa durante bastante tempo. Mas mesmo assim é bom que fiquemos com boas impressões das pessoas que vamos conhecendo, até porque, grande parte delas não vamos reencontrar.
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