Funcionou, manteve-se: era muito clara, muito gráfica e tão arbitrária que, embora agora pareça estranho, aqueles senhores poderiam ter ficado ao contrário e diríamos ao contrário, e seria o mesmo. De qualquer forma, continuamos a falar de direitas e esquerdas, com as suas matizes. Durante anos, as direitas quiseram disfarçar-se de centros. Mas viram que as esquerdas o conseguiam melhor e tiveram de se lançar à sua direita. Por isso, agora, as que mais se destacam chamam-se “extrema-direita” ou “ultradireita”.
Estamos impressionados porque a “extrema-direita” ressuscitou quando a dávamos por morta. Durante décadas, foi a etiqueta que quase todos evitavam; agora, pelo contrário, é uma que muitos procuram, mesmo quando não está muito claro o que significa, o que querem dizer. O que sim está claro é que nos vendem a ilusão de um movimento global unificado — “a extrema-direita avança no mundo” — quando as diferenças entre eles são inúmeras.
Às vezes parece que dizer “extrema-direita” é tão vago como dizer “populista”. Vago, digo, no sentido de preguiçoso, descuidado. É uma concessão que lhes fazemos e deveríamos deixar de a fazer. Definir todos esses oportunistas dispersos como parte do mesmo grupo dá-lhes poder, agiganta-os — e, por isso, vale a pena ser mais preciso e realçar as suas diferenças.
Que são tantas: alguns são estatistas, outros querem destruir o Estado; alguns são nacionalistas, outros são pura globalização; alguns veneram o mercado, outros desconfiam dele; alguns respondem a velhas tradições fascistas, outros acabaram de se inventar; muitos são bons cristãos, outros mais supersticiosos; vários são muito homofóbicos, outros um pouco menos. E costumam ser antissemitas como os seus antecessores, mas inventaram uma nova forma de o ser: apoiar o seu camarada de Israel.
O que os une, se é que há algo, é a forma como aproveitam a frustração reinante e oferecem a esses frustrados a expectativa de uma “mudança social”. É curioso: em vários países, essas direitas conseguiram aparecer como a única reacção contra um status quo que supostamente todos os outros representam. E assim tornam os outros em “conservadores” que querem manter a democracia, estas sociedades onde tantos não vivem as vidas que merecem.
Isso, sim, é uma mudança: a direita sempre se definiu por conservar, por lutar para que nada mudasse, porque qualquer mudança seria pior, destruía a ordem. Não se podia ser de direita sem uma religião, que garantia que tudo ia continuar igual, porque era a vontade de um deus. Nem se podia ser de direita sem algum dinheiro, porque a direita existia para garantir que os pobres não o “roubariam”. Nem sem se agarrar às velhas tradições e às velhas regras. Agora, pelo contrário, muitos dos eleitores de direita são trabalhadores que temem ser substituídos por migrantes, perder os privilégios que deveriam ter por terem nascido mais perto. Estas novas direitas expressam e exploram como ninguém o medo do diferente.
Mas a meta que realmente os unifica a todos é a que silenciam: melhorar a vida dos ricos. Fazem-no de muitas maneiras. O enredo fiscal é um dos seus favoritos: passa despercebido e beneficia-os muito. E assim alcançaram o seu objetivo.
Objetivo com renovada eficácia: se há algo que estas novas direitas têm em comum é a sua capacidade de conseguir que os pobres votem para defender os interesses dos ricos. Descobriram que estas novas máscaras extremistas podem dar um aspeto moderno e atraente às políticas de sempre, e tentam usá-las. Usar os descontentes para melhorar a situação dos mais satisfeitos é o truque mais velho do manual e, por isso, de vez em quando muda de nome comercial: agora chama-se extrema-direita quando deveria chamar-se grande direita, o governo tradicional dos poderosos de sempre. Ou direita pura e simples, que é o que é e tem sido desde aquele dia em que todos os nobres que defendiam o rei decidiram agrupar-se num dos lados da sala - e entrincheirar-se ali.
La Palabra derecha | Martín Caparrós | El País Semanal | 20 de Outubro de 2024
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