"As coisas não são como são: são como as consideramos: a genebra, se lhe chamarmos genebra, é uma bebida para as pessoas que trabalham nas minas; mas se lhe chamarmos gín, é um licor de grande luxo.
Se enquanto examinar a Ceia de Leonardo de Vinci lhe não disserem: Que rosto de traidor tem o quarto conviva à esquerda!" o senhor não sabe qual dos doze é o Judas. Mas apenas lhe disserem: "Aquele é o Judas", achar-lhe-á um rosto de canalha.
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Se pronunciar diante de um farmacêutico, ou dum botânico, ou dum bebedor, ou duma porteira, a palavra "ruibarbo", o farmacêutico pensará na raiz, o botânico na planta, o bebedor no aperitivo e a boa mulher em pastilhas digestivas.
Se um homem vai por uma estrada internacional e não tem dinheiro no bolso, os gendarmes prendem-no, porque o seu caso chama-se vagabundagem; mas, se tem um livro de cheques, toda a gente o respeitará, porque se trata não de vagabundagem, mas de turismo.
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Um senhor qualquer que dorme com sua própria mãe ou sua própria filha, faz simplesmente um ato imundo; mas, se esse senhor se chama Oedipo, o seu ato torna-se imediatamente um episódio mitológico. Eschilo faz dele uma tragédia. Se se chama Loth , o seu nome é imortalizado na Bíblia e as suas porcarias são contadas em todas as línguas em todas as escolas do mundo. Uma senhora nua será simplesmente imodesta, como dizem os eclesiásticos; mas, se lhe puser uma árvore atrás das costas, torna-se numa ninfa. Se lhe pusermos legumes nas mãos, torna-se Ceres; se for um espelho, será a Verdade; se uma espada, a Vitória; se lhe prender aos pés um pedaço de corrente, torna-se a Liberdade. Com uma camisa de noite, abotoada nos ombros, é a Tragédia. Enfie-lhe uma liga, torna-se uma cortesã. As coisas não são como são, mas como se consideram.
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