sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

O Padrão da Direita Salazarista

Cavaco Silva mandava a polícia malhar nos estudantes; nos trabalhadores à porta das empresas em greve; nos manifestantes contra o aumento das portagens na Ponte 25 de Abril; mandava até a polícia de intervenção bater nos polícias. 

Ontem, o governo, de forma vergonhosa, mandou a polícia revistar cidadãos, num determinado bairro, só por terem determinado aspeto e por serem estrangeiros, naquilo que poderia ser uma operação de Hitler sobre os judeus. 

Ironicamente, há treze anos, neste mesmo dia, era noticiado que o governo da direita de então, de Passos Coelho e coadjuvado pelo irrevogável Paulos Portas, reunia-se também, por causa da criminalidade violenta. 

Goebbels, ministro da propaganda de Hitler dizia que "uma mentira contada mil vezes torna-se verdade". E a direita reacionária, travestida de extrema-direita, precisa sempre de um inimigo inventado. 

Ou são os judeus, ou os ciganos, ou são os estrangeiros, há sempre um inimigo invisível para justificar o estado de coisas. E vão continuar a repetir as mesmas mentiras, todos os dias, na esperança que se tornem verdade. 

Mas continuará a ser mentira. Portugal é um dos países mais seguros do mundo. A vinda dos imigrantes para fazer o que já não queremos fazer pelo valor que querem pagar não aumentou a criminalidade. É um facto indesmentível. Nem é culpa dos imigrantes ou estrangeiros que o SNS esteja no caos em que está hoje. A culpa do estado em que se encontra é dos sucessivos governos que desinvestiram na saúde pública. Bem pior o PSD - aquele partido que votou contra a criação do SNS - que quer fazer da Saúde um negócio para os privados. E, por mais que atirem areia para os olhos das pessoas, é esta a verdade.


 

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Frase do Dia


 Frase de Isabel Moreira, retirada desta reportagem do Público, sobre a falta de candidatas mulheres à presidência da república:



sábado, 14 de dezembro de 2024

Como é Que uma Pessoa de Direita Lê os Ensinamentos de Jesus?

 


Não deixa de ser irónico para mim, que, as pessoas que mais se dizem religiosas e crentes, são depois aquelas que menos demonstram qualquer empatia para com o próximo, especialmente com os mais fragilizados e desprotegidos, manifestando opiniões completamente contrárias aquilo que, para elas, é a palavra e vontade de "Deus". Porquê?

Trump é um fervoroso crente. Bolsonaro também. Ventura, Netanyahu, Putin e Meloni também. 

Mas com que olhos é que eles - tudo bem, Bolsonaro não, que esse nunca leu um livro na vida - mas os outros, como é que, por exemplo, o acólito Ventura, com que olhos é que, alegadamente, leu a bíblia?

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Catarina e a Beleza de Ficar a Arder sem Bilhetes para o Teatro

Por uma ou outra vez tinha pensado ido ir ver a peça "Catarina e a Beleza de Matar Fascista" mas, por causa da pandemia a peça acabou cancelada. Até que, subitamente, foi noticiado agora que voltaria a Viseu e Penafiel. Bom, é desta pensei. E no dia seguinte preparei-me para comprar bilhetes... E não é que, para os três dias, daqui a mês e meio, já estava tudo esgotado? No dia seguinte a ter sido anunciado?

Pá, eu sei que o New York Times considerou a pela do Tiago Rodrigues como sendo uma das melhores da Europa, mas esgotar as três data para Penafiel no dia seguinte a ser anunciado? Por favor! Que é feito daquela coisa dos portugueses deixarem sempre tudo para a última?


Os Trogloditas e as Intelectuais

Diz-se agora que o mundo está cada vez mais fragmentado, de extremos. "Polarizado". Curiosamente também parece que assistimos a uma guerra de sexos na política, na reivindicação dos direitos, no acesso à igualdade. E também entre homens e mulheres assistimos a um afastamento ideológico. Mesmo entre os mais jovens, os rapazes estão agora cada vez mais sensíveis às ideias populistas de extrema-direita, ao passo que as mulheres, são muito mais sensíveis às questões sociais - pudera, em pleno século XX ainda querem mandar nos seus corpos!

Mas não só politicamente. Esta semana encontrei este artigo no New York Times, sobre o desaparecimento dos homens na literatura. Os homens estão a deixar de escrever e a deixar de ler, levando-me a refletir que os homens (não generalizando, obviamente) estão-se a tornar nuns trogloditas e as mulheres são agora as intelectuais. Cá fica o artigo traduzido em modo mais ou menos automático. 

O desaparecimento dos homens literários deveria preocupar-nos a todos


"Ao longo das últimas duas décadas, a ficção literária tornou-se, em grande medida, uma atividade feminina. Cada vez mais os romances são escritos por mulheres e lidos por mulheres. Em 2004, cerca de metade dos autores na lista de bestsellers de ficção do New York Times eram homens e a outra metade mulheres; este ano, a lista parece ser composta por mais de três quartos de mulheres. De acordo com vários relatórios, as leitoras representam agora cerca de 80% das vendas de ficção.

Observo o mesmo padrão no programa de escrita criativa onde leciono há oito anos. Cerca de 60% das candidaturas vêm de mulheres, e algumas turmas do nosso programa são inteiramente femininas. Quando fui estudante de pós-graduação num programa semelhante há cerca de 20 anos, as turmas estavam divididas de forma relativamente equilibrada por género. Como Eamon Dolan, vice-presidente e editor executivo da Simon & Schuster, me disse recentemente: “o jovem romancista masculino é uma espécie rara.”

A sub-representação masculina é um tema desconfortável num mundo literário que, de outra forma, está altamente atento a desequilíbrios deste tipo. Em 2022, a romancista Joyce Carol Oates escreveu no Twitter que “um amigo que é agente literário me disse que já nem consegue que os editores leiam os primeiros romances de jovens escritores brancos, por muito bons que sejam.” A resposta pública ao comentário de Ms. Oates foi rápida e mordaz — não sem alguma razão, visto que o mundo literário continua esmagadoramente branco. Mas a falta de preocupação com o destino dos escritores masculinos foi notável.

Para ser claro, dou as boas-vindas ao fim do domínio masculino na literatura. Durante demasiado tempo, os homens ocuparam o topo, frequentemente à custa de grandes escritoras que deveriam ter sido lidas. Também não acho que os homens mereçam estar melhor representados na ficção literária; eles não sofrem do mesmo tipo de preconceito que as mulheres enfrentaram durante tanto tempo. Além disso, os jovens deveriam estar a ler Sally Rooney e Elena Ferrante. Os leitores masculinos não precisam de ser emparelhados com escritores masculinos.

No entanto, se nos preocupamos com a saúde da nossa sociedade - especialmente na era de Donald Trump e das conceções distorcidas de masculinidade que ele ajuda a fomentar - o declínio e a queda dos homens literários deveriam preocupar-nos.

Nas últimas décadas, os jovens regrediram educacional, emocional e culturalmente. Entre as mulheres que ingressam em universidades públicas de quatro anos, cerca de metade se formará quatro anos depois; para os homens, a taxa é inferior a 40%. Esta disparidade traduz-se certamente numa redução no número de romances lidos por jovens homens, à medida que se afundam cada vez mais em videojogos e pornografia. Os jovens que ainda demonstram curiosidade pelo mundo frequentemente procuram estimulação intelectual através de figuras do “manosphere”, como Andrew Tate e Joe Rogan.


A marginalização dos jovens parece ter sido um fator significativo na eleição presidencial dos EUA deste ano. Nenhum grupo de eleitores foi mais fiel a Trump do que os jovens brancos - e ele também obteve bons resultados entre homens hispânicos e continuou a ganhar terreno entre homens negros. Penso em 2024 como a eleição do “Fight Club”, na qual homens desiludidos descarregaram as suas frustrações e ansiedades num lutador que, um dia, se revelará não o seu herói, mas sim uma figura da sua imaginação.

Estes jovens precisam de melhores histórias

O que acontece se metade da população deixar de estar envolvida na leitura e na escrita? - e eles precisam de se ver como pertencentes ao mundo das narrativas. Os romances cumprem muitas funções. Divertem, inspiram, intrigam, hipnotizam. Mas ler ficção é também uma excelente forma de melhorar a inteligência emocional. Os romances ajudam-nos a formar as nossas identidades e a compreender as nossas vidas. Tal como muitos outros membros da Geração X ligados aos livros, não consigo conceber os meus anos de formação sem o romance de Douglas Coupland que deu nome à nossa geração. É por isso que precisamos de uma cultura literária mais inclusiva, que traga os jovens homens do frio.

Não estou a dizer que devemos dar por concluído o progresso das escritoras e agora focar-nos apenas nos homens. Para mim, a questão é: o que será da literatura - e, de facto, da sociedade - se os homens deixarem de estar envolvidos na leitura e na escrita? Os destinos de homens e mulheres estão interligados. É por isso, por exemplo, que faço questão de que os meus estudantes masculinos leiam “The Handmaid’s Tale”. Não é apenas a sua edificação que importa; as mulheres também beneficiam da existência de homens melhores.

Recordo-me aqui de algo que a académica feminista bell hooks escreveu uma vez: “Permanece uma pequena corrente de pensadoras feministas que acreditam fortemente que já deram tudo o que queriam dar aos homens; preocupam-se apenas em melhorar o bem-estar coletivo das mulheres. No entanto, a vida mostrou-me que sempre que um único homem ousa transgredir os limites patriarcais” - algo que estou convencido de que a literatura capacita os homens a fazer - “as vidas de mulheres, homens e crianças são fundamentalmente alteradas para melhor.

David J. Morris / The New York Times, 10 de dezembro de 2024

domingo, 8 de dezembro de 2024

O Chega Não Gosta de Presépios

A história de José e Maria e do bebé que nasceu numa manjedoura é a história de uns migrantes, feios e pobres, que viviam graças ao Rendimento Social de Inserção. E no Chega ninguém se gosta de imigrantes pobres que vivem à custa do Estado porque simplesmente não tiveram o empreendedorismo de acreditar e ter nascido numa família rica. Eles que vão mas é para a terra deles! 

No Chega gostam mesmo muito é de imigrantes ricos, esses é que são bons. Imigrantes ricos, fira da Europa mas, que chegam aqui e compram as casas todas. E depois os nossos jovens ou ficam em casa dos pais à espera que eles morram ou têm que emigrar porque nestes tempos atuais que vivemos nem sequer uma casa terão possibilidades de comprar. 


sábado, 7 de dezembro de 2024

Serj Tankian - o Músico Ativista

Já não sei precisar o ano, mas sei que conheci System of Down no programa de rádio Hipertensão da Antena 3 no final dos anos noventa ou inícios do novo milénio e, se não estou em erro, vi-os ao vivo, em Coimbra, em 2004. Tornaram-se numa das maiores bandas do mundo - e para constatar isso basta ver quando milhões de visualizações têm as suas músicas no Youtube - ainda que, ironicamente e contrariando a vontade do público tenham sempre estado muitos anos parados, não produzindo novos álbuns nem fazendo novas turnês. 

Há muitas especificidades sobre os elementos constituintes da banda e, em particular, acerca do vocalista Serj Tankian. E podemos ficar a conhecê-lo um pouco melhor nesta entrevista da revista brasileira Isto É desta semana:



"Serj Tankian nasceu no Líbano, cresceu nos EUA e vive entre Los Angeles e a Nova Zelândia. Ele é considerado um dos maiores cantores de rock do mundo, liderando a banda System of a Down, mas se você fizer uma procura desavisada pelo seu nome no Google topará com o título de principal ativista da causa armênia no planeta. Entenderá o porquê se ler seu livro autobiográfico que acaba de ser lançado no Brasil: Down with the System – uma obra de memórias (ou algo assim). Seus quatro avós eram armênios e fugiram do país durante o que ficou conhecido como genocídio armênio, promovido pelo Império Otomano (atual Turquia) entre 1915 e 1923. Tankian cresceu com as histórias de seus pais, avós e instituiu como missão principal na vida a batalha pelo reconhecimento do massacre. De Los Angeles ele conversou com ISTOÉ sobre o tema, sobre seu café, continuidade da banda e preocupações políticas.

Todos nós o conhecemos por meio da música mas é difícil classificá-lo: você é pintor, poeta, desenvolvedor de software, promissor executivo dos negócios de família, ativista e cantor de rock. Você acha que tudo o que faz é uma consequência de sua luta pela Armênia?

Não sei, talvez tudo seja uma consequência de minha curiosidade incessante. Isso vem do fato de eu ser um artista. Mais do que qualquer outra coisa, eu gosto de experimentar. Quando estou apaixonado por alguma coisa, isso é endêmico de um artista, então você explora, fica entusiasmado e se aprofunda cada vez mais, seja nos negócios, seja escrevendo um livro, seja pintando, música. Para mim, é tudo a mesma coisa.



Não tenho certeza se você está ciente, mas um apoiador de Jair Bolsonaro se explodiu em frente ao Supremo Tribunal Federal em protesto. Seu país natal, o Líbano, está sob ataque de Israel, tivemos Donald Trump sendo eleito presidente dos Estados Unidos pela segunda vez. Como ativista dos direitos humanos, como enxerga o mundo hoje?

O mundo é um lugar muito preocupante, especialmente se você tem filhos. Com o passar do tempo, a migração decorrente da catástrofe ambiental e das guerras, invasões e colonização criou um problema de imigração em toda a Europa, o que está levando vários governos a adotarem políticas anti-imigração de extrema direita. Está se tornando uma situação muito perigosa e segregadora. Fico triste por meus filhos e pelo planeta. Como ativista, sou totalmente contra a maioria das coisas nessa direção e quero ver crescimento sustentável, quero ver pessoas que realmente tenham em mente a humanidade e a consciência do planeta no comando, em vez daqueles que querem lucrar e apenas explorar o planeta. 

Mas a única maneira de me manter são psicologicamente, espiritualmente e esperançoso é viver de forma muito limitada com minha própria família, em meu próprio grupo de amigos e tentar me manter saudável. Mas se eu pensar na questão mais ampla, em nível regional e mundial, é muito triste. Eu acho que as lições dos genocídios do século XX não foram aprendidas e estão acontecendo novamente hoje, como os bombardeios indiscriminados que mataram muitos civis no Líbano, em Gaza, na Cisjordânia ou em Israel. Sobre as eleições nos EUA, um amigo me perguntou: “o que você achou?”. Eu disse: Estamos votando entre o colonialismo e o fascismo, em vez de progressão e sustentabilidade. As propostas estão erradas.

Sua ideia inicial de memórias era escrever um livro sobre a intersecção entre justiça e espiritualidade. Resolveu contar sua história porque impactaria mais as pessoas?

Na verdade, não. Eu nunca penso no público quando estou criando ou na falta dele. Sempre penso no que quero expressar. Na época, um agente literário entrou em contato comigo interessado em um livro de memórias. Eu não estava interessado em escrever um, mas sempre tive a ideia de escrever um livro filosófico sobre a interseção de justiça e espiritualidade. Ao conhecer o Dalai Lama, conversei com ele sobre a intersecção entre justiça e espiritualidade e concordamos que é possível fazer as duas coisas em um livro de memórias. Isso também é uma exploração filosófica desses temas e foi isso que tentei fazer ao criar este livro.

Não quero desmerecer sua carreira mas, ao ler as memórias, fica claro que sua missão na vida têm a ver com o reconhecimento do genocídio armênio. Concorda?

O genocídio armênio foi uma verdadeira luta que meu povo teve de enfrentar para entrar na Era Moderna. Eu sou um deles e meus avós foram sobreviventes do genocídio, mas quero dizer que o genocídio é uma lição muito importante, uma simbologia para falar sobre coisas atuais, porque, como discutimos anteriormente, o genocídio está acontecendo hoje. Quando o genocídio ocorreu, não havia julgamentos de Nuremberg. Quando ocorreu o Holocausto, houve esses julgamentos. As pessoas foram responsabilizadas, houve a Comissão da Verdade e Reconciliação depois do genocídio de Ruanda. Você pensa que todas essas coisas criariam uma atmosfera em que os horrores da limpeza étnica e dos crimes contra a humanidade não ocorreriam, mas ainda estão ocorrendo. Portanto, conto a história do meu povo no genocídio não apenas porque é de onde venho mas também é um modelo para o que está acontecendo.

Você acha que a banda ter se tornado a numero 1 nos EUA no dia 11 de setembro de 2001 é uma coincidência ou, como Shakespeare diz, ‘há mais coisas entre o Céu e a Terra do que nossa vã filosofia pode imaginar”?

A palavra coincidência é realmente muito interessante porque a usamos como uma definição de algo casual. Mas na matemática, coincidência representa coincidir. Portanto, é difícil para nossas mentes compreenderem a vastidão de possibilidades em um dos vários mundos em que vivemos: mundo espiritual, mundo físico, mundo psicológico etc. Portanto, se isso foi coincidência ou não, não sei, mas definitivamente nos levou ao lugar onde precisávamos estar para lidar com as coisas com as quais precisávamos lidar.

Seus colegas de banda, do System of a Down, disseram que o grupo não segue o ritmo que o público gostaria, com lançamentos de álbuns e turnês, por sua causa. Isso está correto?

Não sei, talvez. Eu não gosto muito de fazer turnês. É algo que há muitos anos me faz sentir dentro de uma repetição de si mesmo. Mas eu gosto de fazer shows. Eu gosto de tocar em eventos únicos. Portanto faremos shows, mas não serão turnês longas, porque isso é algo fisicamente exaustivo e artisticamente redundante. Agora o fato de não atendermos a um público é a definição de ser um artista. Claro que nós também entretemos, mas fazemos o que queremos fazer; um artista faz o que quer fazer e, se as pessoas gostarem, ótimo; se não gostarem, que seja. Mas, sim, eu tenho sido o motivo pelo qual a banda não tem feito turnês extensas nos últimos anos.

Você até sugeriu que eles encontrassem outro cantor para substituí-lo, só que você é uma peça fundamental da banda e os fãs provavelmente não veriam o grupo da mesma forma. Você ainda apoia a ideia?

É muito simples. Eu amo os caras da minha banda mais do que amo a banda. Portanto, tudo o que eles quiserem fazer, está bem para mim. Se houver coisas que eu não quiser fazer e eles quiserem fazer, eu não me importo. Mas concordo com você. Temos um núcleo tão interessante dentro de nós, como artistas, que mudar a fórmula realmente atrapalha. Não me sinto confortável com essa ideia, mas também amo meus amigos, meus irmãos, então, o que quer que eles queiram fazer, eu apoio.



Quando você diz que ama mais os seus colegas, depois a banda, isso me faz lembrar de uma parte do seu livro. Lançar um álbum de músicas armênias e folclóricas com seu pai é tão importante quanto sua carreira no System of a Down?

É algo importante para mim porque meu pai me apoiou em minha aventura musical. Passei por um período muito difícil economicamente na história da família, então, quando ele se aposentou e teve tempo, eu sabia que sua paixão estava esperando para ser revelada. Então, eu o apoiei na gravação de um disco. É o disco dele, cantei em algumas músicas e ajudei a produzi-lo, mas é o disco dele e foi um prazer fazê-lo. Não comparo maçãs com laranjas, são duas frutas diferentes. Mas eu gosto de ambas.

Você é o principal porta-voz das causas armênias em todo o mundo, e continuamos com muitos contratempos lá. Como isso te impacta?

Em 2018 a Armênia teve uma bela revolução pacífica, chamada Revolução de Veludo, para derrubar o sistema corrupto da oligarquia pós-soviética. Por um ano e meio estava prosperando até que o Azerbaijão atacou sem aviso prévio, com a ajuda do governo da Turquia e do exército turco, e foi uma guerra horrível de 44 dias. A Armênia foi superada pelo segundo maior exército da OTAN no mundo e pelo Azerbaijão, e perdemos 5.000 jovens. Por terras que Stalin havia arbitrariamente dado ao Azerbaijão na década de 1920, que sempre foram terras indígenas armênias por 2.000 anos, em resumo. Portanto, houve uma limpeza étnica em 2023, duas semanas antes de o Hamas atacar os israelenses, e o Azerbaijão, depois de nove meses de bloqueio econômico e fome, recebeu duas ordens da Corte Internacional de Justiça de ordens contra a ação. Então, eles atacam essas pessoas, 120.000 armênios étnicos. Então, estou muito frustrado, porque quando vejo a injustiça sobrepor-se à Justiça, fico muito irritado. Mas a Armênia está se reconstruindo economicamente, crescendo em um ritmo incrível. Vai acabar se juntando à União Europeia (EU) em breve. Os inimigos estão sempre na fronteira, mas acho que com o tempo se tornará um centro cultural muito importante.

Podemos esperar alguma notícia sua sobre o System of a Down em um futuro próximo?

Com certeza.

E quanto às suas outras atividades? Há algo que podemos esperar?

Acabo de lançar um álbum há cerca de um mês, um EP chamado Foundations que está indo muito bem. Há muito tempo tenho uma galeria de cafés em Los Angeles. Quem estiver na região e vier visitar o Lake, venha conferir: temos o melhor café da cidade. Estamos fazendo lá uma exposição de fotografias do System of a Down por Greg Waterman, nosso fotógrafo nos últimos 23 anos. Terminei dois filmes e uma série de TV, que serão lançados, até o ano que vem. Quando digo terminar os filmes, estou me referindo à trilha sonora desses filmes. Muitas coisas estão acontecendo.

Luiz Cesar Pimentel | revista ISTO É


domingo, 1 de dezembro de 2024

Pá, e se Metêssemos a Inteligência Artificial a Governar?

 Às vezes ouve-se por aí esta ideia genial: pá, vamos meter a inteligência artificial a governar. Afinal aquilo não tem ideologia, perguntamos qual é o sistema mais justo, mais proveitoso para implementar e pronto, não temos que nos preocupar pois vamos ser todos ricos e felizes em sociedade.

Errado! Não existe inteligência nas máquinas. Existe um algoritmo desenhado por um humano e que reflete o pensamento de quem o programou. E é por isso que já se sabe que, por exemplo, o ChatGPT tem uma tendência de direita, ao passo que algoritmo do Google, o Gemini, gosta de justiça social e é mais à esquerda. 



O Deus Dólar

Eça de Queirós escreveu um artigo intitulado "O Miantonomah", inspirado pelo navio de guerra que fundeou em Lisboa em 1866 com o mesmo nome. E foi a desculpa para escrever sobre os Estados Unidos, um artigo publicado na Gazeta de Portugal, e que hoje pode ser encontrado no livro "Prosas Poéticas". Apesar de ter mais de 150 anos, olhando para os tempos atuais dos Estados Unidos, não poderia estar mais atual:




"(...) Tal é o Miantonomah, navio de guerra da América do Norte. 

Nós entrevemos a América como uma oficina sombria e resplandecente, perdida ao longe nos mares, cheia de vozes, de coloridos, de forças, de cintilações.

Entrevemo-la assim: movimentos imensos de capital: adoração exclusiva e única do deus Dólar; superabundância de vida; exageração de meios; violenta predominação do individualismo; grande senso prático; atmosfera pesada de positivismos estéreis; uma febre quase dolorosa do movimento industrial; aproveitamento avaro de todas as forças; extremo desprezo pelos territórios; preocupação exclusiva do útil e do económico; doutrinas de uma filosofia e uma moral egoísta e mercantil; todo o pensamento repassado dessa influência; uma fria liberdade de costumes; uma seriedade artificial e brusca; dominação terrível da burguesia; movimentos, construções, maquinismos, fábricas, colonizações, exportações colossais, forças extremas, acumulação imensa de indústrias, esquadras terríveis, uma estranha derramação de jornais, de panfletos, de gazetas, de revistas, um luxo excessivo; e por fim um profundo tédio pelo vazio que deixa na alma as adorações do deus Dólar: depois a mesma temperatura e a mesma geologia da Europa. 

Assim entrevemos a América, ao longe, como uma estação entre a Europa e a Ásia, aberta ao Atlântico e ao Pacífico, com uma bela costa de navegação cheia de enseadas, molhada de grandes lagos, com os seus grandes rios que escorrem entre as terras, as culturas, as fábricas, as plantações, os engenhos, levados pomposamente pelo Mississipi para o golfo do México: e depois uma Natureza vigorosa, fecunda, eleita, desaparecendo entre as indústrias, os fumos das fábricas, as construções, os maquinismos, todas as complicações mercantis da América – como uma pouca de erva de uma campina fértil que desaparece sob uma amontoação. nervosa de homens.

A vida da América do Norte é quase um paroxismo.
Isto é decididamente uma grande força, uma vida enorme, superabundante. Mas será vital, fecundo, cheio de futuro? Todos os dias dizem à Europa: «Olhai para os Estados Unidos, lá está o ideal liberal, democrático, e, sobretudo, a grande questão, o ideal económico.»
Mas a América consagra a doutrina egoísta e mercantil de Monroe, pela qual uma nacionalidade se encolhe na sua geografia e na sua vitalidade, longe das outras pátrias; esquece as suas antigas tradições democráticas e as ideias gerais para se perder no movimento das indústrias e das mercancias; alia-se com a Rússia; a raça saxónia vai desconhecendo os grandes lados do seu destino, enrodilha-se estreitamente nos egoísmos políticos e nas preocupações mercantis, cisma conquistas e extensões de territórios, subordina o elemento grandioso e divino ao elemento positivo e egoísta, e a grande figura sideral do Direito às fábricas, que fumegam negramente, nos arredores de Goetring. Isto dizem muitos.

Uma das inferioridades da América é a falta de ciências filosóficas, de ciências históricas e de ciências sociais. A nação que não tem sábios, grandes críticos, analisadores, filósofos, reconstruidores, ásperos buscadores do ideal, não pode pesar muito no mundo político, como não pode pesar muito no mundo moral.

Enquanto a superioridade foi daqueles que batalhavam, que lançavam grandes massas de cavalarias, que apareciam reluzentes entre as metralhas, o Oriente dominou, trigueiro e resplandecente. Quando a superioridade foi daqueles que pensavam, que descobriam sistemas, civilizações, que estudavam a Terra, os astros, o homem, e faziam a geologia, a astronomia, a filosofia, o Oriente caiu, miserável e rasteiro.

Há, sobretudo, na América um profundo desleixo nas ciências históricas. Inferioridade. As ciências históricas são a base fecunda das ciências sociais. É a superioridade da Europa: sob a mesma aparência de febre industrial há uma geração forte, grave, ideal, que está construindo a nova humanidade sobre o direito, a razão e a justiça. O nosso mundo europeu é também uma estranha amontoação de contrastes e de destinos; é uma época esta anormal em que se encontram todas as eflorescências fecundas e todas as velhas podridões; políticas superficiais; grandes fanatismos: e ao mesmo tempo um desafogo das livres consciências, expurgação dos velhos ritos, e a alma moderna ligada na sua moral e na sua justiça às almas primitivas com exclusão da

Idade Média; políticas pacificas e transigentes, e um espírito de guerra surdo, aceso e flamejante: territórios violentos e conquistados, e a aniquilação pela política, pela história e pela filosofia dos conquistadores e dos heróis: nem são as influências monárquicas, nem é o individualismo; nem é o humanitarismo, nem são os políticos egoístas, não é a importância das individualidades, nem a importância dos territórios; é uma confusão horrível de mundos, e, em cima, triunfal e soberba, está a indústria, entre as músicas dos metais, as arquitecturas das Bolsas, reluzente, cintilante, colorida, sonora, enquanto no vento passa o seu sonho eterno que são fortunas, impérios, festas, empresas, parques, serralhos.

Ora em baixo, sob a confusão, sereno, fecundo, forte, justo, bom, livre, move-se em germe um novo mundo económico. Este germe é que a América não tem, creio eu. Mas vê-se que todos a apontam como o ideal económico que é necessário que os pensadores meditem, e todos os que no vazio fecundo das filosofias riscam as sociedades. Ora toda a América económica se explica por esta palavra – feudalismo industrial..

Diz-se, na América há um constante aumento de tráfico, de receitas, de riquezas: não há aumento; há deslocação, deslocação em proveito da alta finança – com detrimento das pequenas indústrias produtoras. Logo que na ordem económica não haja um balanço exacto de forças, de produção, de salários, de trabalhos, de benefícios, de impostos, haverá uma aristocracia financeira, que cresce, reluz, engorda, incha, e ao mesmo tempo uma democracia de produtores que emagrece, definha e dissipa-se nos proletariados: e como o equilíbrio não cessa, não cessam estas terríveis desuniformidades.

Mas o grande mal da predominância exclusiva da indústria é este: o trabalho pela repugnância que excita, pela absorção completa de toda a vitalidade física, pela aniquilação e quebrantamento da seiva material, pela liberdade em que deixa as faculdades de concepção – por isso mesmo sobreexcita o espírito, estende os ideais, abre grandes vazios na alma, complica as precisões, torna insuportável a pobreza: nas grandes democracias industriais onde as posições são obtidas pela perseverança, conquistadas pela habilidade, onde há mil motores – a ambição, a inveja, a esperança, o desejo, o cérebro aquece-se, espiritualiza-se, cria sonhos, ambições, necessidades impossíveis; o querer chegar torna-se uma verdadeira doença de alma: exageram-se os meios: e toda a seiva moral se altera e se deforma.

É o que vai acontecendo na América: debaixo da frieza aparente, move-se todo um mundo terrível de desejos, de desesperanças, de vontades violentas, de aspirações nevrálgicas. Depois, como no meio das indústrias ruidosas e absorvedoras muitas amarguras ficam por adoçar, muitas angústias por serenar, muitas fomes por matar, muitas ignorâncias por alumiar, tudo isso se ergue terrível no meio da febre da vida social, e toma-a mais perigosa. Londres dá hoje o aspecto desta luta.

De maneira que o trabalho incessante, enorme, irrita e exagera o desejo das riquezas; aferventa o cérebro, sobreexcita a sensibilidade, a população cresce, a concorrência é áspera, as necessidades descomedidas, infinitas as complicações económicas, e aí está sempre entre riscos a vida social. Entre riscos, porque vem a luta dos interesses, a guerra das classes, o assalto das propriedades e por fim as revoluções políticas.

E todavia a liberdade da América parece tão serena, tão confiada, tão assente, tão satisfeita!
No entanto há muita força fecunda nos Estados Unidos! Ainda há pouco deram o exemplo glorioso de uma nação que deixa os seus positivismos, a sua indústria, os seus egoísmos, o seu profundo interesse, e arma exércitos, esquadras, dissipa milhões, e vai bater-se por uma ideia, por uma abstracção, por um princípio, pela justiça.

O Sul quis corrigir a liberdade pela escravatura; desune-se; o escravo que trabalhe, que cultive, que produza, que sue, que morra sob a força metálica, baça e sinistra do clima e do Sol

Pois bem. A América do Norte quer a liberdade, o amor das raças, e bate-se pela liberdade, pela legalidade, pela união, pelo princípio, pela metafísica! E dispersa os exércitos da Virgínia!
Eram estas as coisas que me lembravam há dias, no Tejo, estando a ver o
Miantonomah, navio dos Estados Unidos em viagem pelo Sul, comandante Beaumont, fundeado no nosso Tejo..

Eça de Queiroz, 2 de dezembro de 1866 

sábado, 30 de novembro de 2024

Quem é Bolsonaro, Aquele que a Direita Portuguesa Nunca Viu Nada de Errado?

Em 2018 a direita portuguesa não via nada de errado em Bolsonaro - não é, Portas? - tal como finge não ver nada de errado em Trump, acusado de não sei quantos crimes e, mesmo assim, conseguiu fazer-se de novo presidente. Bolsonaro tentou um golpe de Estado, mas fez ainda pior, sabe-se agora que tentou matar Lula, Alckmin e Moraes. 

O que eu também gostaria era que algum jornalista perguntasse ao André, aquele que anda sempre com a corrupção na boca e que a propósito da vinda de Lula da Silva a Portugal disse que "o lugar de bandido é na cadeia", o que tem agora a dizer do seu amigo do peito, Bolsonaro, ao ser acusado de não sei quantos crimes e poder ir bater com os costados trinta anos na cadeia.

Aliás, Ventura vai muito mal de amizades. Bolsonaro bem como Trump acusado de dezenas de crimes e Le Pen viu o Ministério Público acusá-la de cinco anos de cadeia por causa de corrupção. Mas, relembremos quem é Bolsonaro, num artigo publicado esta semana na revista brasileira "Isto É", por Germano Oliveira:



"Jair Messias Bolsonaro, o ex-presidente golpista que autorizou militares próximos a ele na execução de um plano satânico para matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes, de forma bárbara, com envenenamento, tiros de fuzil, rajadas de metralhadoras, explosões de granadas e outros requintes de crueldade, sempre foi um péssimo soldado das Forças Armadas. O que até dá para justificar que chegou-se a tramar o fuzilamento do ministro do STF diante de suas filhas, em seu apartamento funcional – o magistrado esteve sob a mira de armamentos usados pelos diabólicos Kids Pretos, a unidade de táticas de guerra do Exército em Goiânia.

O ex-capitão praticamente foi expulso da caserna, no final da década de 80, depois de tentar explodir bombas em quarteis, por entender que isso pressionaria os comandantes a liberarem aumentos salariais aos fardados. No julgamento por tribunais militares, acertou-se que ele não seria condenado pelos atos de insubordinação e crimes contra a segurança nacional, mas que deveria deixar a farda. Saiu pela porta dos fundos.

E, assim, o Exército ganhou com sua “expulsão”, mas, infelizmente, a política perdeu com a chegada de mais um parlamentar inútil. Ele se lançou na carreira política, elegendo-se deputado federal pelo Rio. Ficou na Câmara por 28 anos, sem ter apresentado nenhum projeto, embora tenha destacado-se por frases amalucadas, como a que disse contra o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Segundo ele, o tucano deveria ser fuzilado, assim como outros 30 mil “comunistas”.

O tempo passou e ele elegeu-se presidente da República, mais porque Lula, o líder popular, estava na cadeia e o candidato do PT, o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não tinha lá muito carisma. Aproveitando o despertar da direita e dos evangélicos, ele assumiu a presidência e logo lançou-se a soltar asneiras.

Certa vez, bradou aos quatro ventos que era “imorrível”, “imbroxável” e “incomível”. Dizia ser tão macho que teve quatro filhos homens, mas depois “fraquejou” e teve uma filha. Nada mais misógino do que um testemunho como esse. Tanto que, em 2022, perdeu para Lula entre os eleitores do sexo feminino.

Ao sair pela porta dos fundos do governo, como já havia feito no Exército, recusou-se a passar a faixa presidencial a Lula. Segundo o relatório da PF, que o indiciou pelo crime de tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente fugiu para os EUA com medo de ser preso. Agora, transformou-se em “inelegível”,“inescrupoloso” e “indiciado”. Investigado em oito inquéritos, pode ser condenado a mais de 30 anos de cadeia. É o destino de todos os que desafiam o Estado de Direito e o regime democrático. Por sorte, a PF e o STF funcionam com independência.


Recordemos quem é Bolsonaro, noutro artigo, de António Prata, desta feita publicado na Folha de São de Paulo deste domingo:

"Imagina só. É uma história bem doida, tá? Super inverossímil, mas façamos esse exercício mental. Um capitão do Exército, insatisfeito com o salário, faz um plano para explodir quartéis e o fornecimento de água de uma das maiores cidades do país. O plano é descoberto. Sai na Veja: um “croqui feito a mão pelo próprio Bolsonaro que mostrava a adutora de Guandu, que abastece o Rio de Janeiro, e o rabisco de uma carga de dinamite detonável por intermédio de um mecanismo elétrico”.

Imagina que, apesar disso, no Exército - essa instituição que se diz tão ciosa da ordem e da disciplina - o terrorista é absolvido e colocado na reserva. Continua a receber seu salário pago por mim, por você, por sua tia-avó dura que não consegue viver da aposentadoria e pelo resto da população brasileira. Inimaginável né?

Daí, só por um exercício (ou delírio?) mental, imagina que, com esse currículo, o cara concorre a vereador pelo RJ. É eleito. Depois vira deputado federal. Imagina esse cara, a vida toda, dando entrevistas elogiando a ditadura militar. Ou melhor, emendando: “O erro da ditadura foi torturar e não matar”. Imagina ele dizendo na TV que tinha que assassinar trinta mil para resolver o problema do Brasil. 


Sobre a milícia: "Enquanto o Estado não tiver a coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem vindo". Como certas doenças são hereditárias, Flávio Bolsonaro, em 9 de setembro de 2005, concedeu a Adriano da Nóbrega, miliciano, guarda costas de bicheiro e assassino de alugel, a maior condecoração do Poder Legislativo fluminense, a Medalha Tiradentes. O condecorado estava então na cadeia por homicídio. 


Pro presidente da OAB, que teve o pai “desaparecido” na ditadura, Bolsonaro disse: “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele”. Outro “desaparecimento” sobre o qual Bolsonaro pode saber detalhes é o de Paiva (assistam a “Ainda estou aqui”). 


Em 2014, um busto do Rubens Paiva foi colocado na Câmara dos Deputados. Bolsonaro, diante de toda a família da vítima, simulou uma cusparada na estátua. Repito. Bolsonaro simulou uma cusparada na estátua de uma pessoa assassinada pela ditadura, diante dos filhos e da viúva.




Dois anos depois, no impeachment da Dilma (não importa o que você ache do governo ou do impeachment da Dilma) dedicou seu voto ao torturador dela e de muitos outros. “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”. Já tinha dito antes: “Pau-de-arara funciona. Sou favorável à tortura, tu sabe disso”.

Agora, imagina esse sujeito se candidatar a presidente do Brasil. Daí, imagina ele ganhar. Imagina ele enchendo o governo de militares. Imagina ele passando quatro anos falando que as eleições são fraudadas. Imagina que nos setes de setembro ele faça comícios antidemocráticos e bote uns tanques fumacentos para desfilar por Brasília. Imagina que ele diga que só sai do poder preso ou morto.

Pois, tendo imaginado isso tudo, o que vocês imaginam que essa flor de ser humano iria fazer ao perder as eleições? A) Passar a faixa democraticamente ao vencedor? B) Mexer mundos e fundos para dar um golpe de estado e fugir pra Disney? Se as questões da Fuvest fossem tão fáceis, teríamos 100% da população brasileira cursando universidade a partir de janeiro de 2025.

PS.: Bolsonaro é covarde e obviamente vai fugir. Prendam logo".

Mas a direita portuguesa nunca viu nada de "eticamente reprovável em Bolsonaro", não é Portas?



Nesta Black Fraude Comprei Jornalismo de Qualidade

 Na importada Black Fraude lá dos states, não comprei nenhum bem físico. Comprei informação, crónicas e reportagens. Comprei jornalismo, que considero de qualidade. Decidi assinar o jornal "O Público" por 1€ por semana. 



Agora já poderei ler o Miguel Esteves Cardoso, o Pacheco Pereira ou a Ana Sá Lopes (mais aqueles que espero descobrir) bem como posso fuçar em todo o arquivo do jornal...

E, ainda que Mark Twain tenha escrito que se leres jornais estás desinformado 

Regressa Porto de 2010


Já aqui tinha mostradas as fotos da cidade do Porto que tirei em agosto de 2010, em que se vê uma cidade completamente deserta. O que eu não sabia e fiquei a saber foi que 2010 tinha sido o melhor ano do turismo até então. E talvez isto nos ajude a colocar as coisas em perspectiva. 

E qual Porto prefiro, o Porto de 2010 ainda intocado pela massificação do turismo, o Porto das putas e do cheiro a mijo, o Porto deserto às sete da tarde ou o Porto do melhor destino e dos hotéis, o Porto bem iluminado, dos hotéis cinco estrelas mas também o Porto do desprezo pelo STOP, o Porto sem portuenses, o Porto sem lojas típicas, o Porto sem livrarias e o Porto do vírus das lojas de ímanes e recordações?

Lamento, mas o progresso trouxe a miséria. Hoje, um solteiro como eu, com o salário mínimo, não conseguirá sequer pagar uma renda na sua própria cidade. O Porto expulsou as suas lojas e as suas pessoas. 

Lamento, mas eu preferia o Porto do mijo e das putas, o Porto mal iluminado ao Porto Best Urban Destination in the World de 2024. 
 

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Porque é que NÃO Se Deve Celebrar o 25 de Novembro de 1975


 Não sou eu que digo que não se deve celebrar o 25 de Novembro, diz quem melhor sabe: os historiadores. Aqui fica, para memória futura, uma recolha de três opiniões de três historiadores,  começando com uma entrevista a Irene Pimentel que este ano publicou o livro "Do 25 de Abril de 1974 ao 25 de Novembro de 1975 - Episódios menos Conhecidos":


A história do 25 de Abril está completa ou ainda há muita coisa por descobrir?

Penso que ainda há coisas para descobrir. Talvez seja dos acontecimentos contemporâneos mais estudados, porque contámos muito com os próprios protagonistas e com as testemunhas dos factos históricos. Mas acho que falta saber mais sobre o pós-25 de Abril. Por exemplo, o 25 de Novembro é uma data histórica que ainda não está bem estudada. Há muitos mitos à volta dela. É por isso que, neste momento, é uma bandeira de algumas forças políticas que dizem que, se comemoramos o 25 de Abril, temos de comemorar o 25 de Novembro. Eu considero que o 25 de Novembro faz parte do processo em que nasceu o 25 de Abril, assim como o 11 de Março. Não foi um golpe de Estado militar das esquerdas contra a direita. Não foi dirigido pelo PCP, que é outra narrativa que existe. Hoje sabemos que o PCP realmente mobilizou os seus militantes, foi buscar armas, mas o que queria era mudar a correlação de forças no Conselho da Revolução, que tinha sido sempre à esquerda a partir do 11 de Março. Dizem que foi a extrema-esquerda que tentou, com os seus militares, fazer um golpe porque tinham importância no RALIS, na Polícia Militar... Mas também não é verdade.

O que foi então o 25 de Novembro?

Foi uma tentativa de vários lados para modificar a correlação de forças. Uns queriam manter-se legais, outros queriam proibir forças políticas opostas. A extrema-direita e a direita quiseram proibir todos os partidos à esquerda do PS – o PCP e todos os outros grupos. Havia imensos nessa altura. Era uma loucura. Uma autêntica manta de retalhos. Penso que certos grupos da extrema-esquerda, como por exemplo o Partido Revolucionário do Proletariado (PRP) da Isabel de Carmo, tinham força em determinados regimentos do COPCON e contaram com o Otelo (Saraiva de Carvalho). Nesta história, o Otelo é outro mistério. Será que foi mesmo para casa dormir nesse dia, como disse? Ele era uma das figuras principais no 25 de Novembro porque era o chefe máximo do COPCON. No entanto, não participou em nenhuma das ações do 25 de Novembro e deixou até um vazio no COPCON. Tanto que há pessoas à esquerda que o culpam pela derrota. O que é certo é que ele foi importante para não haver uma guerra civil.

Qual foi o principal responsável por evitar esse fim trágico da revolução? Há um rosto ou são vários os rostos?

Há muitos rostos. O PS teve muita influência nisso. O PSD também, mas sobretudo o PS, porque também havia setor armado nos socialistas, não era só nos comunistas. E o próprio PCP também teve muita importância porque teve medo da guerra civil e desmobilizou. Por outro lado, a vertente internacional também contou muito. Estávamos na Guerra Fria e o PCP nunca fez grandes manifestações para Portugal sair da NATO. De certa forma, sabia que Angola interessava mais à União Soviética do que propriamente ter uma Cuba na Europa. Neste processo, o Costa Gomes foi também fundamental a vários níveis. Ele reuniu em Belém todos os elementos do Conselho da Revolução durante todo o 25 de Novembro até ao dia 26. Foi a reunião mais longa do Conselho da Revolução. E estavam cercados por forças próximas do Grupo dos Nove porque o Conselho da Revolução ainda tinha alguns elementos gonçalvistas, por exemplo, da Marinha.

O objetivo era retê-los ali?

Era retê-los ali e fazer com que o COPCON não funcionasse. A Marinha e os Fuzileiros não funcionaram. E, do outro lado, já estava o Salgueiro Maia com vários regimentos pelo País, à espera do sinal para avançar. Não foi necessário. O Costa Gomes foi uma figura muito preponderante nesse dia. Na altura, só se falava em guerra civil. E ele fez vários discursos nas vésperas do 25 de Novembro a dizer que não podia haver uma guerra civil. Os militares não se podiam dividir a esse ponto, não podiam ir atrás de alguns políticos. Mas o Grupo dos Nove também foi fundamental porque eram elementos importantes do 25 de Abril que tinham um programa para o socialismo.




Os olhos do mundo viraram-se para Portugal com a Revolução dos Cravos. E teve um efeito de contágio a outros países.

O 25 de Abril é uma data feliz mas é, sobretudo, uma data excecional. Não só para Portugal, mas também ao nível europeu. Nas transições das ditaduras para democracias, a tendência era a negociação entre as velhas e as novas elites. Foi o que aconteceu em Espanha, por exemplo. E a Grécia dos Coronéis acabou em 1974, logo a seguir a Portugal.

Foi uma onda de choque do que aconteceu em Portugal?
Penso que não. Foi uma coincidência, mas há sempre aspetos que têm a ver, como o fator guerra. Na Grécia também havia o diferendo com a Turquia por causa de Chipre.

Mas normalmente as revoluções estão relacionadas com guerras?

Estes casos das transições nos anos 70 estiveram relacionados também com guerras. Sobretudo porque foram militares que depois ficaram no poder e instauraram ditaduras. Aqui em Portugal aconteceu o contrário. O 25 de Abril é excecional porque foi ao contrário, a todos os níveis. Foi uma revolução por rutura. No dia 24 tínhamos uma ditadura, no dia 25, às 6 da tarde, ainda não era a democracia representativa, mas as pessoas estavam livres.

E festejaram.

Exatamente! Tem havido muito interesse na Europa e no Brasil sobre o processo do 25 de Abril. Estive recentemente numa conferência na embaixada de França, com historiadores portugueses e franceses, onde me perguntaram se era possível exportar o 25 de Abril. E eu respondi que a história não se repete. Houve uma conjugação de fatores e, além disso, os indivíduos contam muito. Depois, houve aqui um outro elemento importante que foi a participação popular. Deixou de ser um golpe de Estado e passou para uma revolução. Isso teve muito a ver com o facto de as pessoas desobedecerem e irem para a rua.

Não era isso que se pedia à população.

Pelo contrário! O MFA ficou estarrecido. Podia ter corrido mal. O golpe de Estado é um golpe militar e podia ter havido sangue. É absolutamente extraordinário como as pessoas tiveram a coragem de ali estar no Largo do Carmo. Ouvi recentemente os tiros que o Salgueiro Maia disparou por duas vezes contra o Quartel do Carmo. Aquilo até faz impressão! São rajadas num espaço fechado, cheio de gente. E ninguém saiu! Há alturas da história que não conseguimos perceber muito bem. Os capitães de Abril fizeram um golpe de Estado muito bem feito, com muito sucesso. Em 19 horas resolveram o assunto. Mas também muito devido ao apoio popular. Se houvesse resistência do regime, eles iam agir e aí demoraria mais tempo. Ora, à conta de haver muitas pessoas na rua, o regime não reagiu. Rendeu-se quase de imediato.

Ou seja, o fator povo foi muito importante naquele dia.
Teve imensa importância e isso ninguém podia prever. Pouco tempo antes, o Marcello Caetano esteve no estádio do Sporting, num jogo de futebol, e foi aplaudidíssimo pela multidão.

Nada fazia prever que o regime ia cair?

Para mim, não. E para as pessoas, como eu, que estavam nos grupos da oposição [pertencia ao CMLP “O grito do povo” – organização comunista, marxista, leninista portuguesa], não era previsível. Sei que o PS e o PCP tinham militantes que estavam a fazer o serviço militar obrigatório, que eram alferes milicianos e que lhes transmitiram algumas informações. No caso do PS, foi o António Reis. Mas não disseram o dia do golpe. Tanto que o Mário Soares no dia 25 de Abril estava em Bonne para falar com o Willy Brandt [político social-democrata alemão, que em 1974 era chanceler da República Federal da Alemanha] e já não houve reunião. O Mário Soares meteu-se no comboio e veio-se embora. E o Cunhal estava em Paris e veio de avião.

No seu livro, refere que circulava, tanto no governo de Marcello Caetano como na DGS, a informação de que havia movimentações de militares. Temos a ideia de que eles foram todos apanhados de surpresa, mas não foi assim. Porque é que não fizeram nada?
É um grande mistério. Há várias razões para isso, mas são sempre razões. E, em história, muitas vezes, são vários fatores que se conjugam. 

Eles desvalorizaram de alguma forma essa informação?

Eles dizem que não. É muito complicado perceber, porque há a questão da memória e do que eles querem transmitir. Se formos ver os testemunhos do Álvaro Pereira de Carvalho, chefe dos serviços de informação, a Intelligence do regime), e do Silva Pais, o diretor da DGS, a seguir ao 25 de Abril, eles dizem que o próprio governo e as estruturas militares os obrigaram a vigiar o Kaúlza de Arriaga, porque podia haver um golpe da extrema-direita. E, à conta disso, tiveram de deixar de vigiar os militares, que sabiam que se estavam a reunir. As razões podem ser várias. Havia spinolistas lá dentro da DGS, que foram depois ajudados na sua fuga pelo próprio Spínola e pelo Costa Gomes, que tinha trabalhado como governador e chefe das Forças Armadas em Angola com o São José Lopes [subdiretor da Polícia Internacional e de Defesa do Estado]. É preciso perceber que os militares, sobretudo os profissionais, e a polícia política, funcionavam em conjunto nas colónias. A PIDE/DGS era o aparelho de informações das Forças Armadas. Portanto, nunca pensaram que, se houvesse um golpe militar, significasse perigo. Havia também cumplicidades entre eles. Muitos deles até achavam que o Marcello Caetano tinha de sair do poder porque não contentava nem os ultras, nem os spinolistas. A única prova que temos é que eles escutaram os militares do MFA. Eles sabiam e sabiam quem se tinha reunido. De certeza que havia infiltrações. E as escutas que estão na Torre do Tombo terminam em dezembro 1973. O que é estranhíssimo.

No Movimento das Forças Armadas percebe-se que não tinham todos as mesmas motivações.

No documentário “A Conspiração”, do António-Pedro Vasconcelos, que passou na RTP, vemos que há pessoas com ideias diferentes. Uns militares vão para a reunião de Alcáçovas para travar os radicais. Outros foram lá por questões corporativas. Mas havia outros que já viam um pouco mais longe. Houve várias agendas no 25 de Abril. Há sempre várias agendas num processo revolucionário.

Uma das coisas que percebemos também é que Spínola não queria acabar com a DGS.
Claro que não. Tanto que nomeou um diretor no próprio dia 25 de Abril.

Mas, mesmo dentro do programa do Movimento das Forças Armadas, existia essa intenção de acabar com a DGS?

Há a intenção de acabar com as instituições do regime. E uma delas era, evidentemente, a DGS. Mas também a Legião Portuguesa, as mocidades, a União Nacional... Só que, naquela noite de 25 para 26 de Abril, na reunião no posto de comando da Pontinha onde estava a Junta de Salvação Nacional e as pessoas do programa do MFA, o Costa Gomes disse que, enquanto houvesse guerra colonial, a PIDE tinha de continuar a funcionar nas colónias. Teria outro nome – Serviço de Informação Militar. Isso também saiu furado. Há aqui outro mistério. Porque é que a PIDE não foi um alvo logo no dia 25 de Abril? Ter-se-iam evitado os quatro mortos provocados pela PIDE, na António Maria Cardoso. O que aconteceu foi que, ao receber o poder de Marcello Caetano, isso deu um protagonismo imediato ao Spínola. Tanto que ele não só foi Presidente da Junta de Salvação Nacional como depois foi Presidente da República, não eleito. Foi ele que nomeou ainda um chefe da PIDE e foi ele que não quis libertar todos os presos políticos. Disse que aqueles que tinham cometido crimes de sangue não deviam ser libertados, o que incluía o Hermínio da Palma Inácio, que tinha roubado a dependência do Banco de Portugal da Figueira da Foz, o Francisco Martins Rodrigues e outros da Ação Revolucionária Armada (ARA) que tinham posto bombas. Esses não seriam libertados. E aí também foi a população que não arredou pé até que fossem libertados. Eu estive lá, em Caxias. Foi naquele momento que eu disse: pronto, isto agora já não volta para trás. Para mim, o 25 de Abril foi no dia 26.

A condecoração de Spínola pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa pareceu-lhe adequada neste cinquentenário do 25 de Abril?

Não. Pareceu-me muito desadequada sobretudo porque foi feita praticamente às escondidas. Uma condecoração, em princípio, é uma coisa para ser mostrada. E acho que o 25 de Abril também não foi o momento certo. Spínola não teve nada a ver com o 25 de Abril, a não ser o facto de ter recebido a rendição de Marcello Caetano, o que lhe deu protagonismo. Ele sabia que ia haver um golpe de Estado do MFA porque foi informado e foi informado do programa. Mas o golpe de Estado não é dele.
A Revolução dos Cravos fez soar as campainhas nos Estados Unidos. De início, os americanos não perceberam muito bem o que se estava a passar, mas deram especial atenção aos acontecimentos em Portugal. 

Qual era o receio que tinham?

Tiveram medo de que houvesse qualquer coisa na Península Ibérica que depois contagiasse países europeus com uma forte presença do Partido Comunista, como a Itália, a França e a Grécia. Os americanos não ficaram logo em estado de choque porque tinham uma posição anticolonial. O que fez tocar as campainhas foi a partir do 28 de setembro, porque eles tinham a confiança no Spínola. Inicialmente, até pensavam que o Spínola é que tinha dirigido aquilo tudo. Estavam muito mal informados. A CIA, os serviços secretos franceses e os serviços secretos alemães estavam informados pela PIDE/DGS, que lhes disse que tão depressa não ia acontecer nada. Foi passando uma imagem de tranquilidade e de controlo da situação. Essa é outra das características do 25 de Abril. É um processo só nacional. Muitos dizem que a NATO estava ali à espera de entrar em ação. Então, porque não entrou? Estava, de facto, a fazer exercícios próximos de Portugal, mas não entrou em ação porque não sabia o que se passava. A dada altura, o Kissinger disse: os portugueses que façam a Cuba na Europa e servem de contágio. Como vão falhar, porque nós não os apoiamos, servem de vacina para os partidos comunistas da Europa. Foi o Carlucci, o embaixador, que apostou que os moderados deviam ser apoiados.

Portugal também foi um elemento importante no contexto da Guerra Fria. Estiveram cá elementos da CIA e do KGB ao mesmo tempo.

A seguir ao 25 de Abril, veio tudo. Todos os espiões. Alguns dos países europeus do chamado Ocidente já estavam cá antes e funcionavam com a PIDE, no âmbito da NATO. E, a seguir ao 25 de Abril, ainda vem também o KGB. Muitos vieram como jornalistas. Tinham dupla função. Mas, com os da CIA, era a mesma coisa. Estavam nas embaixadas, junto dos adidos militares ou mesmo junto do próprio embaixador. Isso sempre aconteceu. O KGB, claro que teve uma força redobrada com o 25 de Abril, porque aí o PCP fazia a ligação. Hoje também há outros aspetos que já estão estudados, e que são muito interessantes, sobre a importância da RDA na formação dos serviços secretos, na sequência do 11 de Março. Houve um serviço secreto que se chamou SDCI, que tinha gonçalvistas. Aliás, esse serviço foi logo proibido e desmantelado no 25 de Novembro. Mas a RDA não só deu “know how” para um futuro serviço de informações, como também investiu muito no País porque precisava de lavar dinheiro.

Em que investiu?

Investiu, por exemplo, na HESKA, que era uma grande empresa de publicações dirigida pelo PCP. Havia a grande, e praticamente única, empresa de ar condicionado, a FNAC, que o administrador era do PCP. Por isso mesmo dizia-se que eles montavam o ar condicionado e também montavam escutas telefónicas. Não digo que não. Pode ter acontecido.

Agora que estamos a celebrar os 50 anos do 25 de Abril, os arquivos já estão todos disponíveis para estudar este período da história?

Os arquivos militares já estão praticamente todos disponíveis. Mas penso que ainda não estão todos, embora os militares digam que sim. Tenho lutado bastante, juntamente com outros colegas historiadores, para que neste cinquentenário todos os arquivos sejam abertos. Especialmente os militares, que são os últimos. Aqueles que fizeram o golpe de Estado também guardaram os seus documentos. E não tiveram vontade de fazer um processo político, como a população quis relativamente à PIDE, porque tinham tido contactos com os elementos da PIDE.

Ainda há documentação que está na posse de particulares?
Penso que sim. Houve muita gente que levou documentação da PIDE. Uma parte foi levada para a União Soviética, embora o diretor do arquivo da Torre do Tombo diga que não. Toda a gente sabe. Há testemunhos de soviéticos do KGB que viram a documentação e que depois saíram do KGB e foram para o Ocidente. Há livros sobre isso. Depois, há episódios também que foram relatados. O jornalista José Pedro Castanheira entrevistou o militar que era chefe da PSP na altura, que conta que estava a comer junto ao Teatro São Luiz e viu, a dada altura, documentação a ser metida em carrinhas militares da Marinha. Seguiram-nos e viram que essa documentação foi para um avião da Aeroflot. Essas coisas dão-nos essas pistas. 

O que é que eles queriam?
Queriam sobretudo a documentação sobre o relacionamento dos seus serviços secretos com a PIDE. Estávamos ainda na Guerra Fria. Também as embaixadas dos países europeus, na sequência do 25 de Abril, foram pedir aos militares a documentação que estava no arquivo da PIDE relacionada com os seus serviços. E eles deram.

Mas quem é que deu acesso a essa documentação ao KGB?
Como os militares não percebiam nada da PIDE, recorreram a militantes do PCP, pessoas que tinham sido presas e torturadas e, portanto, que conheciam mais aquela polícia. E depois houve uma coisa muito importante. É que quem tomou a sede da PIDE na António Maria Cardoso, às 9 horas da manhã do dia 26, foram os Fuzileiros. E o Comandante Costa Correia, que comandava o Grupo de Fuzileiros, resolveu ficar na António Maria Cardoso. Lá está outra coisa que não foi planificada. Ele fez isso para defender os arquivos que ainda lá estavam. Uma parte da documentação já estava em Caxias, mas também foram os fuzileiros que continuaram a ocupar a prisão e guardaram essa documentação. Isso
foi muito importante para os ficheiros terem vindo praticamente incólumes. Praticamente. Evidentemente que militantes de todos esses grupos que tinham sido clandestinos, levaram coisas dos seus partidos. O do Cunhal não está lá. Está só uma parte. O do Mário Soares também só está uma parte.

Mas já se sabe onde está essa documentação em falta?
Não.

Uma sondagem do ICS/ ISCTE, publicada no Expresso poucos dias antes do 25 de Abril, revelou que dois em cada três portugueses consideram o 25 de Abril como o momento mais importante da história de Portugal. Essa percentagem de portugueses aumentou e é a mais alta dos últimos 20 anos. Isto apesar da maior polarização política no País. Como é que interpreta estes resultados?

Acho que são extraordinários. É a força do 25 de Abril. A Revolução dos Cravos ficou na história das pessoas como um acontecimento importante e feliz. Por outro lado, vi outra sondagem, no Público, em que 47% dos portugueses não recusariam um homem forte no poder sem eleições. Isto entra um pouco em contradição. Mostra que estamos em crise. É uma crise dos partidos do arco democrático, mas que não atingiu o 25 de Abril. Fico muito contente com este resultado, mas agora quero ver como é que isso se coaduna com as eleições europeias.

Podemos ter a certeza de que os valores de Abril estão a passar para as gerações mais novas? Isso ficou evidente na massa de portugueses que saiu à rua no dia 25 de Abril?

A grande afluência na manifestação do 25 de Abril foi um voto com os pés, no sentido em que as pessoas foram a pé para uma manifestação, para um desfile. Penso que foi uma reação ao resultado das eleições de 10 de março. Foi um voto de preocupação e, ao mesmo tempo, as pessoas foram também para comemorar os 50 anos do 25 de Abril. Há uma evidência muito expressiva de que as pessoas, pelo menos aquelas que se foram manifestar, estão com os valores que recebemos a 25 de Abril. Claro que, de uma manifestação, não podemos retirar todas as conclusões. Mas uma das coisas que essa manifestação revelou foi a presença de muita juventude. Eu estive lá e isso foi uma das coisas que me espantou de forma agradável. Parece que há um legado que está a passar.

Entrevista a Irene Pimental, publicada no Jornal de Negócios de 10 de Maio de 2024

E agora Raquel Varela no Expresso ou aqui:



A 25 de novembro de 1975 um novo golpe de Estado à direita, liderado militarmente por Ramalho Eanes, conduzido civilmente pelo Partido Socialista – com o apoio da direita tradicional, da Igreja Católica, da NATO e do “Grupo dos Nove”, uma ala social-reformista do MFA –, prende mais de 100 oficiais revolucionários e passa à reserva os soldados das unidades onde a dualidade de poderes tinha ganhado expressão embrionária. O golpe de Estado restaurou a “disciplina” nas forças armadas, acabou com a “sovietização” – na expressão do próprio Soares – nos quarteis, e assegurou a estabilização das instituições, restituindo assim a centralidade do Estado português na forma política de um sufrágio universal, Parlamento eleito , a nova Constituição, que sagraria a fórmula dos direitos, liberdades e garantias e um assim-chamado Estado de Direito.

O fim da revolução dá-se por uma fórmula inovadora, que será depois aplicada na América Latina, nos anos de 1980. Mário Soares lidera esta “contrarrevolução democrática” a 25 de novembro de 1975, quase sem mortos e com amplas cedências sociais (o Estado social e direito ao emprego seguro). É de facto um “empate técnico” – os trabalhadores organizados são por fim derrotados politicamente, mas a burguesia é socialmente obrigada a amplas concessões, ao estilo de França e Inglaterra no segundo pós-guerra (1947); o PCP por sua vez aceitou não resistir (ou terá mesmo pré-negociado?, ainda está por investigar a fundo) ao 25 de novembro, assumindo publicamente – o que demonstrei na minha investigação–, pela mão do seu líder de então, Álvaro Cunhal, que a esquerda militar se tinha tornado um fardo para o PCP porque a sua atuação punha em causa o equilíbrio de forças com os Nove e os acordos de “coexistência pacífica” entre os EUA e a Europa Ocidental e a URSS e o Leste Europeu (Acordo de Ialta e Potsdam). A revolução acabou não por um putsch fascista, como no Chile do General Pinochet, mas num golpe civil-militar de novo tipo, com escassa violência e com diminuta resistência. O chamado poder popular – a dualidade de poderes em acto, a democracia participativa – não tinha coordenação geral de nenhum tipo, nada semelhante a um partido bolchevique existia em Portugal, nem a revolução teve efeitos nos países centrais da Europa – Alemanha, RU e França – apenas na Espanha e Grécia.


Esta ambivalência faz com o 25 de Novembro nunca tenha tido celebrações oficiais em Portugal. É um golpe que então sequer recebe este nome por quem o apoia (fala-se de golpe dos paraquedistas, quando estes foram provocados a sair, para justificar o golpe de direita); foi visto pelas elites dirigentes como uma “necessidade” de “normalização” para pôr fim à “sovietização das forças armadas” e demais esferas da vida. Uma “necessidade” – até à queda do muro, quando o PCP mudará sua posição – também assim percebida pelo PCP, que viu tal golpe como um meio eficaz para controlar a esquerda militar, fora parcialmente do seu alcance. Na minha opinião o PCP agiu a la Barcelona em 1937.

O PS oferecia uma terceira via – “escandinava”, dizia-se – contra uma URSS estalinista ditatorial e o imperialismo hegemónico norteamericano. Essa narrativa falhou em duas dimensões. O PCP nunca quis fazer uma revolução em Portugal (queria Angola), e a “Europa connosco” nunca teve lugar. Portugal é já um dos países mais pobres da Europa Ocidental – depois de poucos anos de alívio na sequência da revolução social –, Soares vai, no fim da vida, coerente, erguer-se contra o ordo-neoliberalismo alemão, alguns militares que fizeram o 25 de Novembro, olhando os vis efeitos das políticas austeritárias a partir de Cavaco Silva, questionaram-se, entretanto, se teria valido a pena.

As celebrações dos 50 anos da Revolução dos Cravos – sem surpresa, diga-se – são pouco unânimes. Deputados, quadros e votos dos partidos da direita tradicional e democrata-cristão (o PSD e o CDS em reedição da “Aliança Democrática”), migraram para o novo Partido Chega, com elementos de neofascismo, fazendo desparecer o CDS e tornando difícil a uma ala mais liberal do PSD, de onde sai o seu principal dirigente, sobreviver à deriva neofascistizante nas suas próprias fileiras – as velhas e novas direitas altercam-se e amalgamam-se entre si numa plêiade ultraliberal e hiperconservadora que abarca sectores neofundamentalistas cristãos, inclusivamente fatimistas. A nova vontade de se celebrar o 25 de Novembro emerge daqui. 

A nova extrema-direita plasmada no anti-comunismo da IL e no neofacismo do Chega, normalizado pelos media como “liberais” ou “direita radical”/“extrema-direita” apresentam-se às regras do jogo. Querem celebrar o 25 de Novembro pelo que foi, isto é, um golpe de Estado contra a democracia no trabalho, contra a dualidade do poder popular, enfim, o início do fim da revolução. O princípio da reconstrução do aparelho de Estado capitalista para uma nova reconversão produtiva (e política): de uma burguesia dependente do trabalho forçado – e das colónias africanas – até 1974 para uma burguesia de hegemonia limitada ou um protectorado de facto, dos investimentos, máquinas e capitais alemães, franceses e ingleses (e norteamericanos, espanhóis, chineses, ou outros).

A “contrarrevolução democrática”, conceito político central para apreender o que realmente se passou em Portugal, mostra cada vez menos democracia, e cada vez mais contrarrevolução. Não à tôa, como disse o Padre Martins Junior de modo acutilante, temos 50 neofascistas no hemiciclo depois de 50 anos da Revolução de Abril. A palavra de ordem não poderia ser mais atual: 25 de Abril sempre, fascismo nunca mais.


E agora, por último, outro historiador, o insuspeito Pacheco Pereira, do PSD, num artigo publicado no Público, intitulado "25 de Novembro e rigor histórico":


"Primeira coisa: o 25 de Novembro não tem qualquer comparação com o 25 de Abril, misturá-los diminui o significado do primeiro. O 25 de Abril foi uma data fundadora que acabou com 48 anos de ditadura, e com três guerras coloniais, em Angola, Moçambique e Guiné. Foi um acontecimento de dimensão mundial. O 25 de Novembro foi uma data correctora, comparável à derrota do golpe de 11 de Março, que teve o mesmo papel. Ambas se fizeram num clima de excesso e esse excesso era perigoso para a democracia e atrasaram a consolidação de uma democracia parlamentar, mas o que é que se podia esperar de uma viragem histórica tão radical como foi a derrota da ditadura? Que seria calma e pacífica?(...)"

E agora acrescento também excertos da entrevista que Pacheco Pereira deu, com Irene Pimentel, ao Diário de Notícias, no triste dia de hoje, em que pela primeira vez se celebrou o 25 de novembro na assembleia da república, não tivéssemos nós, nos cinquenta anos do 25 de abril, 50 fascistas assumidos no parlamento.



"Não há grandes dúvidas sobre o que sucedeu no 25 de Abril de 1974, mas continua o debate sobre o 25 de Novembro de 1975. É o principal interesse da data?

Irene Flunser Pimentel (IFP) – Penso que é. Ramalho Eanes diz que as datas fraturantes, como o 25 de Novembro, não são para comemorar, e sim para estudar e discutir. Os historiadores devem ouvir as várias partes. O 25 de Novembro é estritamente militar. Não há população nas ruas, como no 25 de Abril, e existe a tentativa de dizer que era uma tentativa revolucionária. Estive em mesas de moderação com militares de Abril, alguns de Novembro, do Grupo dos Nove. Cada um contava a sua verdade, e não quer dizer que estivessem a mentir.

Há algo de estruturalmente errado em comemorar a data na Assembleia da República?

IFP – Acho que há, porque quem tomou a iniciativa de comemorar foi a direita e a extrema-direita, neste momento em maioria na Assembleia. São figuras que não participaram no 25 de Novembro. Quem participou verdadeiramente foram os militares moderados do Grupo dos Nove e o PS.

Pacheco Pereira (PP) – Não veria, em princípio, inconveniente em que se comemorasse, desde que de forma rigorosa. O caráter oficial das comemorações, na Assembleia da República, confronta o 25 de Abril. É evidente que o 25 de Novembro tem um papel, como vários acontecimentos daqueles anos, na consolidação do caminho democrático numa altura de grande confusão política e de confrontos enormes. Querem comemorar? Comemorem o Costa Gomes. IFP – Exatamente.

PP – Coisa que a direita, obviamente, não quer fazer. Comemorem o Vasco Lourenço e os militares dos Nove. Coisa que, evidentemente, também não querem fazer, por acharem que isso é uma sombra para o Jaime Neves, o único que querem comemorar. Comemorem Mário Soares e o PS. Comemorem os partidos que conduziram o movimento de resistência à esquerdização, digamos assim, do PREC naqueles anos. Se querem comemorar, comemorem com essas pessoas.

O PS tem tido uma posição saudável sobre o 25 de Novembro?

PP – Não tem, de todo. Podia ter feito um esforço de fazer comemorações rigorosas. Inclusive, referindo o seu próprio papel, o de Mário Soares, de Salgado Zenha e de uma série de pessoas do PS.

IFP – Tens toda a razão. Não se percebe a atitude do PS.

PP – É uma mistura de ignorância, pouco respeito pela História...

IFP – De gente que não se quer identificar com a direita, mas assim tem a narrativa de que a direita faz do 25 de Novembro. Não verdadeiramente o que se passou.

É quase como uma derrota por falta de comparência.

PP – Ao procederem como procedem, deixam o terreno livre.

IFP – Por exemplo, acho péssimo, do ponto de vista do PCP, não estar presente na Assembleia. Toda a gente devia estar presente.

A ausência do PCP não é muito contraproducente quando a ideia de que o partido quis implantar uma ditadura, naquela altura, começa a desaparecer?

IFP – Alguém acredita que o PCP fez um golpe de Estado e ninguém os viu nas ruas? Estavam mobilizados nas sedes? Evidentemente. Como em qualquer das outras ocasiões.

PP – Tinha sempre um pé dentro e um pé fora.

IFP – O PCP percebia muito bem que Portugal não iria ficar fora do campo ocidental, até pela détente entre os Estados Unidos e a União Soviética. O que se sabe é que houve desmobilização. Mas evidentemente que aquilo era uma panela de pressão. Todos os dias se falava em guerra civil, em golpe de Estado, contavam-se espingardas...

E havia algo como uma linha divisória do país em Ri Maior.

PP – O mérito do 25 de Novembro é travar o caminho para a guerra civil.

IFP – Costa Gomes é fundamental. Ele e o Grupo dos Nove travaram a direita e a extrema-direita.

PP – Há duas derrotas. A do dia 25, da ala esquerdista das Forças Armadas, e a do dia 26, que foi a da tentativa de ilegalizar o PCP.