quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

O Comunismo é um Sonho e Talvez uma Utupia

Talvez possa parecer estranho a alguns, ou talvez não. Parecerá estranho eu disser que não votarei no PCP nas legislativas mas afirmar que é o partido que mais respeito na democracia portuguesa? Acho que uma coisa não invalida a outra. Nem sempre concordo com as ideias do PCP, tal como nem sempre concordo com coisas nos outros partidos de esquerda, que são os que defendem os meus interesses de trabalhador. Contudo e, apesar disso, tenho um enorme respeito por um partido que tem mais de cem anos, que atravessou e sobreviveu à repressão dos 48 anos de ditadura fascista e que lutou, ao lado de muitos outros, anarquistas, sindicalistas, socialistas etc, para que pudéssemos almejar a liberdade. Muitos dos seus militantes entraram, como se sabe, na clandestinidade e muitos pagaram com a própria vida esse atrevimento de espalhar a mensagem dessa luta. 

O PCP é o partido da defesa dos trabalhadores, o partido dos sindicatos, é um partido fundamental da nossa democracia que tem vindo a ser tão atacada. E, aproveitando aqui uma crónica na revista espanhola Muy Historia de 2022, aqui deixo um pouco da história do comunismo:




"Originado das entranhas da pobreza, desespero e fome, o sonho do comunismo tem sido ao longo da sua história uma quimera utópica e uma ciência histórica, transformando-se, por vezes, em pesadelo. O incessante aumento da desigualdade pode ser crucial para o ressurgimento deste sistema político.

O comunismo não é socialismo. Pode-se dizer que este último foi concebido como uma fase preliminar do primeiro.

«O comunismo é um sonho. Um sonho que anteriormente foi utopia; depois, por vezes, pesadelo; e, agora, uma ilusão para uns e uma obscuridade para outros. E uma ameaça existencial para os Estados Unidos - China, com a sua versão peculiar -, tal como sempre foi. Um sonho, em todo o caso, que Karl Marx e Frederic Engels transformaram em ciência após as quimeras utópicas de escritores como Saint-Simon, Owen ou Fourier. Um sonho vívido em lugares tão diversos como a União Soviética, Coreia do Norte, Congo ou Baviera. Um sonho que, talvez, nunca teve a mais ínfima oportunidade  - o potencial norte-americano após a Segunda Guerra Mundial colocou-o talvez numa posição tão dominante que impediu qualquer desenvolvimento económico, político ou social alternativo -, e ainda não sabemos com certeza porquê - natureza humana, condições adversas, implementação defeituosa. Mas um sonho que, finalmente, convém recordar. Mesmo que seja apenas porque continua atual e porque aspira liderar uma nova ordem internacional - a China, como já referi, com um socialismo muito à sua maneira.

O sonho emergiu das entranhas da pobreza, desespero e fome; da exploração e da miséria mais absoluta; da submissão levada ao extremo e à obscenidade. Porque apenas sonham com a liberdade aqueles que não a possuem. Os Romanov e o povo russo são, sem dúvida, um exemplo disso. Em geral, podemos afirmar que o motor dos movimentos socialistas ou comunistas surgiu da desigualdade e do classismo: sociedades profundamente desiguais e classes sociais rigidamente compartimentadas. Os pobres sabiam que eram pobres, que as suas possibilidades de deixar de ser pobres eram quase inexistentes e que os seus filhos seriam igualmente pobres. E o pior, no entanto, nem sequer era a sua pobreza. Pobres, de qualquer forma, que, até à industrialização, estavam suficientemente isolados para não representar um problema, mas que, de repente, começaram a concentrar-se em fábricas e em bairros insalubres. Sujeitos do submundo que, de repente, se encontraram uns aos outros. Encontraram a consciência de classe.



O COMUNISMO NÃO É SOCIALISMO, MESMO QUE PAREÇA

O comunismo é, portanto, muitas coisas, mas, na verdade, pelo menos teoricamente, não é socialismo, pois este é apenas uma fase preliminar de preparação social para a chegada do comunismo.

E talvez seja aqui que reside o defeito da questão, na aplicação teórica equivocada deste sonho, que exigia uma etapa de preparação que nunca foi implementada. Ou talvez não, talvez seja simplesmente impossível. Em qualquer caso, o socialismo prático, o do dia a dia, parece estar muito longe de ser uma etapa de preparação para a chegada do comunismo. Basta pensar na Espanha e se, de fato, além de gostos pessoais, o PSOE é um partido cujo objetivo é a preparação para a chegada de um estágio comunista superior. Não parece ser o caso. E não é por causa dos anos no poder, mais de um quarto de século desde a chegada às urnas. Não, obviamente não: a socialdemocracia europeia moderna não parece ser um estágio e, em si mesma, possui muitos elementos que a diferenciam não apenas do comunismo, mas também do próprio socialismo.

O AUMENTO DA DESIGUALDADE, CHAVE NUM POSSÍVEL RESSURGIMENTO

É amplamente aceite que quanto maior a desigualdade, maior é a polarização e mais fácil se torna a propagação das ideias necessárias para transformar o mundo, seguindo a teoria inicial do sonho, numa sociedade mundial dirigida por cientistas e economistas que organizem uma federação de comunidades com governo próprio, onde o trabalho seja uma atividade voluntária e os produtos se distribuam de acordo com as necessidades individuais. Por outras palavras, um mundo mais justo e melhor para todos.

No entanto, o principal receptor atual da crescente desigualdade nas sociedades capitalistas, especialmente no ocidente, não se encontra na extrema esquerda da moderação, mas nas antípodas. A extrema-direita, como se evidenciou recentemente em França - e como se pode observar no Parlamento Europeu -, está a capitalizar cada vez mais o voto do desencanto. Os pobres parecem já não sonhar com a redistribuição da riqueza, mas sim em acumulá-la. Mas, sem dúvida, isso pode mudar, especialmente nessa maioria planetária não alinhada pela qual Estados Unidos e China competirão — se já não estiverem a competir -, e que constitui muito mais do mundo do que muitos pensam que existe.

O CAPITALISMO, UM SISTEMA FALHADO?

Isso leva-nos a uma questão intrinsecamente relacionada ao capitalismo: é um sistema falhado? As crescentes diferenças na própria Europa, entre o norte e o sul e o leste e oeste, assim como a situação na América Latina, não são muito encorajadoras. É evidente que Cuba e Venezuela, dois experimentos diferentes de socialismo, não se destacam no panorama latino-americano, mas é que seu entorno, que deveria ser um paraíso capitalista, não oferece uma imagem melhor. Alguém poderia argumentar que Haiti está em melhores condições que Cuba? E não é um caso isolado; na América Latina, até mesmo o milagre chileno já não o é tanto, em grande parte devido à distribuição desigual da riqueza - o que nos remete à contradição original do capitalismo. No entanto, o quintal norte-americano constitui a região mais violenta e desigual do mundo, o que, parafraseando Karl Marx, deve-se ao fato de o capitalismo "produzir seus próprios coveiros". Coveiros de uma região que, por isso, constitui um excelente campo de testes para a nova ordem internacional, na qual, aliás, a China se mostra cada vez mais poderosa.

Aqui, na China, sem dúvida alguma, está uma das chaves para um possível desenvolvimento mundial do comunismo, ou, melhor dizendo, de um socialismo "made in China", porque o socialismo chinês é uma versão um tanto capitalista do que se supõe ser o socialismo.

E, NO ENTANTO, A HISTÓRIA...

A história - que poderão ler nesta edição - passa, antes de tudo, pela União Soviética, desde Estaline até Gorbachev e de Khrushchov até Brezhnev. Mas seria injusto, incorreto e impreciso ficar apenas pela experiência soviética, apesar da abundância de relatos académicos, literários e cinematográficos que o sugerem. Houve múltiplos ensaios socialistas para além da União Soviética e da Europa Oriental -Albânia, Alemanha Oriental, Bulgária, Checoslováquia, Hungria, Polónia, Roménia ou o caso especial da Jugoslávia.

Naturalmente, a China, à qual já nos referimos. Um país com um potencial enorme que, desde o seu nascimento, durante a Guerra Fria, se tornou rapidamente um concorrente da Rússia e, por isso, um jogador geopolítico ambíguo. Uma ambiguidade que pode ter sido crucial para a sua sobrevivência e também para o seu sucesso. Uma ambiguidade manifestada também na lógica interna. Além disso, Mongólia, Laos, Camboja, Coreia do Norte, Nepal, Afeganistão e, sobretudo, Vietname, constituem exemplos asiáticos do desenvolvimento de modelos socialistas associados à descolonização ou às derivações adotadas por estados não apenas imaturos, mas até famintos - devido ao intenso saque a que foram sujeitos.

Em África, também ocorreram diversos ensaios, desde a Somália até à Etiópia, passando pelo Congo, Iémen do Sul ou Angola. Este último país, independente graças à ajuda militar de Cuba - Operação Carlota, 1975, após a Revolução dos Cravos -, é hoje o segundo maior produtor de petróleo da África Subsaariana. Até hoje, Angola mantém excelentes relações com o regime castrista. Um regime, o cubano, que, de acordo com as palavras do próprio Fidel Castro, não tinha muitas intenções comunistas -"O povo de Cuba sabe que o governo revolucionário não é comunista"-. Às vezes, a necessidade geopolítica obriga.

Por último, é importante destacar ensaios socialistas não muito conhecidos, como os casos da Índia —estados de Bengala Ocidental, Tripura e Kerala -, Alemanha - Saxónia, Bremen e Baviera -, Irlanda -Limerick -, França - Alsácia -, Pérsia ou Irão.

... AINDA NÃO ESTÁ ESCRITA

Porque o futuro é imprevisível até mesmo para os mais ilustrados e eruditos. Marx e Engels, por exemplo, indicaram que "o modo capitalista de produção, ao transformar cada vez mais a imensa maioria dos indivíduos de cada país em proletários, cria ele próprio a força que, para se libertar da exploração, está obrigada a fazer a revolução". O que não parece ter sido cumprido exatamente. Outro exemplo é Vladimir Lenin que, como muitos outros revolucionários, estava longe de antecipar a queda dos Romanov, tendo esta acontecido fora da Rússia e obrigando-o a realizar uma verdadeira odisseia para regressar a tempo.

E é que sabemos o que aconteceu, mesmo que se discuta sobre isso, mas é impossível prever o futuro, especialmente se os Estados continuarem a servir, como quando Karl Marx e Friedrich Engels começaram a teorizar sobre o comunismo, aqueles que detêm o poder económico, os sistemas judiciais continuarem a beneficiar as elites e a desigualdade não parar de aumentar. Poderíamos finalmente alcançar o sonho... ou acordar abruptamente novamente.

"Comunismo, auge, caída y pervivencias" | revista Muy Historia | 22 de Junho de 2022

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