Camaradas:
"Nos anos 50, o ideólogo argentino percorre a América Latina. Numa noite de verão, no México, encontra-se com o carismático revolucionário cubano. Das discussões apaixonadas nasce uma amizade imediata entre os dois homens que derrubarão a ditadura em Havana.
Esta é a história de um advogado que convence um médico na humidade pegajosa de uma noite mexicana. Em plena estação das chuvas, numa sala enevoada, envolta no cheiro dos charutos. O advogado é alto, com um bigode ainda tímido. Tem um rosto duro de homem determinado, olhos ligeiramente semicerrados que raramente encontram o seu sorriso. O médico é mais baixo. Ainda imberbe, mas não por muito tempo. Tem um riso fácil, mas quando escuta, franze as sobrancelhas. Os seus olhos de sonhador ficam encobertos.
"Demasiado bonito para ser inteligente", pensou aquela que se tornou sua companheira, Hilda, ao vê-lo pela primeira vez. Os dois homens estão a aproximar-se dos trinta. O primeiro tem quase 29 anos, o segundo acaba de fazer 27. Em 1940, o México tinha visto morrer Trotsky e, com ele, uma certa esquerda. Quinze anos depois, a capital vê desfilar todos os revolucionários da América Latina. A Revolución, a verdadeira, está prestes a nascer. Nessa noite de verão de 1955, Fidel Castro e Che Guevara encontram-se pela primeira vez.
Fidel acabou de chegar ao México. Dois meses antes, as autoridades cubanas tinham-no amnistiado após quase dois anos de prisão. Devia cumprir quinze anos pela tentativa de golpe contra o regime de Fulgencio Batista. O jovem não suportou o golpe de Estado do coronel. Isso levou-o a atacar o quartel de Moncada, a 26 de julho de 1953, na esperança de provocar uma insurreição generalizada. O ataque foi um desastre combinado com um massacre. Mas Castro, poupado por um triz, entrou na lenda ao escrever a sua própria defesa.
"A história absolver-me-á", declarou com uma veemência que nunca mais o abandonaria. Agora quer vingar-se e prepara uma expedição para libertar a sua ilha. Ernesto, por sua vez, está no México há mais tempo. Já há dez meses fugiu de outro golpe de Estado, na Guatemala. O argentino está na sua segunda viagem pela América Latina. Na primeira, de moto, deparou-se de frente com as desigualdades do continente, sem perceber realmente de onde vinham. No final da segunda, está convencido de que são resultado do braço do imperialismo americano. O mesmo que acabou de derrubar o presidente socialista Jacobo Arbenz, considerado culpado pela CIA e pela United Fruit Company de ir longe demais na sua reforma agrária. Já tinha lido Marx e Engels, mas foi uma economista peruana, Hilda Gadea Acosta, que completou a sua adesão ao comunismo, por amor tanto quanto por convicção.
"NÃO TE ABANDONAREI"
Na Guatemala, um cubano deu-lhe o apelido de "Che", pois usava esta interjeição tipicamente argentina a toda a hora. Esse amigo, Antonio Nico López, o apresentará aos Castro quando eles chegarem ao México. Primeiro apresenta-lhe Raúl, marxista como ele, depois os outros membros do Movimento 26 de Julho, criado por Fidel, um homem cujo carisma o argentino começa a perceber. Ernesto ainda navega entre as lutas de cada um para encontrar a que lhe permitirá salvar o mundo. Quer libertar a América Latina das garras do capitalismo. Sonha em construir um homem novo. Mas ainda não sabe como. Até aquela noite de 9 de julho de 1955.
Bastou uma noite. Dez horas, segundo a lenda, de discussões apaixonadas. Frente a frente. Olhos nos olhos. Che conta sobre a Guatemala e as suas indignações fundamentais; Fidel apresenta-lhe Cuba e a sua luta final. O argentino fica imediatamente impressionado por esse "homem excepcional". Castro vê um ideólogo convicto, radical, sem limites, de uma integridade fora do comum, quase cruel. Che quer mudar o mundo, Fidel propõe começar pelo seu país. É um amor à primeira vista revolucionário. Cada um encontra o que procura. O primeiro paira num romantismo desmedido que sonha em aterrar. O segundo tem os pés bem assentes num pragmatismo astuto, e sonha com inspiração para finalmente se erguer.
Ao amanhecer, Fidel junta-se aos seus: "Camaradas, está feito: encontrei um médico para a nossa expedição." A guerrilha começa ali, no dia seguinte a essa noite febril, nas campanhas mexicanas até ao final de 1956. O Movimento 26 de Julho treina no manejo de armas. A travessia está a ser preparada. Fidel faz viagens de ida e volta aos Estados Unidos para angariar fundos, preparar o Granma, o barco que comprou e que deve navegar até Cuba. De volta ao acampamento, é um irmão mais velho impressionado pela abnegação e resistência do seu recruta argentino. O médico já é um soldado exemplar, tão determinado quanto as suas ideias são firmes. O seu movimento preocupa a polícia mexicana que os prende.
Fidel e Che encontram-se na mesma cela, condenados a ruminar os seus planos para derrubar Batista, libertar a ilha das Caraíbas, talvez até salvar o mundo. As suas ideias escapam-se entre as paredes sujas de uma sala ladrilhada, sentados em simples camas de ferro. O cubano é libertado primeiro, considerado menos perigoso ideologicamente. Quando veste o casaco do seu fato demasiado largo, Guevara, de tronco nu e cinto desapertado, diz-lhe para não o esperar para zarpar. O outro vira-se: "Não te abandonarei."
PRIMEIRAS DESAVENÇAS DISCRETAS
O resto é mais conhecido, todo de fardas caqui e rostos barbudos. Primeiro há o naufrágio, no sul de Cuba, numa noite de dezembro de 1956. A lenta progressão nos pântanos onde assobiam as balas dos homens de Batista. Ali, Che teria finalizado a sua vocação de guerreiro. Perdendo um camarada, forçado a escolher entre uma caixa de medicamentos e outra de munições. O juramento de Hipócrates ficou preso na lama. Depois começa a lenda da Sierra Maestra: a de um grupo dizimado de uma dezena de homens que vai, em breve, reunir todos os oprimidos pelo capitalismo selvagem imposto por um ditador militar.
A aparência atraente desses revolucionários hirsutos fará o resto. Fidel e Che acima de todos os outros. Um, tribuno e carismático, transpira autoridade. O outro, impávido e exemplar, impressiona pela sua intransigência. Ernesto Guevara está em todas as ações, em todas as operações. Inflige ao exército de Batista operações cirúrgicas, dolorosas, eficazes. Também cuida dos camponeses, instrui os novos recrutas. Castro nomeia-o segundo: Che torna-se comandante. Enquanto isso, Fidel ocupa a frente mediática, multiplica as entrevistas clandestinas na Sierra, atraindo novos guerrilheiros. É também aí que surgem as primeiras dúvidas, as primeiras desavenças discretas. Para tranquilizar os liberais, e sobretudo os americanos, o chefe da guerrilha jura em plena Guerra Fria não ter nada a ver com o comunismo. A Che, que fica indignado, promete o contrário. A dúvida persiste, mas Ernesto Guevara permanece fiel.
É mesmo ele quem vai ganhar a batalha decisiva de Santa Clara, no final de dezembro de 1958. O último golpe no regime que vê o seu ditador fugir, deixando os casinos de Havana e os turistas americanos assustados. A rota para a capital está aberta, os barbudos entram lá a 1 de janeiro, mas Che fica para trás para não roubar o protagonismo ao grande Fidel: este acaba de proclamar o triunfo da revolução num discurso em Santiago, que designa como nova capital. Só entra em Havana a 8 de janeiro com o nativo de Rosario. O desafio do poder vai abalar a amizade entre os dois homens. Primeiro ministro da Defesa, Fidel torna-se rapidamente primeiro-ministro e envia Che ao cadafalso, como carrasco. Será encarregado de julgar, rapidamente, os traidores de Batista que são executados em série. O argentino detém o apelido de "pequeno açougueiro de La Cabaña" porque não treme, tal como na floresta quando era necessário punir desertores reais ou supostos. Nada pode impedir a causa. E esta impõe, por vezes, decisões "difíceis". Ou melhor, desumanas.
MÁRTIR NA SUA PRÓPRIA CAUSA
É também uma forma de não expor demasiado o marxismo-leninismo reivindicado pelo Comandante. Porque, entretanto, Fidel navega entre as duas superpotências da época. Tenta apaziguar Washington – onde faz uma breve estadia multiplicando declarações tranquilizadoras –, enquanto se apoia no Partido Comunista Cubano – a formação mais sólida em 1959 na ilha –, mesmo que isso faça fugir os mais liberais que retomam o caminho das armas. Ernesto Guevara e Raúl Castro são da opinião de virar claramente para leste, longe do inimigo imperialista. A crescente tensão com os Estados Unidos acabará por convencer o Líder Máximo. E impõe ainda mais Guevara como uma figura central da revolução.
Primeiro com a reforma agrária, poucos meses após modificar a Constituição para permitir "a um estrangeiro que se tenha particularmente destacado durante a guerrilha e recebido o grau de comandante" entrar no governo: só há um único interessado. Depois, multiplicando os cargos. No final de novembro de 1959, numa reunião com os líderes do movimento, Fidel pergunta: "Quem aqui é economista?" No fundo da sala, Ernesto levanta a mão. Surpresa geral. "Disseste comunista?" Não importa, Che Guevara, o homem que quer abolir o dinheiro, torna-se chefe do Banco Central. Assina até notas de 3 pesos, que hoje são peças de coleção.
Mas surgem nuvens entre Fidel e o seu soldado preferido. Após o episódio da Baía dos Porcos e o embargo americano, vem a crise dos mísseis, em 1962. Uma das piores da Guerra Fria, que deveria ver a URSS de Nikita Khrushchev, após uma negociação conduzida pelo Comandante, instalar lançadores a 200 km do território americano, antes de finalmente recuar, para grande desagrado do principal interessado. Fidel, bom tacticista político, e consciente da dependência do seu regime em relação a Moscovo, alinha-se com as escolhas do seu melhor aliado.
O idealista Guevara não aceita. Tornado "embaixador da revolução", critica abertamente os líderes soviéticos, multiplica discursos virulentos, nomeadamente em Argel, em 1965, sobre a suposta complacência de Moscovo em relação ao seu rival americano. Aposta nos não-alinhados, única salvação possível para acabar com o capitalismo. De volta a Cuba, Fidel dá-lhe um sermão, e Ernesto decide, desautorizado e envergonhado, ir embora para exportar a revolução. O advogado cubano anuncia a partida do médico argentino lendo a sua carta de despedida perante a Assembleia Nacional em março de 1965: "Outras terras do mundo reclamam o concurso dos meus modestos esforços" – o texto inspirará a famosa canção Hasta Siempre de Carlos Puebla. Primeiro no Congo, numa revolta condenada contra Mobutu. Depois na Bolívia, com um pequeno grupo de cubanos que se enterra na selva. Esta última missão parece um plano bem preparado. O país não está pronto para a revolução. E o grupo revolucionário acaba por ser descoberto. Che será executado, enfraquecido por meses de privações, mártir da sua própria causa, morto pelo seu extremismo.
Não há dúvida de que Fidel sabia que o seu amigo nunca voltaria. Deixou-o partir com o coração pesado ou aliviado? A questão permanece em aberto. Mas, mesmo morto, Che serve para fazer sobreviver a sua revolução. Celebrado como herói e exemplo a seguir. Até o matar uma enésima vez, erigindo a sua silhueta de Rimbaud das Américas num símbolo que hoje é vendido em t-shirts por dólares".
Fidel Castro et Che Guevara, au clair de la lutte / Benjamin Delille / Libération
(Fidel Castro nasceu no dia de hoje, 13 de Agosto de 1926)