domingo, 23 de novembro de 2025

Queres Enganar Quem, Markl?

Na sexta-feira não se falava de outra coisa no trabalho: o Nuno Markl tinha tido um AVC. E, por curiosidade, fui analisar as fotografias que o homem partilhou na net e rapidamente percebi o óbvio: o internamento do Nuno Markl é falso!

Toda a gente que já esteve internada num hospital (e eu sou especialista porque já estive internado num hospital quatro vezes), sabe que num hospital se acorda de camisa de fato e de relógio no pulso como aconteceu com o bom cidadão de bem André Ventura! Mas queres enganar quem, Markl?

sábado, 22 de novembro de 2025

A Melhor Pessoa com Quem se Pode ter um Acidente

Foi numa sexta-feira 14 e chovia imenso. Fui à horrorosa cidade do Porto que agora mais não é do que um estaleiro a céu aberto e em que se demora meia hora de carro para percorrer 5Km. Não se via um palmo à frente dos olhos e por isso mesmo fui sempre com o máximo cuidado. Atravessei a cidade e o rio para o lado de lá e haveria de ter um acidente a quinhentos metros da loja onde trabalho. 

Seguia em frente quando, de repente, o meu colega exclama: "olha, olha olha!" e nem deu tempo de eu olhar e só senti mesmo o impacto dum carro bater-me e a projetar a carrinha alguns metros. 


Olho para a esquerda e vejo uma senhora de óculos sem ter percebido bem o que tinha acontecido. Chovia bastante, e em face dos carros que já paravam atrás ela fez o que nunca se deve deixar que faça num acidente de automóvel: ela moveu o carro do sítio. Quando há um acidente deixam-se os carros estar no sítio onde ficaram e tiram-se fotografias para melhor perceber o que aconteceu, ainda que, neste caso, parece-me óbvio de quem é a responsabilidade.
 
Chovia imenso, eu entrei no carro de trabalho dela, um Hyundai TVDE, e ela ia apanhar uma cliente e talvez por isso mesmo, digo eu, se calhar distraiu-se, e procurei o triângulo e os coletes, mas só encontrei a caixa de primeiros socorros e um extintor. Acabei a sugerir que fôssemos para a nossa loja para que, com calma, preenchêssemos a declaração amigável. 

Acalmei-a e disse-lhe que são coisas que acontecem. Posteriormente, num ato demasiado voluntarioso e, quando ela chorava, passei-lhe as mãos pela cabeça... Depois pedi-lhe desculpa!

Eu e o meu colega ficamos com dores no pescoço devido à violenta chicotada lateral. Mas, ainda no próprio dia haveria de jogar pela minha equipa na jornada do campeonato federado. Ainda não contei? Sim, Com cinquenta anos tornei-me pela primeira vez atleta federado!

Na rede social toda a gente me dizia para ter cuidado, e deram os próprios exemplos pesoais que poderia até de ter que andar com aquelas golas no pescoço, mas eu também não sou tolo de todo - ao que a minha querida mãe responderia: "muito fino também não és"! - e a verdade é que nada de especial de passou. 

De tudo me tem acontecido neste ano de 2025, e já só faltava mesmo um acidente, mas pronto, ao menos eu sou a melhor pessoa com quem se pode ter um acidente. 

A Palavra do Ano é Spinunviva e Deitou Abaixo um Governo

 Apesar de nem sequer ter entrado a concurso, a palavra do ano é, sem qualquer margem para dúvidas: "Spinunviva". Só que, vá lá saber-se porquê, ninguém achou por bem considerá-la no concurso de miss simpatia das palavras do ano da Porto Editora. 

Começamos a ouvir falar da Spinunviva em fevereiro, quando no dia 15 o Correio da Manhã fez esta primeira página e voltou ao assunto nos dias seguintes. Posteriormente também o Expresso, que já tinha divulgado o escândalo da casa de Espinho, apareceu com mais informações do caso. 

Mas a verdade é que fomos para eleições mas o governo caiu - e não tinha de cair, bastaria unicamente substituir o primeiro-ministro - no entanto os eleitores acharam mesmo que um agente imobiliário avençado por debaixo da mesa era mesmo a pessoa mais preparada para gerir os destinos do país. 










Spinunviva é claramente a palavra do ano e que deitou um governo abaixo, mas, com jeitinho, ainda irão considerar que "imigração" é que é. 

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Até o André Ventura Teria que Trabalhar

"Os patrões preferem não produzir a aumentar salários porque pensam que aumentar salários é coisa estrutural que lhes vai retirar a margem de lucro. Sabotam o seu próprio trabalho. Isso é muito visível por exemplo no caso da hotelaria que se queixava de não ter trabalhadores. Esta argumentação de Ventura não é para diminuir o nº de imigrantes, é uma argumentação para manter os imigrantes na clandestinidade, a baixos salários, muitas vezes abaixo da norma legal e ao mesmo tempo com horários extensivos. Porque AV sabe muito bem que se um milhão e meio de imigrantes fosse embora até o André V€ntura tinha que trabalhar, coisa que ele não está bastante interessado em fazer.

A grande solução, ao contrário do que diz Rita Matias é termos imigrantes com condições dignas de trabalho. Porque se os imigrantes estiverem cá, com os papeis, legalizados, com direitos sociais e com direitos políticos, os salários são mais elevados. Ao serem mais elevados Todos os outros salários também podem subir. Esta é a única forma, porque a forma que ela diz: expulsar alguns imigrantes, tornar a vida dos imigrantes um inferno, que vão buscar crianças à escola, como nos Estados Unidos, estão aí nas ruas como em Portugal a ir às empresas, o que vai fazer é fixar os imigrantes cá de uma forma clandestina e dessa forma eles ganham abaixo da norma de trabalho. Abaixo da norma do trabalho eles pressionam o resto dos salários para baixo". 

Este excerto é de Nuno Ramos Almeida no podcast "Os Comentadores".

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Portugueses de Bem Casam com Portugueses de Bem

 


Excerto retirado (e levemente editado) da crónica "A noiva Matias, os vendedores de São Martinho e a cabeça de Passos Coelho, de Pedro Garcias no Público.




sábado, 15 de novembro de 2025

Tudo o que Leio é Sobre a Minha Mãe


Quando estamos preocupados com algo, ou algo nos ocupa a mente, de repente, parece que só vemos isso à frente. Como se as coisas nos aparecessem propositadamente, mas não, como estamos muito preocupados ou focados em determinada coisa, reparamos nessas coisas que normalmente não darímaos tanto valor. E foi o que me aconteceu com a doença da minha mãe. 

Há seis meses, quando partilhei no Bluesky excertos do texto "Cuidar dos pais nos faz pensar sobre finitude" de Cláudia Colluccino (Folha de São Paulo), legendei com "Tudo o que leio é sobre a minha mãe" e aqui deixo um excerto, mas acrescento também um artigo sobre o tabu da morte de Régis Debray publicado na mesma altura no jornal espanhol El País. 

Como os textos estavam aqui nos rascunhos do blog e demorei tanto a decidir-me deixá-los aqui, vou agora acrescentar também mais dois artigos. Um sobre como é viver sabendo que se tem uma doença terminal, publicado em junho no jornal espanhol La Vanguardia, e, mais recentemente, um artigo sobre a felicidade tóxica e as "patrulhas do luto", publicado, tal como o primeiro, no Folha de São Paulo.

"Foi na primeira vez que tive que dar um banho na minha mãe que a ficha caiu. Naquele instante, os papéis de cuidados haviam se invertido e eu nunca havia me preparado para isso. Três semanas antes, ela havia tido um diagnóstico de um silencioso câncer avançado.


Cinco semanas antes, ela tinha me recebido com meu prato favorito. Sete semanas antes, ela se divertia comigo, brindando a vida em uma cantina italiana. E agora lá estava eu diante daquele corpo frágil, que sempre foi meu colo, o meu remanso, precisando de ajuda para as necessidades mais básicas.

Eu que sempre valorizei o conhecimento, com mais de 20 anos de estudo, entre graduação e pós-graduações, não me atentei para o fato de que, sim, cuidar dos nossos pais exige aprendizado. Às vezes, de forma rápida e sem manual de instruções.

(..) Acompanhar de perto o envelhecimento dos meus pais (e envelhecer junto com eles) me fez enxergar como é importante o planejamento para tornar esse período da vida mais suave.

Desde o ponto de vista emocional, para encarar a fragilidade daqueles que, para nós, sempre foram sinónimos de fortaleza, até para decisões financeiras, já que os custos serão altos, e escolhas de fim de vida
.

Mas nem tudo é dificuldade. Há muita beleza e benefícios em acompanhar o envelhecimento dos pais. Cuidar deles permite que a gente reveja laços, acerte pendências, e aprenda muito sobre empatia e compaixão.


Encarar o declínio de alguém que a gente ama também nos faz refletir sobre a nossa própria vida, finitude, valores e sobre como queremos ser cuidados na nossa velhice".



“O tabu que era o sexo agora é a morte”

Ele encarou a morte de frente uma vez. Foi em 1967, quando, após combater ao lado do Che Guevara, foi capturado e torturado. Passou quatro anos numa prisão na Bolívia e foi condenado à pena máxima. Relata esses momentos, quando pensava que seriam os últimos: “É curioso, porque primeiro entra-se em pânico, mas no fim, quando se acredita que chegou o momento, torna-se quase um espectador. Estava perante o pelotão e, na verdade, era uma simulação, mas eu não sabia. Há um momento em que tudo se torna leve. Resignamo-nos”, explica Régis Debray.

O filósofo (Paris, 84 anos) publicou há dois anos O Último Suspiro, uma obra a duas vozes em que, juntamente com Claude Grange, chefe de unidade de cuidados paliativos, aborda a importância do acompanhamento nos últimos momentos de vida. Foi nessa experiência que se inspirou o cineasta franco-grego Constantin Costa-Gavras, de 92 anos, para o seu último filme, com o mesmo título, estreado hoje em Espanha.

Um “trabalho corajoso” que aborda “o tabu deste século”, explica Debray na sua casa em Houdan, uma vila a 70 quilómetros de Paris, um templo cheio de livros classificados por género, rodeado de prados verdes e amarelos. “Não podemos aprender a morrer, claro que não. Podemos aprender a ver morrer, mas aprender a morrer é absurdo, quase cómico”, analisa.

Aos 84 anos, Debray refugia-se neste espaço após uma vida cheia de risco e épico: foi amigo de Fidel Castro e depois juntou-se ao Che Guevara para tentar expandir a revolução até à Bolívia. Embora não queira aprofundar muito esse episódio: “Na verdade, só estive prestes a morrer aquela vez.” “Temos de aceitar a ideia de que o homem é mortal. Por isso, no contexto dos cuidados paliativos, o problema é ver morrer”, aprofunda.

Contudo, nas visitas que fez a esses centros, para escrever O Último Suspiro, apercebeu-se de uma realidade: “Os médicos que lá trabalham não estão tristes. Não há nada de fúnebre nos centros paliativos, os profissionais de saúde estão bem-dispostos, isso surpreendeu-me”, salienta. Em França morrem por ano 600.000 pessoas e “existem apenas 200 centros paliativos. Fala-se em multiplicá-los, sim, mas há poucos voluntários”. As mulheres, diz, “são mais corajosas perante a morte, talvez por terem dado à luz e terem mais resistência à dor; creio que têm menos medo da morte”.

Em O Último Suspiro, a vida e a morte - ou a sua aproximação - reconciliam-se através de uma conversa: a que mantêm um médico responsável por um hospital de cuidados paliativos e um escritor, interpretados pelos atores Denis Podalydès e Kad Merad (Debray e Grange). No elenco participam também as atrizes Ángela Molina e Charlotte Rampling.

“Queria fazer um filme mais divertido”, reconhece Debray, mas Costa-Gavras “preferiu fazer um filme não sobre a morte, mas sobre a prevenção, uma ode à vida. É muito corajoso num momento em que fazemos de tudo para apagar a morte, porque ele propõe o debate, não o evita, e faz um filme sobre um tema tabu”.

A morte é rejeitada, ocultada, negada e transformada em algo “quase clandestino”, assegura. “Durante o século XX o tabu era o sexo; no século XXI já não é tabu, e nisso Freud teve grande influência. Hoje é a morte, um tabu mais difícil de ultrapassar do que o do sexo.”

Embora tenha sido um firme defensor da laicidade em França - a separação entre Igreja e Estado (foi um dos primeiros membros do comité pela laicidade da República Francesa) - Debray analisou o papel da religião e da fé nos grupos sociais. Considera que o declínio do cristianismo influenciou muito este repúdio à ideia de morrer. “Antes era apenas uma etapa, não uma partida definitiva, mas o desaparecimento relativo da fé e da crença no paraíso, e sem a ideia de ressurreição, transformou-a cada vez mais num tabu.

EUFEMISMOS

A prova disso, defende, é a forma como a cobrimos de eufemismos: hoje não se fala em morte, mas em fim de vida; o cancro é “uma longa doença”; um “velho” é um sénior; e a eutanásia é “uma ajuda para morrer”. “Tudo muito politicamente correto. Fazemos de tudo para evitar a morte física e moral, e há pudor em falar sobre ela”, denuncia.

Também perdeu o seu lugar nos rituais, fruto dessa decadência da fé e, nessa tentativa de a apagar do mapa, “já não há cortejos fúnebres, como os que antes atravessavam as aldeias para que as pessoas se despedissem do falecido; o luto desapareceu, o espetáculo da morte está proibido, tornou-se algo clandestino e faz-se de tudo para que não se torne um problema. Tornou-se uma obscenidade”. Quase, denuncia, está a desaparecer o velório: antes velava-se os mortos em casa, e “hoje tornou-se algo incómodo”.

Nos dias que se seguiram à entrevista, Régis Debray teria de se submeter a uma intervenção, o que não o impede de pedir um cigarro à esposa. Passeia-se pela sala rodeado de livros enquanto reflete. A morte é um tabu, mas teremos menos medo da morte dos outros do que da nossa? “Também aí, cada vez a aceitamos menos. Antes podia tirar-se uma fotografia de alguém que tivesse falecido, agora está proibido.

Recorda que uma das últimas fotos de falecidos célebres publicadas na imprensa foi a da cantora francesa Edith Piaf, que morreu a 10 de outubro de 1963. Foi no mesmo dia que o poeta Jean Cocteau, mas “ela ocupou as capas da imprensa e ele, as páginas interiores”. Este último “teve o azar de morrer no mesmo dia que uma figura tão popular como ela. Até para morrer é preciso escolher bem o dia”, reflete com ironia.



"Em novembro de 2023, Sílvia Socias (Barcelona, 1975) começou a perceber que algo não estava bem. Sentia dores numa perna e começou a andar mais devagar do que era habitual. Decidiu consultar um neurologista. Este foi o início de uma longa peregrinação por várias consultas médicas que terminou no início de 2024. O resultado? Esclerose lateral amiotrófica (ELA). Confessa que o diagnóstico provocou-lhe “um colapso brutal”. Mas com o tempo, conseguiu encarar a situação de outra forma. E tudo graças ao seu esforço, ao apoio da família e dos amigos, e ao acompanhamento da Fundació Catalana d’ELA Miquel Valls, cujo departamento de psicologia integra o programa de atenção integral a pessoas com doenças avançadas, promovido pela Fundação La Caixa.

Embora o diagnóstico só tenha sido confirmado no início de 2024, ela já suspeitava há bastante tempo que se tratava de algo grave. Ainda assim, mantinha a esperança de que pudesse haver alguma solução médica para o seu caso. “Mas quando pronunciaram a palavra ELA, foi um colapso total”, conta ao La Vanguardia. Nesse momento, diz, sabemos que temos um prazo de validade: “Dizem-te que estás a morrer”.

Todos sabemos que um dia chegará a nossa hora - argumenta -, mas acreditamos que ainda falta muito. Tenho dois filhos, uma rapariga de 13 anos e um rapaz de 7. A primeira coisa em que se pensa é que não os veremos crescer, que também não poderemos envelhecer ao lado do nosso marido. Nesse momento, vivemos um luto muito grande”.

Com o passar do tempo, no entanto, conseguiu ultrapassar essa fase. “Percebemos que é preciso seguir em frente, que os meus filhos ainda têm a mãe, e que é preciso viver o momento, porque é um presente. É verdade, estou doente e a piorar progressivamente, mas tento ser positiva e fazer as coisas de que gosto”.

Admite que explicar a situação aos filhos foi muito difícil. À filha, a mais velha, conseguiu contar com mais detalhe. Já ao mais novo, não. “Só lhe disse que estou doente. Ele pergunta-me se vou morrer um dia. Digo que sim, mas que não será hoje nem amanhã”.

Eles - relata - foram testemunhas do seu agravamento. De caminhar, passou a usar muletas. Pouco tempo depois, cadeira de rodas. “No meu caso, a doença avança muito rapidamente”, lamenta. No entanto, ainda conserva algumas capacidades: “Ainda consigo mexer um pouco os braços, falo bem, consigo escrever alguma coisa, ler, embora esteja totalmente dependente”.

Afirma que a Fundació Catalana d’ELA Miquel Valls tem sido uma grande ajuda, tanto com a terapia individual como com o grupo de apoio, onde pessoas afetadas pela doença – que ontem teve o seu dia mundial – partilham as suas experiências. No início, estava relutante – “pensava que seria lembrar constantemente que estou doente”, diz – mas acabou por se revelar muito benéfico. “No grupo há pessoas muito positivas e com muita vontade de viver, e isso ajudou-me muito”.

A fundação procura incentivar e promover estes grupos. “Criar espaços onde possam interagir entre si é muitas vezes mais poderoso do que qualquer intervenção individual”, afirma Maria Dalmau, psicóloga da instituição.

“São pessoas que estão a viver a mesma situação e podem partilhar conselhos e experiências. Encontram conforto ao falar entre elas. Alguns doentes pensam: ‘Se alguém como eu consegue encontrar sentido na vida, eu também posso’”.

A entidade oferece apoio em todas as áreas: física, psicológica e social. “Ajudam-nos em cada fase da doença, que vai evoluindo. Ajudam com a tecnologia. Por exemplo, se precisares de um guindaste porque o teu marido já não te consegue levantar”, explica Sílvia. A fundação conta também com uma terapeuta ocupacional e ajuda a agilizar a documentação necessária.

Para os seus profissionais, como Maria Dalmau, não é fácil lidar com pessoas que sofrem de uma patologia sem cura. “Ver que o nosso trabalho pode melhorar a qualidade de vida delas é reconfortante”, aponta. “Vivemos situações difíceis, mas sentimo-nos gratificados com o cuidado que damos. Vemos que o nosso trabalho tem sentido”, acrescenta.

Sílvia lamenta não ter sentido qualquer melhoria após a entrada em vigor da lei contra a ELA, em 1 de novembro de 2024. “É contraditório: a doença evolui muito depressa, mas os processos são muito lentos. Desespera-te. Tens consciência de que os trâmites não acompanham a rápida progressão da patologia”, conclui.



ClaudiaQuando minha mãe morreu, aos 62 anos, após dois anos e meio de sofrimento com o câncer, algumas amigas ficaram preocupadas comigo: “Mirian, você tem que sair, se divertir, seguim frente. Tem que pensar positivamente, ir dançar, fazer algo diferente, arranjar um novo amor”
"As patrulhas do luto e adeptas da felicidade tóxica enxergavam a minha tristeza como doença. Elas acreditavam que a minha tristeza era contagiosa.

Quando acompanhei meu pai, desde o primeiro minuto em que ele descobriu o câncer até o dia em que ele partiu, aos 68 anos, perdi dez quilos. No enterro, uma tia disse: “Mirian, você está um cadáver, parece que saiu de um campo de concentração”.

Assim que voltei a dar aulas, uma colega da UFRJ me elogiou: “Nossa, como você emagreceu, está linda. O que posso fazer para ficar com esse corpinho? Estou morrendo de inveja. Veja o lado bom da perda”.

No dia 17 de abril de 2022, quando perdi o amigo que mais amei em toda a minha vida, achei que iria morrer de tanta tristeza. Minhas amigas insistiram: “Mirian, você tem que sair da toca, não pode ficar tão enclausurada, vai viajar, toma antidepressivo, tem que curar essa tristeza”. Fiquei na minha toca e escrevi “Memórias de uma Antropóloga Malcomportada” em homenagem ao meu melhor amigo.

Meu maior arrependimento é não ter escutado as histórias dos meus pais. Não conheço as suas histórias e, portanto, não conheço a minha própria história. Por isso, quando a Unicef me convidou para participar de um projeto sobre legados que transformam, tenho pensado muito no meu legado para as novas gerações.

No vídeo que gravei para a Unicef, falei que tenho um sonho: construir A Casa da Bela Velhice. Brinquei com a palavra “casa”: C de coragem, A de autonomia, S de significado e A de amizade.

A Casa da Bela Velhice será um espaço acolhedor para ensinar jovens e crianças a “a arte de escutar bonito” os velhos de hoje e os velhos de amanhã. A Casa da Bela Velhice será um lugar para ensinar a enxergar a beleza da velhice, um espaço em que os mais velhos se sentirão amados, cuidados, protegidos, respeitados e valorizados.

A Casa da Bela Velhice será o melhor lugar do mundo para brincar com a criança que nunca deixamos de ser. Uma casa em que os velhos de hoje e os velhos de amanhã, juntos, irão descobrir que nunca é tarde para amar, brincar e sonhar com um mundo em que as pessoas não serão julgadas pelas rugas da sua pele e sim pela beleza do seu caráter. Livres, somos livres enfim...

A partir do seu sofrimento nos campos de concentração, de 1942 a 1945, após perder a esposa grávida, o pai, a mãe e o irmão assassinados pelos nazistas, Viktor Frankl, no livro “Em busca de sentido”, escreveu que acreditava na capacidade humana de transformar criativamente os aspectos negativos da vida em algo positivo ou construtivo. Ele chamou de “vazio existencial” a sensação de falta de sentido da própria vida.

Depois de perder as pessoas que eu mais amei na vida, descobri o significado da minha vida no amor incondicional, no trabalho, na criação e nos meus projetos de vida. Em tempos em que existe uma felicidade tóxica, sei que tenho a liberdade de escolher a melhor atitude para transformar a realidade perversa e cruel que os mais velhos sofrem dentro das próprias casas e famílias.

Aprendi com o meu melhor amigo, de 98 anos: “Tem que ter coragem, Mirian. Coragem, você vai sim!”.

Miriam Goldberg | Folha de São Paulo

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

O Pernas de Alicate e o Max Cavalera do Ténis de Mesa

No ano passado tinha ido à final, mas hoje, se quisesse passar a fase de grupos tinha de vencer o atleta seguinte já bem meu conhecido. Mas fui para a mesa a pensar em quem seria aquele atleta de 47 anos que antes deste jogo se aproximou de mim e disse: "nós conhecemo-nos mas não sei se onde, tu até me apresentaste uma banda portuguesa...", e depois mostra-me uma foto de uma demo de 99 de uma antiga banda de Lisboa, os Te Deum da Cristina Lopes. Sim, de facto, ele não estaria enganado porque eu conheci bem de perto os Te Deum...

Peguei na bolsa da raquete, na toalha e na garrafa e lá fui para o jogo. Entrei totalmente desastrado. No primeiro set até falhei 3 serviços... "Ele tem olhos azuis mas aquele maxilar e aqueles dentes não me são estranhos. Ele disse que nos teremos conhecido nos anos 90... Já sei! É o Pernas de Alicate! Tinha um cabelo comprido, muito loiro e usava uma t-shirt de Lacrimosa! À boca pequena davam-lhe esse nome porque usava calças elásticas muito coladas às perninhas finas. Como é que eu o poderia reconhecer agora, sem cabelo e muito mais gordo?

O meu adversário estava a jogar mal mas eu não estava ali de todo, estava bem longe a pensar de onde conhecia este desconhecido que me tinha abordado. Ele era da turma de gestão de redes e eu de automação e robótica. Era dali que nos conhecíamos. De certeza! Perdi 3-0 mas fui ter com ele contente, tinha vencido o desafio de o encontrar na minha memória! Disse-lhe de onde nos conhecíamos e ele confirmou logo!

Casou e engordou bastante. "Tu continuas na mesma", disse-me. Claro, não casei mantive o mesmo peso, pá! "Espera, vou já ligar à minha mulher para me divorciar"! Trocamos números de telefone. Claro que não tem redes sociais. É engenheiro informático e sabe bem a merda que são. Esteve no Twitter mas, tal como eu, saiu mal o Musk comprou a rede social. Usa as redes sociais russas, mas eu disse-lhe que estou no Bluesky e aliciei-o a ir dar uma vista de olhos. 

Ele teve um esgotamento e a psicóloga aconselhou-lhe desporto. Tal como eu também não gosta de ginásio e certo dia a ver os Jogos Olímpicos viu ténis de mesa e lembrou-se como gostava de jogar na escola e inscreveu-se num clube da Maia. 

Paralelamente a esta aparição e reencontro, curiosamente, um outro adversário nosso conhecido, e atleta do clube organizador, é vocalista de uma banda que eu inclusive vi, há muitos anos, aqui na minha terra! Ele arbitrou o meu primeiro jogo e disse-lhe que o meu colega de clube o tinha reconhecido. Ao que ele responde que seria natural porque veio ao nosso torneio. Não, ele reconheceu-te da banda que és vocalista! 

No ano passado fui à final deste torneio. Desta vez nem passei da fase de grupos. Mas foi espetacular na mesma!

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

O Mito das Gerações

Uma coisa que ouço frequentemente no trabalho é "porque a tua geração isto" ou "a tua geração aquilo". entre pessoas que distam dez anos de diferença! Mas faz algum sentido segmentar as pessoas desta forma? Isto tem algum fundo de verdade científica - os baby boomers são assim e a geração Z é assado - ou é uma coisa tão rigorosa quanto o horóscopo astrológico da revista sobre o que nos irá acontecer na próxima semana?

No fim de semana passado o jornal espanhol El País trazia uma reportagem muito interessante sobre o tema e aqui deixo o artigo traduzido para melhor elucidar quem por aqui passar:


"Todos começámos a pesquisar no Google a palavra millennial por volta de 2012 para descobrir se fazíamos parte do grupo. A designação surgiu pela primeira vez em 1991 no livro Generations, dos escritores e consultores norte-americanos Neil Howe e William Strauss, mas na altura não teve grande repercussão. Segundo o Google Trends, as pesquisas do termo começaram timidamente em 2005 e atingiram o pico máximo em 2013. Hoje os millennials são alvo de paródias na internet, mas na altura eram sociologicamente muito atraentes. Em menos de uma década foram destronados pelos zetas, que já são seguidos de perto pelos alfas, e que dentro de alguns anos serão substituídos pelos betas, bebés nascidos a partir de janeiro de 2025.

Antes dos millennials vieram os X e, muito antes, os boomers e a geração silenciosa. Fora do mundo académico, pouco se prestava atenção a estas classificações, mas desde que o tema entrou na cultura pop, sociólogos e demógrafos receiam que se esgotem todas as letras do alfabeto se continuar a moda de rotular uma nova coorte geracional aproximadamente a cada dez anos.

Em 2021, Philip Cohen, sociólogo da Universidade de Maryland, pediu numa carta aberta ao Pew Research Center, um centro de investigação norte-americano, que “fizesse as coisas bem” e deixasse de usar etiquetas “arbitrárias e contraproducentes” como geração Z e baby boomers, por “não estarem sustentadas por qualquer evidência científica”. Com exceção dos baby boomers, que correspondem de facto a um marco demográfico, as restantes gerações tinham sido declaradas e nomeadas “sem qualquer justificação empírica ou teórica”, dizia a carta, concluindo: “Rotular gerações e fixar as suas datas promove a pseudociência, mina a compreensão pública e prejudica a investigação.” Cohen foi apoiado por 170 investigadores. O poderoso think tank norte-americano anunciou então que entrava numa fase de reflexão sobre o assunto.

“O primeiro erro é acreditar que o X da geração X se refere à letra do alfabeto”, explica Oriol Bartomeus, politólogo e diretor do Institut de Ciències Polítiques i Socials (ICPS), ligado à Universidade Autónoma de Barcelona, acrescentando: “Na verdade, esse X representa uma incógnita. No seu livro Generation X (1991), Douglas Coupland descrevia uma geração sobre a qual se sabia pouco ou nada. A partir daí, continuar a nomear as gerações com as letras consecutivas do alfabeto foi uma tolice monumental”, diz o professor, que, em conversa telefónica, se confessa “muito anti-segmentação geracional”. Na sua carta, Cohen também ridicularizava o uso das letras e denunciava que o esquema geracional se tinha tornado “uma paródia”. “Aparentemente, com a geração Z chegámos ao fim do alfabeto — isto vai continuar eternamente?”, questionava.

Em 2023, o prestigiado centro de investigação concluiu a sua reflexão. O seu presidente, Michael Dimock, publicou “as cinco coisas a ter em mente quando se ouve falar de geração Z, millennials, boomers e outras gerações”. São elas: “As categorias geracionais não têm definição científica”; “induzem a estereótipos e simplificações excessivas”; “as discussões sobre gerações tendem a acentuar as diferenças e não as semelhanças”; “as visões convencionais sobre gerações podem criar um viés a favor das classes altas”; e, finalmente, “as pessoas mudam com o tempo”.



Philip Cohen concordou, por correio eletrónico, com estas conclusões e com a promessa do Pew Research Center de que “o público não deve esperar que as novas investigações usem a lente geracional. Só falaremos de gerações quando isso acrescentar valor aos debates e dar significado às tendências sociais.” Para o professor da Universidade de Maryland, o debate está ultrapassado: “Já não é relevante; simplesmente não devemos usar essas estratificações porque não fazem sentido”, afirma de forma categórica.

Bartomeus admite que não há “unanimidade académica” quanto à definição das gerações e explica que há duas escolas principais: a que defende que há uma geração por década e a mais clássica, representada por Ortega y Gasset, que considera que há um salto geracional a cada 30 anos. Um modelo menos rígido define as gerações de acordo com os acontecimentos históricos e sociais que cada uma viveu. Como explica Bartomeus, autor de El peso del tiempo: relato del relevo generacional en España, “em Espanha haveria uma divisão natural em 1975 entre a geração pré e pós-democracia; na Europa de Leste, em 1989, com a geração pós-Muro de Berlim; e em quase todo o mundo ocidental, em 2008, com os nascidos após a crise financeira que destruiu o pacto social e fez ruir a armadilha da meritocracia”.

Entretanto, os zetas ganham força na internet, parodiam a “pausa millennial” (aqueles segundos de hesitação antes de gravar um vídeo, que denunciam quem não nasceu com uma câmara na mão) e popularizam o “ok boomer”. Agora, vivemos um amargo confronto de acusações: os zetas culpam os boomers pela sua precariedade económica. “É verdade que é a primeira geração do declínio, que está a assistir ao desmantelamento da classe média e sente que lhe roubaram a carteira - mas é enganador dizer que a responsabilidade é geracional”, contrapõe Bartomeus. Para os especialistas, o pior da hiperfragmentação etária é que alimenta uma guerra entre gerações e desvia a atenção de problemas estruturais como o preço da habitação ou os baixos salários, que afetam diretamente o nível de vida.

A teoria de Cohen é que as etiquetas cristalizam a experiência de milhões de pessoas muito diferentes. Haverá quem resista ao estereótipo, mas outros esforçar-se-ão por se encaixar nele e reforçar o sentimento de pertença a um grupo. Como explica por telefone Almudena Moreno, socióloga da Universidade de Valladolid, a internet é replicante e muita gente acaba por acreditar que, se pertence à geração X, é apática; se é millennial, é narcisista e adora tostas de abacate; e se é zeta, deve pagar com gosto seis euros por um café de especialidade. “Estas etiquetas não nascem da sociologia, mas sim das necessidades do marketing de fragmentar o mercado e levar as pessoas a consumir produtos conforme a idade”, reflete.

No seu livro de 2021 The Generation Myth, o politólogo Bobby Duffy sustenta que o mercado tem interesse em exagerar as diferenças geracionais para poder oferecer uma solução. Duffy, professor no King’s College de Londres, escreve por correio eletrónico que existem mais desigualdades dentro de uma mesma geração do que entre duas gerações distintas. O exemplo são os millennials que herdam e os que não herdam. Segundo um artigo da revista The Atlantic, quando a esperança de vida era mais curta, a divergência entre quem herdava e quem não herdava ocorria muito cedo e determinava o rumo de toda a vida — uns e outros raramente se cruzavam. Hoje, um fenómeno típico do século XXI é que dois amigos vivem de forma idêntica até à meia-idade; depois, um deles herda, os planos divergem e as vidas afastam-se. Ambos continuam a ser millennials, fãs de tostas de abacate, mas agora um é rico e o outro não. E essa distância, que não é geracional, parece intransponível.

PARA SABER MAIS:

O Mito das Gerações - Super Interessante

sábado, 1 de novembro de 2025

Um Otelo Bastava

Não eram preciso três. Bastava um Otelo. E o Campo Pequeno...


"Oxalá que um dia não tenhamos que os meter no Campo Pequeno para que eles não nos metam a nós".
(Otelo Saraiva de Carvalho)

domingo, 19 de outubro de 2025

Avisos do Nazismo para os Dias de Hoje



Enquanto a grande generalidade da população não vê o inevitável, ao menos hoje os alunos não precisam de uma visita de estudo, podem assistir à repetição do que foi a subida do fascismo ao poder nos mais diversos países. A propósito do livro "A mentalidade nazi", o jornal espanhol La Vanguardia entrevistou o escritor Laurence Rees e aqui fica essa entrevista:

"No seu livro, Rees narra como os alemães “votaram para nunca mais votar: a democracia tinha-os traído”.

As teorias da conspiração, cada vez mais frequentes, costumam provocar hilaridade, mas muitas delas não são inocentes e algumas podem até tornar-se criminosas em larga escala. O historiador britânico Laurence Rees aponta as teses conspiracionistas como um dos veículos utilizados pelo nazismo na Alemanha para consolidar o seu poder; a pior delas deu origem à perseguição contra os judeus, que resultou em seis milhões de mortos. Rees acaba de publicar Na Mente Nazi (Crítica), um ensaio estruturado em torno de doze recursos utilizados pelo nacional-socialismo e que são perturbadoramente reconhecíveis na sociedade atual. Na realidade, trata-se, como indica o subtítulo do livro, de doze avisos.

A investigação de Rees é uma análise psicológica da mentalidade do movimento que levou o mundo ao desastre da Segunda Guerra Mundial, mas sobretudo da dos seus seguidores. “Durante 35 anos – explica a La Vanguardia – estive interessado nas mentalidades que levaram as pessoas que apoiaram o nazismo a cometer atos tão terríveis, e em saber porque é que tantos, ao falar deles, não expressavam qualquer remorso.” O resultado é um volume que reúne métodos utilizados pelos nazis para manipular mentalmente a população, bem como dinâmicas psicológicas das quais se aproveitaram.

A difusão de teorias da conspiração é uma das mais marcantes, pois o paralelismo com o que acontece hoje é, no mínimo, inquietante. A mais importante dessas teorias forneceu a base da narrativa sobre a qual se construiu o Holocausto. É certo que a ascensão nazi não se pode explicar sem a Grande Guerra, mas, no entender de Rees, não pelo Tratado de Versalhes, como se assume habitualmente, e sim pelas manobras dos generais alemães para ocultar a sua incompetência.

“Quando começou a guerra – explica o historiador – os militares estavam convencidos de que obteriam uma vitória rápida, e estiveram prestes a consegui-lo, mas o conflito ficou estagnado nas trincheiras.” Abriu-se assim a porta a uma derrota que acabaria por se concretizar quatro anos mais tarde. “Assumiram os militares a responsabilidade pela derrota e admitiram o erro? Não. Em vez disso, culparam os judeus e as forças de esquerda.” Nascia o mito da “punhalada pelas costas”, em que Hitler acreditou firmemente e que lhe permitiu apresentar-se, mais tarde, como uma vítima do establishment. Pouco depois, os judeus tornar-se-iam o alvo do nacional-socialismo.




Esse mito, por sua vez, servia para unir os alemães e reforçar a ideia do “nós e eles” – outra das técnicas nazis. Esse outro grupo, “eles”, identificado como o inimigo da Alemanha, seria depois facilmente desumanizado pela propaganda oficial. “Hoje essa ideia do ‘nós e eles’ está em todo o lado”, argumenta Rees, que aponta como exemplo as claques radicais do futebol, mas que também se pode ver nos discursos xenófobos contra a imigração ou no “América primeiro” de Trump.

O historiador dedica um dos capítulos ao que chama “corrupção da juventude”. Segundo explica, os jovens foram um alvo primordial dos fascismos, tal como o são hoje para os movimentos de extrema-direita. A razão é explicada pelas neurociências: o córtex pré-frontal é a parte do cérebro que regula o comportamento social e modera os impulsos. “Mas esta parte não se desenvolve totalmente antes dos 25 anos. Por isso, certos discursos baseados na força tiveram tanto impacto nos jovens.” “Não é por acaso também que os exércitos se alimentam de jovens como força de choque”, acrescenta.

A antipolítica é outro dos ingredientes fundamentais. Hoje, como naqueles tempos, ascendem os partidos que propõem uma rejeição total do sistema político vigente. Naquela época, os nazis usaram esse recurso, que levou, nas eleições de 1932 – as que deixaram Hitler a um passo do poder – a que a maioria dos alemães votasse no NSDAP ou nos comunistas. “Ou seja, a maioria dos alemães votou para nunca mais votar, o que não tem precedentes na história. Por que o fizeram? A democracia tinha-os traído.”

O catálogo nazi que o autor expõe completa-se com apresentar o líder como herói; atuar em conivência com as elites; perseguir e atacar os direitos humanos; explorar a fé (se os teus seguidores têm fé absoluta em ti, de nada serve argumentar com eles); intensificar o racismo; esmagar a resistência; matar à distância (as câmaras de gás representavam a execução em escala industrial, mas também protegiam psicologicamente os carrascos) e, sobretudo, fomentar o medo.

Rees insiste que o que aconteceu com o nazismo não pode ser aplicado como modelo ao presente, mas sublinha que os paralelismos são evidentes. “É muito importante compreender que as pessoas são moldadas pelo tempo em que vivem. Por isso, é impossível que o nazismo volte, porque o partido nazi, felizmente, já não existe. Mas, em contrapartida, muitos dos seus valores fundamentais – como o antissemitismo, o racismo ou o nacionalismo violento – continuam entre nós.”

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Um País Sem Memória é um País Sem Futuro

 Dia seguinte às eleições autárquicas de 2025: das poucas coisas positivas foi o partido fascista CH ter metade das câmaras municipais do defunto CDS. 

O que mais me surpreendeu negativamente foi a vitória de Filipe Menezes em Gaia. Como é possível que um autarca que saiu deixando a câmara na falência, falando-se já na Detroit portuguesa e acusado de tudo e mais alguma coisa, incluindo de corrupção. Como é possível que os eleitores lhe tenham confiado o votos? Como?









domingo, 12 de outubro de 2025

Nenhum Fascista Merece o Nobel da Paz


Como costuma acontecer todos os anos, nunca faço ideia de quem é o escritor laureado com o Nobel da Literatura. Mesmo que fosse Lobo Antunes também não saberia muito porque na verdade nunca li nada dele, apesar de já me terem recomendado, pelo menos, o Memória de Elefante.

Mas este ano nem o nome do Nobel da Paz fazia ideia de quem fosse, até porque, cada vez menos acompanho todas as guerras e guerrinhas de um mundo que, depois da pandemia, anda mortinho por uma terceira guerra mundial.

Quem é Corina Machado vencedora no Nobel da Paz deste ano? Não fazia ideia.

Mas Jorge Majfud, escritor uruguaio e professor de literatura latino-americana, que escreve em vários jornais do mundo e que até foi considerado o intelectual mais influente da América Latina, explica no jornal argentino Pagina 12. 

"Em 2002, o presidente democraticamente eleito da Venezuela, Hugo Chávez, foi sequestrado e detido na ilha La Orchila. Corina Machado (na foto), vários empresários e o The New York Times apoiaram o golpe. A oposição proclamou Pedro Carmona (empresário e membro do Opus Dei) como novo presidente. Carmona decretou a dissolução da Assembleia Nacional, do Supremo Tribunal e de outras instituições. Machado assinou a declaração de apoio a essas medidas.

(...)

Sem contar com a participação de Corina Machado no golpe de 2002 (poder-se-ia dizer que isso aconteceu há duas décadas e todos podem mudar de opinião), os seus últimos apelos públicos, em 2025, a uma invasão militar dos Estados Unidos à Venezuela, desqualificavam-na para qualquer Nobel da Paz.

A tão desejada invasão da Venezuela, velha brutalidade imperialista apoiada pelo clássico servilismo dos colonizados com privilégios, deixaria milhares de mortos, senão uma guerra civil ou uma nova Palestina a sangrar sob bombardeamentos sucessivos e estratégicos “acordos de paz”.

Até Henrique Capriles se opôs a esse pedido. Ao mesmo tempo que Corina Machado batia às portas do Pentágono, no final de agosto, Capriles reconhecia algo de mero bom senso: “a maioria das pessoas que querem uma invasão dos Estados Unidos não vive na Venezuela”. Já Juan Guaidó, todos sabem, é um mercenário barato - nem os venezuelanos da Florida o querem.

Se queriam premiar alguém da oposição venezuelana, é bastante óbvio que havia muitos outros venezuelanos comuns que estão lá a lutar, legitimamente, pelas suas convicções e sem dinheiro estrangeiro ou de grandes capitais. Se queriam intervir na política venezuelana de forma menos obscena, poderiam ter considerado que o dinheiro do Nobel os sustentaria por um tempo. Mas não - tinha de ser Corina Machado.

Parece bastante óbvio que o petróleo, a “maldição” da Venezuela, é o fator central em tudo isto. Justo quando Trump assassina venezuelanos desconhecidos no Caribe, procurando distrair o povo norte-americano e uma desculpa para invadir a Venezuela, premiam uma figura conhecida que pede uma invasão. Não a premiam com o Nobel de Economia, mas com o “Nobel da Paz”. Essas execuções sumárias a piacere, sem julgamento, foram aplaudidas por Corina Machado. A Fox News qualificou-as como “valentia e clareza perante uma empresa criminosa que traz miséria ao nosso povo e desestabiliza a região para prejudicar os Estados Unidos”.

Claro, o que se pode esperar de um galardão, mais famoso do que prestigiado, que distinguiu genocidas históricos como Henry Kissinger e anjos como Obama, que, enquanto sorria, bombardeava tudo o que se movia no Médio Oriente - um historial que inclui desde crianças massacradas por drones até à destruição da Líbia, um país de notável desenvolvimento e perigoso independentismo. Sempre em nome da democracia e da liberdade que, nos Estados Unidos de hoje, já nem sequer se respeita nos discursos.

É tudo muito surreal, mas no fundo lógico.

"Nobel Golpista" de Jorge Majfud | Página 12 | 11 de Outubro 2025

domingo, 5 de outubro de 2025

sábado, 4 de outubro de 2025

O Erro de Paulo Futre Sobre a Vinda de Charters de Chineses


Campanha eleitoral de 2011 no Sporting. A dois ou três dias da votação, Paulo Futre tem uma conferência de imprensa, em que diz que o Sporting tem que ir buscar o melhor jogador de futebol chinês porque "vão vir charters de chineses" para o ver jogar.

A ideia não foi assim tão descabida. Só que, o erro do Futre foi querer ir buscar o melhor jogador chinês de futebol. Ora, como qualquer pessoa esclarecida sabe, o futebol não é o desporto rei dos chineses. A modalidade preferida dos chineses é o ténis-de-mesa!

Atentemos no que aconteceu por estas semanas, quando um clube que está no terceiro escalão do futebol da Alemanha - mas que tem uma equipa forte de ténis de mesa - foi buscar o melhor jogador chinês. A reportagem é de um jornal alemão de desporto que traduzi:

"Invasão chinesa em Saarbrücken"

Isto nunca tinha acontecido no 1. FC Saarbrücken! O clube é conhecido sobretudo pela sua secção de futebol, que milita na 3.ª Liga. Mas agora tem um campeão olímpico com milhões de fãs: na equipa masculina de ténis de mesa joga o chinês Fan Zhendong (28).

Durante muito tempo foi o número um do mundo e campeão mundial de singulares por duas vezes – e provocou em Saarbrücken uma autêntica invasão chinesa!

Normalmente, os jogos em casa contavam com cerca de 500 espectadores. Desta vez, os primeiros encontros na Joachim-Deckarm-Halle, com capacidade para 1880 adeptos, esgotaram. “E ainda poderíamos ter vendido pelo menos o dobro dos bilhetes”, afirma o diretor desportivo Nicolas Barrois (35).

Estão previstos jogos pontuais na maior Saarlandhalle (3500 adeptos) – como no dia 21 de dezembro contra o Borussia Düsseldorf.

Também nas gameboxes (lugares anuais) o clube vive um boom: “Normalmente vendemos entre 20 a 50 por temporada”, diz Barrois. “Desta vez, em apenas dois dias, foram 500. Entre 90 e 95% foram para a China.”

Lá, Fan é uma superestrela que precisa de proteção policial. Os seus fãs aproveitam agora a oportunidade para o verem na Alemanha, em pavilhões mais pequenos.

Curioso: a maioria dos chineses, apesar de terem lugar anual, só assiste a um ou dois jogos. “Se alguém gasta 3000 euros num voo, também investe os 200 euros no passe de época para garantir que vê o Fan”, explica Barrois.

Montes de correspondência de fãs chegam a Saarbrücken. “Ainda nem conseguimos abrir tudo, vamos tratar disso na pausa de inverno”, acrescenta Barrois. Também as vendas de camisolas dispararam: em dois meses, Saarbrücken vendeu tantas como normalmente ao longo de toda uma época.

Isto é importante para o clube, já que os jogadores estrela recebem salários de seis dígitos na Bundesliga. Mas parece que o investimento está a compensar.

Nascia Assim a Era da Pós Verdade

"Na cronologia da pós-verdade costuma repetir-se como episódio inaugural a célebre conferência de imprensa de 22 de janeiro de 2017. Kellyanne Conway, porta-voz do presidente Trump - encurralada perante uma mentira flagrante - respondeu que não mentia, mas que oferecia “factos alternativos” (alternative facts). Não se tratava de um lapsus linguae

Umas horas antes, quando começou a chover durante a cerimónia de tomada de posse, o próprio Trump tinha respondido com simplicidade: “Não está a chover”. O homem mais poderoso do mundo dizia que não chovia debaixo da chuva, e milhares de pessoas que se tinham abrigado debaixo dos guarda-chuvas começaram a fechá-los - o que revelou uma lealdade que já não vinha da convicção, mas de algo mais sinistro: a rendição. 

Nascia a era da pós-verdade.


Máriam Martínez-Bascuñán explica como, em menos de uma década, esse mundo que então nos pareceu delirante se tornou familiar. “Já não pensamos; alinhamo-nos. Já não argumentamos; partilhamos. Já não duvidamos; confirmamos. Mentir de forma indiscriminada já não tem como objetivo fazer com que as pessoas acreditem numa mentira específica, mas sim fazer com que ninguém acredite em nada.” A disputa sobre a verdade tornou-se uma batalha simbólica e emocional, e “nessa colisão entre um povo que já não acredita e umas elites que já não ouvem, a própria verdade tornou-se irrelevante”.

Excertos do artigo de Andrés Barba, hoje no El País a propósito do livro "O fim do mundo comum. Hannah Arendt e a pós-verdade de Máriam Martínez-Bascuñán

domingo, 28 de setembro de 2025

Porque é que Eu Odeio a Classe Média?


"Por quê que eu odeio a classe média? A sociedade capitalista tem duas classes fundamentais: a classe trabalhadora, que produz a mais-valia, e a burguesia. O trabalho da burguesia é explorar o trabalhador, porque uma parte do trabalho dele não é paga e vira capital.

O lugar, o papel, o significado, a relação dessas duas classes são claríssimos. Entre elas, tem uma terceira, que não tem lugar econômico porque não está nem na classe trabalhadora nem na classe burguesa. E a função da classe média é ideológica: espalhar as ideias da burguesia, da classe dominante.

Como a classe média não sabe muito bem onde está, ela fica insegura. Ela tem um sonho e um pesadelo. O sonho é se tornar burguesa. Pensa que se tiver um apartamento com suítes, churrasqueira na varanda, não sei o que mais, está já próxima disso. Mas ela não está.

Enquanto não receber a mais-valia, ela não entra na burguesia. Ela pode ficar rica, mas burguesa ela não é. E por isso ela tem um pesadelo, que é cair na classe dominada, na classe trabalhadora.

Então, a classe média funciona oprimindo os dominados e festejando e bajulando os dominantes. Por isso ela é odiosa. Ela é o cimento ideológico que garante que essa sociedade fique como está. É isso que acho odioso nela: não perceber que essa sociedade como está não pode ser.

Marilena Chaui | Folha de São de Paulo

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

119 Dias Por uma Consulta, Luís?

 Aos cinquenta anos vou ser atleta federado e, como tal, preciso de um exame médico desportivo. O senhor que me viu, também ele atleta da mesma modalidade que pratico, pediu-me para fazer um exame ao coração, que pode ser pedido no centro de saúde. Hoje ligaram-me do centro de saúde a informar que necessitava de ir a uma consulta e que poderia agendar on-line.

Pois muito bem, vamos lá ao portal do SNS e agendo isso. Qual não é o meu espanto, que só tenho consulta para daqui a 119 dias!!, a 21 de Janeiro do próximo ano! Estamos em setembro mas eu nem sequer consigo tomar nota na agenda deste ano!

Isto é absolutamente ridículo. Mas as clínicas privadas agradecem. 




domingo, 21 de setembro de 2025

Deus, Pátria, Trafulhice


Do jornalista Miguel Carvalho li o livro Quando Portugal Ardeu sobre o pós 25 de Abril, e das organizações de extrema-direita que andavam a colocar bombas nas sedes do partido comunista, que mataram, por exemplo, o padre Max da UDP. Entretanto publicou outros livros e regressa agora com um livro com mais de setecentas páginas sobre os bastidores do CH. 

"Esta é a investigação que revela a face oculta do Chega.

Com recurso a milhares de páginas de documentos inéditos e largas dezenas de entrevistas exclusivas com fundadores, financiadores, atuais e antigos dirigentes e militantes, Por dentro do Chega é, sobretudo, um retrato do partido por aqueles que o criaram e o fizeram. Sem filtros."

Na promoção ao livro pude ler duas reportagens, uma na Visão e outra no Jornal de Notícias e são alguns desses excertos que aqui deixo, para abrir o apetite para quem quiser comprar o livro ou, em alternativa, a revista Visão ou o Jornal de Notícias de hoje. Comecemos pelo Jornal de Notícias:


BORRADINHOS DE MEDO

"Dos financiamentos escondidos às gravações telefónicas secretas para entalar rivais internos, esta investigação mostra como André Ventura patrocinou exércitos de perfis falsos e purgas internas para criar um Chega unipessoal que sustenta as ambições desmedidas, as vidas abastadas e as madrugadas de copos dos seus mais reputados dirigentes. Pelo meio há guerras religiosas, filiações de imigrantes brasileiros em massa e a tentativa de corrupção de um ministro de Cabo Verde.

"André Ventura e a mulher, Dina, mais um punhado de dirigentes de topo do Chega, numa lancha rápida de Lagos até à cidade marroquina de Tânger, que seria a ponte até ao exílio na Costa do Marfim. O objetivo era Ventura fugir à prisão e contornar, na clandestinidade, a já sentenciada ilegalização do partido em plena pandemia. É com esta insanidade coletiva que começa o livro “Por Dentro do Chega”.

A fuga para Tânger nunca chegou a acontecer, mas o plano existiu e André e Dina chegaram mesmo a refugiar-se “borradinhos de medo” na quinta de luxo de Arlindo Fernandes em Lagos, segundo contou este empresário admirador de Salazar. Arlindo Fernandes subiu a pulso no Chega, mas, como muitos, desencantou-se quando viu um partido podre (...)


O Chega foi fundado em 2019 para “limpar Portugal” e adotou, em 2021, no Congresso de Viseu, o lema de Salazar “Deus, Pátria e Família”, ao qual acrescentou “Trabalho”. A fuga para Tânger é exemplo de como os primeiros três anos seriam encharcados de boatos que eram gasolina para a guerra civil interna. Os telemóveis eram a principal arma e Ventura acabou com a rédea solta. Decretou que quem dissesse mal dele ou do partido, em público ou privado, seria suspenso.


ESFARRAPAR A OPOSIÇÃO INTERNA


"Para agilizar as expulsões sem contraditório, Ventura criou a Comissão de Ética liderada pelo deputado Rui Paulo Sousa que suspendeu ou expulsou mais de 100 militantes, quase todos opositores internos. “Havia decisões tomadas antes de as analisarmos”, revela Carlos Monteiro. Ao fim de dois anos, o Tribunal Constitucional declarou a Comissão de Ética ilegal. Mas o objetivo de esfarrapar a oposição interna já estava alcançado.

Miguel Carvalho não tem “qualquer dúvida” que esse será o trato a dar às oposições se Ventura chegar ao poder. “No Congresso de Coimbra, uma das declarações que ele faz, naquela estratégia de namoro/arrufo com o PSD, é que queria ter quatro pastas e uma delas era o Ministério da Administração Interna. Um partido com estas práticas que tome conta do MAI, ainda que seja só essa pasta, é absolutamente assustador. Nós estaríamos perante a concretização de um Ministério do ‘Big Brother’”

CASOS E CASINHOS

"Muitos dos que se envolveram no Chega, financiadores ou não, desencantaram-se com o partido. Mais de metade dos vereadores eleitos deixaram de se rever na estratégia. Entre os vários entrevistados há sempre um aspeto comum: o Chega pratica dentro de portas aquilo que promete combater fora delas.

Um vasto rol de “casos e casinhos”

Aos vários “casos e casinhos” já conhecidos, Miguel Carvalho junta-lhe outros como o da fatura que Pedro Pinto deixou por pagar nos Bombeiros Voluntários de Beja, a da pensão de alimentos que Rui Paulo Sousa prometeu pagar quando fosse eleito deputado, a das dívidas que Diogo Pacheco de Amorim tinha quando entrou no Parlamento. Vários dos 60 atuais deputados do Chega estavam na lista negra do Fisco poucos dias antes de serem eleitos e outros refizeram a vida com a entrada para o partido.


Entre os mais próximos de Ventura não faltam cadastros iguais aos bandidos que o líder garante combater, sem que os expulse, como promete. Hélio Filipe, que é militante do Chega, guarda-costas de André Ventura e namorado de Rita Matias, foi condenado a dois anos de pena suspensa por espancar e roubar um homem. No mesmo processo, não foi provada a acusação de sequestro e extorsão. Na semana passada, foi o segurança pessoal de Ventura na incursão pela manifestação de imigrantes.


Enquanto controlou as despesas do cartão de crédito do partido, Nuno Afonso contabilizou abastadas refeições para Ventura e os seus mais próximos, com digestivos “à la carte” e estadias em hotéis, além de um carro topo de gama para uso do presidente. As noites de copos em casas de meninas eram conhecidas. Na sede, as noitadas eram umas atrás das outras. “Era um cenário típico de final de noite num bar de terceira categoria”, descreveu Nuno Afonso, também ele autor de um livro sobre os bastidores do Chega (“Ontem éramos o futuro”, 2025).


À “Notícias Magazine”, Miguel Carvalho distingue o eleitor do Chega dos seus dirigentes, pois o partido cresceu à custa de quem se desacreditou ou se sente abandonado pelo sistema político-social e pelos serviços públicos básicos como os CTT, a escola ou o centro de saúde: “Se houver um político que não se cinja às redes sociais e for por esse país fora, de porta a porta, fazer um esforço descomunal, para ouvir e tentar perceber, e que seja absolutamente fiel à palavra dada, aí o Chega não terá grandes hipóteses, nem com redes sociais”.


Até lá, Ventura será o que as massas quiserem que ele seja, como demonstra Miguel Carvalho. Qual camaleão que sempre aparece para salvar as almas do caos das circunstâncias, algumas de fabrico próprio. Ele é, se for preciso, o seminarista mais promissor que deixou de ser padre porque encontrou o amor; o dedicado académico progressista, preocupado com os direitos humanos, que se distingue na sala de aula para agradar aos professores; o mais zeloso inspetor do Fisco e combatente dos paraísos fiscais que mais tarde lhe vão pagar a campanha; o humanitário cronista de jornal que apela a que se acolha “o maior número possível de migrantes” (2015); o enraivecido megafone dos benfiquistas em horário nobre na CMTV; o messias dos crentes, católicos ou evangélicos; o farol dos desencontrados".


REVISTA VISÃO:


"Finalmente, o Chega contrata o alugar de um Renault Talisman 1.5 dCi Zen por 36 meses, para o serviço do líder, a 400 euros mensais. Fernanda Marques Lopes, primeira presidente do Conselho de Jurisdição do partido, viu-o chegar com Luc Mombito (funcionário do Chega) ao volante. “Olha lá, André, compraste um carro para o partido?” O líder explicou: “É renting.” Mas a advogada insistiu: “E o conselho de auditoria não tem de saber?” O líder, sempre, ao longo do livro, e em diversos episódios, com pouca tolerância ao escrutínio interno, começou a impacientar-se: “Sou presidente, posso comprar o que me apetecer, não vou pedir autorização para comprar uma mesa ou um carro!”


SEMPRE A MENTIR


A fuga para a frente, sempre que Ventura é questionado, reflete-se também nos grandes temas. Ainda na semana passada, depois de ser desmascarado na “gaffe dos hambúrgueres”, contra-atacou, falando – mais uma vez, falsamente, como ficou demonstrado – de mais de 1500 viagens do Presidente Marcelo ao estrangeiro. Condenado por difamação no caso da família Coxi (do Bairro da Jamaica, a quem chamou “bandidos”) com sentença confirmada nas instâncias superiores, já após recurso, disse, na AR, em outubro de 2024: “Fui a tribunal sempre que me acusaram de difamação, racismo, discriminação. Venci em todos os processos.” Como sempre, estava a mentir.


Jornal PÚBLICO:


Chega: sexo, mentiras e Deus




Miguel Carvalho recolheu centenas de testemunhas, de dirigentes e militantes do Chega. Muitos, certamente sem conhecerem a teoria de Bannon, apontam essa explicação “Ajudei a nascer o Chega porque acreditei que era algo que Deus queria que eu fizesse. Entretanto, o André revelou-se um Saul e não um David. É um grande actor,” diz Lucinda Ribeiro, a mulher nascida em Meimoa, Penamacor, que organizou o crescimento do Chega nas redes sociais. A seu lado trabalhava outra mulher, de origem social bem diferente: Patrícia Sousa Uva gosta de se chamar a si própria de “dondoca”. O seu testemunho sobre Ventura também revela uma personagem construída: “É uma mistura de padre com chico-esperto do futebol de Mem Martins.”

O grupo que geria as redes sociais de Ventura incluía ainda Gerardo Pedro, de Santarém. “Via-o a ralhar na CMTV, no ‘Rua Segura’, e deixei-me ir naquela conversa, era música para os meus ouvidos…” Hoje, Lucinda, Patrícia e Gerardo deixaram de se rever na personagem. “Sinto vergonha de ter andado nisto. Não é o que quero, nem para a minha filha… Este homem não pode governar o país. Não pode”, diz Gerardo Pedro. Mas o seu trabalho (muitas vezes de sapa, com perfis falsos, montagens e difamações sobre outros políticos) permitiu a Ventura libertar-se da sua ajuda. O líder é a personagem, como revela o livro: 80% dos fundadores do Chega já saíram do enredo (...)

Só na região de Lisboa há mais de mil igrejas evangélicas. As mais pequenas têm menos de 100 pessoas, enquanto as maiores (como a IURD ou a Igreja Maná) organizam muitos milhares. Miguel Carvalho aponta alguns nomes curiosos de congregações: “Assembleia de Deus Fogo para a Europa”, “Igreja Baptista Cristo Vive em Células”, “Igreja do Avivamento em Portugal”, ou “Igreja Evangélica Bola de Neve”.


Estas igrejas são espaços comunitários, raros, nas nossas sociedades, quando quase todas as formas de organização (incluindo a Igreja Católica, os sindicatos, as associações culturais) estão em crise. No início deste século, os evangélicos representavam 5% da população brasileira, sendo agora quase um terço dos 212 milhões de habitantes do Brasil. Ricardo Marchi, observador (muitas vezes participante) do Chega é citado por Miguel Carvalho: “Muitos evangélicos comprometeram-se com o Chega desde o início, compartilhando vídeos e textos de fiéis brasileiros contrários à agenda da esquerda (principalmente política de género e mobilização LGBTQIA+).”

Ventura deixou nas redes o convite: “O Chega é a religião dos portugueses comuns”; “Nós somos como aquelas seitas religiosas: fortíssimos”; “Sou muito religioso e acredito que o que me aconteceu a mim e ao Chega na História de Portugal, desde o meu percurso de comentador até ao Parlamento, é um milagre”; “Quero todas as igrejas cristãs com o Chega. Todas. Sem medo nem preconceito”; “Deus no Comando!”

Em Por Dentro do Chega, Miguel Carvalho detalha as relações de Ventura com magnatas dos media (Marco Galinha e Mário Ferreira), com vendedores de armas, industriais e donos das maiores herdades do país. E, ainda assim, é visto como o político que quer acabar com o “sistema”. Nas páginas de Miguel Carvalho, constatamos que grande parte dos dirigentes, deputados e financiadores do Chega são investidores e negociantes de imobiliário. O preço das casas bate recordes e cria uma crise social profunda, mas o Chega é o partido que mais sobe nas eleições. O próprio André Ventura, imediatamente antes de se dedicar à política, aconselhava candidatos a vistos gold em negócios de compra de prédios. “Ventura provou que não é anti-sistema, é o próprio sistema”, critica uma antiga candidata do Chega em Braga.

(...)

Miguel Carvalho recolheu depoimentos que ilustram este fervor escatológico em Lisboa. A senhora que limpava a sede do partido revela que “por vezes a sede parecia uma taberna! Rasca! Enfrascavam-se de uma maneira… Se esta gente governasse o país, eu emigrava…

CORREIO DA MANHÃ

“Ventura parece ter um beliche nos estúdios de TV”



O Chega esteve envolvido em polémica desde a fundação. O livro explica, com testemunhos em ‘on’, o caso das assinaturas falsas para a constituição do partido. Face às evidências, porque é que este processo foi arquivado?

Não sou eu que devo explicar isso. O Ministério Público fez as suas diligências. E o processo acabaria arquivado, não como o Chega diz, mas apenas porque não se conseguiu identificar a pessoa que decidiu isto tudo, o autor dos crimes. Mas as assinaturas falsas existiram. Estranho, diria até escandaloso, é que André Ventura foi identificado como a pessoa que recolheu grande parte das assinaturas, que pagou a recolha das assinaturas, mas nunca foi ouvido no inquérito.

Há mais casos polémicos no livro...

Sim, e alguns, na minha opinião, têm relevância criminal. Como o das gravações ilegais no partido, por exemplo. Ou como foi feito o financiamento do partido, descrito por pessoas que estavam no centro da ação política do Chega. Mas, lá está, não sou eu que devo fazer essa avaliação. O livro está à venda ao público (...)

A questão das gravações só agora foi conhecida...
É, para mim, a questão mais grave. As gravações ilegais no partido terão surgido para afastar opositores internos. Não sei se as práticas continuam, mas, até 2021, foram feitas, colocando militantes contra militantes, dirigentes contra dirigentes, com a cumplicidade dos dirigentes nacionais. Perante estas práticas, pergunto: como será, amanhã, se o Chega for governo, se tomar conta do Ministério da Administração Interna?

Em 2020, muitos achavam que as minhas preocupações eram distopia. Agora, acho que isso é verosímil. Para mais, quem governa adotou, em parte, a agenda do Chega em vários temas. A AD quase se tornou o braço político do Chega. E o Chega quase se transformou no “braço armado” da AD. O partido de André Ventura anda a promover políticas que, a seguir, a AD vai aplicar. É um sucesso para o Chega.

No livro, critica a forma como a comunicação social levou Ventura ao colo...

Quase parece que Ventura tem beliche nas redações e estúdios das TV. Há uma espécie de “SOS: Chama o Ventura!” quando as audiências estão em baixo.

Hoje há grupos (como o 1143 de Mário Machado) que se sentem legitimados pelo discurso do Chega

E, para mais, isso é masoquista. O Ventura, várias vezes, faz ‘bullying’ aos jornalistas e à própria estação, transformando esses momentos em clips para as redes sociais. É algo que só se explica com o esboroar dos critérios editoriais dos media portugueses.


Acha que o Chega contribuiu para normalizar o discurso de ódio em Portugal?

Claramente. As pessoas começaram a perceber que este discurso de ódio era ‘mainstream’. Dizem: “Se há mais 10, 100, mil pessoas a dizê-lo, então, eu também posso dizer, não devo estar errado.”


No último capítulo do livro, descreve como o Chega é o partido mais popular entre os jovens. É preocupante?

Sim, mas, há uns anos, muitos jovens também achavam que era ‘cool’ ser do BE - que, atenção, tem um projeto político muito diferente do Chega, progressista e humanista –, também por razões disruptivas. No caso do Chega, importa destacar o papel da Rita Matias, que deu muitos seguidores e eleito- res jovens ao Chega. O Ventura e a Rita Matias fazem uma dupla que funciona bem, com aqueles vídeos nas redes sociais, fanaticamente consumidos pelos miúdos. E sempre que a Rita Matias visita uma escola, os alunos entram em ebulição – atrai os filhos das elites, mas também jovens de origens humildes, com um discurso simples, básico, por vezes mentiroso, mas que “entra” muito facilmente (...)


Também há sinais positivos. O que se tem revelado nas escolas é que as miúdas, de forma geral, são menos permeáveis às narrativas do Chega. Regra geral, conseguem refletir mais sobre certos temas – como a sexualidade, feminismo, violência, etc... –, são mais maduras, agem menos em grupo, têm capacidade para pensar pela própria cabeça. Muitas pessoas que trabalham nas escolas acham que este é o caminho para combater o extremismo: o futuro pode começar pelas mulheres.


NOTÍCIAS AO MINUTO



"Um grupo de dirigentes reuniu-se numa casa, em Setúbal, elaborou um documento com imensas perguntas – creio que até ultrapassava a centena – enviadas à direção, em que se questionava o financiamento, o que é que o partido fazia ao dinheiro, porque andavam sempre em jantares e em viagens. Aliás, as pessoas que se reuniram ameaçaram enviar aquilo para o Ministério Público (MP). A ideia de que o partido podia ser investigado e ilegalizado a qualquer momento, ou por supostos financiamentos externos, ou por ter no seu seio várias pessoas que eram oriundas de movimentos neonazis e mais violentos, criou um clima de absoluta paranoia que o Chega vai explorando até aos dias de hoje. O próprio Ventura várias vezes aludiu a situações ou episódios em que achava que o objetivo dos poderes, sejam eles quais forem, era miná-lo, porque ele luta contra o sistema. A ideia de que o partido está permanentemente sob vigilância do regime, à espera de um pretexto para o eliminar, também ajudou a unir internamente, com o tempo.

É a receita de Donald Trump e de Jair Bolsonaro, e viu-se agora também na questão dos hambúrgueres… Onde é que isto nos deixa enquanto jornalistas?

É uma resposta para uma tarde. Achámos, de uma forma geral, que isto nunca nos aconteceria. O próprio António Guterres tinha dito, uns anos antes da eleição de André Ventura, que o populismo nunca venceria em Portugal, porque tínhamos uma tradição imune a isso. Cá estamos. A própria fragilidade da generalidade dos órgãos de informação em termos de recursos humanos, técnicos e financeiros – para mim o pior período do jornalismo em democracia, e já passámos por muitos – não permite ter jornalistas disponíveis, como era normal na fase pré-Internet, a acompanhar quotidianamente um determinado partido, criando fontes, com tempo, confiança. É verdade que não tínhamos um partido como este. Tivemos o Partido Renovador Democrático (PRD). No início, em 1985, também veio com um discurso muito moralista, a falar de cima da burra, como se costuma dizer, em relação ao regime, mas o PRD era profundamente democrático nas suas práticas, e até na sua postura na Assembleia da República. Portanto, achámos que não nos aconteceria, estamos frágeis para acompanhar, estávamos já na altura bastante permeáveis a tudo o que gerasse fogo nas redes sociais e fosse disruptivo. Não parámos para pensar e foi lenha que juntámos.

Quando comecei a acompanhar o Chega, já tinha feito uma reportagem, que também está no livro, por alturas do fracasso do Basta, com jovens de alguns movimentos de extrema-direita, nacionalistas, identitários, a quem Ventura não dizia grande coisa. Eram jovens, dentro daquela área ideológica, bem estruturados, com ideias muito firmes em relação a determinados temas, e isso despertou-me para o Chega. Quando Ventura é eleito, aí sim, dedico-me [ao Chega], mas eu era um privilegiado. Estava numa revista [a Visão] que, apesar de já estar na sua fase descendente, dava-me três meses para andar entretido com aquilo, sem pensar em mais nada. Fazia algumas coisas pelo meio, mais urgentes, mas, quando acabava esse trabalho para a edição X, voltava ao Chega. Quando me perguntaram se queria ficar com isso, eu disse, 'ok, mas preciso de três meses; quero almoçar com eles, quero jantar com eles, quero conhecer isto'. Comecei a ir a tudo o que era eventos. Depois, veio a pandemia. Mantive os contactos telefónicos, mas já com alguma dificuldade, porque alguns não queriam falar ao telefone; estavam paranoicos que o Governo podia ouvir, coisas assim. Retomei quanto a pandemia abrandou pela primeira vez e isso foi absolutamente essencial para chegar a este livro. Na altura, sobretudo a partir da eleição de Ventura, já o Chega começava a contaminar os jantares de família e de amigos, e toda a gente falava disso. Levei muito nas orelhas, não só de colegas, mas de pessoas que acompanham a realidade política, que diziam, 'estás tolo, daqui a uns meses a malta vai perceber que isto não faz sentido nenhum e acaba já ao virar da esquina'. Viu-se.


LA VANGUARDIA:

"Como se fosse um estagiário de si próprio, Miguel Carvalho (Porto, 1970), um dos mais reconhecidos jornalistas portugueses, passou cinco anos a acompanhar o dia a dia do partido do xenófobo André Ventura. Nesta conversa, feita por escrito e por telefone - fruto também de 17 anos de relação pessoal -, enquanto percorre o país, explica que as apresentações do seu livro "Por Dentro de Chega – a face oculta da extrema-direita em Portugal" têm um caráter de terapia coletiva. Em menos de dois meses vendeu 16.000 exemplares de um livro de política com 700 páginas, num país em que o limite do sucesso editorial ronda os 6.000. Será pela magia da Galiza, que tanto adora?

Parece-me tudo um pouco irreal. Creio que a obra interessa porque aborda o fenómeno Chega, e não tanto a figura do seu líder. Há quem o veja como uma espécie de livro de autoajuda, um guia para lidar com familiares ou amigos que votam na extrema-direita.

O que responde a quem lhe pergunta “o que faço, a minha parceira tornou-se chegana”?

Digo que no livro há ferramentas para tentar compreender e semear dúvidas. Dá pistas, mas não é uma solução. Só a estabilidade política - que não existiu, com três eleições legislativas neste quinquénio - e a resolução de problemas estruturais deixarão o Chega sem oxigénio. O partido nasce do descrédito das instituições e dos políticos. Foram eles que criaram esse território de esquecimento e ressentimento, ao encontro do qual Ventura soube ir.

O jornalismo político de Lisboa é de melhor qualidade e menos sectário do que o de Madrid, mas fez de Ventura um gigante quando ainda era um pigmeu.

Assim é. Mas o jornalismo português atravessa a pior crise da democracia, com redações minúsculas e precárias. Sucumbiu à espuma do espetáculo de um líder habituado ao sensacionalismo, fruto da sua experiência televisiva no futebol - como comentador do Benfica - e nos programas de crime. Fizemos de idiotas úteis ao serviço de um discurso que não devia ser notícia, por ultrapassar todos os limites legais.

Não é algo que aconteça só em Portugal.

É verdade, mas nós - uns de forma inconsciente, outros de propósito - quando ele tinha apenas um deputado, demos-lhe um protagonismo muito superior ao que lhe correspondia. Ele sabia como gerir o ruído e contava com o apoio de poderosos interesses económicos. A imprensa enfrenta o Ferrari da extrema-direita com uma bicicleta.

A “futebolização” da sociedade é um terreno fértil para a extrema-direita?

Claro. Em Portugal vê-se com nitidez. Quando a típica discussão tribal do futebol tomou conta das redes sociais, Ventura já a dominava como ninguém.

Um dos seus interlocutores do universo Chega chama Ventura de “Hitlerzinho”, e o livro começa com uma citação do líder nazi. Há um risco totalitário em Portugal?

O Chega é um perigo evidente para a convivência e para os pilares da democracia. O seu líder viola a Constituição todos os dias, com um discurso de ódio, racista e xenófobo. No partido, por exemplo, existem práticas criminosas, como o uso de gravações ilegais como instrumento de coerção interna.

O que sentiu quando o ouviu proclamar em Madrid o seu orgulho pela caçada de Torre Pacheco?

Nada de novo. Apela constantemente à violência simbólica, que por vezes se traduz em ameaças reais e violência física.

Como explica que Ventura tenha transformado ele próprio a sua subida nas autárquicas num fracasso?

Foi devorado pelo seu maior trunfo - a sua condição de catarata mediática -, que o levou a precipitar-se ao anunciar que conquistaria 30 câmaras. Obteve apenas três, mas expandiu-se por todo o território com um bom resultado, que lhe dá a chave da governabilidade em muitos locais. No entanto, arrisca-se também a confirmar e amplificar a perceção de que o Chega não serve sequer para gerir municípios.

Pode chegar a primeiro-ministro, ou o balão está a esvaziar-se?

Já não é uma distopia, como parecia há cinco anos, mas não me parece provável. Se a legislatura fosse interrompida após uma eventual queda do atual governante, Luís Montenegro, teria alguma hipótese.

Porque é que Ventura se candidata às presidenciais de janeiro?

Procura chegar à segunda volta para acumular mais força - graças à sua habilidade mediática - com vista a chegar a primeiro-ministro.

O que representou para si estar cinco anos embutido na extrema-direita?

Contaminou toda a minha vida, para o bem e para o mal. Não me arrependo. Desde o início quis ouvir e tentar compreender, seguindo o caminho que Hannah Arendt nos traçou.