domingo, 25 de novembro de 2018

No Meu País as Touradas Não Têm Touros Nem Bandarilhas

- "Vossa Alteza falou em caçada ao veado? Julgava ter ouvido dizer que em todo o Grão-Ducado era proibida a caça. 
- E assim é - respondeu Giselda - esta selvajaria está proibida há dez anos, desde que subi ao trono; a caça abusiva é punida com seis meses de reclusão, um ano para os reincidentes, mil xelins de multa e a confiscação da arma. Há cinco anos, em França convidada pela Duquesa d'Uzès, tive o desgosto de assistir a uma caçada ao veado. Ao verdadeiro veado. O pobre animal, de olhos errantes, perseguido por imbecis a cavalo, despedaçado pelos cães, no meio de delicadas senhoras que teriam desmaiado se as manicuras lhes tivessem enfiado as tesouras por baixo da unha, fez-me chorar de indignação; sem saudar ninguém, deixei a Duquesa, um ministro, um pretendente ao trono de França, e fugi para Paris. No dia seguinte mandei buscar as malas. Para se justificar, a Duquesa d'Úzès disse que antes da caçada as matilhas, os cavalos e os cavaleiros eram abençoados, numa solene cerimónia, pelo seu capelão privado. Eu disse: "Quanto a isso gostava bem de conhecer a opinião de Jesus". Toda a imprensa da direita, desde a "Croix" até à "Action Française" me atacou. Quando regressei a Glotenburgo o partido clerical tinha-se unido com aos comunistas para me derrubar. Então, mandei que em todos os cinemas do Grão-Ducado os beijos na boca, que antes duravam três metros e meio de fita fossem limitados a um metro e setenta e cinco, e em dois dias acalmei a opinião pública e os jornais. A caça ao veado, no meu país, é uma caçada sem veado e sem espingardas: um pretexto para correr ao ar livre, jogar às escondidas nos bosques, cair na relva. 


Loura Delicocéfala / Pitigrilli (1936)

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