Os meus colegas de trabalho já me tinham avisado: "se viste alguma coisa interessante do folheto do Lidl vai já lá, porque o pessoal limpa tudo. Às vezes até vão para a porta à espera que abra". E eu fui. Comprei uma das coisas, a outra deixou-me a pensar se se valeria a pena e não trouxe... mas depois achei que, se calhar, até poderia ser uma compra aceitável e até me iria dar jeito naquele mesmo dia.
Já tinha ido ao Lidl de Viana do Castelo mas já lá não tinha nada. Até que deixei a cidade e rumei a sul. Deixei o rio Lima para trás, e resolvi ir ao Lidl ali de uma terra que se chama Dark! Haverá nome mais fixe? De onde é que tu és? Sou de Dark!
Estacionei, entrei na grande superfície, dirigi-me ao local onde por lá deveria encontrar a dita coisa, mas também nada. Bom, toca a ir embora e sair sem compras. Olho para o segurança e faço-lhe sinal se poderia sair por ali. Este diz-me que sim, mas aproveita para fazer um comentário sobre a t-shirt que eu envergava.
E este foi o pequeno sinal, como se na verdade pertencêssemos a uma sociedade secreta - à espera da contra-senha - para confirmarmos que pertencíamos à mesma tribo. Bom, na verdade, como lhe disse, já não sei se ainda pertenço a alguma tribo, sou mais uma alma negra perdida por sua conta e risco.
Este segurança - que tem o mesmo nome que eu! - tem postura. Durante o tempo que por ali estivemos a conversar, bem sei, no seu posto de trabalho, estava sempre atento. Enquanto eu ia debitando conversa, ele observava atentamente as movimentações das pessoas, e dizia-lhes se podiam entrar com sacos, verificava o porquê de ao entrarem accionarem o alarme, e fazia recomendações para a próxima vez que ali vierem. Uma postura educada, disponível, tranquilo, não demasiado simpático (porque não tem de o ser), mas extremamente profissional.
Falamos de bandas que ouvimos, de antigos festivais, das bandas portuguesas, do STOP, do Metal Point, do Festival de Barroselas. Dos vocalistas que se cortam em palco. Falamos das nossas vidas. Ele que está com a mesma mulher (que é do meio) há doze anos; eu que, depois de muitos anos a calcorrear esses caminhos metálicos na companhia da mesma pessoa, caminho agora sozinho há muitos mais anos ainda.
Das pessoas que não interessam nem ao Diabo, o querido amigo 666. Os falsos satânicos. Os fariseus. Os vendidos. Os outros tempos. Os novos tempos. Como quando as coisas não são tão fáceis nós lhe damos tanto mais valor, e como quando temos a papinha, como agora, toda feita já não sabemos aproveitar.
Se calhar passei ali demasiado tempo a falar com ele, que estava no seu local de trabalho. "Já estão a olhar para mim, a controlar-me". Percebi a mensagem. Era a senha para eu me despedir. Cumprimentei-o efusivamente, desejei-lhe tudo de bom, tal como me despeço de todas as pessoas: como se nunca mais as fosse ver, e voltei para o carro para continuar a seguir viagem.
O dia estava muito agradável, vinte e pouco graus. No rádio tocava, baixinho, o "Romantic Tragedy's Crescendo" de 1998. A minha cabeça pensava naquele encontro imediato e nas vicissitudes da vida. E de repente, já estava na Maia, e numa rotunda vi mais uma seta a anunciar outro Lidl à esquerda. Bom, deixa-me ir lá ver se este ainda tem alguma coisa. Fui novamente ao sítio onde aquilo deveria estar e, o desânimo: tudo vazio. A barriga já dava horas. Bem, deixa-me mas é ir comprar qualquer coisa para comer. E, de repente: "Que é que estás aqui a fazer"? Eu olho e era o Torrejõn!, acompanhado da sua cria mais pequena de quatro anos! Este foi outro encontro imediato que fica, quem sabe, para contar depois...
... mas o mais fantástico disto tudo é pensar que, se na quinta-feira eu tivesse comprado aquela simples tesoura de poda por 9€, nada disto me tinha acontecido.