sábado, 7 de dezembro de 2024

Serj Tankian - o Músico Ativista

Já não sei precisar o ano, mas sei que conheci System of Down no programa de rádio Hipertensão da Antena 3 no final dos anos noventa ou inícios do novo milénio e, se não estou em erro, vi-os ao vivo, em Coimbra, em 2004. Tornaram-se numa das maiores bandas do mundo - e para constatar isso basta ver quando milhões de visualizações têm as suas músicas no Youtube - ainda que, ironicamente e contrariando a vontade do público tenham sempre estado muitos anos parados, não produzindo novos álbuns nem fazendo novas turnês. 

Há muitas especificidades sobre os elementos constituintes da banda e, em particular, acerca do vocalista Serj Tankian. E podemos ficar a conhecê-lo um pouco melhor nesta entrevista da revista brasileira Isto É desta semana:



"Serj Tankian nasceu no Líbano, cresceu nos EUA e vive entre Los Angeles e a Nova Zelândia. Ele é considerado um dos maiores cantores de rock do mundo, liderando a banda System of a Down, mas se você fizer uma procura desavisada pelo seu nome no Google topará com o título de principal ativista da causa armênia no planeta. Entenderá o porquê se ler seu livro autobiográfico que acaba de ser lançado no Brasil: Down with the System – uma obra de memórias (ou algo assim). Seus quatro avós eram armênios e fugiram do país durante o que ficou conhecido como genocídio armênio, promovido pelo Império Otomano (atual Turquia) entre 1915 e 1923. Tankian cresceu com as histórias de seus pais, avós e instituiu como missão principal na vida a batalha pelo reconhecimento do massacre. De Los Angeles ele conversou com ISTOÉ sobre o tema, sobre seu café, continuidade da banda e preocupações políticas.

Todos nós o conhecemos por meio da música mas é difícil classificá-lo: você é pintor, poeta, desenvolvedor de software, promissor executivo dos negócios de família, ativista e cantor de rock. Você acha que tudo o que faz é uma consequência de sua luta pela Armênia?

Não sei, talvez tudo seja uma consequência de minha curiosidade incessante. Isso vem do fato de eu ser um artista. Mais do que qualquer outra coisa, eu gosto de experimentar. Quando estou apaixonado por alguma coisa, isso é endêmico de um artista, então você explora, fica entusiasmado e se aprofunda cada vez mais, seja nos negócios, seja escrevendo um livro, seja pintando, música. Para mim, é tudo a mesma coisa.



Não tenho certeza se você está ciente, mas um apoiador de Jair Bolsonaro se explodiu em frente ao Supremo Tribunal Federal em protesto. Seu país natal, o Líbano, está sob ataque de Israel, tivemos Donald Trump sendo eleito presidente dos Estados Unidos pela segunda vez. Como ativista dos direitos humanos, como enxerga o mundo hoje?

O mundo é um lugar muito preocupante, especialmente se você tem filhos. Com o passar do tempo, a migração decorrente da catástrofe ambiental e das guerras, invasões e colonização criou um problema de imigração em toda a Europa, o que está levando vários governos a adotarem políticas anti-imigração de extrema direita. Está se tornando uma situação muito perigosa e segregadora. Fico triste por meus filhos e pelo planeta. Como ativista, sou totalmente contra a maioria das coisas nessa direção e quero ver crescimento sustentável, quero ver pessoas que realmente tenham em mente a humanidade e a consciência do planeta no comando, em vez daqueles que querem lucrar e apenas explorar o planeta. 

Mas a única maneira de me manter são psicologicamente, espiritualmente e esperançoso é viver de forma muito limitada com minha própria família, em meu próprio grupo de amigos e tentar me manter saudável. Mas se eu pensar na questão mais ampla, em nível regional e mundial, é muito triste. Eu acho que as lições dos genocídios do século XX não foram aprendidas e estão acontecendo novamente hoje, como os bombardeios indiscriminados que mataram muitos civis no Líbano, em Gaza, na Cisjordânia ou em Israel. Sobre as eleições nos EUA, um amigo me perguntou: “o que você achou?”. Eu disse: Estamos votando entre o colonialismo e o fascismo, em vez de progressão e sustentabilidade. As propostas estão erradas.

Sua ideia inicial de memórias era escrever um livro sobre a intersecção entre justiça e espiritualidade. Resolveu contar sua história porque impactaria mais as pessoas?

Na verdade, não. Eu nunca penso no público quando estou criando ou na falta dele. Sempre penso no que quero expressar. Na época, um agente literário entrou em contato comigo interessado em um livro de memórias. Eu não estava interessado em escrever um, mas sempre tive a ideia de escrever um livro filosófico sobre a interseção de justiça e espiritualidade. Ao conhecer o Dalai Lama, conversei com ele sobre a intersecção entre justiça e espiritualidade e concordamos que é possível fazer as duas coisas em um livro de memórias. Isso também é uma exploração filosófica desses temas e foi isso que tentei fazer ao criar este livro.

Não quero desmerecer sua carreira mas, ao ler as memórias, fica claro que sua missão na vida têm a ver com o reconhecimento do genocídio armênio. Concorda?

O genocídio armênio foi uma verdadeira luta que meu povo teve de enfrentar para entrar na Era Moderna. Eu sou um deles e meus avós foram sobreviventes do genocídio, mas quero dizer que o genocídio é uma lição muito importante, uma simbologia para falar sobre coisas atuais, porque, como discutimos anteriormente, o genocídio está acontecendo hoje. Quando o genocídio ocorreu, não havia julgamentos de Nuremberg. Quando ocorreu o Holocausto, houve esses julgamentos. As pessoas foram responsabilizadas, houve a Comissão da Verdade e Reconciliação depois do genocídio de Ruanda. Você pensa que todas essas coisas criariam uma atmosfera em que os horrores da limpeza étnica e dos crimes contra a humanidade não ocorreriam, mas ainda estão ocorrendo. Portanto, conto a história do meu povo no genocídio não apenas porque é de onde venho mas também é um modelo para o que está acontecendo.

Você acha que a banda ter se tornado a numero 1 nos EUA no dia 11 de setembro de 2001 é uma coincidência ou, como Shakespeare diz, ‘há mais coisas entre o Céu e a Terra do que nossa vã filosofia pode imaginar”?

A palavra coincidência é realmente muito interessante porque a usamos como uma definição de algo casual. Mas na matemática, coincidência representa coincidir. Portanto, é difícil para nossas mentes compreenderem a vastidão de possibilidades em um dos vários mundos em que vivemos: mundo espiritual, mundo físico, mundo psicológico etc. Portanto, se isso foi coincidência ou não, não sei, mas definitivamente nos levou ao lugar onde precisávamos estar para lidar com as coisas com as quais precisávamos lidar.

Seus colegas de banda, do System of a Down, disseram que o grupo não segue o ritmo que o público gostaria, com lançamentos de álbuns e turnês, por sua causa. Isso está correto?

Não sei, talvez. Eu não gosto muito de fazer turnês. É algo que há muitos anos me faz sentir dentro de uma repetição de si mesmo. Mas eu gosto de fazer shows. Eu gosto de tocar em eventos únicos. Portanto faremos shows, mas não serão turnês longas, porque isso é algo fisicamente exaustivo e artisticamente redundante. Agora o fato de não atendermos a um público é a definição de ser um artista. Claro que nós também entretemos, mas fazemos o que queremos fazer; um artista faz o que quer fazer e, se as pessoas gostarem, ótimo; se não gostarem, que seja. Mas, sim, eu tenho sido o motivo pelo qual a banda não tem feito turnês extensas nos últimos anos.

Você até sugeriu que eles encontrassem outro cantor para substituí-lo, só que você é uma peça fundamental da banda e os fãs provavelmente não veriam o grupo da mesma forma. Você ainda apoia a ideia?

É muito simples. Eu amo os caras da minha banda mais do que amo a banda. Portanto, tudo o que eles quiserem fazer, está bem para mim. Se houver coisas que eu não quiser fazer e eles quiserem fazer, eu não me importo. Mas concordo com você. Temos um núcleo tão interessante dentro de nós, como artistas, que mudar a fórmula realmente atrapalha. Não me sinto confortável com essa ideia, mas também amo meus amigos, meus irmãos, então, o que quer que eles queiram fazer, eu apoio.



Quando você diz que ama mais os seus colegas, depois a banda, isso me faz lembrar de uma parte do seu livro. Lançar um álbum de músicas armênias e folclóricas com seu pai é tão importante quanto sua carreira no System of a Down?

É algo importante para mim porque meu pai me apoiou em minha aventura musical. Passei por um período muito difícil economicamente na história da família, então, quando ele se aposentou e teve tempo, eu sabia que sua paixão estava esperando para ser revelada. Então, eu o apoiei na gravação de um disco. É o disco dele, cantei em algumas músicas e ajudei a produzi-lo, mas é o disco dele e foi um prazer fazê-lo. Não comparo maçãs com laranjas, são duas frutas diferentes. Mas eu gosto de ambas.

Você é o principal porta-voz das causas armênias em todo o mundo, e continuamos com muitos contratempos lá. Como isso te impacta?

Em 2018 a Armênia teve uma bela revolução pacífica, chamada Revolução de Veludo, para derrubar o sistema corrupto da oligarquia pós-soviética. Por um ano e meio estava prosperando até que o Azerbaijão atacou sem aviso prévio, com a ajuda do governo da Turquia e do exército turco, e foi uma guerra horrível de 44 dias. A Armênia foi superada pelo segundo maior exército da OTAN no mundo e pelo Azerbaijão, e perdemos 5.000 jovens. Por terras que Stalin havia arbitrariamente dado ao Azerbaijão na década de 1920, que sempre foram terras indígenas armênias por 2.000 anos, em resumo. Portanto, houve uma limpeza étnica em 2023, duas semanas antes de o Hamas atacar os israelenses, e o Azerbaijão, depois de nove meses de bloqueio econômico e fome, recebeu duas ordens da Corte Internacional de Justiça de ordens contra a ação. Então, eles atacam essas pessoas, 120.000 armênios étnicos. Então, estou muito frustrado, porque quando vejo a injustiça sobrepor-se à Justiça, fico muito irritado. Mas a Armênia está se reconstruindo economicamente, crescendo em um ritmo incrível. Vai acabar se juntando à União Europeia (EU) em breve. Os inimigos estão sempre na fronteira, mas acho que com o tempo se tornará um centro cultural muito importante.

Podemos esperar alguma notícia sua sobre o System of a Down em um futuro próximo?

Com certeza.

E quanto às suas outras atividades? Há algo que podemos esperar?

Acabo de lançar um álbum há cerca de um mês, um EP chamado Foundations que está indo muito bem. Há muito tempo tenho uma galeria de cafés em Los Angeles. Quem estiver na região e vier visitar o Lake, venha conferir: temos o melhor café da cidade. Estamos fazendo lá uma exposição de fotografias do System of a Down por Greg Waterman, nosso fotógrafo nos últimos 23 anos. Terminei dois filmes e uma série de TV, que serão lançados, até o ano que vem. Quando digo terminar os filmes, estou me referindo à trilha sonora desses filmes. Muitas coisas estão acontecendo.

Luiz Cesar Pimentel | revista ISTO É


Sem comentários:

Enviar um comentário