- "Pode descer e aguardar".
Assim fiz. Desci as escadas e mal cheguei ao corredor que desagua na sala de espera, já este estava cheio de gente, com pessoas ocupando todos os lugares sentados e com muitas outras pessoas de pé, espalhadas pelos cantos. Atravessei o corredor e dirigi-me para a sala de espera, também ela lotada e com pessoas de pé encostadas às paredes. Pousei a mochila no chão, e fiquei ali, de pé, no meio daquelas pessoas que estavam encostadas às paredes, e de frente para a plateia que estava sentada, de frente para mim, aguardando a sua chamada.
Assim que alguém libertou um lugar junto à parede, preenchi-o eu, encostando-me também à parede.
Nas salas de espera, espera-se. Na falta de algo que nos entretenha, como o livro que não levei, ou a bugiganga eletrónica que não tenho, ocupa-se o tempo a olhar para as pessoas que estão no nosso campo de visão, e para todas aquelas pequenas coisas que vão acontecendo. Chega uma jovem, com a sua bugiganga eletrónica na mão, e na ausência de um lugar sentado, senta-se de imediato no chão na maior descontração. Mais tarde, arranjando um lugar sentado, mantendo o mesmo à-vontade, reclina-se na cadeira, sentando o cu na extremidade do assento, e contrabalançando o reclinar das costas com as pernas esticadas.
As pessoas vão envelhecendo e perdem aquele à-vontade, pensei. Não é socialmente correto e as pessoas acabam por se auto-censurar. Provavelmente, daqui por uns anos, a jovem deixará de poder sentar-se no chão, e reclinar-se na cadeira como uma criança, porque afinal terá de se comportar, como os outros esperam que ela se comporte, no fundo, agindo adequadamente para a sua idade. Conforme vamos envelhecendo, ninguém nos diz o que podemos ou não fazer, mas cada pessoa sabe o que tem de fazer para aceite pelos outros.
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Uma outra jovem, lá na última fila de cadeiras, estava de frente para mim, e obrigava-me a cruzar vários olhares com ela. O meu olhar circulava por diferentes pontos no infinito, mas invariavelmente lá acabava por encontrar o seu rosto, como se tivesse um qualquer efeito magnético sobre mim. Ainda assim, alguns olhares, por vezes, tornavam-se desconfortáveis, quando de repente, ao longe, fixávamos o olhar um no outro e depois algum dos dois tinha de o desviar.
A partir de quantos décimos de segundo é que as pessoas pensarão que estamos a olhar fixamente para elas? Deixámos de ser crianças, já somos adultos, e sabemos que temos de estar a olhar para todos os sítios, menos fixamente para os olhos das pessoas, se não ainda pensam que estamos armados em parvos.
A jovem que estava no meu campo de visão, tinha os cabelos escuros pelos ombros e os olhos também escuros. Do meu ângulo de visão só a via do tronco para cima, e via um grande saco preto e branco em cima das pernas. Tinha uma camisola branca ou beije, com um casaco fino da mesma cor, ambos de malha. Avaliando só por aquelas peças de roupa, e porque nós também comunicamos com os outros pela postura e forma de vestir, e eu diria que seria uma jovem um tanto ao quanto conservadora. No entanto depois das pessoas que estavam na sua frente terem saído, pude ver que tinha umas calças justas camufladas e umas sapatilhas verdes, e na verdade aquilo baralhou um pouco a primeira impressão.
Outras personagens foram chegando e entraram também no meu campo de visão. Um homem moreno, mais velho que eu, de cabelos compridos, pelos ombros, e barba, vestindo um tipo de roupa que eu mesmo poderia vestir. Trazia umas calças castanhas, com bolsos na frente, e um casaco de malha. Algum tempo depois entrou uma jovem, toda vestida de preto, de lábios grossos e sorriso fácil. Não sei porquê, mas fiquei com a ideia de que seria boa pessoa. Se calhar caio no engodo de achar que todas as pessoas que sorriem facilmente são boas pessoas. Talvez esteja errado, ou talvez a senhora fosse mesmo boa pessoa. Rapidamente começou a trocar impressões com outras pessoas, mais velhas, que estavam sentadas junto de si, e se era de sorriso fácil, também era de conversa fácil. Também reparei que ela captou as atenções do senhor, mais velho que eu, de cabelos compridos e barba.
Para lá e para cá, caminhava um outro jovem, ao telemóvel, exibindo umas sapatilhas de uma conhecida marca de bicicletas. Uma outra jovem, que eu identifiquei com a tipicamente beta, levantou-se para ir beber água, e quase espetou com a geringonça dos copos no chão. Um décimo de segundo depois, e eu ter-me-ia oferecido para a ajudar, mas ela lá conseguiu encastrar tudo no sítio.
Até que chamaram a jovem lá do fundo, de cabelos e olhos escuros. Já teria passado mais de meia hora, e eu impaciento-me quando tenho de esperar. Pouco depois chamaram por mim. Entrei e dirigi-me à pessoa que me iria atender. Coincidência das coincidências, ao meu lado esquerdo, lá estava a jovem de cabelos escuros e olhos escuros.
Minutos depois saí, atravessei toda a sala de espera, e depois fiquei a refletir. Poderemos realmente saber alguma coisa das pessoas, unicamente por aquilo que elas comunicam connosco, só pela postura e pela linguagem corporal? E qual será a impressão que eu provoco nos outros com a minha presença? Que é que aquelas pessoas da sala de espera, que me observaram porque fiquei no seu ângulo de visão, ficaram a pensar daquele jovem, de cabelos loiros, de calções camuflados e camisola de manga curta?
Fiquei também a pensar, que certa vez, uma pessoa, que provavelmente nunca conhecerei pessoalmente, certa vez me disse: "se te visse na rua, nunca na vida que diria que serias a pessoa que és".