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terça-feira, 13 de agosto de 2024

Fildel Castro e Che: Raízes de uma Revolução

Camaradas:


"Nos anos 50, o ideólogo argentino percorre a América Latina. Numa noite de verão, no México, encontra-se com o carismático revolucionário cubano. Das discussões apaixonadas nasce uma amizade imediata entre os dois homens que derrubarão a ditadura em Havana.

Esta é a história de um advogado que convence um médico na humidade pegajosa de uma noite mexicana. Em plena estação das chuvas, numa sala enevoada, envolta no cheiro dos charutos. O advogado é alto, com um bigode ainda tímido. Tem um rosto duro de homem determinado, olhos ligeiramente semicerrados que raramente encontram o seu sorriso. O médico é mais baixo. Ainda imberbe, mas não por muito tempo. Tem um riso fácil, mas quando escuta, franze as sobrancelhas. Os seus olhos de sonhador ficam encobertos. 

"Demasiado bonito para ser inteligente", pensou aquela que se tornou sua companheira, Hilda, ao vê-lo pela primeira vez. Os dois homens estão a aproximar-se dos trinta. O primeiro tem quase 29 anos, o segundo acaba de fazer 27. Em 1940, o México tinha visto morrer Trotsky e, com ele, uma certa esquerda. Quinze anos depois, a capital vê desfilar todos os revolucionários da América Latina. A Revolución, a verdadeira, está prestes a nascer. Nessa noite de verão de 1955, Fidel Castro e Che Guevara encontram-se pela primeira vez.

Fidel acabou de chegar ao México. Dois meses antes, as autoridades cubanas tinham-no amnistiado após quase dois anos de prisão. Devia cumprir quinze anos pela tentativa de golpe contra o regime de Fulgencio Batista. O jovem não suportou o golpe de Estado do coronel. Isso levou-o a atacar o quartel de Moncada, a 26 de julho de 1953, na esperança de provocar uma insurreição generalizada. O ataque foi um desastre combinado com um massacre. Mas Castro, poupado por um triz, entrou na lenda ao escrever a sua própria defesa. 

"A história absolver-me-á", declarou com uma veemência que nunca mais o abandonaria. Agora quer vingar-se e prepara uma expedição para libertar a sua ilha. Ernesto, por sua vez, está no México há mais tempo. Já há dez meses fugiu de outro golpe de Estado, na Guatemala. O argentino está na sua segunda viagem pela América Latina. Na primeira, de moto, deparou-se de frente com as desigualdades do continente, sem perceber realmente de onde vinham. No final da segunda, está convencido de que são resultado do braço do imperialismo americano. O mesmo que acabou de derrubar o presidente socialista Jacobo Arbenz, considerado culpado pela CIA e pela United Fruit Company de ir longe demais na sua reforma agrária. Já tinha lido Marx e Engels, mas foi uma economista peruana, Hilda Gadea Acosta, que completou a sua adesão ao comunismo, por amor tanto quanto por convicção.

"NÃO TE ABANDONAREI"

Na Guatemala, um cubano deu-lhe o apelido de "Che", pois usava esta interjeição tipicamente argentina a toda a hora. Esse amigo, Antonio Nico López, o apresentará aos Castro quando eles chegarem ao México. Primeiro apresenta-lhe Raúl, marxista como ele, depois os outros membros do Movimento 26 de Julho, criado por Fidel, um homem cujo carisma o argentino começa a perceber. Ernesto ainda navega entre as lutas de cada um para encontrar a que lhe permitirá salvar o mundo. Quer libertar a América Latina das garras do capitalismo. Sonha em construir um homem novo. Mas ainda não sabe como. Até aquela noite de 9 de julho de 1955.

Bastou uma noite. Dez horas, segundo a lenda, de discussões apaixonadas. Frente a frente. Olhos nos olhos. Che conta sobre a Guatemala e as suas indignações fundamentais; Fidel apresenta-lhe Cuba e a sua luta final. O argentino fica imediatamente impressionado por esse "homem excepcional". Castro vê um ideólogo convicto, radical, sem limites, de uma integridade fora do comum, quase cruel. Che quer mudar o mundo, Fidel propõe começar pelo seu país. É um amor à primeira vista revolucionário. Cada um encontra o que procura. O primeiro paira num romantismo desmedido que sonha em aterrar. O segundo tem os pés bem assentes num pragmatismo astuto, e sonha com inspiração para finalmente se erguer. 

Ao amanhecer, Fidel junta-se aos seus: "Camaradas, está feito: encontrei um médico para a nossa expedição." A guerrilha começa ali, no dia seguinte a essa noite febril, nas campanhas mexicanas até ao final de 1956. O Movimento 26 de Julho treina no manejo de armas. A travessia está a ser preparada. Fidel faz viagens de ida e volta aos Estados Unidos para angariar fundos, preparar o Granma, o barco que comprou e que deve navegar até Cuba. De volta ao acampamento, é um irmão mais velho impressionado pela abnegação e resistência do seu recruta argentino. O médico já é um soldado exemplar, tão determinado quanto as suas ideias são firmes. O seu movimento preocupa a polícia mexicana que os prende. 

Fidel e Che encontram-se na mesma cela, condenados a ruminar os seus planos para derrubar Batista, libertar a ilha das Caraíbas, talvez até salvar o mundo. As suas ideias escapam-se entre as paredes sujas de uma sala ladrilhada, sentados em simples camas de ferro. O cubano é libertado primeiro, considerado menos perigoso ideologicamente. Quando veste o casaco do seu fato demasiado largo, Guevara, de tronco nu e cinto desapertado, diz-lhe para não o esperar para zarpar. O outro vira-se: "Não te abandonarei."

PRIMEIRAS DESAVENÇAS DISCRETAS

O resto é mais conhecido, todo de fardas caqui e rostos barbudos. Primeiro há o naufrágio, no sul de Cuba, numa noite de dezembro de 1956. A lenta progressão nos pântanos onde assobiam as balas dos homens de Batista. Ali, Che teria finalizado a sua vocação de guerreiro. Perdendo um camarada, forçado a escolher entre uma caixa de medicamentos e outra de munições. O juramento de Hipócrates ficou preso na lama. Depois começa a lenda da Sierra Maestra: a de um grupo dizimado de uma dezena de homens que vai, em breve, reunir todos os oprimidos pelo capitalismo selvagem imposto por um ditador militar. 

A aparência atraente desses revolucionários hirsutos fará o resto. Fidel e Che acima de todos os outros. Um, tribuno e carismático, transpira autoridade. O outro, impávido e exemplar, impressiona pela sua intransigência. Ernesto Guevara está em todas as ações, em todas as operações. Inflige ao exército de Batista operações cirúrgicas, dolorosas, eficazes. Também cuida dos camponeses, instrui os novos recrutas. Castro nomeia-o segundo: Che torna-se comandante. Enquanto isso, Fidel ocupa a frente mediática, multiplica as entrevistas clandestinas na Sierra, atraindo novos guerrilheiros. É também aí que surgem as primeiras dúvidas, as primeiras desavenças discretas. Para tranquilizar os liberais, e sobretudo os americanos, o chefe da guerrilha jura em plena Guerra Fria não ter nada a ver com o comunismo. A Che, que fica indignado, promete o contrário. A dúvida persiste, mas Ernesto Guevara permanece fiel.

É mesmo ele quem vai ganhar a batalha decisiva de Santa Clara, no final de dezembro de 1958. O último golpe no regime que vê o seu ditador fugir, deixando os casinos de Havana e os turistas americanos assustados. A rota para a capital está aberta, os barbudos entram lá a 1 de janeiro, mas Che fica para trás para não roubar o protagonismo ao grande Fidel: este acaba de proclamar o triunfo da revolução num discurso em Santiago, que designa como nova capital. Só entra em Havana a 8 de janeiro com o nativo de Rosario. O desafio do poder vai abalar a amizade entre os dois homens. Primeiro ministro da Defesa, Fidel torna-se rapidamente primeiro-ministro e envia Che ao cadafalso, como carrasco. Será encarregado de julgar, rapidamente, os traidores de Batista que são executados em série. O argentino detém o apelido de "pequeno açougueiro de La Cabaña" porque não treme, tal como na floresta quando era necessário punir desertores reais ou supostos. Nada pode impedir a causa. E esta impõe, por vezes, decisões "difíceis". Ou melhor, desumanas.

MÁRTIR NA SUA PRÓPRIA CAUSA

É também uma forma de não expor demasiado o marxismo-leninismo reivindicado pelo Comandante. Porque, entretanto, Fidel navega entre as duas superpotências da época. Tenta apaziguar Washington – onde faz uma breve estadia multiplicando declarações tranquilizadoras –, enquanto se apoia no Partido Comunista Cubano – a formação mais sólida em 1959 na ilha –, mesmo que isso faça fugir os mais liberais que retomam o caminho das armas. Ernesto Guevara e Raúl Castro são da opinião de virar claramente para leste, longe do inimigo imperialista. A crescente tensão com os Estados Unidos acabará por convencer o Líder Máximo. E impõe ainda mais Guevara como uma figura central da revolução. 

Primeiro com a reforma agrária, poucos meses após modificar a Constituição para permitir "a um estrangeiro que se tenha particularmente destacado durante a guerrilha e recebido o grau de comandante" entrar no governo: só há um único interessado. Depois, multiplicando os cargos. No final de novembro de 1959, numa reunião com os líderes do movimento, Fidel pergunta: "Quem aqui é economista?" No fundo da sala, Ernesto levanta a mão. Surpresa geral. "Disseste comunista?" Não importa, Che Guevara, o homem que quer abolir o dinheiro, torna-se chefe do Banco Central. Assina até notas de 3 pesos, que hoje são peças de coleção.

Mas surgem nuvens entre Fidel e o seu soldado preferido. Após o episódio da Baía dos Porcos e o embargo americano, vem a crise dos mísseis, em 1962. Uma das piores da Guerra Fria, que deveria ver a URSS de Nikita Khrushchev, após uma negociação conduzida pelo Comandante, instalar lançadores a 200 km do território americano, antes de finalmente recuar, para grande desagrado do principal interessado. Fidel, bom tacticista político, e consciente da dependência do seu regime em relação a Moscovo, alinha-se com as escolhas do seu melhor aliado. 

O idealista Guevara não aceita. Tornado "embaixador da revolução", critica abertamente os líderes soviéticos, multiplica discursos virulentos, nomeadamente em Argel, em 1965, sobre a suposta complacência de Moscovo em relação ao seu rival americano. Aposta nos não-alinhados, única salvação possível para acabar com o capitalismo. De volta a Cuba, Fidel dá-lhe um sermão, e Ernesto decide, desautorizado e envergonhado, ir embora para exportar a revolução. O advogado cubano anuncia a partida do médico argentino lendo a sua carta de despedida perante a Assembleia Nacional em março de 1965: "Outras terras do mundo reclamam o concurso dos meus modestos esforços" – o texto inspirará a famosa canção Hasta Siempre de Carlos Puebla. Primeiro no Congo, numa revolta condenada contra Mobutu. Depois na Bolívia, com um pequeno grupo de cubanos que se enterra na selva. Esta última missão parece um plano bem preparado. O país não está pronto para a revolução. E o grupo revolucionário acaba por ser descoberto. Che será executado, enfraquecido por meses de privações, mártir da sua própria causa, morto pelo seu extremismo.

Não há dúvida de que Fidel sabia que o seu amigo nunca voltaria. Deixou-o partir com o coração pesado ou aliviado? A questão permanece em aberto. Mas, mesmo morto, Che serve para fazer sobreviver a sua revolução. Celebrado como herói e exemplo a seguir. Até o matar uma enésima vez, erigindo a sua silhueta de Rimbaud das Américas num símbolo que hoje é vendido em t-shirts por dólares".

Fidel Castro et Che Guevara, au clair de la lutte / Benjamin Delille / Libération 

(Fidel Castro nasceu no dia de hoje, 13 de Agosto de 1926)

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

O Comunismo é um Sonho e Talvez uma Utupia

Talvez possa parecer estranho a alguns, ou talvez não. Parecerá estranho eu disser que não votarei no PCP nas legislativas mas afirmar que é o partido que mais respeito na democracia portuguesa? Acho que uma coisa não invalida a outra. Nem sempre concordo com as ideias do PCP, tal como nem sempre concordo com coisas nos outros partidos de esquerda, que são os que defendem os meus interesses de trabalhador. Contudo e, apesar disso, tenho um enorme respeito por um partido que tem mais de cem anos, que atravessou e sobreviveu à repressão dos 48 anos de ditadura fascista e que lutou, ao lado de muitos outros, anarquistas, sindicalistas, socialistas etc, para que pudéssemos almejar a liberdade. Muitos dos seus militantes entraram, como se sabe, na clandestinidade e muitos pagaram com a própria vida esse atrevimento de espalhar a mensagem dessa luta. 

O PCP é o partido da defesa dos trabalhadores, o partido dos sindicatos, é um partido fundamental da nossa democracia que tem vindo a ser tão atacada. E, aproveitando aqui uma crónica na revista espanhola Muy Historia de 2022, aqui deixo um pouco da história do comunismo:




"Originado das entranhas da pobreza, desespero e fome, o sonho do comunismo tem sido ao longo da sua história uma quimera utópica e uma ciência histórica, transformando-se, por vezes, em pesadelo. O incessante aumento da desigualdade pode ser crucial para o ressurgimento deste sistema político.

O comunismo não é socialismo. Pode-se dizer que este último foi concebido como uma fase preliminar do primeiro.

«O comunismo é um sonho. Um sonho que anteriormente foi utopia; depois, por vezes, pesadelo; e, agora, uma ilusão para uns e uma obscuridade para outros. E uma ameaça existencial para os Estados Unidos - China, com a sua versão peculiar -, tal como sempre foi. Um sonho, em todo o caso, que Karl Marx e Frederic Engels transformaram em ciência após as quimeras utópicas de escritores como Saint-Simon, Owen ou Fourier. Um sonho vívido em lugares tão diversos como a União Soviética, Coreia do Norte, Congo ou Baviera. Um sonho que, talvez, nunca teve a mais ínfima oportunidade  - o potencial norte-americano após a Segunda Guerra Mundial colocou-o talvez numa posição tão dominante que impediu qualquer desenvolvimento económico, político ou social alternativo -, e ainda não sabemos com certeza porquê - natureza humana, condições adversas, implementação defeituosa. Mas um sonho que, finalmente, convém recordar. Mesmo que seja apenas porque continua atual e porque aspira liderar uma nova ordem internacional - a China, como já referi, com um socialismo muito à sua maneira.

O sonho emergiu das entranhas da pobreza, desespero e fome; da exploração e da miséria mais absoluta; da submissão levada ao extremo e à obscenidade. Porque apenas sonham com a liberdade aqueles que não a possuem. Os Romanov e o povo russo são, sem dúvida, um exemplo disso. Em geral, podemos afirmar que o motor dos movimentos socialistas ou comunistas surgiu da desigualdade e do classismo: sociedades profundamente desiguais e classes sociais rigidamente compartimentadas. Os pobres sabiam que eram pobres, que as suas possibilidades de deixar de ser pobres eram quase inexistentes e que os seus filhos seriam igualmente pobres. E o pior, no entanto, nem sequer era a sua pobreza. Pobres, de qualquer forma, que, até à industrialização, estavam suficientemente isolados para não representar um problema, mas que, de repente, começaram a concentrar-se em fábricas e em bairros insalubres. Sujeitos do submundo que, de repente, se encontraram uns aos outros. Encontraram a consciência de classe.



O COMUNISMO NÃO É SOCIALISMO, MESMO QUE PAREÇA

O comunismo é, portanto, muitas coisas, mas, na verdade, pelo menos teoricamente, não é socialismo, pois este é apenas uma fase preliminar de preparação social para a chegada do comunismo.

E talvez seja aqui que reside o defeito da questão, na aplicação teórica equivocada deste sonho, que exigia uma etapa de preparação que nunca foi implementada. Ou talvez não, talvez seja simplesmente impossível. Em qualquer caso, o socialismo prático, o do dia a dia, parece estar muito longe de ser uma etapa de preparação para a chegada do comunismo. Basta pensar na Espanha e se, de fato, além de gostos pessoais, o PSOE é um partido cujo objetivo é a preparação para a chegada de um estágio comunista superior. Não parece ser o caso. E não é por causa dos anos no poder, mais de um quarto de século desde a chegada às urnas. Não, obviamente não: a socialdemocracia europeia moderna não parece ser um estágio e, em si mesma, possui muitos elementos que a diferenciam não apenas do comunismo, mas também do próprio socialismo.

O AUMENTO DA DESIGUALDADE, CHAVE NUM POSSÍVEL RESSURGIMENTO

É amplamente aceite que quanto maior a desigualdade, maior é a polarização e mais fácil se torna a propagação das ideias necessárias para transformar o mundo, seguindo a teoria inicial do sonho, numa sociedade mundial dirigida por cientistas e economistas que organizem uma federação de comunidades com governo próprio, onde o trabalho seja uma atividade voluntária e os produtos se distribuam de acordo com as necessidades individuais. Por outras palavras, um mundo mais justo e melhor para todos.

No entanto, o principal receptor atual da crescente desigualdade nas sociedades capitalistas, especialmente no ocidente, não se encontra na extrema esquerda da moderação, mas nas antípodas. A extrema-direita, como se evidenciou recentemente em França - e como se pode observar no Parlamento Europeu -, está a capitalizar cada vez mais o voto do desencanto. Os pobres parecem já não sonhar com a redistribuição da riqueza, mas sim em acumulá-la. Mas, sem dúvida, isso pode mudar, especialmente nessa maioria planetária não alinhada pela qual Estados Unidos e China competirão — se já não estiverem a competir -, e que constitui muito mais do mundo do que muitos pensam que existe.

O CAPITALISMO, UM SISTEMA FALHADO?

Isso leva-nos a uma questão intrinsecamente relacionada ao capitalismo: é um sistema falhado? As crescentes diferenças na própria Europa, entre o norte e o sul e o leste e oeste, assim como a situação na América Latina, não são muito encorajadoras. É evidente que Cuba e Venezuela, dois experimentos diferentes de socialismo, não se destacam no panorama latino-americano, mas é que seu entorno, que deveria ser um paraíso capitalista, não oferece uma imagem melhor. Alguém poderia argumentar que Haiti está em melhores condições que Cuba? E não é um caso isolado; na América Latina, até mesmo o milagre chileno já não o é tanto, em grande parte devido à distribuição desigual da riqueza - o que nos remete à contradição original do capitalismo. No entanto, o quintal norte-americano constitui a região mais violenta e desigual do mundo, o que, parafraseando Karl Marx, deve-se ao fato de o capitalismo "produzir seus próprios coveiros". Coveiros de uma região que, por isso, constitui um excelente campo de testes para a nova ordem internacional, na qual, aliás, a China se mostra cada vez mais poderosa.

Aqui, na China, sem dúvida alguma, está uma das chaves para um possível desenvolvimento mundial do comunismo, ou, melhor dizendo, de um socialismo "made in China", porque o socialismo chinês é uma versão um tanto capitalista do que se supõe ser o socialismo.

E, NO ENTANTO, A HISTÓRIA...

A história - que poderão ler nesta edição - passa, antes de tudo, pela União Soviética, desde Estaline até Gorbachev e de Khrushchov até Brezhnev. Mas seria injusto, incorreto e impreciso ficar apenas pela experiência soviética, apesar da abundância de relatos académicos, literários e cinematográficos que o sugerem. Houve múltiplos ensaios socialistas para além da União Soviética e da Europa Oriental -Albânia, Alemanha Oriental, Bulgária, Checoslováquia, Hungria, Polónia, Roménia ou o caso especial da Jugoslávia.

Naturalmente, a China, à qual já nos referimos. Um país com um potencial enorme que, desde o seu nascimento, durante a Guerra Fria, se tornou rapidamente um concorrente da Rússia e, por isso, um jogador geopolítico ambíguo. Uma ambiguidade que pode ter sido crucial para a sua sobrevivência e também para o seu sucesso. Uma ambiguidade manifestada também na lógica interna. Além disso, Mongólia, Laos, Camboja, Coreia do Norte, Nepal, Afeganistão e, sobretudo, Vietname, constituem exemplos asiáticos do desenvolvimento de modelos socialistas associados à descolonização ou às derivações adotadas por estados não apenas imaturos, mas até famintos - devido ao intenso saque a que foram sujeitos.

Em África, também ocorreram diversos ensaios, desde a Somália até à Etiópia, passando pelo Congo, Iémen do Sul ou Angola. Este último país, independente graças à ajuda militar de Cuba - Operação Carlota, 1975, após a Revolução dos Cravos -, é hoje o segundo maior produtor de petróleo da África Subsaariana. Até hoje, Angola mantém excelentes relações com o regime castrista. Um regime, o cubano, que, de acordo com as palavras do próprio Fidel Castro, não tinha muitas intenções comunistas -"O povo de Cuba sabe que o governo revolucionário não é comunista"-. Às vezes, a necessidade geopolítica obriga.

Por último, é importante destacar ensaios socialistas não muito conhecidos, como os casos da Índia —estados de Bengala Ocidental, Tripura e Kerala -, Alemanha - Saxónia, Bremen e Baviera -, Irlanda -Limerick -, França - Alsácia -, Pérsia ou Irão.

... AINDA NÃO ESTÁ ESCRITA

Porque o futuro é imprevisível até mesmo para os mais ilustrados e eruditos. Marx e Engels, por exemplo, indicaram que "o modo capitalista de produção, ao transformar cada vez mais a imensa maioria dos indivíduos de cada país em proletários, cria ele próprio a força que, para se libertar da exploração, está obrigada a fazer a revolução". O que não parece ter sido cumprido exatamente. Outro exemplo é Vladimir Lenin que, como muitos outros revolucionários, estava longe de antecipar a queda dos Romanov, tendo esta acontecido fora da Rússia e obrigando-o a realizar uma verdadeira odisseia para regressar a tempo.

E é que sabemos o que aconteceu, mesmo que se discuta sobre isso, mas é impossível prever o futuro, especialmente se os Estados continuarem a servir, como quando Karl Marx e Friedrich Engels começaram a teorizar sobre o comunismo, aqueles que detêm o poder económico, os sistemas judiciais continuarem a beneficiar as elites e a desigualdade não parar de aumentar. Poderíamos finalmente alcançar o sonho... ou acordar abruptamente novamente.

"Comunismo, auge, caída y pervivencias" | revista Muy Historia | 22 de Junho de 2022

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

O Candidato Mais Velho das Autárquicas 2021

Não tenho acompanhado grande coisa da campanha eleitoral nem sequer me interessam os debates do Porto ou Lisboa, afinal, não voto em nenhuma dessas autarquias. Interessa-me acompanhar minimamente o que se passa na minha freguesia e no meu concelho. Fui acompanhando algumas candidaturas, mas em consciência sei que só tenho uma opção de voto na freguesia, e duas para a câmara. 

Sei que a cobertura jornalística tem sido miserável e parcial. Contudo há exceções. Ontem, por exemplo, fiquei maravilhado com a reportagem da Antena 1 que acompanhei no carro. 

Na aldeia dos Cortiços em Macedo de Cavaleiros a Antena 1 encontrou um candidato com 101 anos, Mário Cardoso, nas listas da CDU, que é mais velho que o partido, o PCP (que tem 100 anos) e assume-se comunista desde sempre (apesar de também ter chegado a votar nos socialistas).

"Não íamos votar porque não nos deixavam falar. Os PIDE logo nos abafavam. Uma vez eu estava com o meu pai numa feira (o meu pai já era revolucionário naquele tempo) e estávamos a falar a respeito de política e vieram logo prender o meu pai e o compadre. Eram preso e nunca mais se viam. 

"Eu sou comunista sim senhor por causa que detesto aquele homem que come o pão e não trabalha, porque um comunista quer o que é direito, não quer o que é dos outros". 

"A gente agora queixa-se com mimo. Agora não falta nada. Agora come melhor a minha cadela do que comia a gente antigamente". 

Na reportagem da Antena 1 ficamos também a saber que Adriano Correia de Oliveira, cantor de intervenção, dedicou a Mário Cardoso a música "Em Trás-os-Montes à tarde":

 


"Um homem nunca devia
Mandar noutro homem
Todos juntos é que vamos
Mandar na terra.
Assim falou um pastor 
Por entre matos e urzes 
Nas cercanias da herdade 
Onde a esperança se faz vida 
Onde o trigo é testemunha 
Da vontade colectiva 
Em Trás-os-Montes à tarde 
Na Herdade dos Cortiços. 
Trigo que nasce da terra 
No fim de muita canseira 
Como um filho é gerado 
No ventre da companheira 
E se o trigo é um filho 
Da terra que o fez medrar 
Não pode mandar na terra 
Quem a terra não amar.

Assim falou um pastor 
Na tarde que adormecia 
Assim falou acordado 
Com muita sabedoria 
Da terra nasce o centeio 
Nasce o vinho nasce o grão 
Com o trabalho do homem 
A terra se faz em pão. 
Homem que manda no homem 
Como quem manda no gado 
Não cabe aqui entre a gente 
Terá de ir pra outro lado 
Aqui quem manda na terra 
É vontade colectiva 
Em Trás-os-Montes erguida 
Na Herdade dos Cortiços.


A reportagem da Antena 1 com Mário Cardoso pode ser ouvida aqui.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

Queres Ser Meu Amigo? Então Sê Como Engels Foi de Marx

 "Marx concluiu o primeiro volume de "O Capital" sob condições extremamente difíceis. De par com imensos estudos teóricos, realizava uma obra colossal e complexa dirigindo a Internacional. A permanente tensão e as privações materiais minavam a saúde de Marx, que já se encontrava abalada. 


Num dos momentos críticos, Marx, pedindo a Engels de novo ajuda, escrevia-lhe: "Asseguro-te que preferia que me cortassem o dedo polegar do que ter de escrever esta carta. A ideia de que metade da vida se vive a depender de outrem pode levar ao desespero. A única coisa que me anima é a consciência de que ambos atuamos como sócios, eu dedico o meu tempo ao aspeto teórico e partidário da causa comum". 

Com o afeto e a fidelidade de amigo e com o grande ilimitado desvelo de membro do Partido pelo seu grande guia, Engels ia sempre em auxílio de Marx. Como a saúde deste piorou muito, Engels, alarmado, depois de consultar os médicos, pede a Marx que mude para Manchester para descansar e tratar a sério da doença que poderia ter um desfecho funesto.

"...Faz-me a mim e à tua família o único favor - permite que cuidemos da tua saúde. O que será do movimento se contigo suceder alguma coisa? Ora se te portares como até agora, isso será inevitável. Com efeito, não tenho nem terei sossego, seja dia ou noite, enquanto não te tirar dessa embrulhada: todos os dias que não recebo notícias tuas, fico preocupado, pensando que pioraste outra vez"

A ajuda proporcionada por Engels na composição de "O Capital" não se limitou ao aspeto material. Marx geralmente consultava Engels a respeito dos problemas teóricos mais importantes, expondo nas cartas as suas deduções e pedindo a opinião de Engels sobre várias questões. Marx pedia frequentemente auxílio ao amigo a respeito de diversas questões práticas da economia em que Engels era grande perito (...)

A 16 de Agosto de 1867, Marx comunicou a Engels que tinha concluído a revisão do último (49.º) caderno de "O Capital". O prefácio também já fora remetido. "Deste modo, este volume está pronto - escreveu Marx. - É só graças a ti que isto se tornou possível. Sem os sacrifícios que fizeste por mim, eu jamais conseguiria realizar a obra colossal que exigiram os três volumes. Abraço-te, cheio de reconhecimento!.. Saúdo-te, meu caro e fiel amigo!"

"Desde que no mundo existem capitalistas e operários ainda não apareceu um livro que tivesse tamanha importância para a classe operária" - escreveu Engels sobre "O Capital". 

Marx precisou de vinte e cinco anos de tensas pesquisas científicas para que a sua doutrina económica adquirisse uma forma clássica e perfeita.