Valter Hugo Mãe, hoje, no Jornal de Notícias:
"A ditadura perfeita terá a aparência da democracia, uma prisão sem muros na qual os prisioneiros não sonharão sequer com a fuga. Um sistema de escravatura onde, graças ao consumo e ao divertimento, os escravos terão amor à sua escravidão."
domingo, 22 de junho de 2025
A Alma Lorpa
Uma Era de Extermínio
Capa da revista "New York" (e de seguida excertos sobre o genocídio em curso na Palestina que todos fazem de conta que não está a existir):
«Desde os horrores da Segunda Guerra Mundial, o mundo tem tentado evitar, mesmo em tempos de guerra, o que é moralmente inconcebível: o assassinato deliberado de não combatentes, a destruição de propriedades civis, a negação de ajuda humanitária. Israel de Netanyahu, com o apoio de duas administrações norte-americanas, terá provavelmente cometido centenas, talvez milhares, de crimes de guerra em Gaza, desafiando de forma descarada o corpo de leis que, embora aplicado de forma imperfeita ao longo das décadas, visava proteger a santidade da vida humana. No seu lugar, emergiu uma era de brutalidade sem controlo.»
Os Crimes de Guerra à Vista de Todos
Em Gaza, crianças estão a ser massacradas, as zonas seguras tornaram-se campos de extermínio, e as normas destinadas a proteger civis estão praticamente destruídas. (...)
Em maio, o Tribunal Penal Internacional anunciou pedidos de mandados de captura para os líderes do Hamas e de Israel. Em julho, Israel largou oito bombas de 2.000 libras na zona costeira sul de Al-Mawasi, supostamente uma zona segura. As armas mataram 90 pessoas e feriram 300, segundo o ministério da Saúde de Gaza.
Havia sempre mais. Nesse verão, médicos regressaram de Gaza a relatar que snipers estavam a disparar contra bebés na cabeça. “Nenhum bebé é alvejado duas vezes por engano,” disse o cirurgião ortopédico Mark Perlmutter, da Carolina do Norte. Em 30 anos a trabalhar em zonas de conflito, nunca tinha visto crianças “incineradas” ou “esfrangalhadas” como as de Gaza.
“Em cada 70 pessoas que entram no hospital por hora, 40 são crianças. Nunca vi nada assim.” As crianças diziam ao pessoal médico que estavam à espera da morte. Surgiram siglas e expressões: WCNSF, para “criança ferida, sem família sobrevivente,” e a “zona das crianças mortas.” Unni Krishnan, da Plan International, contou que percebeu que Gaza era diferente quando um médico lhe disse, numa chamada, que tinha de operar o próprio filho.
Em novembro, a médica americana Tanya Haj-Hassan testemunhou nas Nações Unidas que “tudo o que é necessário para sustentar a vida está sob ataque” e que Gaza é o “prólogo para o fim da humanidade.” Transmitiu o testemunho de um enfermeiro chamado Saeed, que foi detido e torturado pelas forças israelitas:
Estamos a ser enterrados, a cada minuto estamos a ser enterrados, a cada minuto desaparecemos, a cada minuto somos raptados, estamos a viver coisas que a mente humana nem consegue compreender. Morremos e não há ninguém para nos enterrar. Peço que partilhem a minha história, toda a minha história, com o meu nome. Quero que o mundo inteiro saiba que sou um ser humano... sou um ser humano criado por Deus.
(...) Hoje, Gaza é mais assustadora do que nunca, como escreveu Abu Toha, porque uma nova fase da exterminação da vida palestiniana começou. A 18 de março, o governo israelita rompeu unilateralmente o cessar-fogo e lançou tantos bombardeamentos que matou 436 pessoas numa única noite, incluindo 183 crianças e 94 mulheres, segundo o ministério da Saúde de Gaza. Israel impôs um cerco total durante 77 dias, impedindo qualquer entrada de comida, combustível e ajuda médica — o mais longo dos seus muitos atos de privação — o que significou “nem um grão de trigo, nem uma gota de água, nem medicamentos, nem vacinas para crianças,” contou-me Juliette Touma, diretora de comunicação da UNRWA. Os israelitas cortaram a eletricidade, inutilizando máquinas médicas vitais e as plantas de dessalinização numa área onde a água é salobra e imprópria para consumo. Praticamente toda a terra agrícola foi destruída, tal como a indústria pesqueira, o sistema de esgotos, quase todas as escolas e mais de 90% da habitação, obrigando as pessoas a viver em tendas, no chão dos hospitais ou em edifícios colapsados. Os 2,2 milhões de habitantes de Gaza, encurralados e incapazes de fugir, estão em risco de fome provocada pelo homem. “À medida que a ajuda desapareceu, os portões do horror voltaram a abrir-se,” disse o Secretário-Geral da ONU, António Guterres. “Gaza é um campo de extermínio — e os civis estão presos num ciclo interminável de morte.”
Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, Israel matou quase 56.000 palestinianos desde 7 de Outubro, incluindo 15.613 crianças, 8.304 mulheres e 3.839 idosos, e feriu 116.991 — muitos desses ferimentos, como amputações, são graves e com impacto para toda a vida. O projecto Costs of War estima que todos esses números sejam muito superiores, tal como indicam peritos médicos: numa carta dirigida ao Presidente Biden em Outubro de 2024, um grupo de médicos norte-americanos sugeriu que o número real de mortos poderá estar mais próximo dos 118.000. A revista médica britânica The Lancet estimou que o número cumulativo, incluindo mortes indirectas e desaparecidos, poderá ultrapassar os 186.000 — e isto foi em Julho de 2024, há quase um ano. Uma das razões pelas quais é difícil determinar o número exacto é o facto de milhares de pessoas estarem provavelmente soterradas sob os escombros; numa área com o tamanho de Filadélfia (...)
Pela sua força aniquiladora e ambição, a campanha israelita é única entre os conflitos modernos. Na verdade, o termo crime de guerra nem é adequado ao que está a acontecer em Gaza, pois sugere que existe uma guerra e que há alguns crimes dentro dela. Gaza é diferente — o número de crimes de guerra é virtualmente incalculável, e o que se passa não é propriamente uma guerra, mas sim o bombardeamento incessante de um lado sobre o outro. “Se o que estamos a ver na Faixa de Gaza for o futuro da guerra,” disse Pierre Krähenbühl da Cruz Vermelha em Abril, “então todos devíamos estar muito preocupados - aterrorizados.” (...)
O que trouxe muita atenção para Gaza é o facto de se tratar de um exército altamente sofisticado apoiado pelos Estados Unidos, que bombardeia e provoca fome à vontade. A indignação prende-se com a natureza implacável e completamente unilateral do conflito.”
sábado, 21 de junho de 2025
A Riqueza Obscena
Para contar a fortuna de Musk sem parar levaria mais de 13 mil anos.
Quem é que precisa de tanto dinheiro"?
(1a página da revista The New Republic)
quinta-feira, 19 de junho de 2025
Onde Estão os Patriotas que Queiram Trabalhar?
domingo, 15 de junho de 2025
O Terceiro Cagalhão
sábado, 14 de junho de 2025
A Pressa Suicida dos Jovens
sexta-feira, 13 de junho de 2025
A Grande Substituição - Para Onde Caminha o Português?
sábado, 7 de junho de 2025
Os Números da Nossa Vergonha
sexta-feira, 6 de junho de 2025
Crime é Currículo
Então diga-me lá porque é que acha que deveria fazer parte deste governo do grande Luís...
- Bom, assim de repente, como bem se lembra, no governo anterior e, de forma totalmente incompetente, consegui matar ao desmazelo 12 pessoas doentes que só estavam a dar despesa ao Estado e com a maior lata do mundo ainda consegui dizer que a culpa não foi minha. Conta?
Está contratadíssima!
As Gatas Não Tiram Selfies
Tinha acabado de sair da Adega, um dos restaurantes onde almoço e que também serve petiscos, e eis se não quando um gato (os meus colegas disseram que pelas cores é uma gata) começa a chamar por mim. Aproximo-me e começo a fazer-lhe umas festas e por aí estive um bom bocado, até reparar que faltavam quatro minutos para pegar ao trabalho.
"Bem, tenho que ir", e ela salta do muro para o passeio e começa a vir atrás de mim, e fê-lo ainda uns quantos metros.
As gatas da rua reparam em nós porque não andam com a cabeça curvada no telemóvel ou a tirar selfies, porque, infelizmente, hoje já ninguém repara em ninguém na tua. Só mesmo os animais.
quinta-feira, 5 de junho de 2025
O Que a Ciência nos Diz Sobre a Força do Corpo Feminino
Em diversas modalidades, as mulheres não estão apenas a recuperar terreno após gerações de exclusão do desporto - estão a ditar regras. Nas ultramaratonas, as mulheres superam regularmente os homens, especialmente em distâncias extremas. Jasmin Paris, que em 2024 se tornou numa das únicas vinte pessoas a terminar a brutal corrida Barkley Marathons, de 160Km, em menos de 60 horas - enquanto extraía leite materno.
Na natação de longa distância, as atletas femininas destacam-se de tal forma que, dentro da comunidade, os seus recordes já são considerados parte integrante da modalidade. Na escalada, no ano passado, Barbara “Babsi” Zangerl tornou-se a primeira pessoa, homem ou mulher, a fazer um “flash” - escalar sem prática prévia e sem quedas - a imponente formação rochosa El Capitan, em Yosemite, em menos de três dias.
Estes não são apenas feitos atléticos. São mudanças culturais. Especialistas afirmam que estamos finalmente a despertar para o que os corpos femininos são realmente capazes de fazer.
E não são apenas mulheres jovens a abrir novos caminhos físicos.
“Na categoria Masters 70+, acabou de ser estabelecido um novo recorde feminino de levantamento de peso morto”, diz Stacy Sims, fisiologista do exercício que leciona na Universidade de Stanford e na Universidade de Tecnologia de Auckland, na Nova Zelândia. “As mulheres mais velhas estão a demonstrar que ‘sou forte e consigo fazer isto’.”
Feitas para resistir
Normalmente, as discussões sobre “força” têm-se centrado na força bruta e na velocidade em curtas distâncias - qualidades historicamente associadas à fisiologia masculina. Mas resistência, recuperação, resiliência e adaptabilidade são igualmente essenciais para o desempenho atlético. E nessas áreas, a fisiologia feminina apresenta verdadeiras vantagens, segundo especialistas em ciência do desporto, fisiologia humana e antropologia biológica.
O mito da fragilidade feminina é relativamente recente. Durante grande parte da história humana, as mulheres carregavam equipamentos, seguiam presas e caminhavam entre 13 e 16Km por dia - frequentemente grávidas, menstruadas, a amamentar ou a carregar crianças (uma estimativa indica que mulheres caçadoras-recoletoras percorriam mais de 4.800 km nos primeiros quatro anos de vida de um filho).
Essa base evolutiva sustenta os feitos atuais, dizem os especialistas. “Os corpos femininos têm uma resistência superior à fadiga”, afirma Sophia Nimphius, vice-reitora do desporto na Universidade Edith Cowan, em Perth, Austrália.
Teste após teste, os músculos femininos superam os masculinos quando se trata de trabalho repetitivo com pesos mais leves, segundo a investigação pioneira de Sandra Hunter, fisiologista do exercício na Universidade de Michigan. A investigação de Hunter - e outras posteriores - mostrou que os músculos das mulheres se cansam-se mais lentamente, permitindo-lhes realizar mais repetições de forma consistente. Os homens podem começar com mais força, mas quando o treino se prolonga? As mulheres conseguem continuar, por vezes o dobro do tempo, ou mais, superando até os homens mais musculados.
Essa capacidade de resistência deve-se provavelmente ao facto de os corpos femininos utilizarem preferencialmente gordura (de combustão lenta) em vez de hidratos de carbono (que se esgotam rapidamente), tanto em atletas como em pessoas menos desportistas.
“Os nossos músculos fazem mais com menos”, diz Nimphius. Para além de usarem gordura para manter o rendimento, as fibras musculares de contração lenta - resistentes à fadiga - são geralmente mais comuns nos corpos das mulheres (embora todos os corpos variem consoante a genética individual). Este tipo de fibra também é mais eficiente do que as de contração rápida, que são mais comuns nos homens.
Recuperação e Resistência
Para além da resistência, vários estudos indicam que as mulheres também recuperam mais rapidamente de treinos intensos, como sprints e levantamento de pesos pesados. As fibras de contração lenta têm, por si só, uma maior capacidade de recuperação, mas a vantagem feminina poderá também dever-se a uma cicatrização mais rápida: um estudo demonstrou que os músculos de ratos fêmea recuperam duas vezes mais depressa (embora estudos com ratos nem sempre se traduzam diretamente em humanos). A razão? Há fortes indícios de que o estrogénio reduz a inflamação e favorece a reparação muscular (uma das razões pelas quais Sims recomenda que mulheres na pós-menopausa recebam treino e apoio à recuperação adequados).
Contudo, alguns estudos indicam que as mulheres são mais propensas a certos tipos de lesões desportivas, especialmente ao nível dos joelhos e ligamentos cruzados anteriores (LCA), embora ainda não se saiba se isso se deve a diferenças biomecânicas, hormonais ou a métodos de treino inadequados.
Alguns investigadores afirmam que as maiores taxas de lesão nas mulheres se devem ao facto de a investigação existente ter sido baseada em corpos masculinos: “Os corpos femininos são diferentes - digo às [mulheres] que os protocolos que estão a seguir não foram feitos para o seu corpo”, diz Sims.
“Acredito que há uma força mental, um fator de resistência que ajuda as mulheres a alcançar um estado mental que lhes permite continuar a ultrapassar os limites”, diz Emily Kraus, diretora do Programa de Ciência e Investigação Translacional da Atleta Feminina (FASTR) da Universidade de Stanford.
Um futuro em mudança
Os homens têm, historicamente, definido a força pelas capacidades em que se destacam — como pesos máximos no supino ou tempos rápidos em sprints — mas estas são apenas algumas das formas de medir o corpo humano. Se, em vez disso, focássemos a resistência, a resiliência, a longevidade e a recuperação, a narrativa sobre quem é “forte” teria provavelmente uma forma feminina, dizem muitos especialistas.
Atualmente, as jovens atletas ainda não recebem o mesmo nível de incentivo, treino e atenção científica que os rapazes, afirma Nimphius. A investigação sobre a saúde de raparigas e mulheres, embora lentamente em progresso, continua atrasada — apenas 6% da investigação em desporto e exercício focou exclusivamente corpos femininos, segundo um estudo de 2021.
Tendo em conta todas as vitórias já conquistadas por mulheres, como seria o panorama se a ciência desportiva fosse desenhada à medida da fisiologia feminina em vez de adaptar rotinas criadas para homens? A geração atual de atletas está a desafiar toda a estrutura do desportivismo. Em breve, dizem os especialistas, terão melhor informação para compreender e treinar os seus corpos e isso será verdade tanto para atletas de elite como para quem corre apenas aos fins de semana. Estudos em curso e futuros em ciência do desporto serão “um ponto de viragem para raparigas e mulheres - não só agora, mas daqui a cinco, dez, quinze anos”, diz Kraus. “E isso é verdadeiramente entusiasmante.”
Quatro coisas que os corpos femininos fazem excecionalmente bem
Make Tendas de Campismo Great Again
quarta-feira, 4 de junho de 2025
Conversas Improváveis 87 - Diferença entre Público e Privado
terça-feira, 3 de junho de 2025
Pergunta do Dia: O que é um Militar Pró Vida?
A minha pergunta é: o que é um militar pró vida? Um militar que vai para a guerra com um pauzinho para não matar ninguém?
Quem é "pró vida" é objetor de consciência e não pega numa arma para matar outra pessoa. Mas vindo de alguém que também disse que "não é não", e que pedia que lhe dessem uma corda para se enforcar se fosse para a política, espera-se de tudo.
O Monólogo da Sara e o Céu da Língua do Gregório
O ano vai a meio e fui duas vezes ao teatro, nenhuma ao cinema, zero concertos e não acabei nenhum livro, mas fui uma vez ao Salão do Reino das Testemunhas de Jeová. Ah, pois, quão fixe isso é como experiência social?
Perdão. Escrevi sem pesquisar na internet e saiu merda. Mas agora fica assim. Não ando com cabeça para escrever e não me apetece ter agora de apagar e fazer uma nova introdução, afinal, só eu é que vou ler isto. Suspeito que já nem fantasmas leem este blog - ainda por cima tendo em conta que, ultimamente, e de há algum tempo para cá só abordo o tema política.
Corrigindo. Não fui duas vezes ao teatro este ano porque, afinal, a penúltima vez que fui não foi neste inverno de 2025 mas sim em dezembro do ano passado.
Fui ao Teatro Sá da Bandeira ver a peça "O Céu da Língua" do Gregório Duvivier. Quando li na imprensa acerca da peça, que desde logo me interessou, pensei, sei lá, que os bilhetes custassem uns 50€, afinal, agora parece que estamos todos ricos (na verdade eu estou mas já nem é rico em sonhos) porque tudo que é evento cultural esgota e a preços absurdos. Não é ter ou não ter dinheiro para dar, é achar um abuso. Ainda assim, bilhetes entre 12 e 22€ para o artista que é nem me pareceu assim muito exagerado, e a verdade é que ele estará agora mesmo em digressão pelo país com a mesma peça, e os preços duplicaram.
Fui ver a peça sozinho. Ainda falei com um colega de trabalho mas ele acabou por não querer ou não poder ir. Estando sozinho podemos sempre entreter-nos a olhar em volta. A sala esgotou. À minha frente vários jovens, que pelo sotaque seriam, certamente, de famílias de "bem" e pareceu-me que nem sabiam muito bem ao que iam. Não me cruzei com ninguém conhecido meu, só vi mesmo a Capicua a passar e a dirigir-se ao seu lugar.
Sobre a peça posso dizer que gostei bastante e, no final, até pensei: "isto está tão bom que até gostava de ter este texto e, caso estivesse em livro até o comprava".
domingo, 1 de junho de 2025
Que Alguém os Mate
Partido Fascista Chega
quinta-feira, 29 de maio de 2025
O Enforcado I
Gouveia e Melo acaba de apresentar a sua candidatura à presidência da república. Portanto, depois de dez anos da Múmia e de mais dez anos do Escorpião Traidor, e porque os portugueses adoram um bom aldrabão, que diz uma coisa e faz outra, arriscamo-nos de seguida a ter "O Enforcado I".
Sim, esta pirueta do almirante está ao nível da "demissão irrevogável" de Paulo Portas ou da "Nem que Cristo desça à Terra serei candidato à liderança do PSD".
Disse o almirante Gouveia e Melo em setembro de 2021 (retirado do jornal Público):“Acho que daria um péssimo político. Não sinto necessidade de dar [o meu contributo] enquanto político, primeiro porque não estou preparado para isso, acho que daria um péssimo político e também acho que devemos separar o que é militar do que é político, porque são campos de actuação completamente diferentes”.
quarta-feira, 28 de maio de 2025
Estou Emocionado com a Vossa Inteligência
segunda-feira, 26 de maio de 2025
Os Intrusos
domingo, 25 de maio de 2025
Muitos Merecem Tudo o que o Futuro Lhes Teserve
sábado, 24 de maio de 2025
Unabomber - A Traição de um Irmão
Dilema ético não é ser eleito primeiro-ministro e continuar a mamar avenças debaixo da mesa. Isso é outra coisa mais parecida com falta de vergonha na cara. Dilema ético é seres confrontado com a possibilidade de denunciares o teu próprio irmão e este ser condenado à morte. Esta é a história do irmão de Unabomber que o denunciou, e que, pela longa reportagem que o New York Times fez, me parece que, tantos anos depois não ficou em paz com o que fez...
Era maio de 1996, e David Kaczynski, conselheiro de jovens problemáticos no norte do estado de Nova Iorque, sentou-se para escrever uma carta ao seu irmão, Ted. Um mês antes, o seu irmão tinha sido chocantemente desmascarado como o enigmático Unabomber, responsável por uma campanha de atentados com explosivos que durou 17 anos e causou mortos e feridos por todos os Estados Unidos.
Ted Kaczynski, um matemático brilhante mas com perturbações mentais, que se tinha isolado anos antes numa cabana remota em Montana, fora detido graças a uma denúncia ao FBI, pondo fim a uma das maiores e mais dispendiosas caçadas humanas da história dos EUA. O denunciante do FBI foi David. Sentado em casa, em Schenectady, Nova Iorque, David começou a escrever a carta com lápis, consciente de que poderia ter de apagar e reescrever até acertar.
“Só podia imaginar o quanto o Ted me odiava”, recordou numa entrevista. Perguntava na carta se Ted o permitiria visitar, para tentar explicar.
“Queria dizer-lhe pessoalmente que sentíamos uma obrigação moral de parar a violência,” disse.
Ted recusou colocá-lo na lista de visitantes e, quando respondeu, foi para descarregar toda a sua raiva no irmão.
“Vais para o inferno porque, para ti, veres-te como realmente és será o verdadeiro inferno,” escreveu.
David lembra-se de ter ficado magoado, mas não surpreendido.
“A carta do Ted confirmou os meus receios,” disse. “Foi como o destino a abater-se.”
Tentou novamente, desejando uma resposta diferente. Durante quase três décadas, David escreveu ao irmão, anos marcados por nostalgia, arrependimento e intensa auto-reflexão.
Em entrevistas ao The New York Times, David falou pela primeira vez em detalhe sobre esta longa correspondência - dezenas de cartas, postais e livros que pensava que Ted acharia interessantes — numa tentativa de reabrir uma linha de comunicação que se tinha fechado com a denúncia ao FBI.
As cartas variavam entre o mundano e o profundo: memórias de jogos de basebol da infância, notícias da reforma de David, atualizações sobre a saúde da mãe envelhecida. Por vezes, lamentava com saudade o fim do laço forte que outrora partilharam.
“Esperava ter oportunidade de me encontrar com o Ted e explicar-lhe pessoalmente o que fiz e porquê,” disse David, de 75 anos, sobre a correspondência, parte da qual está arquivada na Universidade de Michigan, incluindo cartões de aniversário e de Natal. “Não esperava necessariamente que ele compreendesse o meu ponto de vista o suficiente para me perdoar. Mas pensei que ambos merecíamos uma oportunidade para nos olharmos nos olhos e partilharmos a verdade dos nossos princípios e sentimentos.”
DOIS IRMÃOS, UMA INFÂNCIA
Os irmãos Kaczynski, filhos de imigrantes polacos de primeira geração, cresceram em Evergreen Park, um subúrbio operário de Chicago. Os pais valorizavam muito a curiosidade intelectual, o sucesso académico e a vida guiada por princípios éticos.
A família tocava música em conjunto, como um quarteto, e os rapazes desenvolveram amor pela natureza. Mas David, sete anos mais novo, via o irmão como socialmente desajeitado e notava que Ted não tinha amigos para além dele. A mãe disse uma vez que Ted era extremamente protetor de David e que este parecia ser a única pessoa de quem ele gostava.
David lembrava-se desses anos nas cartas a Ted.
Academicamente e profissionalmente, os caminhos dos dois divergiram. Ted, um prodígio da matemática, entrou em Harvard aos 16 anos e depois fez mestrado e doutoramento na Universidade de Michigan. Tornou-se professor assistente de matemática na Universidade da Califórnia, em Berkeley, mas os problemas de saúde mental levaram-no a abandonar a carreira. David, que sonhava ser escritor, formou-se em Línguas na Universidade de Columbia em 1970.
David admirava o irmão, impressionado pela sua inteligência e independência, e queria ser como ele.
Ambos partilhavam o desejo de fugir da sociedade e refugiar-se na natureza. No verão de 1969, Ted convidou David para ir com ele ao Yukon, no noroeste do Canadá, à procura de terreno. Passaram semanas a explorar florestas e a conversar à volta da fogueira.
Pouco depois, em 1971, compraram um terreno nos arredores de Lincoln, Montana, onde Ted construiu uma cabana sem água nem eletricidade. David vivia a cerca de 145 km de distância, em Great Falls, onde trabalhava numa fundição de zinco. Ficou contente por ter o irmão por perto.
Havia equilíbrio entre eles. “O Ted guiava-me nas caminhadas, e eu ajudava-o nas interações sociais, por modestas que fossem,” disse David. “Acho que não percebi na altura o quanto me tornara importante na vida do Ted como seu único e melhor amigo.”
Mas David acabaria por sair de Montana. Depois de perder o emprego na fundição, aceitou um lugar como professor de Inglês numa escola secundária em Lisbon, Iowa, onde o pai tinha trabalhado.
Durante dois anos deu aulas, depois decidiu dedicar-se à escrita de um romance. Descrevendo-se como “anti-carreirista”, mudou-se para o deserto do Texas em 1982, inspirado pelo filósofo Martin Heidegger, e viveu em isolamento, durante quase oito anos, em condições primitivas - primeiro num buraco coberto com chapas de zinco, depois numa pequena cabana.
Viviam, ele e Ted, em universos paralelos. E trocavam cartas sobre as suas experiências.
A TRAIÇÃO DE UM IRMÃO
Os atentados começaram a 25 de maio de 1978, quando um segurança da Universidade Northwestern se feriu ao investigar um pacote suspeito. Outro engenho explosivo apareceu um ano depois. As primeiras vítimas sofreram ferimentos ligeiros; mas, ao longo da campanha, três pessoas morreram e 23 ficaram feridas.
David e a família nada sabiam da violência do irmão. Por volta de 1985, Ted cortou quase todo o contacto com os pais, acusando-os de o pressionarem demasiado e culpando-os pelo seu isolamento social.
Em 1990, após o pai se suicidar devido a um diagnóstico terminal, Ted telefonou à mãe a expressar condolências - um dos poucos gestos de contacto.
David, por seu lado, mudara-se para Nova Iorque, para viver com Linda Patrik, professora de Filosofia e antiga colega de escola. Quando contou a Ted que iam casar, recebeu uma carta furiosa a dizer que cometia “o maior erro da vida.” A seguir, Ted cortou todo o contacto com David.
Os ataques continuaram e as autoridades tinham poucas pistas. Mas em 1995, o Unabomber publicou um manifesto de 35 mil palavras, onde atacava a Revolução Industrial e os seus efeitos nefastos.
Linda levou David à biblioteca da universidade para ler o manifesto online. Era a primeira vez que usava a internet.
Linda perguntou: não te soam familiares algumas ideias?
David, embora a medo, começava a pensar o mesmo.
“Sem a Linda, provavelmente teria enfiado tudo numa gaveta,” disse.
Durante três meses, trabalhou com um investigador privado e um ex-especialista do FBI, até contactar um advogado que serviu de intermediário para alertar o FBI.
Ted foi preso seis semanas depois, em abril de 1996. Um acordo evitou a pena de morte, resultando numa pena perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.
David escreveu-lhe pouco depois e recebeu uma resposta mordaz de três páginas, acusando-o de ser movido por inveja e ódio.
Mas David insistiu. Queria honrar uma promessa feita à mãe, Wanda: “Nunca abandones o teu irmão, porque é isso que ele mais teme.”
Sete meses após a detenção de Ted, David pediu desculpa:
Depositava dinheiro na conta prisional de Ted e enviava-lhe livros. Um deles, oferecido pela mãe no Natal de 2005, chamava-se Quem Encomendou Esta Carga de Esterco?. Ted riscou uma nota no rodapé da fatura: “Obviamente, isto foi direto para o lixo.”
Em 2007, David avisou Ted de que a mãe estava gravemente doente, implorando que a contactasse. Nunca houve resposta. Quando Wanda morreu em 2011, aos 94 anos, o capelão da prisão disse que Ted não queria falar.
NOVAS LIGAÇÕES
Sem conseguir chegar ao irmão, David encontrou amizade num lugar inesperado: Gary Wright, vítima de um dos atentados, que sobreviveu com mais de 200 estilhaços no corpo.
David e a mulher escreveram às vítimas a pedir desculpa. Poucos responderam. Um investigador sugeriu que ligasse a Gary Wright, que parecia aberto.
David ligou-lhe e falou durante 20 minutos. “David, não tens de pedir desculpa,” disse Gary. “Fizeste o que era certo.”
Foi um ponto de viragem. Tornaram-se amigos, visitaram o Hall da Fama do Basebol, falaram juntos em eventos contra a pena de morte e sobre o poder do perdão.
UMA CARTA NO NATAL
No Natal de 2021, uma carta de David para Ted foi devolvida. Estranhou. Soube então que Ted estava no Centro Médico Federal em Butner, Carolina do Norte - o maior complexo médico prisional dos EUA.
Descobriu depois que Ted tinha cancro terminal. Encontrou uma carta no Reddit em que Ted admitia: Não devo viver mais de dois anos, talvez nem um.
Escreveu-lhe com mais frequência: “Precisava de lhe dizer que o amava e como ele me influenciou positivamente.”
Na última carta, disse que as melhores ideias de Ted “sobreviveriam a todos nós.”
Em junho de 2023, depois de uma caminhada, recebeu a notícia: Ted suicidara-se. Sentiu um vazio.
“Uma relação unilateral é, ainda assim, uma relação,” disse. “Mas agora, se encontrar palavras para partilhar com o Ted, só as posso dizer a mim mesmo.”
Foi-lhe dito que Ted deixara instruções escritas e que teria de fazer um pedido oficial. Estava furioso.
“Denunciei o meu irmão ao FBI, salvando vidas,” escreveu. “Agora ignoram o meu pedido sobre os restos mortais dele? Isso é desumano.”
Ted tinha deixado um testamento manuscrito:
David ainda hoje não sabe o que foi feito do corpo do irmão.
"My brother, the Unabomber", publicado no The New York Times (International Edition), de 5 de Maio de 2025, por Serge F. Kovaleski (com investigação de Susan C. Beachy e Kirsten Noyes):