"A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão."
sábado, 29 de março de 2025
Acreditas que a Humanidade Pode Mudar?
sábado, 22 de março de 2025
Ter Salários Dignos Não Arruína a Economia ou O Último Prego no Caixão do Neoliberalismo
Como introdução a mais um artigo que aqui quero deixar (principalmente para mim mas que, por certo também poderá interessar a outro qualquer leitor fantasma) poderia começar por dizer que não percebo nada de economia, mas, se calhar, a grande maioria dos economistas da nossa praça também não!
Depois de anos com a mesma ladainha de sempre "ai, não, não se pode aumentar os salários porque isso é mau para a economia e as empresas não aguentam" e lembrar aquele arauto da economia portuguesa, formado pela Católica, João César das Neves a dizer o aumento do salário mínimo é muito mau para os pobres, como pudemos ver nos últimos anos, tudo isso era um mito absurdo.
Espanha não é, de longe, o único país que aumentou o salário mínimo nos últimos anos. Em períodos marcados pela forte inflação pós-pandemia e pela escalada abrupta dos preços da energia, outros países também reforçaram os seus salários mínimos. De um modo geral, novamente, com mais vantagens do que desvantagens. O caso do México é um exemplo disso. Ou o da Califórnia, um dos estados dos EUA que mais aumentou este indicador. Ou, mais perto, o de vários países da Europa de Leste, com a Roménia e a Bulgária à frente, onde os aumentos de dois dígitos se tornaram norma, melhorando a vida de milhões de trabalhadores.
Os supostos efeitos negativos, amplamente teorizados por muitos economistas e empresários - e contestados apenas por alguns, com os laureados com o Prémio Nobel da Economia David Card e Alan Krueger à cabeça - não se concretizaram. Os preços subiram, sim, mas por razões alheias ao salário mínimo. E, longe de ser um inimigo do pleno emprego, o desemprego está próximo de mínimos históricos.
Manuais desatualizados
“Os modelos convencionais falharam, sobrestimando os impactos negativos e subestimando os positivos”, acrescenta Juan Carlos Moreno Brid, professor de Economia da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM). Porquê? “Em grande parte, porque assumiam que o mercado de trabalho funcionava como o das laranjas. E não é assim… O mercado laboral é, sem dúvida, onde a economia neoclássica mais falhou na sua compreensão.”
Uma linha de pensamento partilhada por Attila Lindner, investigador do instituto alemão IZA, especializado em economia do trabalho, e professor no University College de Londres, com inúmeras investigações sobre o tema. “A evidência empírica sobre o salário mínimo sugere que, nos níveis atuais [no Ocidente], esta política tem efeitos mínimos sobre o emprego, ao mesmo tempo que aumenta significativamente a remuneração dos trabalhadores com salários mais baixos”. Algo, conclui, “difícil de conciliar com a visão neoclássica dos mercados laborais que dominou a profissão até ao início dos anos 2000, e que revela limitações importantes da teoria económica tradicional”.
Ao contrário de tantas outras variáveis laborais em que Espanha costuma estar na cauda da Europa, no que toca ao salário mínimo está agora perto do topo. Os seus 1.184 euros mensais são o quinto valor mais elevado da Europa, superado largamente pelos 2.261 euros do Luxemburgo, 1.956 da Irlanda ou 1.880 dos Países Baixos, todos eles países onde o custo de vida supera em muito o espanhol. Nada a ver com a realidade de há alguns anos, quando o salário mínimo espanhol estava entre os mais baixos da União Europeia.
Se tomarmos como referência 2018 - antes da pandemia e do forte aumento do SMN em Espanha -, o salário mínimo cresceu 61% desde então, enquanto os preços subiram apenas 19%. Esta diferença é ainda mais notória em países do leste e norte da Europa: na Lituânia, por exemplo, os preços aumentaram 41%, mas o salário mínimo subiu 160% (de um valor inicial muito baixo, 400 euros em 12 pagamentos, para os atuais 1.038 euros). Em Montenegro, Albânia e Croácia verifica-se um fenómeno semelhante. Também na Alemanha (+19%) e nos Países Baixos (+11%) houve ganhos significativos no poder de compra do salário mínimo.
Um raio de esperança
No México, os resultados foram igualmente claros. Durante os seis anos de presidência de Andrés Manuel López Obrador, o salário mínimo - que partia de valores muito baixos, mais típicos de economias empobrecidas do que de um país de rendimento médio - mais do que duplicou. Isto pôs fim a décadas de estagnação e trouxe esperança a milhões de trabalhadores. E, mais uma vez, sem o temido “efeito cascata”, que pressupunha que qualquer aumento do salário mínimo levaria automaticamente a uma subida de todos os salários, o principal argumento dos economistas (e políticos) tradicionalmente contra essa medida.
Rosalía Vázquez-Álvarez, economista da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e especialista em salários, assinala que, entre 2021 e 2022, 57% dos países do mundo aumentaram o salário mínimo nominal. Entre 2022 e 2023, a percentagem subiu para 59%. “Isto representa um aumento substancial em comparação com anos anteriores, o que indica que, em muitos mais países do que se esperava, as políticas de salário mínimo responderam de forma firme ao aumento da inflação”, comenta.
Os aumentos coincidiram com novos estudos científicos sobre o impacto do salário mínimo, que se viram reforçados pelos dados dos últimos anos. Foi neste contexto que a Academia Sueca concedeu o Prémio Nobel de Economia a David Card, reconhecendo a sua tese que contrariava a crença generalizada de que aumentos do salário mínimo destruiriam empregos. “Os aumentos no salário mínimo não têm necessariamente de levar à destruição de emprego”, justificou a Academia.
A conclusão geral não é que o aumento do salário mínimo não possa ter efeitos negativos, mas sim que não há uma consequência automática e que os aumentos recentes têm trazido mais benefícios do que prejuízos. Como enfatiza Luis Ayala, professor de Economia na UNED, “os estudos mais recentes mostram que os efeitos negativos sobre o emprego são pequenos, enquanto os efeitos positivos sobre a desigualdade salarial são muito comuns”.
A evidência empírica sugere que um salário mínimo bem implementado reduz a desigualdade e melhora a vida dos trabalhadores, sem que isso resulte numa perda significativa de empregos. A economia evolui e, com ela, o entendimento sobre os impactos das políticas salariais.
"Tener sueldos dignos no arruina la economía" / El País
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Editado:
Entretanto ficamos a saber que Espanha teve ser o maior superavit dos últimos trinta anos. E Ana Gomes partilha o meu post no Bluesky a satirizar o economista da Católica:
domingo, 16 de março de 2025
Prever o Teu Futuro
"Para prever o teu futuro é preciso saber a hora exata a que nasceste e se foi num hospital público ou privado". (Riki Blanco)
sábado, 15 de março de 2025
Isto é uma Coisa que Vem Germinando...
sexta-feira, 14 de março de 2025
Com o PSD e a AD Acabou-se a Falta de Etica
Ironicamente, há um ano andavam por aí estes cartazes, assinados por Luís Montenegro, garantindo que com a AD ia-se acabar a "corrupção e falta de ética. Caso para dizer que a realidade ultrapassou a ficção.
quinta-feira, 13 de março de 2025
Quantos dos Teus Pensamentos Vieram de um Algoritmo?
sábado, 8 de março de 2025
Bom Dia da Mulher, Se Conseguirem
terça-feira, 4 de março de 2025
Uma Manhã a Ouvir Falar de Psoríase
Há muito que não escrevo aqui sobre a minha doença - sim, estimado(a) leitor(a) fantasma deste blog, tem razão, há muito que também não me dedico a escrever sobre o que penso ou sobre a minha vida e passo o tempo a partilhar artigos de jornal da imprensa estrangeira que vou lendo, mas a vida tem o seu tempo e nós vamos tendo outros interesses e vícios, além de outras vicissitudes, e não dá para tudo - mas então vamos ver se escrevo aqui, sucintamente sobre um evento a que fui.
Sábado passado desloquei-me à Alfândega do Porto para ouvir falar sobre a minha doença: psoríase. O moderador era o meu médico, mas estiveram também presentes outros especialistas de Lisboa, quer de dermatologia bem com ortopedia e esteve também o presidente da associação de psoríase PSO Portugal, e ainda uma associada, portadora da doença, que deu o seu testemunho, provavelmente com tantas coisas em comum com outros doentes, como foi também o meu caso.
Alguns dados que retive
Ao contrário do que se pensava, porque não havia um estudo a esse respeito, os doentes com psoríase não são 2% em Portugal. São cerca de 440 mil.
Os doentes com psoríase têm uma esperança média de vida cinco anos inferior às pessoas comuns.
Um doente com psoríase, e isto eu não fazia ideia, tem riscos acrescidos de doenças cardiovasculares, um risco três vezes superior de ter, por exemplo, um AVC.
A psoríase deixou de ser olhada unicamente como uma doença de pele para passar a ser olhada em conjunto com várias outras patologias, e começa a ser designada "doença psoriática".
Apesar de todo o azar que tive em desenvolver esta doença e que, até pela idade em que surgiu, me condicionou de certa forma a vida, e apesar de neste momento me ter sido atribuído uma incapacidade de 80% e por aí já se ver o que esta doença pode condicionar, a verdade é que, apesar de tudo o que passei, hoje posso considerar-me com sorte.
Desde que, em 2010, passei a ser seguido no hospital Santo António, com a oportunidade que me deram de ser tratado com a nova medicação dita biológica que considero que fui sempre muito bem acompanhado, tanto primeiro pela médica que me acolheu, como depois pelo meu atual médico, que ela quis que eu fosse seguido por ele, por ser ele que estava a acompanhar todos os doentes com casos mais complicados.
E tenho sorte pois fiquei a saber que muitos doentes, também com a doença complicada não têm acesso a este tipo de medicação, porque são medicamentos caros. E não é aceitável também, ficarmos a saber que há doentes que têm de vir dos Açores ao continente, com as despesas todas pagas por si, para conseguirem levar a medicação para casa. Isto nem pode ser constitucional. Não é assim que se tratam as pessoas.
É preciso informar as pessoas sobre o que é a psoríase, para que ninguém seja olhado de lado, ainda que, por vezes, nem seja por mal, é só porque chama a atenção. Mas que mais ninguém seja mandado ir ao médico pedir uma declaração em como não tem uma doença transmissível, como eu fui, na empresa onde, pela primeira vez apareci de manga curta na empresa.
É preciso pressionar os partidos para que quem tem a doença possa ser melhor tratado. Aumentar os diagnósticos para que mais doentes possam numa fase inicial iniciar os tratamentos. E no fundo que as pessoas votem em partidos que defendam o Serviço Nacional de Saúde, em vez de continuarem a votar em partidos, como acontece agora, em partidos que o querem destruir a saúde pública e entregar tudo aos privados.
domingo, 2 de março de 2025
sábado, 1 de março de 2025
terça-feira, 25 de fevereiro de 2025
A Geração Mais Aborrecida da História
"A imprensa anglo-saxónica chama à geração Z (nascida entre 1997 e 2012) "Gen ZZZZZZ". Excessivamente preocupada com a saúde e com fobia ao envelhecimento (apesar de ainda não ter chegado aos 30), não fuma, bebe pouco álcool, evita açúcares e hidratos de carbono de absorção rápida, sai pouco e madruga para fazer 40 agachamentos e 80 flexões enquanto os seus gurus da produtividade sussurram no TikTok: “Ganha a manhã e ganharás o dia”. “Ter barriga e banhas é coisa de quem ganha pouco”.
Uma geração que poupa para pagar subscrições em ginásios premium e que se suplementa com colagénio, magnésio, proteínas e adaptogénios. Venera a ordem, a disciplina e a doutrina estóica, onde os seus pais e avós teriam escolhido o hedonismo epicurista. Note-se que os últimos relatórios de saúde indicam que os hábitos de vida “problemáticos”, o elevado consumo de álcool e as doenças sexualmente transmissíveis já não são predominantes entre os mais jovens, mas sim entre os maiores de 55 anos, os seus pais e avós.
Por outro lado, os mais jovens sentem vergonha (com frequência ou muita frequência) se o seu estilo de vida não for considerado saudável, e quase 80% tem em conta critérios de saúde ao decidir o que come e bebe. E isso inclui o bem-estar físico e emocional, conclui um estudo global encomendado, entre outras empresas, pela Ikea, Pepsi-Cola, Visa e WWF International, abrangendo 27 mercados. O relatório indica que, à medida que a idade diminui, aumentam as horas dedicadas ao ginásio, a preocupação com a saúde mental e a gestão do stress.
Pouco dados à ironia, interpretaram literalmente a ideia de que a verdadeira beleza vem de dentro. Aterrorizadas com a possibilidade de envelhecer, as mulheres investem em produtos de skincare e, apesar de dominarem melhor as técnicas de maquilhagem do que as suas mães e avós, submetem-se a massagens linfáticas e dietas anti-inflamatórias que prometem eliminar olheiras e celulite, não apenas disfarçá-las.
Os homens querem abdominais six-pack e músculos bem definidos. Não procuram calças de ganga que lhes assentem bem no rabo – querem esculpi-lo no ginásio com exercícios de glúteos e creatina. Querem ver no espelho um rosto firme, sem sinais de cansaço, manchas ou acne e, quando não se sentem bem, afirmam nas redes sociais que têm “cara de cortisol”. Exibem uma pseudo-gíria especializada que traduz uma visão da estética e da beleza como sinónimo de optimização da saúde, mesmo que isso implique uma disciplina monástica e intermináveis rotinas detox.
Vidas organizadas e o medo de envelhecer
Viver segundo folhas de produtividade, aplicar critérios de eficiência a cada aspecto da vida e seguir horários rígidos é compatível com a loucura da juventude? Estaremos perante a geração mais organizada, saudável e aborrecida da história?
“Provavelmente é uma das gerações mais bem informadas de sempre sobre nutrição e os efeitos nocivos do álcool, mas também apresenta algumas obsessões e mudanças de hábitos. É provável que não morram de um ataque cardíaco antes dos 50, mas podem enfrentar outros problemas relacionados com o uso de esteroides anabolizantes no ginásio para atingir um físico específico, com músculos definidos e hipertrofiados”, refere o psicólogo Luis Miguel Real. Segundo ele, para estes jovens, a identidade está no corpo, e ganhar dinheiro é o auge da felicidade. “O que vejo em consulta é a adopção de hábitos produtivos tóxicos que colocam em risco a saúde mental. Não investem em relações saudáveis e têm a ideia perigosa de que tudo depende apenas deles próprios.”
O lema “normalizemos cancelar planos” é uma categoria popular de conteúdos no TikTok e ilustra o que muitos consideram um plano ideal para o fim de semana: ficar no quarto com o telemóvel e evitar os riscos da vida social. Sentem-se muito mais confortáveis a fazer scroll do que a conversar com desconhecidos.
Oriol Bartomeus, director do Institut de Ciències Polítiques i Socials (ICPS), da Universitat Autònoma de Barcelona, acredita que a pandemia serviu como um teste para os mais jovens, ensinando-os a estar sozinhos e a relacionar-se com o mundo através de um ecrã. “É uma geração com angústia existencial”, diz. Talvez por isso nunca atendam chamadas. Nada lhes causa mais horror do que o telemóvel a tocar e a expectativa de terem de responder. Segundo a última sondagem da Uswitch, um quarto das pessoas entre os 18 e os 34 anos nunca atende o telefone. Ignoram-no e depois respondem por mensagem. Se não reconhecem o número, pesquisam-no no Google. Mais de metade dos inquiridos associa o toque do telefone a más notícias.
Os especialistas notam que as interacções digitais ultrapassaram, em muitos casos, os contactos presenciais, e esse modelo digital não exige “lubrificantes sociais” como o álcool, cujo consumo caiu drasticamente. Segundo um estudo da HBSC, apoiado pela OMS, apenas 8% dos jovens consome álcool semanalmente, quando em 2006 esse número era de 25%. Além disso, quase 80% considera que beber cinco ou seis copos num fim de semana pode ter “consequências graves”. Felizmente, décadas de campanhas públicas contra o consumo excessivo de álcool começam a dar frutos.
“As cervejas e o vinho deixaram de ser as bebidas padrão”, observa Felipe Romero, sócio da consultora The Cocktail. Segundo dados da Euromonitor International, o mercado de bebidas sem álcool em Espanha tem crescido 18% ao ano nos últimos três anos. Romero descreve um cenário onde dominam as bebidas energéticas, batidos e águas minerais. “E, se bebem, preferem bebidas de menor graduação alcoólica. Existe um forte desejo de estar sempre disponível, activo e produtivo. E o álcool não é um optimizador”, explica.
O preço da disciplina
No Ocidente, triunfam startups que procuram a quadratura do círculo: uma bebedeira sem ressaca. Experimenta-se com novas bebidas que oscilam entre o álcool e a abstinência, oferecendo um ligeiro estado de desinibição e alegria, sem comprometer a lucidez e o controlo. Chamam-lhes “bebidas espirituosas funcionais sem álcool”, sendo a mais popular a Three Spirit, uma infusão de chá verde, ashwagandha e cogumelo melena de leão, com efeitos nootrópicos, ou seja, que acalmam a mente e melhoram a memória e a concentração – três fragilidades da primeira geração nativa digital.
Porém, esta é também uma geração disposta ao sacrifício. Levantam-se todos os dias às cinco da manhã para maximizar o desempenho cognitivo e serem produtivos. Diz-se que todos os bem-sucedidos na vida – de Jennifer Lopez a Tim Cook – começam o dia a essa hora mágica. Um ritual de esforço sustentado por best-sellers como O Clube das 5 da Manhã, de Robin Sharma, e pela comunidade #5amClub do TikTok, que soma mais de 18 milhões de publicações a partilhar rigorosas rotinas matinais.
Bartomeus acredita que esta geração vive angustiada e quer um regresso aos básicos, a um mundo mais simples. “Assumiram que o futuro será terrível, que a festa acabou. Sentem-se vítimas e procuram vingança. Na política, isso traduz-se num desejo de ordem. Muitos rapazes, em particular, seguem com fervor as doutrinas do rigor e da disciplina.”
Segundo o World Happiness Report, esta é uma geração menos feliz do que os seus pais e avós. Desde 2006, os níveis de felicidade dos jovens caíram em todos os continentes. A geração mais saudável e disciplinada da história não parece estar a divertir-se. Ou então, os mais velhos – boomers, geração X e millennials – não estão a perceber nada.
Jovens e Estoicos | Karelia Vázquez | El País (23 de Fevereiro de 2025)
domingo, 23 de fevereiro de 2025
Grândola 2025
Alguém comentou que já se transformava a Grândola no hino nacional. E, de imediato eu comecei a cantar o hino mentalmente, numa versão revista e atualizada para 2025. Então é assim:
Grândola, Vila Morena,
Terra da Hostilidade
A agência imobiliária (do governo) é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025
Signos para Sempre
Se lês o teu horóscopo, então já sabes que os nossos signos solares determinam como comunicamos, quais são os nossos desejos e se vamos espiar um ex que nos ignorou. (Estou a falar de ti, Escorpião.) Nós, astrólogos, usamos esses traços de personalidade para prever se um primeiro encontro acabará num "felizes para sempre" ou num tribunal.
Para te poupar tempo - e despesas legais - fiz este guia rápido para que possas fazer o mesmo. Este gráfico de compatibilidade astrológica revela a longevidade esperada de cada par do zodíaco (eixo Y: do "para sempre" ao "nunca") e a química entre eles (eixo X: do "nada quente" ao "super ardente").
Posto isto, parece que eu deveria ter investido as fichas todas numa mulher Caranguejo ou mulher Capricórnio. Ainda que na Touro também não pareça que esteja mal de todo.
Editado: Rapidamente este estudo foi trucidado. Paula Neves - que eu conheci da série da RTP "Riscos" e depois numa novela (da TVI? como Trinca-Espinhas), partilhou na net que está com o seu companheiro (marido, não sei nem interessa) há vinte e quatro anos.
quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025
domingo, 16 de fevereiro de 2025
O Amor Consumista
A Convenção
Aquela espanhola de cinquenta e oito anos, com quem ainda não tinha falado, vem na minha direção, abraça-me e diz-me: "quero tirar uma fotografia contigo, para mostrar ao meu marido que estou com um metaleiro português"! Ele depois respondeu-lhe para não se entusiasmar demasiado! E acabou por ser, talvez, a conversa que me criou mais impacto das muitas, com tantas pessoas diferentes, com que tive a oportunidade de falar naqueles três dias.
Estou na empresa há três anos e o mais curioso é que nunca tinha tido oportunidade de ver ao vivo os equipamentos que testo, reparo ou recondiciono. Ou melhor, vê-los ser utilizados na prática. Seria mais ou menos como alguém que trabalha numa fábrica de chocolates nunca ter provado o chocolate que ajuda a produzir.
Apesar de entender bem o inglês - e não me venham com a treta que quem entende bem o inglês, querendo também o fala - o facto de não ser tão fluente faz com quem me deixe mais tímido nas conversas, mas fiz um esforço para receber o mais condignamente possível os cerca de cinquenta colegas estrangeiros que vieram cá ao Porto para uma convenção de três dias. Ainda assim alguém disse-me: "tu não tens sotaque"!
O brilharete aconteceu com a colega de Myanmar.
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025
Maria Teresa Horta no New York Times: "A Última das Três Marias de Portugal"
Maria Teresa Horta, uma escritora feminista portuguesa que ajudou a derrubar as restrições impostas às mulheres pelo seu país conservador, morreu a 4 de fevereiro na sua casa em Lisboa. Tinha 87 anos.
A sua morte foi anunciada no Facebook pela sua editora, Dom Quixote. O primeiro-ministro português, Luís Montenegro, prestou-lhe homenagem na rede social X, descrevendo-a como “um exemplo importante de liberdade e de luta pelo reconhecimento do lugar das mulheres.”
Maria Teresa Horta foi a última sobrevivente do célebre trio de escritoras conhecido como as “Três Marias”, que em 1972 publicou o marcante livro Novas Cartas Portuguesas. Composto por cartas que as três escritoras trocaram entre si sobre as dificuldades de ser mulher em Portugal, o livro abriu um novo mundo de expressão da sexualidade feminina reprimida, enfureceu a ditadura e levou à sua detenção e acusação criminal por indecência e abuso da liberdade de imprensa.
“Para as feministas em todo o mundo, assim como para os defensores de uma imprensa livre, a ação policial contra as mulheres portuguesas em junho de 1972 foi um ultraje que, aos poucos, se tornou o foco de um movimento internacional de protesto”, escreveu a revista Time em julho de 1973.
As Três Marias - Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno (1939-2016) e Maria Velho da Costa (1938-2020) - tornaram-se heroínas do feminismo internacional, e a fama do livro alertou o mundo para a repressão sob a ditadura portuguesa. Simone de Beauvoir, Marguerite Duras e Adrienne Rich foram algumas das escritoras que declararam publicamente o seu apoio. A National Organization for Women votou para tornar o caso a sua primeira causa feminista internacional.
Este não foi o primeiro embate de Maria Teresa Horta com a controvérsia.
Em 1967, após a publicação do seu influente livro de poesia Minha Senhora de Mim, foi “espancada na rua”, contou à sua biógrafa Patrícia Reis em 2019. O livro, disse, “desafiava algo profundamente enraizado neste país: o silenciamento da sexualidade feminina.”
As visitas frequentes da polícia política portuguesa tornaram-se parte da sua vida.
Os temas da sua obra emergiam de uma dupla opressão: ser mulher numa sociedade dominada pelos homens e crescer num Estado policial.
“Nasci num país fascista, um país que roubava a liberdade, um país de crueldade, prisões, tortura”, disse numa entrevista a um jornal italiano em 2018. “E cedo percebi que não podia aceitar isto.”
Também não aceitava a opressão das mulheres na cultura tradicionalmente machista de Portugal. “As mulheres são espancadas ou violadas tanto por um médico, um advogado, um político, como por um operário, um camponês e assim por diante”, disse ao Diário de Notícias em 2017. “As mulheres sempre foram espancadas e sempre foram violadas. Não se considera a violência que ocorre na cama, no ato sexual com o marido.”
Em 1971, essas preocupações levaram-na a reunir-se semanalmente com duas amigas e colegas escritoras, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, para partilharem reflexões escritas sobre os temas que as atormentavam.
Inspiraram-se numa obra clássica do século XVII, Cartas de uma Freira Portuguesa, supostamente escritas por uma jovem enclausurada num convento português para o oficial de cavalaria francês que a abandonara. Embora hoje os estudiosos acreditem que a obra seja ficção, a sua expressão poderosa de desejo reprimido e frustração ressoou nas Três Marias.
Tal como a freira do livro, usaram cartas entre si, bem como poemas, para expressar a sua insatisfação enquanto mulheres nos seus trinta anos, educadas por freiras, casadas e com filhos, numa Lisboa sufocada por uma ditadura de 35 anos, um catolicismo rígido e guerras coloniais mal planeadas em África.
Quando publicaram Novas Cartas Portuguesas, prometeram nunca revelar a ninguém, muito menos à polícia, qual delas escrevera cada parte.
“As suas visões e personalidades eram bastante distintas”, escreveu Neal Ascherson na The New York Review of Books ao analisar a tradução inglesa de 1975, intitulada The Three Marias. “Maria Isabel era a mais fria, Maria Teresa a mais exuberante, Maria Fátima a que se afastava do feminismo puro para uma análise social e psicológica da opressão de um povo inteiro.”
A obra - que Ascherson chamou de “um grande e complicado ramalhete” - está impregnada de uma raiva reprimida face à condição feminina.
“Queriam que as três de nós nos sentássemos em salas de estar, bordando pacientemente os nossos dias com os muitos silêncios, as muitas palavras suaves e gestos que a tradição dita”, diz uma das cartas. “Mas, seja aqui ou em Beja, recusámos o claustro, estamos a despir-nos dos nossos hábitos, silenciosamente ou de forma desafiadora.”
Outra carta afirma: “Ganhámos também o direito de escolher a vingança, pois a vingança faz parte do amor, e o amor é um direito há muito concedido na prática: praticar o amor com as nossas coxas, as nossas longas pernas que cumprem com mestria o exercício esperado delas.”
Embora Ascherson considerasse o livro “por vezes exasperantemente impreciso, indulgente e prolixo”, reconheceu que “onde é preciso, o livro ainda fere” e “onde é erótico, não é exibicionista nem pudico, mas bem calculado para tocar a mente através da emoção.”
Alguns críticos portugueses elogiaram-no como “corajoso, ousado e violento”, como escreveu o autor Nuno de Sampayo no jornal A Capital. Previram, no entanto, que teria uma receção difícil.
O primeiro-ministro Marcello Caetano tentou prender as autoras, chamando-as de “mulheres que envergonham o país, antipatriotas.”
A 25 de maio de 1972, a censura estatal proibiu o livro. No dia seguinte, foi enviado para a polícia criminal de Lisboa. Quando o julgamento das autoras começou em 1973, a multidão era tão grande que o juiz ordenou a evacuação da sala.
Em maio de 1974, quase dois anos após a sua detenção e duas semanas após a queda da ditadura, as Três Marias foram absolvidas.
O juiz Artur Lopes Cardoso, que presidia ao caso, tornou-se um convertido de última hora, declarando que o livro “não era pornográfico nem imoral.” “Pelo contrário”, disse, “é uma obra de arte de alto nível, seguindo outras obras de arte produzidas pelas mesmas autoras.”
Maria Teresa de Mascarenhas Horta Barros nasceu em Lisboa a 20 de maio de 1937, filha de Jorge Augusto da Silva Horta, um médico proeminente e conservador que apoiava a ditadura, e Carlota Maria Mascarenhas. A sua avó paterna tinha sido uma figura destacada do movimento sufragista português.
Adam Nossiter | New York Times
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025
Acreditamos Numa Ideia de Liberdade que nos Deixou Sem Ela
Entrevista de Justo Barranco com o historiado Timothy Snyder no jornal La Vanguardia de 9 de fevereiro, a propósito do seu último livro "Sobre a Liberdade"
"Se na cultura norte-americana a liberdade acabou por significar ausência do poder do Estado, o historiador Timothy Snyder considera que a verdadeira liberdade não é tanto a liberdade "de", mas sim a liberdade "para". E que confundir estas duas ideias levou-nos à situação atual, com Elon Musk como “o principal defensor mundial da ideia de que a liberdade significa destruir o governo”. No entanto, sublinha: “Se reduzirmos o tamanho do governo, ele já não pode fornecer as condições básicas que nos permitem ser livres, como água, ar, habitação e educação. Numa grande sociedade moderna, precisamos da ajuda do governo para criar as condições da liberdade. O que está a acontecer no meu país neste momento é muito grave. E está totalmente relacionado com este erro”, afirma Snyder (Ohio, 1969), autor de livros fundamentais como O Caminho para a Não Liberdade, onde analisava a filosofia de Putin e a forma como este exportava a sua política para o mundo. Agora, apresenta Sobre a Liberdade, uma obra muito pessoal.
O sistema de "checks and balances" resistirá ao embate de Trump?
O primeiro movimento de Trump foi congelar programas federais importantes, mas os tribunais revogaram essa decisão. Anunciou tarifas sobre o Canadá e o México, mas não se concretizaram, pois muitos empresários norte-americanos opuseram-se. Trump não é imparável. E em breve haverá diversas ações judiciais contra Elon Musk. É assim que fazemos política no meu país: realizamos eleições e, depois, entram em cena os tribunais. Mas a verdadeira prova de fogo é Musk. O que ele faz é tão obviamente ilegal que as pessoas nem sabem como reagir. Trata-se de um novo tipo de golpe de Estado, que não recorre a homens armados, mas sim a adolescentes com talento para a programação.
Como chegámos aqui?
Durante 50 anos, no meu país, ignorámos o problema da desigualdade, que está diretamente ligado à liberdade. Nos EUA, acreditamos que não importa se alguns são pobres e outros ricos, porque o que realmente conta é essa ideia de liberdade. Mas, quando a desigualdade de riqueza se torna demasiado grande, os mais ricos capturam o governo – como acontece agora com Musk. Se permitirmos que a desigualdade aumente demasiado, a liberdade torna-se difícil, porque os bens essenciais para a liberdade deixam de fazer parte da política governamental. Foi um erro não perceber que liberdade e igualdade sempre estiveram ligadas. Para que haja liberdade, são necessárias escolas públicas e boas estradas – e só o governo pode garantir isso. Nos EUA, convencemo-nos de uma ideia errada de liberdade, que acabou por nos deixar sem ela.
Porque é que as pessoas escolhem milionários como líderes?
Se a desigualdade for demasiado grande, a mobilidade social torna-se muito difícil. A maioria das pessoas olha para o futuro e não vê como pode melhorar a sua situação. Mas veem alguns indivíduos no topo, que tiveram um sucesso extraordinário e acumulam mais riqueza do que qualquer outra pessoa na história. E começam a pensar: “A única forma de vencer é ser como eles.” Assim, cria-se uma cultura de desrespeito pelas regras e pela lei. É por isso que Trump é popular. As pessoas olham para ele e dizem: “É isto que deve ser feito – quebrar as regras, mentir, enganar –, porque o sistema está contra nós.”
O resultado deste pensamento é paradoxal: quanto mais difícil é enriquecer, mais as pessoas escolhem um certo tipo de milionário como modelo. Trump, aliás, nunca foi realmente rico, mas soube sempre apresentar-se como tal - como alguém que contorna as regras. E as pessoas acreditam que, ao votar nele, terão acesso ao seu mundo. Deixam de votar com base em interesses ou políticas e passam a votar por identificação com um determinado grupo, na esperança de que isso lhes traga vantagens.
Os EUA estão a tornar-se numa oligarquia?
Já seguimos esse caminho há bastante tempo. Pode debater-se se somos uma democracia com traços oligárquicos ou uma oligarquia com traços democráticos, mas temos um grande problema com a concentração de poder nas mãos de pessoas muito ricas, tanto dentro como fora do governo. Já era um problema antes. E agora, com Musk, penso que encontraremos formas de resistência, mas as próximas semanas serão decisivas para determinar o que vai acontecer.
A retórica de Trump sobre a necessidade de controlar a Gronelândia é semelhante à de Putin em relação à Ucrânia?
Trump tem certos pontos fracos e há quem saiba explorá-los. Um deles é a sensação de que está sempre a ser enganado e a perder dinheiro. É muito vulnerável a essa ideia, porque ele próprio deseja retirar dinheiro aos outros. Os nossos adversários aprenderam a manipular essa fraqueza. Basta dizer-lhe: “O Canadá está a enganar-te. Os europeus estão a enganar-te. Não pagam o suficiente pela NATO.”
Nos EUA, ninguém quer tarifas sobre o Canadá e o México, exceto um pequeno grupo de fanáticos. Mas Trump acredita que está a fazer política externa. Os russos, por sua vez, aprenderam a manipulá-lo. O objetivo é levá-lo a entrar em conflito com os nossos aliados. Assim, os EUA acabam isolados, enquanto a Rússia e a China fazem o que querem – e ainda se riem dele. Putin já o fez, há vídeos dele a falar sobre isto e a rir-se. E não é surpreendente, porque Trump faz exatamente aquilo que Putin quer, dia após dia.
Zangam-se os Fachos Descobre-se os Tachos
domingo, 9 de fevereiro de 2025
A Economia dos Ovos
sábado, 8 de fevereiro de 2025
Pensa Por Ti Próprio - Pensa Como Nós
"Imaginemos dois momentos marcantes na história da tecnologia e, portanto, da humanidade. No primeiro, assiste-se a um famoso anúncio de televisão. Enquanto se sucedem imagens a preto e branco de ícones como John Lennon, Pablo Picasso ou Maria Callas, o ator Richard Dreyfuss recita um poema: