terça-feira, 20 de julho de 2021

As Mulheres no Tinder e um Site Que Não é Para Mim

https://img.i-scmp.com

Há coincidências curiosas, ou, então, só reparamos nelas quando estamos sugestionados. Tinha acabado de comprar o telecrã (televisão de mão com internet que fica no saco porque continuo a usar como telemóvel um antigo Nokia) e, ao mesmo tempo, ouvi vários programas a falar do Tinder, nomeadamente na Prova Oral da Antena 3. E também a minha colega de trabalho disse-me na altura: "Pronto, agora também podes instalar o Tinder"! 

Mas a verdade é que, se quisesse, já o poderia ter feito no computador como aliás acabou por acontecer ainda que, posteriormente comecei a usar na empresa, motivo pelo qual comprei o telecrã: entreter-me numa empresa onde passava oito horas por dia sem fazer nada e onde até li o Ana Karenina em pouco mais de um mês.

E poderia instalar uma aplicação de engate ou todas as outras que quisesse porque, afinal, estava de novo solto para fazer o que quisesse, mas, sempre à distância, pois estávamos (e ainda estaremos mais uns tempos) a viver uma pandemia e atravessamos não sei quantos Estados de Emergência e, com proibições, por exemplo, de passar concelhos diferentes. 

Não era a primeira vez que me registava num site de encontros, mas foi a primeira vez num site que, de facto, tinha muitas mulheres registadas. O meu melhor amigo até já me tinha dado um conselho de me registar num outro site - "foi nele que nos conhecemos" - mas confesso que achei a ideia de pagar 25€ por mês desinteressante. Ora se eu nunca fui às putas, ia agora pagar para ter só a oportunidade de poder eventualmente falar com mulheres na net? Era o que haveria de faltar!

Depois do registo feito lá comecei a deslizar para a direita e para a esquerda, e, depois de ter mandado umas largas dezenas de mulheres para o lado errado e gastado os "super likes" todos por engano, lá comecei a atinar mais com aquilo e as correspondências começaram a aparecer. 

As primeiras impressões foi que aquilo causa extrema ansiedade mas algum vício também, como se fosse uma espécie de jogo em que se quer chegar ao fim num instante. A pressão de decidir em segundos se aprovamos ou desaprovamos alguém, até porque o algoritmo já tem outras largas de dezenas de perfis mulheres em espera. E como é que se aprova ou desaprova alguém só por uma foto, muitas vezes cheia de filtros, e mais importante, tantas vezes sem ter nada descrito, nem sequer os interesses? Então comecei a usar a regra, se não tem nada escrito, nem sequer os interesses se deu ao trabalho de colocar, então, dessas, escolho só as bonitas! Das que têm um perfil mais descritivo escolho as que tenho interesses comuns. E assim fui fazendo e lá comecei a conversar com algumas mulheres em que a maioria não tinha fotografia, tal como eu deixei de ter, porque me parecia que poderia causar algum ruído desnecessário.

O estereótipo da mulher que me aparecia era sempre o mesmo: entre os 40-50 anos, licenciada e que não está ali para "ONS" e com pouca disposição para comunicação. E perfil após perfil lá aparecia "não interessada em ONS". Mas que caralho de merda é essa da ONS? E tive mesmo que pesquisar para ficar a saber que era "one night stand", porque na primeira vez até pensei que OMS estava mal escrito! 

Mulheres que parece que é preciso comprar-lhes a vontade para comunicar. Acho que por uma questão de cordialidade, quem dá "match" deveria ser a pessoa a interpelar o outro primeiro. Mas nem assim, eu se quisesse que falasse porque a senhora dá-se ares de muita importância para meter conversa com a ralé. 

Mas mesmo quando a conversa fluía tinha sempre que ser eu a voltar a interpelar a senhora nos dias seguintes. Sempre foi assim e era se quisesse, porque se há muita mulher no Tinder, por certo haverá muitos mais homens e o mulherio tem muita solicitação a quem atender. Mas esse é, precisamente, o problema. Demasiadas atenções, demasiadas conversas com pessoas atrás de pessoas e chegou uma altura em que eu tinha mesmo de tirar notas sobre as utilizadoras para depois não me baralhar todo para saber quem era e gostava do quê. Aliás, antes mesmo de começar a utilizar li os conselhos da própria aplicação, que diz, que não devemos interagir com mais de nove pessoas, e faz todo o sentido, precisamente porque, como referi, a pessoa começa a baralhar-se e acabamos por não conhecer ninguém, fica tudo no ar e é uma puta duma confusão.

E o meu problema, quem sabe, talvez agudizado pela idade, é que eu cada vez menos sou dado à persistência de andar sempre a reclamar atenção a quem se dá ares de importância. Não, minha cara, se não há reciprocidade desinteresso-me, corre tu atrás de mim se quiseres. Não queres conversar? Boa sorte então. E é por todos estes fatores: por causar ansiedade, vício em estar sempre a escolher os menus do dia, por saturar, pela forma como as mulheres se comportam, e, por ser verdadeiramente inútil naquilo que se propõe que abandonei o Tinder. 

# 400 Match no Tinder

sexta-feira, 16 de julho de 2021

Conheci uma Pessoa na Net - e Agora?

knowyourmeme.com

Tenho por hábito, desde que comprei um telecrã e posteriormente uma coluna bluetooth, de ir ouvindo programas de rádio enquanto estou a jardinar. Dumas destas últimas vezes, resolvi ouvir o programa da Prova Oral com a psicóloga Claudia Morais a propósito do seu livro "Manual do Amor". 

Ouvi o programa até ao fim, que foi interessante, com várias participações dos ouvintes e internautas, "o programa é sempre muito partipado sempre que o tema é amor ou sexo" como disse o Alvim, mas discordei da autora e do apresentador (que concordou com ela) nesta sua opinião:

"Quando conhecemos alguém no Tinder, ou noutra aplicação qualquer, devemos passar tão rapidamente quanto possível para os encontros presenciais. Porque a nossa comunicação é maioritariamente não verbal. Eu posso estar não sei quanto tempo no digital a trocar mensagens, ficar até às duas da manhã, a trocar longos textos com outra pessoa e, a páginas tantas dou por mim e estou a envolver-me com aquela pessoa emocionalmente, até que depois eu marco um encontro e percebo que não há química. E há outra coisa, a autenticidade também é mais facilmente confirmável nos encontros físicos. A radiografia que nós tiramos a uma pessoa num encontro presencial de dez minutos nós não conseguimos tirar em semanas a trocar mensagens via texto." 

Longe de mim achar que a minha opinião é mais válida que a opinião de uma psicóloga, especialista em analisar os comportamentos das pessoas. Contudo, também tenho direito à minha opinião, de especialista em conhecer pessoas na net, que já foram algumas e, se calhar, isso também deve ter a sua relevância. Quem sabe até talvez dê equivalência a um qualquer doutoramento em ciências humanas!

Na opinião da psicóloga, assim que conhecemos alguém na net, devemos logo ir a correr conhecer a pessoa ao vivo. Mas a primeira pergunta que me surge é: e se a outra pessoa não ou puder ou até não quiser e preferir esperar um pouco mais? Responde-se: "Olha, desculpa lá, tu pareces ser muito fixe, mas eu não vou falar mais contigo porque tenho medo de estar a criar afinidade contigo e depois tu não corresponderes fisicamente. Podemos não ter química!" 

Depois há uma outra questão. Toda esta ânsia, meia dúzia de parágrafos depois - "olha, quero-te já conhecer pessoalmente, está bem"? - também dá mostras de quem está muito ansioso, quase desesperado até. E quando alguém se mostra assim, o mais provável é assustar a freguesia. Eu sou da opinião que quando se conhece alguém na net, devemos ir com calma, sem pressões, deixar fluir, cada um ao seu rito e de forma tranquila. E não é preciso colocar um ultimato, porque quando chega a altura certa, e há interesse recíproco, as pessoas sabem. Tal como os alimentos têm o seu tempo de cozedura certo, também as pessoas irão perceber qual será o tempo certo para se encontrarem pessoalmente.

Os argumentos da autenticidade e da radiografia.

Discordo também que ao vivo consigamos tirar uma melhor radiografia da pessoa e que nos consigamos mais facilmente aperceber da autenticidade de alguém. Mais, acho que, se fizermos como a autora diz, e só quisermos trocar meia dúzia de mensagens, aí sim, certamente não vamos conseguir perceber muito da pessoa. Mas se formos com calma, deixarmos a pessoa desenvolver certos assuntos, não tenho dúvidas que conheceremos muito mais da pessoa do que num encontro para café. Até porque, na minha opinião, quando duas pessoas desconhecidas conversam na net, precisamente por não se conhecerem, têm muito mais abertura em falar de assuntos que lhe são desconfortáveis, mais até do que falar com amigos ou familiares. 

Já os primeiros encontros servem para julgar. Para toldar a vista, distrair e impedir de ver o essencial. Olhamos para o pacote, se nos é agradável, ou se não nos imaginamos sequer a ter sexo com aquela pessoa, olhamos para o estilo, olhamos para tudo e prestamos pouca atenção ao conteúdo.

E prestarmos atenção a alguém, ouvir e conhecer um pouco de quem nos parece interessante, também não significa que tenhamos que namorar com essa pessoa. Querer conhecer não significa mais do que isso: conhecer. Significa só que estamos a dar uma oportunidade de conhecer alguém que nos parece interessante. E se não dermos uma oportunidade - porque à primeira vista não temos química - não saberemos quem podemos estar a perder. Não temos de ter uma relação com todas as pessoas interessantes que conhecemos na internet, mas às vezes podemos até fazer uma boa amizade. Noutras podemo-nos apaixonar ou envolver emocionalmente. 

Por experiência própria, discordo que tenhamos que ir logo a correr conhecer pessoalmente quem acabamos de encontrar na internet. Ainda por cima porque não é muito prudente! Em crianças ensinaram-nos  não confiar em estranhos! Então, agora em adultos convém pisar terra firme e dar tempo para despistar gente que bate mal dos cornos e que até pode-nos vir a perseguir. Ao menos ter tempo se não nos sai na rifa uma apoiante do Chega, uma negacionista da pandemia, ou alguém que acha que vou-me tornar num réptil por ter tomado a vacina!

Mas isto sou eu, porque cada um procede como achar melhor. 

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Eu não Tenho Nada Contra as Batatas, mas...


 Há anos que digo sempre o mesmo aos meus pais: que não compensa plantar batatas, mas eles insistem que sim, nem que seja por tradição - e que rica tradição dar cabo do corpo! - e então, ano após ano, lá enchem um campo de batatas para três pessoas.

Para plantar batatas é preciso ter batata de semente. É preciso revolver a terra. É preciso estrumar. É preciso cavar, abrindo regos. E é preciso pegar num balde de batatas e pô-las no rego. É preciso sachar. É preciso pulverizar. É preciso cavar para as arrancar. É preciso apanhar as batatas do chão. É preciso carregar as batatas e armazená-las. É preciso pulverizar com um inseticida. 

E toda esta trabalheira por algo que se compra a 7€ cada saco se 20Kg! 

Estou sempre a dizer aos meus pais que se deve cultivar coisas para comer,  mas coisas que sejam caras, como os vegetais (que eles também plantam) ou fruta.  Batatas, não!

E esta semana andei a ajudar a apanhar babatas. Enquanto metia as batatas para os baldes pensava para com os poucos cabelos que tenho no peito:

"Os portugueses substituíram a bolota e a castanha que caía livremente do céu, por uma merda que tem que se cavar a terra para a enterrar e cavar para desenterrar, e que depois no fim de contas até nem faz lá muito bem à saúde"!

Eu não tenho nada contra as batatas, mas quer dizer!

sábado, 10 de julho de 2021

A Segunda Saída do Armário do Manuel Luís Goucha


 Uns mais do que outros todos temos esqueletos escondidos no armário. Coisas da nossa esfera privada que só a nós nos diz respeito e que não queremos que mais ninguém saiba. Ou coisas das quais não nos orgulhamos, ou coisas que, não sendo crimes, deixariam os outros chocados.

A homossexualidade já deixou de ser crime, e, há meia dúzia de anos até deixou de estar inscrita na OMS como doença, ainda que, continuam a existir meia dúzia de iluminados, geralmente associados a religiões, que, diga-se, ainda não há muito tempo os queimavam na fogueira, com receitas para a cura da homossexualidade, como se isto se tratasse de uma receita para perder peso.

Felizmente que as coisas mudaram. Estou em crer que, com raras exceções, hoje em dia um puto pode dizer em casa aos pais que é homossexual, ou bissexual, que deve ser menos grave que dizer que é benfiquista numa família de portistas. Isso sim ainda será uma tragédia e motivo para tristeza profunda.

Mas as coisas nem sempre foram assim. Vivemos 48 anos de ditadura fascista católica, de atraso a todos os níveis e principalmente a nível civilizacional. As pessoas nem ler sabiam e a missa era dita em latim.  As pessoas casavam pela igreja e não se podiam divorciar nem voltar a casar. E a homossexualidade era tida como uma aberração condenada pelo eterno fogo do inferno.

Há não muito tempo nem sequer se pensava em contar, escondia-se. Ainda me lembro que se alguém quisesse acabar com a carreira política de algum político, era dizer que essa pessoa era homossexual. Mas com o passar do tempo, em que revelar que se é homossexual é tão chocante como alguém dizer que virou vegetariano, muitas figuras públicas foram, finalmente e aos poucos, saindo do armário e assumiram a sua homossexualidade: Cláudio Ramos, que tinha até sido casado, mas também Carlos Malato, Vítor de Sousa, Joaquim Monchique ou o caso mais antigo de Ana Zanati. 

"Na minha geração, há coisas que a gente não faz por respeito aos pais. Por respeito ao pai, que é diferente da mãe. Nas gerações mais recentes, isso já não faz sentido. Porque os pais são diferentes, têm outra mentalidade, e os filhos têm a urgência urgente de ser felizes. Foram muitos anos. Onde estiver, compreenderá, finalmente, todas as dimensões da palavra amor” (Malato)

E também o Goucha saiu do armário e para trás ficavam os tempos em que se alimentava a opinião pública com especulações do seu suposto caso com Teresa Guilherme, para ajudar a camuflar a sua sexualidade que no fundo já muita gente conhecia.

A sexualidade de Manuel Luís Goucha não me interessa para nada, contudo, folgo em saber que, finalmente, o conhecido apresentador saiu de um outro armário, esse sim motivo para ter vergonha. Estou a falar do armário do fascismo onde estava escondido há tantos anos, e assumido esta semana, com o seu declarado apoio partidário a uma figura sinistra que será candidata à câmara da Amadora.

Já todos o sabíamos quando convidou o assassino nazi Mário Machado, condenado em tribunal pela morte de Alcino Monteiro e outros atos terroristas, para o seu programa da TVI, branqueando assim este tipo de ideologia aberrante. Mas agora fica mais claro para todos, já não se pode fazer passar por humanista, porque não o é. 

Mas o que eu juro que não entendo é esta mania das minorias defenderem quem tanto as odeia e abomina. Qual é a explicação para isto, alguém tem uma teoria? As pessoas de Esquerda lutam por direitos iguais, pelos direitos das minorias, onde os homossexuais se incluem, mas depois estes vão a correr defender movimentos de extrema-direita que não suportam homossexuais e os acham aberrações, como a senhora que ele mesmo apoia. E isto não é caso virgem, está estudado. Uma grande percentagem das pessoas LGBT votou em Bolsonaro, como votou Trump, tal como vota Le Pen. E isto faz-me imensa confusão. É o mesmo que num campo de concentração Nazi, alguém vir defender a liberdade para os judeus mas estes dizerem que o Hitler é que é muito amigo deles porque os vai matar!

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Irresponsabilidade Pandémica no Cu dos Outros é Refresco



Domingo, hora de jantar (que em casa dos meus pais é sempre cedo) e eu ainda estou a acabar de comer. 
Aparecem por cá familiares do meu padrasto que, à semelhança da restante família dele (que mora aqui a meia dúzia de quilómetros) não o visita há anos. 
A minha mãe vai recebê-los, de longe, eles fora do portão, e depois vai chamar o meu padrasto que estava na sala. Eu continuo na mesa, sozinho, e a televisão, que tinha sido deixada ligada, porque eles gostam de ver o programa de domingo à tarde na SIC, é-me indiferente com as suas musiquinhas deprimentes mas faz o barulho suficiente para ir ocultando a conversa. 

Os meus pais não os convidam a entrar, a minha mãe explica que não querem ajuntamentos dentro de casa por causa da pandemia. Consigo percebo que vêm convidar para um batizado/casamento, um ajuntamento de família que nuca mais acaba. Os meus pais, por causa da pandemia, declinam (ainda que também por certo há outras questões pessoais) mas consigo ouvir a sua irmã dele: 

"Isto está mau mas é por causa dos mais novos que se juntam todos".

terça-feira, 6 de julho de 2021

Conversas Improváveis (61) - A Vacina Fantasma




Por estes dias o meu padrasto foi tomar a segunda dose da Astragenérica. Se na primeira dose, em que sentiu tonturas, fortes dores de cabeça e até dormiu mal; até lhe andou a doer o braço durante uns quinze dias, mas desta vez, não, pelo contrário, teve sintoma nenhum. Desta vez nem sequer sabe onde lhe espetaram a agulha! 

A minha mãe:

- Mas será que a seringa tinha algum líquido?!

sexta-feira, 2 de julho de 2021

É Muito Difícil Converter Alguém que Leu a Bíblia

 

"O prior resolveu, então, fazer-lhe ler o Novo Testamento. O ingénuo devorou-o com grande prazer; mas, não sabendo nem em que tempo, nem em que país, tinham acontecido as aventuras relatadas neste livro, não duviidou que o cenário da ação fosse a Baixa-Bretanha, e jurou que havia de cortar o nariz e as orelhas a Califaz e a Pilatos, se encontrasse esses patifes (...)

Por fim, a graça atuou: o Ingénuo prometeu fazer-se cristão; mas meteu-se na cabeça a certeza de que era indispensável, em primeiro lugar, fazer-se circuncidar, pois, dizia ele:
- Não encontro, no livro que me deram a ler, uma única personagem que o não tenha sido, portanto, é evidente que devo fazer o sacrifício do meu prepúcio, e quanto mais cedo melhor (...)

O prior retificou as ideias do huroniano, explicando-lhe que a circuncisão estava fora de moda, que o batismo era muito mais saudável e suave, e que a lei da graça não era como a lei do rigor. O ingénuo, que tinha muita retidão e bom senso, discutiu, mas acabou por reconhecer o seu erro, coisa muito rara, na Europa, entre pessoas que discutem: por fim, prometeu que se batizaria quando quisessem. 

Primeiro era preciso que se confessasse e foi isto o mais difícil. O Ingénuo trazia sempre na algibeira o livro que o seu tio lhe tinha dado; não encontrava aí um único apóstolo que se tivesse confessado e isto tornava-o muito reclacitrante. O prior tapou-lhe a boca mosstrando-lhe, na epístola de São Tiago Menor, aquelas palavras que causam, aos hereges, tantas complicações : Confessai os vossos pecados uns aos outros. Calou-se o huroniano, e foi confessar-se a um recoleto. Mas, assim que acabou, tirou o recoleto do confessionário, meteu-o no lugar dele e, agarrando o homem com o seu braço vigoroso, fê-lo ajoelhar, à força, na sua frente:
- Vamos, meu amigo, está escrito: Confessai-vos uns aos outros; eu contei-te os meus pecados, tu não hás-de sair daqui sem que me contes os teus.
Ao dizer isto, apoiava o seu enorme joelho contra o peito da parte adversa. O recoleto dava gritos que ribombavam pela igreja. Acudiram ao barulho e viram o catecúmero que aperreva o monge em nome de São Tiago Menor. Mas a alegria de batizar um baixo-bretão huroniano e inglês era tal, que passaram por cima destas singularidades. Houve até muitos teólogos que pensaram que a confssão não era absolutamente necessária, pois o baptismo supria tudo. 

Aprazaram o dia com o bispo de Saint Malo (...) A igreja estava magnificamente adornada, mas, quando foram buscar o huroniano para o levar à pia batismal, ninguém conseguiu encontrá-lo (...) quando avistaram, no meio da ribeira, uma figura grande e bastante branca, com as duas mãos cruzadas sobre o peito (...) Acorreram, por fim, o prior e o abade, que perguntaram ao Ingénuo o que estava ali a fazer.
- Ora essa senhores! Estou à espera do batismo! - disse ele. - Há uma hora que estou metido dentro de água e não é bonito deixarem-me aqui a enregelar (...)
- Desta vez não me me fareis acreditar, como da outra; tenho estudado muito o meu livro, desde então, e estou certíssimo de que ninguém se batiza de outro modo (..) e desafio-vos a que me mostreis, no livro que me destes, um exemplo de outra maneira de batizar: ou me batizo aqui no rio, ou não me batizo mesmo.

"O Ingénuo" - Voltaire (1767)