sábado, 3 de agosto de 2024

História: Como o Vermelho Passou de Cor Pacifista a Cor Política?

"O vermelho domina o cortejo do 1º de Maio, aparece nos logótipos de muitos partidos de esquerda, está presente nas grandes manifestações dos sindicatos... No entanto, durante muito tempo o vermelho não teve nenhuma conotação política ou ideológica. Na Europa, essa cor vibrante, durante muito tempo um símbolo de poder e riqueza, foi usada inicialmente para alertar sobre o perigo. Um legado que ainda encontramos nos nossos semáforos e sinais de proibição. Sob o Antigo Regime, durante grandes movimentos de multidões, as autoridades públicas agitavam uma bandeira ou um pano vermelho para convidar a multidão a se dispersar.

O dia 17 de julho de 1791 marca uma viragem na percepção dessa cor. "Havia muita gente no Campo de Marte que veio exigir a destituição de Luís XVI, após a fuga para Varennes. A bandeira vermelha foi exibida para convidar a multidão a se dispersar; era uma bandeira pacífica, e, sem se saber por quê, a guarda nacional atirou na multidão", relata o historiador especializado em cores Michel Pastoureau. Os disparos causaram cerca de uma centena de mortos, que foram elevados à condição de mártires da Revolução em curso. "A partir desse momento, o vermelho adquiriu uma significação política. De neutra, até pacifista, tornou-se insurrecional, o emblema da multidão que veio exigir a destituição de Luís XVI. Esse é o ponto de partida de tudo o que sabemos sobre o vermelho da esquerda, da extrema esquerda."

DISCURSOS

A bandeira vermelha estará presente em todas as revoltas populares, da Revolução Francesa ao século XIX. Após a abdicação de Luís Filipe, durante a revolução de 1848, o povo até pediu que ela fosse substituída pela bandeira tricolor. Alphonse de Lamartine, ministro das Relações Exteriores do governo provisório, opôs-se a isso num discurso histórico pronunciado diante do Hôtel de Ville de Paris: "A bandeira tricolor deu a volta ao mundo com a República e o Império, com as vossas liberdades e glórias, e a bandeira vermelha apenas deu a volta ao Campo de Marte, manchada com o sangue do povo." Estandarte dos insurgentes da Comuna de 1871, o vermelho transfere-se pouco a pouco ao socialismo. 

Os movimentos operários organizam-se e fazem dele o seu símbolo em toda a Europa. "A bandeira vermelha já estava bem estabelecida antes da revolução soviética de 1917 a 1922. Ela torna-se o emblema da URSS, do comunismo e, por extensão, dos países afiliados", observa o historiador. Mas cuidado para não se deixar levar por uma leitura anacrônica. A Praça Vermelha em Moscovo não recebe esse nome nem dos tijolos ao redor, nem de uma associação tardia com o comunismo. Em russo antigo, "krasny" tanto significa "belo" como "vermelho". A Praça Vermelha deve, portanto, ser compreendida no sentido de praça "bela".

"FORTE" 

Se hoje o vermelho pode parecer indissociável da esquerda e, em particular, do comunismo, essa norma cromática, muito difundida na Europa e na Ásia, não é universal. Um sinal da ambivalência social e cultural das cores: nos Estados Unidos e no Canadá, o vermelho é republicano, ou seja, conservador. "Para um olhar ocidental, nenhuma cor jamais encarnou tanto um movimento ideológico porque é a cor mais forte. É a primeira cor no plano simbólico", destaca Michel Pastoureau. Essa primazia não é por acaso. O vermelho é a primeira cor dominada pelo ser humano para pintar e tingir: "Na alta Antiguidade, um tecido tingido é mais frequentemente vermelho porque não se sabia fazer em outras cores." Longe de ser a cor favorita dos franceses, o vermelho mantém sua aura de primeira cor simbólica.

"Quand la gauche s’est mise à voir rouge" / Marlène Thomas / Libération (3 de Agosto de 2024)

Sem comentários:

Enviar um comentário