Selligmann trazia-lhe os jornais ilustrados e o cirurgião oferecia-lhe os livros da sua biblioteca. Mas Paulo suplicou:
- Tragam-me cor!
Queria dizer: "Tragam-me flores do Sul, ou frutos do além-mar, ou uma matilha andaluza, ou uma ingénua colcha do Sudão, de cores berrantes." O cirurgião premiu o botão da campainha e a uma enfermeira que apareceu silenciosa, disse:
- Liana.
Pouco depois entrou uma menina de quinze anos, de cabelos tão vermelhos e luminosos, que parecia haver dentro deles uma lâmpada acesa.
- Aqui está a cor - disse o cirurgião.
Era sua filha: tinha os olhos maravilhados e grandes como os olhos das crianças quando lêem os contos de fadas.
- Os enfermos a quem visita - disse-lhe Paulo - curam-se logo; deve trazer a sorte consigo!
(...)
Não havia outra menina com quem brincar. O seu único amigo era o Relógio.
- Um gato.
- Que nome!
- Pus-lhe o nome de Relógio porque os olhos dele marcam as horas. Quando o chamo, ele vem logo, e os seus olhos não erram nunca. A pupila contrai de dia e dilata-se de noite com movimento tão regular que por ela deduzo as horas com exatidão: na obscuridade a pupila é redonda; pela manhã torna-se oval; ao meio-dia é uma vertical finíssima, que progressivamente se dilata pela tarde. Quando o senhor quiser saber as horas pergunte-me.
Paulo pensou em Jutta e confrontou a cerebralidade dela com a candura desta menina.
- Liana - disse-lhe -, você lê as horas nos olhos dos gatos e passa as noites a confiar as suas aspirações às estrelas, mas faz também outra coisa que não me confessou ainda.
A menina enrubesceu.
- Ontem, da minha janela, vi-a, no jardim, desfolhando um malmequer.
A menina baixou a cabeça para esconder o sorriso e a indignação e fugiu. Mas quando, dois ou três dias depois, Paulo Pott deixou a casa de saúde, ela ofereceu-lhe um ramo de malmequeres e presenteou-o com um retrato de Relógio, dizendo:
- Vejamos se aprendeu alguma coisa: a que horas foi tirada esta fotografia?
- Não sei.
- Repare nos olhos. Às quatro da tarde. É tão simples.
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