quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

O Desejo é Aquilo Que nos Dá Forças



"O desejo é a essência do homem", escreveu o filósofo do século XVII Baruch Spinoza. Pela sua natureza infinita, é talvez o que melhor nos caracteriza, mas, acima de tudo, é o que move as nossas vidas. Que valor teria uma vida sem desejos? A variedade e intensidade disso é o que nos dá o impulso para agir e o sentimento de estar plenamente vivos. A ausência de desejo - da qual a depressão é um sintoma moderno - aponta para o colapso da nossa força vital. Ao mesmo tempo, o desejo pode levar-nos à paixão destrutiva ou ilusória, à insatisfação permanente, ao ódio ou à frustração causados pela inveja e pela ganância, ou a todo o tipo de vícios que nos privam da nossa liberdade interior. (...) O que distingue o desejo da necessidade? Qual é a natureza do desejo? Como saber se um desejo é bom ou não? Como acolher os nossos desejos mais pessoais e deixar de imitar os dos outros? Como podemos escapar à insatisfação para expressar os desejos de maneira adequada e experimentar uma alegria profunda? (...)

Esgotados por três anos de pandemia, angustiados pelas consequências do desajuste climático, pela guerra na Ucrânia ou pela perda de poder de compra, desiludidos com a política e céticos em relação a todas as instituições, muitos dos nossos contemporâneos sentem-se frágeis e afetados do ponto de vista moral e psicológico. O resultado é um declínio do que o filósofo Henri Bergson chamava de "élan vital" e uma diminuição da nossa força desejante que pode afetar todos os aspectos da vida: profissional, amoroso, sexual, intelectual, etc. Sentimo-nos menos vivos, desfrutamos menos intensamente da vida, frequentemente a tristeza prevalece sobre a alegria. Isso leva algumas pessoas a questionarem-se e a tentarem reorientar as suas vidas para valores diferentes do consumismo e do reconhecimento social, a dar mais sentido, a viver com mais sobriedade. Assim, muitos jovens procuram contornar o modelo dominante, por exemplo, no campo profissional, mas também no sexual, que não corresponde aos seus desejos mais profundos, mais orientados para o ser e a qualidade de vida do que para o ter e o desempenho.

No entanto, de maneira paradoxal - e isso é válido para todas as crises vitais e não é algo novo - esse esgotamento do "élan vital" e do desejo traduz-se também numa exacerbação dos desejos mais materiais, poderíamos dizer, dos caprichos, que surgem como compensações dessa espécie de depressão: consumimos para nos fornecer minidoses de prazer. Este consumismo pode assumir diversas formas: compras compulsivas, vício em sexo, jogos, redes sociais, necessidade exacerbada de reconhecimento social, entre outros. Os nossos poderosos desejos e grandes alegrias transformam-se assim em pequenos caprichos e prazeres fúteis. E, às vezes, tornamo-nos escravos desses desejos e prazeres, sem que eles satisfaçam verdadeiramente nossa sede mais profunda. Estou convicto de que só encontraremos nossa liberdade e nossa verdadeira alegria cultivando o "élan vital", despertando nossos desejos mais pessoais e orientando-os para objetos que nos façam crescer, que deem sentido à nossa vida, que nos permitam realizar-nos plenamente segundo nossa singularidade.

Os filósofos da Antiguidade concordam, por um lado, em definir o desejo como "a aspiração a um bem" (ou seja, algo que percebemos como bom para nós). Nas palavras de Cícero, "o desejo vai, fascinado e inflamado, em direção ao que parece ser um bem". Por outro lado, identificam-no com o "apetite" (no sentido mais amplo da palavra), o movimento que consiste num esforço para se aproximar de um bem que nos atrai. A aversão, por outro lado, refere-se ao movimento que nos afasta do que percebemos como mau. Embora por vezes pareça confundir-se com o instinto ou a necessidade, o desejo humano compreende ao mesmo tempo uma parte imaginária e uma parte consciente que o tornam muito mais complexo. Não é o mesmo sentir a necessidade de nos alimentarmos (a sensação de fome) do que o desejo de comer um prato específico, que nos desperte memórias felizes, num ambiente que gostamos e com bons amigos. Isso é observado também no desejo sexual, que não pode ser reduzido ao instinto de sobrevivência da espécie ou à simples satisfação de uma necessidade fisiológica. A psicanálise demonstrou de forma cabal que, antes de fixar-se num objeto, o desejo está envolto numa dinâmica complexa e criativa (emoções, fantasias, projeções, transferências...). Por isso, Gaston Bachelard escreveu que "o homem é uma criação do desejo, não da necessidade".

A palavra "desejo" deriva do verbo latino "desiderare", formado a partir de "sidus, sideris", que significa astro ou constelação. Existem duas interpretações radicalmente opostas desta etimologia. Pode-se interpretar "desiderare" como "deixar de contemplar as estrelas", o que remete à ideia de uma perda, um "desnorte". O marinheiro que deixa de olhar as estrelas pode perder-se no mar. O ser humano que deixa de contemplar as coisas celestiais pode perder-se perante a sedução das coisas terrenas. Inversamente, podemos entender "desiderare" como aquilo que nos liberta de nos perdermos em considerações ("siderare"), uma vez que os antigos romanos costumavam entender a "sideratio" como o facto de sofrer a ação funesta dos astros. Conservamos esse sentido distante quando dizemos que ficamos "alucinados" após uma comoção ou adversidade: ficamos imóveis, incapazes de reagir, privados da capacidade de agir livremente. O que nos porá novamente em movimento é "de-sidere", o desejo, entendido como motor da ação, como a potência vital que nos liberta de nos perdermos a nós mesmos, seja qual for a causa.

O fascinante é que este duplo sentido reaparece ao longo da tradição filosófica ocidental. Por um lado, o desejo é percebido como uma falta, sublinhando essencialmente o seu caráter negativo. Por outro lado, é percebido como um poder e como o principal motor das nossas vidas. A maioria dos filósofos da Antiguidade viu o desejo como uma falta e considerou-o não tanto como uma questão, mas como um problema: a busca por uma satisfação que, uma vez saciada, renasce imediatamente sob a mesma forma ou sob a forma de outro objeto, condenando-nos assim a estar insatisfeitos ao longo da vida. Foi Platão, o mais conhecido entre os discípulos de Sócrates, quem melhor teorizou esta dimensão insaciável do desejo humano na forma de falta: "O que não temos, o que não somos, o que sentimos falta: eis os objetos do desejo e do amor". Aristóteles relativiza esta identificação do desejo com a falta e vê nele a nossa única força motriz: "Não há mais do que um princípio motor: a faculdade desiderativa". No século XVII, Spinoza retoma esta ideia e coloca-a no centro de toda a sua filosofia ética: o desejo é a potência vital que coloca em movimento todas as nossas energias e, bem dirigido pela razão, é o único que pode levar-nos à alegria e à felicidade suprema (a beatitude).

Desejo-falta que conduz à insatisfação e à desgraça e ao qual convém impor limites ou eliminar... ou desejo-potência que conduz à plenitude e à felicidade e que convém cultivar: quem tem razão? Se nos observarmos atentamente a nós mesmos e à natureza humana, ambas as teorias parecem pertinentes e não se excluem mutuamente.

Nas nossas vidas, podemos experienciar o desejo-falta e o desejo-potência. Quando caímos na armadilha da insatisfação constante, da comparação social, da inveja, da luxúria, da paixão amorosa, estamos a concordar com Platão. Mas quando nos deixamos levar pela alegria de criar, crescer, avançar, amar, desenvolver os nossos talentos, realizar-nos através do que fazemos, conhecer, estamos a concordar com Spinoza. E as coisas são até um pouco mais complexas, pois o desejo-falta pode também ser o motor de uma busca espiritual que conduza à contemplação da beleza divina, enquanto o desejo-potência nos pode levar a excessos e a uma forma de hibris denunciada pelos gregos.

Só encontraremos a liberdade e a verdadeira alegria cultivando o "élan vital", despertando os nossos desejos mais pessoais, e direcionando-os para metas que alimentem o nosso crescimento interior e coletivo. A reflexão sobre estas dualidades do desejo enriquece a nossa compreensão da natureza humana e convida-nos a procurar um equilíbrio que nos permita viver de forma plena e consciente.

"El deseo es lo que nos da fuerzas" | Frédéric Lenoir | (excerto do livro "Filosofia do Desejo) | El País

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