domingo, 13 de outubro de 2024

O Político Mais Corrupto

A silly season de verão já passou, os Jogos Olímpicos também, e os incêndios já lá vão e só quando arderem mais casas ou morrerem mais pessoas, lá regressarão, de novo, os mesmos especialistas de sempre, com as soluções de sempre, mas, ao menos, ainda bem que está de regresso a silly season anual da aprovação do orçamento do Estado (e essa é a grande vantagem de não termos governos de maioria absoluta, uma chatice, com tudo aprovado automaticamente).

Mas relembremos os últimos episódios sobre essa personagem de seu nome V€ntura, com € dos muitos milhões com que é financiado e que não explica a proveniência, o tal que se demitia se ficasse atrás de Ana Gomes nas presidenciais. 

No início V€ntura disse que só negociaria o Orçamento de Estado se fosse aprovado um referendo à imigração

Como ficou a falar sozinho, de seguida afirmou que votaria contra o Orçamento do Estado e essa decisão era irrevogável. Ponto final. Irrevogável a sério e não "como o outro pateta fez há dez anos". 

Já a espumar pela boca devido à sua irrelevância, porque só se fala do romance orçamental entre Pedro Santos e Montenegro, eis que vem dizer que admite viabilizar o Orçamento do Estado!


Nada disto surpreende, só pode mesmo surpreender os idiotas que achavam que ele diz "as verdades"! Mas quais verdades? As que os homossexuais devem arder no inferno ou que os homossexuais são fofinhos e merecem ser tratados condignamente? Que devemos fazer cercas sanitárias a certas etnias ou que os ciganos são fofinhos? Que vota contra taxas às petrolíferas mas depois diz que os seus grandes lucros são imorais e deve ser taxados? Que é preciso aumentar salários mas que depois vota contra o aumento do salário mínimo? Quais verdades?

No meio disto tudo há algo muito curioso. Ocorreu-me, "olha com quem", logo a mim que adoro a língua portuguesa que, o oposto de verme e não ter coluna vertebral - numa palavra: integridade - é desonestidade ou corrupção

Então, o político que tudo diz e diz o seu oposto é o político mais corrupto e mais desonesto. Ironicamente é aquele que anda sempre com a corrupção na boca, afirmando querer acabar com ela!

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

A Lógica do Absurdo

Artigo muito interessante (publicado no El País no último fim de semana) que aborda o porquê de, nestes tempos de absurdo, as pessoas procurarem significados e explicações que vão muito além dos dados e das evidências.


"Durante uma sessão terapêutica, um dos meus pacientes, perplexo com a efervescência das eleições nos Estados Unidos, comentou: "Nunca me interessou a política, e ainda menos a desse país. Então, porque é que não consigo desviar os olhos daquela personagem vetusta e caricatural? [Trump]". Ao que ele próprio respondeu: "Porque é absurdo... uma palhaçada." Outro paciente, de meia-idade, bem-sucedido no trabalho, veio ver-me atormentado por uma ordem que afirma: "Se não rezares duas horas antes de ir trabalhar, vais ser despedido", e questiona o sintoma: "Se é absurdo, por que é que o faço?" Quanto mais vívida é a sua experiência obsessiva, mais premente é a compulsão. 

Vivemos numa era de desconcerto que acarreta uma panóplia de absurdos. Não apenas no que diz respeito à política mundial. Somos atraídos pelo absurdo do absurdo. Mas o que constitui o sentimento do absurdo? E que mecanismos permitem que uma manifestação psicológica tão sem sentido seja tão importante para a vida psíquica do ser humano?

Travis Proulx, da Universidade de Cardiff, que tem vindo a estudar as respostas psicológicas ao absurdo, explica: “Quando falamos de absurdo, referimo-nos a violações dos nossos modelos mentais; é um tema ao qual os filósofos existencialistas dedicaram grande parte do seu pensamento. A morte é a ameaça mais poderosa, viola todos os modelos, mas no quotidiano enfrentamos constantemente violações das nossas expectativas sobre o funcionamento do mundo. Quanto mais os nossos padrões são questionados, mais ansiosos ficamos e mais nos orientamos para a ação para nos afastarmos daquilo que ameaça os nossos modelos de manutenção de significado. ”A pessoa presa no absurdo tende a ver padrões onde não existem, tornando-se mais suscetível a teorias da conspiração ou de causalidade religiosa.

A necessidade de ordem é satisfeita, ao que parece, independentemente da veracidade das evidências. “As ameaças aos nossos quadros de significado, seja qual for a sua origem, motivam-nos a procurar significado noutro lugar", sublinha Proulx. Na fase inicial de ansiedade, o estado de excitação pode medir-se pela dilatação das pupilas: "Estás motivado e vês sinais no ruído", afirma Proulx, cujo trabalho frequentemente utiliza a pupilometria para quantificar a excitação fisiológica perante "o sentimento do absurdo". Além disso, estudos de imagiologia cerebral em pessoas às quais se pediu que enfrentassem dilemas absurdos registam, segundo ele, níveis significativos de atividade no córtex cingulado anterior, “que participa na regulação da atenção e das emoções, no controlo inibitório, no seguimento de erros e na motivação”.

Mas nem todas as incertezas são iguais e não é de esperar que tenham os mesmos efeitos. Acontecimentos traumáticos violam estruturas de significado profundo, tornam-se enigmas existenciais e obrigam-nos a reajustar as nossas expectativas da realidade. “O transtorno de stress pós-traumático conduz a uma vigilância crónica; qualquer pequena anomalia desencadeia uma ansiedade esmagadora que não é adaptativa”. No entanto, dentro de um espectro de absurdo razoável, a ativação do padrão de monitorização de sinais no ruído pode ser benéfica.

Para testar isto, Proulx e o seu colega Steven H. Heine, da Universidade da Colúmbia Britânica, pediram a um grupo de estudantes que lesse uma versão modificada do conto Um Médico Rural, de Franz Kafka, que incluía uma série de eventos absurdos e algo inquietantes. Um segundo grupo leu uma versão diferente, na qual a trama fazia sentido. Em seguida, pediram-lhes que completassem uma tarefa de aprendizagem de gramática, na qual foram expostos a padrões ocultos em cadeias de letras e lhes foi solicitado que copiassem as cadeias de letras individuais e marcassem aquelas que seguiam um padrão semelhante.

Os que leram a versão absurda identificaram um maior número de cadeias de letras. "Estavam claramente motivados a encontrar uma estrutura", concluem os investigadores, "mas o mais significativo é que, na verdade, foram mais precisos do que aqueles que leram a versão coerente. Aprenderam realmente o padrão melhor do que os outros participantes". O teste é uma medida de aprendizagem implícita ou conhecimento adquirido sem consciência. Estamos tão motivados para nos livrarmos do sentimento de estranheza que, sem nos apercebermos, procuramos significado e coerência noutro lugar, canalizando o sentimento para algum outro projeto.

Onde quer que olhemos, o absurdo está por todo o lado. Todas as noites temos um encontro com o absurdo nos sonhos; de dia, tropeçamos nele nos nossos lapsos freudianos; o que seria da piada sem o seu núcleo absurdo? O simples senso comum não nos pode levar muito longe na dimensão do inconsciente, que se expressa de uma forma profundamente absurda.

O absurdo incita-nos a configurar quadros alternativos de significado para manter a integridade do eu e do nosso ambiente. Nas palavras do poeta Pierre Reverdy: "A realidade poética surge do encontro de duas realidades distantes".

David Dorenbaum | Ilustração de Guridi | El País de 6 de Outubro

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Conversas Improváveis 85 - O Mercado Auto-Regula-se



Gosto muito de conversar com a minha melhor amiga, sobre o que quer que seja mas também sobre política. É muito inteligente e informada e gosto sempre de conversar com ela e ouvir as suas opiniões, mesmo que por vezes discordemos. 

Falávamos do preço absurdo das casas - a propósito, obrigado Montenegro, os jovens agradecem o apoio que o governo deu e que originou novos aumentos nos preços das casas - e eu falava no dogma dos neoliberais que acreditam na intervenção divina da mão invisível e que "o mercado auto-regula-se". 

Ao que ela responde com esta brilhante frase: 

"O mercado auto-regula-se. A cada dez anos há uma crise financeira para regularizar tudo!"

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

A Falta de Vergonha na Cara Empobrece


 Há um ano, era António Costa primeiro-ministro e, para o PSD, era o "pior primeiro-ministro de sempre". Espalhavam-se cartazes por aí que afirmavam que o "socialismo empobrece", como se o Partido (que no nome tem) Socialista alguma vez tivesse sido socialista ou, como se o próprio PSD não fosse, na sua criação, um partido assumidamente de esquerda (social democracia?) e que Sá Carneiro quis que aderisse à Internacional Socialista. Mas só num tempo em que moda todos parecerem ser de esquerda. 

Entretanto acontece o golpe de Estado de 7 de Novembro, há eleições legislativas este ano e a coligação da AD, aquela que tem um partido que defende o espancamento de mulheres vence as eleições com menos de 30% dos votos.

E, de repente, como que por magia, António Costa, o tal "pior primeiro-ministro de sempre" passa a ser a pessoa mais competente do mundo para liderar os destinos europeus e, estranhamento ou, talvez não, o tal partido que, aos olhos do PSD empobrecia o país, é o partido ideal para negociar a aprovação do Orçamento do Estado. 

Podem espalhar cartazes por aí: a falta de vergonha na cara empobrece. 

domingo, 6 de outubro de 2024

Gostava Tanto que Tu Existisses

"Gostava tanto que Deus existisse
Como havia de ser diferente
Pior ou melhor não sei
Se o visse caminhando, humano
Entre a gente que vai para o trabalho de madrugada
Tão pobre, suburbana
Gente triste como ela só
E tão desamparada que sofre
Sofre tanto mas resiste
E regressa a casa noite fechada
Sem tempo para os filhos
O amor, nada, nada, semana após semana
Gente humilhada, gente perseguida
E deles ausente, seja onde for, todo mês, todo o ano, toda a vida


Gostava tanto que Deus existisse
Como eu havia de ser diferente
Pior ou melhor não sei
Se o visse na manhã de neblina persistente
A apanhar conchinhas brancas na praia
Como quem apanha nuvens no céu
Seria menina e teria saia, azul, curta, talvez de chita
Eu, procuraria ajudá-la a encontrar a conchinha mais bonita
Depois de ver a espuma das ondas
E o ar a bailar como grandes bailarinos
E seríamos felizes os dois
Pois ficaríamos sempre meninos
Porque Deus, se existisse, era o azul mais azul...

A infância que não acaba
Era pai, colo, primavera,
Mil vezes raiar a mesma madrugada
E no desespero do fim da tarde
Havia de aspergir sobre nós
O seu olhar de infinita bondade
O calor do gesto, o cristal da voz
Tudo, tudo, outra vez seria novo
E terno mesmo só por um minuto
Água de lume mais rosa do povo
Voz, viagem, Penélope, Ulisses
São de piano, flauta, fruto
Gostava tanto que tu existisses


"Três Sonetos de Deus Ausente" | José Carlos de Vasconcelos | livro Repórter do Coração
(transcrito da entrevista ao programa "A Força das Coisas" da Antena2)

sexta-feira, 4 de outubro de 2024