segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Psoríase: um amor para a vida II

(1ª parte)

E começava aqui um novo capítulo na fase da doença.

Cheguei à consulta, e percebi de imediato que a médica me queria internar, naquele mesmo dia até, se tivesse cama disponível. Naqueles instantes, senti de novo o trauma dos vários internamentos por que já havia passado no outro hospital. Mas esta médica conseguiu-me apazigar.

De um médico eu não espero só competência, essa, todos devem-na ter, senão, supostamente não seriam médicos não? Mas a minha relação com os médicos nunca foi muito fácil. Na maioria dos casos acham-se uns seres superiores, muito pouco humildes, e depois falham redondamente no trato com o doente. Muitas vezes não ouvem aquilo que temos para dizer. Eu não espero que um médico queira ser o meu melhor amigo, ou que viva os dramas da minha doença, mas no mínimo, gosto que  naqueles minutos que tem para me observar, que me olhe nos olhos e estabeleça uma relação de confiança. Bem sei que hoje eles têm pouco tempo. Fala-se muito em produtividade. As consultas têm um tempo limite, e quase não há tempo para olhar nos olhos do doente, vão fazendo perguntas, enquanto que, ao mesmo tempo, vão escrevendo no computador.
Mas esta médica que encontrei neste novo hospital público para onde fui encaminhado, para mim, foi quase uma espécie de anjo da guarda que me apareceu num dos piores momentos da minha vida. Quando me viu pela primeira vez, até para me despir tinha dificuldade, e vergar-me para desapertar o calçado só mesmo muito lentamente.

Internou-me porque já sabia que eu seria o doente-tipo para fazer um tratamento recente, e que ao que parece, tinha ótimos resultados em casos graves de psoríase artropática. Explicou-me que o internamento de uma semana, era unicamente para fazer o despiste de todos os exames que eram necessários para que pudesse fazer esta nova droga, e se os fizesse por marcação isso demoraria bastante, e assim numa questão de dias ficava tudo feito.

No internamento, tudo foi diferente para melhor, quando comparado com o anterior hospital onde havia estado. Gente mais jovem, quer médicos e enfermeiros, e até pessoal auxiliar. Claro que nunca é agradável estar fechado, sozinho, ali num hospital, sem grandes ocupações para me entreter. Mas desta vez sabia que tinha um prazo, era só uma semana e uma semana também passa depressa, e era nessa contagem decrescente que pensava. Andava muitas vezes pelos corredores, e olhava pelas janelas para ver a vida lá fora.

Feitos os exames no internamento, continuei a ser acompanhado nas consultas externas e fiquei à espera de iniciar um novo tratamento. Chamam a esta nova droga "tratamento biológico". Sei que é mais uma droga que me baixará bastante as defesas, e no entender de leigo, que vá inibir o meu corpo de se atacar a si mesmo. Daí que tenha feito exames a tudo e mais alguma coisa, para que esteja tudo controlado, pois sem defesas, se tivesse outros problemas, facilmente se percebe que poderia ser uma chatice.

O medicamento é injetável por uma pequena seringa e pretende-se que o doente se injete a si mesmo. Na enfermagem do hospital, as senhoras enfermeiras deram-me uma formação como tudo se processa. Existem vários pontos no corpo onde é possível administrar a droga: braços, barriga, pernas. Faz-se a prega com as mãos, e espeta-se a seringa na diagonal. Mas aquilo faz-me muita confusão, eu nunca consegui injetar-me a mim mesmo, e é a minha mãe que ma administra, apesar de saber que também não lhe é muito agradável dar-ma.

Esta medicação funciona em regime de ambulatório. A médica prescreve, e com a receita vou levantá-la só na farmácia do hospital. A medicação, que é caríssima (perto de 1500€/mês) é totalmente comparticipada pelo Estado, mas como muita coisa mudo no país desde que iniciei o tratamento, temo que ainda me possa ser cortada. Como disse uma senhora muito caridosa do PSD, ex-ministra e agora comentadora, quando questionada se alguém com setenta anos não teria direito à hemodiálise, a tal senhora muito caridosa respondeu: "Tem sempre o direito se pagar". Tão queridos estes fascistas laranjolas não são?

Em janeiro de 2010, o parlamento aprovou o reconhecimento da psoríase como doença crónica. Doença crónica sempre foi, mas reconhecê-lo por parte do Estado, implicaria ajudar os doentes na comparticipação dos medicamentos, algo que nunca aconteceu até então. Se noutros países, os doentes com psoríase têm tudo e mais alguma coisa por forma a serem ajudados, quem tivesse a infeliz sorte de nascer em Portugal, só teria mesmo era de pagar do seu bolso caso se quisesse tratar. Até então, o Ministério da Saúde via esta doença crónica como um problema de "beleza", uma questão inestética. Daí que, a maioria das pessoas, não podendo comprar os cremes caríssimos, não se podia tratar convenientemente. Ao reconhecer-se a psoríase como doença crónica, foi atribuída a isenção de taxas moderadoras, e a comparticipação a 95% de alguns medicamentos (não todos) usados no seu tratamento.

Foi considerada doença crónica em 2010, mas muda o governo no ano seguinte, entra em funções a canalha fascizóide, e de repente, tudo volta a mudar, para pior claro. Um ano antes, aos olhos do Estado, eu tinha uma doença crónica, que é para toda a vida, muda o governo, o Estado já diz que não é bem assim, como se andassem a gozar com a vida das pessoas. Subitamente tenho, de passar a pagar as consultas, análises e todos os exames que forem precisos. De referir que só por causa da psoríase, fui acompanhado em consultas de cinco ou seis especialidades no hospital, e por causa do tratamento, tenho de fazer frequentes recolhas de sangue, e pelo menos uma vez por ano um raio-x ao tórax.

A Constituição diz que temos direito a saúde gratuita, mas como se sabe é só para inglês ver. Os fascistas aumentaram as taxas moderadoras de forma absurda, claro, nós sabemos, que é para que os doentes fujam para o privado. E se eu quisesse agora isenção, por doença crónica, tinha de me sujeitar a uma junta médica, e teria de ter um resultado de 60% de incapacidade, mas o detalhe sórdido é este: teria de pagar cinquenta euros pelo pedido de isenção! E vamos supor que só tinha 59% de incapacidade, os cinquenta euros iam para o lixo. No fundo, o governo cria uma taxa moderadora para moderar os próprios pedidos de isenção! Vamos lá pôr o pessoal a pagar para pedir o que tem direito, que assim, muitos não pedem, e se ainda assim pedirem, facilmente podem não atingir os 60% de incapacidade e assim os doentes estão duplamente fodidos. E nada invalida que, de um momento para o outro, as regras voltem a mudar.

Comecei a tomar esta nova droga, o "biológico" (Etanercept da Enbrel) e melhorei logo espetacularmente. Preferi nunca ler a bula do medicamento, mas felizmente o único efeito secundário que senti, foi ter aumentado de peso. Não sei ao certo, mas deveria ter talvez 90% do corpo coberto por psoríase. Excetuando as palmas das mãos, plantas dos pés, genitais e cara, todo o resto, estava coberto por extensas áreas de psoríase. Mas poucas injeções depois, além da psoríase regredir eu voltava a poder andar, normalmente, sem dores, como qualquer outra pessoa e isso foi a grande mudança na minha qualidade de vida.

Até então as dores estavam sempre presentes, não podia andar em passo apressado, muito menos correr, ou fazer grandes coisas. Com a medicação ganhei imensa qualidade de vida, e era nisso que pensava. Claro que por vezes me intrigava, quanto é que uma droga destas iria cortar na minha esperança média de vida, mas sempre pensei que é melhor viver bem poucos anos, que estar preso numa cama durante muitos anos. E poder voltar a fazer coisas tão simples como correr ou andar de bicicleta, deixava-me imensamente feliz. E claro que poder olhar para o meu corpo com normalidade também me dava toda uma auto-estima que julgava perdida para sempre. Acho que só me apercebi quão mal estava antes, quando me diziam agora, e só de olhar para a minha cara: "Estás muito bem".

Entretanto a minha médica encaminhou-me finalmente para um outro médico, já depois de várias abordagens que eu fui sempre contornando. Disse-me desta última última vez, que era o melhor para mim, pois este jovem médico, é quem está com todos os doentes mais graves de psoríase do hospital, e tem todo o retorno das terapêuticas. "Se fosse uma pessoa da minha família era o que eu aconselhava. E ele é excelente, foi meu interno" tranquilizou-me.  Mudar nem sempre é fácil, por isso, fui-me deixando estar com a mesma pessoa, que já conhecia e que sempre me tratou bem. É verdade que já tinha ouvido falar muito bem deste médico, mas se nos sentimos bem com o que temos, é normal que se resista a mudar, porque vai implicar sempre um novo processo de confiança na relação médico-doente.

A primeira consulta correu bem. Pareceu-me uma pessoa extremamente acessível. Ainda não se completaram quatro anos desde que iniciei este novo tratamento, mas começa a parecer óbvio que a medicação está a perder eficácia. No entender do médico seria melhor, ou mudar de medicação, ou então adicionar uma nova droga, ao que eu preferi adiar e ver em que modas as coisas param, e ele disse que o doente é que sabe o que melhor para si, ele só orienta.

A médica dizia-me, e cheguei ouvi-la dizer para alguns jovens futuros médicos que por vezes assistiam às consultas, que eu não era um doente como os outros, e chegou-me a dizer que eu era um doente até muito positivo... Não sei se sou. Simplesmente quando já estivemos tão mal, aprendemos a relativizar quando estamos a piorar, mas ainda num estado que nos aceitamos. E a verdade é que estou a piorar, tenho consciência disso e isso deixa-me apreensivo. Também de inverno não podemos apanhar sol, algo que por norma faz sempre muito bem à pele com as devidas proteções, nomeadamente usando protetor solar.
Mas vamos ver como tudo isto evolui, mas o facto de estar a piorar, trás de volta alguns fantasmas de um passado recente. Veremos. A próxima consulta é já amanhã. 

A propaganda da natalidade

Há uma coisa que me intriga, que é facto dos políticos, na sua grande generalidade, virem constantemente falar do tremendo problema português, que é a taxa de natalidade. Mais intrigante ainda, é ouvir deste primeiro-ministro, que não mede esforços em tornar insuportável a vida das pessoas, afirmando mesmo que, quem não está bem que emigre, vir com uma enorme lata, dizer que temos é de fazer mais filhos. Vamos quê? Exportar bebés? 

As pessoas não têm emprego, mal têm para sobreviver, não têm quaisquer apoios para os filhos, quer para as despesas quer tempo para os educar, e a solução passaria então por pôr as famílias a ter ranchos de filhos. Claro, como a comida não chega para dois, vai sobrar se for dividida por quatro ou cinco. 
  
Por volta de 1500, num dos períodos mais prósperos da nação, Portugal tinha pouco mais de um milhão de habitantes. Há cem anos atrás Portugal tinha cinco milhões de pessoas, e num século apenas a população duplicou! Cinco séculos depois, no mesmo bocado de terra, temos hoje dez vezes mais pessoas. E dizem-nos os políticos que o problema do país está na pouca natalidade! Pois eu diria que foi precisamente o contrário!

Portugal tem cerca de dois milhões de pobres, é uma em cada cinco pessoas. Não há trabalho, e os empregos que há, na maioria são precários, com salários muito baixos - "alguém os há-de aceitar" - e sem condições de trabalho. E eu pergunto, se em vez de sermos dez milhões, se fôssemos vinte ou trinta milhões, estaríamos melhor de vida, ou simplesmente haveria mais pobres e mais gente para explorar como mão-obra-escrava para os gatunos deste país? 

E é só por isso que os políticos estão preocupados com a taxa natalidade. Não há pobres suficientes no país, é preciso fabricar mais fornadas de contribuintes para pagarem mais impostos, é preciso ter mais escravos, só que infelizmente os escravos portugueses ainda não se produzem em fábricas chinesas como os tapetes de Arraiolos. Lá chegaremos a esse admirável mundo novo. Mas por enquanto, ainda é necessário dizer às pessoas para fabricarem mais escravos, voluntariamente, mas da maneira tradicional.

O primeiro-ministro do governo que amontoou mais bebés nas creches, que meteu trinta alunos numa sala de aula, que encerrou hospitais metendo mais doentes em enfermarias, que encerrou maternidades, juntas de freguesia e tribunais, vem-nos dizer, façam mais bebés, que quantos mais formos, melhor. O país não tem recursos para albergar dez, mas se formos mais, seremos mais prósperos. 

E para quem será melhor um aumento da natalidade? Querem-nos mesmo convencer que ter o planeta a abarrotar de gente pelas costuras é melhor? Em cinquenta anos a população mundial mais que duplicou.Mais gente é melhor para quem? É melhor sim, para os mais ricos, para os bancos e para as grandes empresas, que precisam de mais exércitos de novos escravos consumidores para aumentarem a tão falada produtividade. Mas só é mesmo melhor para esses ladrões. 

Dancing in the dark - At Freddy's House


Às vezes passam umas coisas engraçadas na rádio depois da meia-noite. Pensava eu estar a ouvir a voz do Eddie Vedder, mas afinal não. A cover do "Boss" afinal é de um rapaz de Braga. Olha que bem...

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Desempregado abonado

Hoje jantei que nem um rico abonado caralho!

Nem o pobrezinho do primeiro-ministro, que só ganha cerca de 6 mil euros/ mês, tem dinheiro para comer bacalhau.

Mas eu hoje ao jantar comi pataniscas de bacalhau com arroz de feijão! Isto é que é o verdadeiro milagre económico! Um desempregado, sem subsídio de desemprego, a comer à grande, e que vive acima das possibilidades do seu primeiro-ministro! E já nem menciono o Presidente da República! Esse com 15 mil euros por mês, nem para dar batatas cozidas à Maria terá dinheiro.

O que ando a ler


"O que é o amor? Parece-me que só poderemos considerá-lo como o efeito resultante das qualidades em nós produzidas por um belo objeto; estes efeitos arrebatam-nos; inflamam-nos; se possuirmos o objeto, eis-nos contentes, se nos for impossível tê-lo, desesperamos. Mas qual é a base desse sentimento?... O desejo. Quais são os resultados deste sentimento?...A loucura. Falemos do motivo e provemos o resultado. O motivo consiste em possuir o objeto: pois bem! Tentemos consegui-lo, mas com sagacidade; gozemo-lo quando o tivermos; consolemo-nos no caso contrário: mil outros objetos semelhantes e, frequentemente muito melhores, consolar-nos-ão da perda daqueles; todos os homens, todas as mulheres se parecem; não há amor que resista aos efeitos de uma sã reflexão. Oh! Não há maior engano do que essa loucura que, absorvendo em nós os resultados dos sentidos, nos coloca em tal estado que deixamos de ver e existir, senão para o objeto loucamente adorado! É isso viver? Não será antes privar-se, voluntariamente, de todas as doçuras da vida? Não será querer permanecer devorado por uma febre ardente que nos absorve e devora, deixando-nos apenas a felicidade dos gozos metafísicos, tão semelhante aos efeitos da loucura? Se devêssemos amá-lo sempre, a esse objeto adorável, se fosse certo que nunca devêssemos abandoná-lo, seria indubitavelmente uma extravagância, mas, pelo menos, desculpável. Acontece isso? Têm-se muitos exemplos dessas ligações eternas, que nunca se desmentiram? Alguns meses de gozo que depressa devolvem ao objeto o seu lugar verdadeiro, fazem-nos corar pelo incenso que queimámos nos seus altares e vamos muitas vezes ao ponto de nem sequer conceber que ele tenha podido seduzir-nos até esse ponto.
Oh, raparigas volumptuosas! Entregai-nos, pois, os vossos corpos, tanto quanto puderdes! Fodei, diverti-vos, eis o essencial; mas fugi cuidadosamente do amor."

A Filosofia na Alcova (Os Preceptores Imorais) 1795/ Marquês de Sade

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Miró à la minute - O coelhinho




Preço: 30M€

Censura ao vermelho

É curioso analisar como, quarenta anos depois da queda da ditadura fascista, o respeitinho ainda está bem presente nas cabecinhas dos jornalistas. Não é preciso um censor riscar o que está mal, pois os jornalistas fazem-no muito bem sozinhos, auto-censurando-se a si mesmos.

Nos tempos da ditadura, o vermelho foi banido, por ser também a cor do socialismo soviético, e ser também a cor dos revolucionários, da luta, dos subversivos, anarquistas, etc. No fundo, o vermelho é a cor da liberdade. Até o lápis que os censores usavam para sublinhar, riscar, tudo o que a comunicação social não poderia noticiar, por poder ser nefasto à ditadura, era um lápis azul. E na altura, a comunicação social, foi obrigada a utilizar a palavra encarnado, para se referir ao Benfica, de modo a que não se conjugasse a palavra vermelho com vencedor. 

Mas é muito curioso que apesar de no 25 de abril tudo que era relacionado com o ditador ter sido destruído, e até a ponte Salazar mudou de nome, mas quarenta anos depois, afinal vê-se que, nas cabecinhas de muita gente, o respeitinho pelo ditador fascista ainda é muito bonito e continua bem presente.

Vejamos um exemplo mais do que evidente disso mesmo. No mesmo site, no mesmo dia, a TSF diferencia muito bem as coisas.

O Alerta da meteorologia para hoje é Vermelho:


O Benfica é de outra cor! Vai que o homem ainda se levanta da sepultura se disserem que é vermelho!


Nem quarenta anos depois porquê? Alguém me consegue explicar? Jornalistas de trazer por casa.

E agora deixo aqui uma música, especialmente dedicada ao nosso ditadorzinho da merda, que deve estar a arder, no vermelho do inferno! Salazar, abre os ouvidos, esta é só para ti:


Vermelho, Vermelhaço, Vermelhusco, Vermelhante, Vermelhão

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Psoríase: um amor para a vida

Era verão, e eu estava em plenas férias grandes da escola. Comecei a notar que andava com alguma comichão na cabeça, e comecei também a reparar nas pequeníssimas partículas brancas que ficavam em cima da escrivaninha preta que tinha no meu quarto. Algum tempo depois, estava com o corpo todo salpicado de pintas vermelhas, assemelhando-se a uma espécie de varicela. Infelizmente não era uma simples alergia a roupa, ou algo que tivesse comido, ou outra coisa qualquer passageira. A comichão no couro cabeludo e as pintas espalhadas pelo corpo eram uma doença crónica e tinham um nome: Psoríase. 

Não tinha passado por nenhuma experiência traumática recentemente, nem física nem psicológica, nem tinha estado doente com nenhuma infeção que pudesse despoletar a doença. Os meus pais e avós também não tinham a doença, e eu não fumava nem nunca tinha experimentado bebidas alcoólicas. São estes alguns dos fatores que os especialistas apontam como potenciadores da doença, mas aparentemente não tinha nenhum deles. E não me parece que um jovem adolescente em plenas férias estivesse a sofrer de grande stress emocional.

A psoríase afeta, cerca de 2 a 3% da população, o que equivale dizer que em Portugal afetará, mais coisa menos coisa, cerca de duzentas mil pessoas. É uma doença de pele, auto-imune, e que na maioria dos casos ataca de forma muito localizada e os doentes conseguem conviver bem com ela, sem grandes perturbações na sua vida diária, conseguindo até escondê-la das outras pessoas. Noutros casos infelizmente não é bem assim. A psoríase além de atacar uma grande parte da pele do corpo, ataca também as articulações, naquilo que se designa por artrite psoriática (ou psoríase artropática) provocando, além das grandes perdas de auto-estima, dores, e limitando muito a vida do doente. Só cerca de 5% dos doentes com psoríase é que têm problemas com a artrite. A minha sorte foi dupla, e eu sou um desses 5% dos 2% de pessoas que tem psoríase. 

Após a primeira consulta no médico de família, comecei a aplicar as primeiras pomadas pegajosas na pele, que nada resolveram, e fui então encaminhado para a consulta da especialidade. Ainda me lembro bem da primeira médica dermatologista que me viu. "Oh rapaz, tu tens de ir à bruxa!"
Passou-se um ano, e várias consultas depois. Como as pomadas, manipulados e champôs mal-cheirosos não produziram grandes melhorias, ela escreveu uma carta ao médico responsável num dos hospitais da cidade, e encaminhou-me para lá. E a partir dos dezasseis anos, os hospitais passaram a fazer parte das minhas rotinas.

No hospital comecei por fazer PUVA, o tal tratamento que recentemente saiu nas notícias, em que uma senhora de Braga morreu queimada, e em que se calhar, eu nunca tive consciência que poderia correr risco de vida estando enfiado lá dentro. O PUVA ou puvaterapia consiste em dar uma medicação ao doente (eu tomava umas cápsulas antes de sair de casa) medicamento esse que aumenta a sensibilidade da pele à luz, e depois já no hospital, entrava para dentro de uma espécie de cabine telefónica, que por acaso era circular, e lá dentro estava preenchida por lâmpadas fluorescentes com radiação UVA. As sessões eram três vezes por semana, e o tempo em que ficava a tostar ia aumentando gradualmente. Antes deste tratamento, tive que ir a uma consulta de oftalmologia e comprar uns óculos de sol com proteção UVA e UVB pois tinha de os usar nos dias em que tinha as sessões de PUVA.

http://uvtreatment.org/
Não era uma rotina fácil. Levantar bem cedo com as galinhas, apanhar não sei quantos autocarros, ir para o hospital, fazer o tratamento, voltar a apanhar mais uns quantos autocarros, e ir para as aulas de óculos de sol, fizesse sol ou chuva. Mas o PUVA teve ótimos resultados e a psoríase desapareceu.

Desapareceu durante um ou dois anos. Depois, aos poucos e poucos, começou a reaparecer e não mais parou de piorar, mesmo tendo começado a tomar drogas via oral com muitos efeitos secundários. Mas não havia jeito de melhorar. A situação no hospital também era um caos, por vezes parecia que tinha de meter um requerimento para falar com o médico, e esperar várias horas, à espera que sua excelência se dignasse a falar comigo. O tempo foi passando e acabei mesmo por aparecer no consultório particular do médico. Ali, certamente sempre teria mais tempo para mim a troco de uma boa quantia de dinheiro. Diz-me qualquer coisa como, o meu estado era tanto inaceitável tanto para mim como para a medicina, e que iria melhorar brevemente. Quem ouvisse julgaria que eu me desmazelava, e que não tinha feito tudo o que ele me havia dito para fazer no hospital, mas infelizmente, parece que a minha psoríase estava a ganhar à  medicina dele. 

Como já referi, as lesões da psoríase, na maioria dos casos, aparecem em sítios escondidos, e durante este tempo todo, fui conseguindo esconder a doença de olhares indiscretos, e mesmo de pessoas que conviviam muito de perto de mim. Mas uma coisa é conseguir esconder o problema, outra coisa completamente diferente é a pessoa aceitar-se no estado em que está. É muito bonito dizerem-nos que temos de nos aceitar, que isso até ajuda no processo de melhoria, mas por norma, fala quem não sabe como é ter a doença. E não é fácil, é até muito revoltante. Não é à toa que estudos apontam que, por exemplo, a psoríase tem taxas de suicídio superiores às dos doentes com cancro. A psoríase não mata, mas arruína a auto-estima, e isso é tão complicado que leva algumas pessoas a preferirem acabar com a própria vida.

Já tinha mais de vinte anos quando o médico decidiu internar-me no hospital pela primeira vez. E não foi mesmo nada fácil para mim. Se dizem que a psoríase precisa de tranquilidade e de pouco stress, não foi ali que a encontrei, bem pelo contrário. Estive sob grande stress, angústia e revolta. Eu ia estar internado umas quantas semanas, a ocupar uma cama de hospital, unicamente para aplicar uns cremes na pele (cignolina e coaltar saponinado) porque, vá lá saber-se porquê, não os podia usar fora do hospital, e continuava  também com as mesmas drogas fortes que já tomava antes.

Ter grandes extensões de pele com psoríase, implica todos os dias hidratar, porque senão a pele seca e torna-se mesmo muito desconfortável. Depois ao aplicar estes cremes gordurosos suja-se a roupa, e esta tem um prazo de vida muito inferior visto que tem de ser lavada a temperaturas superiores.
Mesmo hidratando de manhã, a pele vai secando, e aos poucos e poucos começam-se a soltar as peles, e estas caem e ficam em todos os sítios por onde passamos, ficam em todas as coisas onde tocamos.
Não bastassem já todos estes problemas que a doença sozinha causa, e entretanto a medicação, além de não combater a doença, ainda ajudava a piorar mais a auto-estima. Uma das drogas que tomei (Neotigason), começou a fazer-me cair o cabelo todo, era como se estivesse a fazer quimioterapia. Lembro-me muito bem, de estar no banho, e por mais levemente que passasse as mãos pelo cabelo, ele desprendia-se e ficava com as mãos cheias de cabelo... A doença dá cabo da auto-estima que origina problemas emocionais, a medicação não resolve e ainda por ainda nos enterra mais para baixo.

O hospital foi uma espécie de cadeia. Existem horários e rotinas para tudo, e só se tinha uma hora ou uma hora e meia de visita na altura. Não foi mesmo nada fácil para mim. Naquele hospital sentia-me como um animal no zoológico. As quintas-feiras então eram detestáveis. Vinham todos os médicos em desfile, com um bando jovens médicos ou alunos a acompanhar. Sei que eram sempre muitos. Chegavam ao pé da cama de cada doente e falavam entre eles, na sua linguagem técnica, como se o doente não estivesse ali, e fosse uma atração numa espécie de circo dos horrores.

Após várias semanas de internamento tive finalmente alta, e não terá sido coincidência que, comecei a melhorar sim, mal saí de hospital! Mas também foi sol de pouca dura. Poucas semanas depois, dava de novo entrada no hospital, muito pior do que estava, com psoríase pustular nas mãos, e como pude olhar para os resultados das análises, vi que os valores estavam todos mal, e estaria com um infeção ou algo do género.

E a partir daqui não mais pude esconder a doença, pois a psoríase apareceu também nas mãos e tinha também por vezes a pele muito vermelha na cara. Por norma, o sol, com as devidas proteções, faz muito bem à pele, só que existe um pequenino problema. De novo a auto-estima a atrapalhar, porque como os doentes não se quererem expor, evitam a tão aconselhada praia. Se eu nunca fui grande amante de praia, de estar ali deitado horas a fio a torrar ao sol, com a doença então ainda pior. Não gostava de me sentir observado, costumava dizer que era como se fosse uma árvore de natal na praia. 

Saí do segundo internamento com uma descrição qualquer do género "o doente recusa-se a tomar a medicação". No hospital estavam afixados, por todo, uns cartazes com os direitos e os deveres dos doentes. É uma espécie de Constituição, e como se sabe são do género de coisas para inglês ver! Lá só haviam deveres, e quando um doente questiona o que lhe foi novamente receitado, porque já fez aquela medicação e a única coisa que aconteceu foi ter ficado sem cabelo, a coisa não corre bem, e a culpa, logicamente é do doente porque ousa fazer perguntas aos senhores doutores.

Desde a primeira vez que entrei naquele hospital que o dermatologista me questionava se tinhas dores nas articulações. Mas nunca percebi bem porquê. Fiquei a saber quando, dez depois anos de ter sido diagnosticado com psoríase, me ter inchado um joelho que quase não podia dobrar. E a partir daqui, aos poucos e poucos, a artrite foi fazendo das suas.

Parece-me óbvio que qualquer pessoa, minimamente informada, sabe que a psoríase não é doença transmissível. Nem pelo ar, nem pelo sexo, nem de qualquer outra forma!
Mas ainda há gentinha muito ignorante, e muitas vezes até com responsabilidades e formação. Aquando do terceiro internamento, por causa do joelho, estive com é lógico algumas semanas de baixa. Quando voltei ao trabalho, e depois de ter tido a visita no hospital de dois colegas de trabalho, a minha pele deve ter sido assunto na empresa. No primeiro dia que regresso ao trabalho, o responsável pelo departamento técnico (e acionista da empresa) vem ter comigo e exige que eu vá ao hospital buscar um documento médico, em que ateste que eu não tenho nenhuma doença transmissível "pois sabe como é, nós temos pessoas em casa, filhos..." Sem comentários.
Mas felizmente que também existem pessoas muito esclarecidas. Em 2001 candidatei-me a uma outra empresa, e fui recrutado, contudo, depois daquela experiência anterior, senti -me na necessidade de dizer desde logo ao administrador, "olhe que eu tenho uma doença de pele..." e ele quase não me deixa dizer mais nada, e de imediato me responde "não queremos saber disso para nada, queremos é pessoas que trabalhem bem". E assim foi, honra lhe seja feita, pois nunca tive o menor problema naquela empresa, nem sequer por ter tido algumas baixas motivadas pela artrite.

Entretanto, a frustração fez transbordar o copo, e abandonei o acompanhamento da especialidade. O meu caso era grave, tinha feito todos os tratamentos propostos, mas a cada tratamento acabava sempre por piorar e a paciência esgotara-se.
A doença foi-me tornando numa pessoa amarga. Tenho consciência que nem sempre fui uma pessoa fácil de trato para as pessoas que mais diretamente conviviam comigo de perto. A doença muda muito as coisas, e pode interferir muito na forma como nos relacionamos com os outros. Se não estamos bem na nossa pele, esse estado de espírito interferirá com tudo, e quando estamos pior, isso irá ter sempre reflexos na vida pessoal.  

Existem outras formas de tratar a psoríase que não exclusivamente a medicina convencional. Cheguei a experimentar a acunpuntura durante um ano, mas o único resultado foi que obtive, foi ver a minha conta bancária emagrecer substancialmente. Os tratamentos são muito caros, e cá, ao contrário do que acontece noutros países, em que a medicina tradicional chinesa faz parte do serviço nacional de saúde, aqui é o doente que tem de pagar tudo à sua conta, e nem sequer pode meter as despesas no IRS. Ia melhorando e piorando, como melhorava e piorava sem fazer qualquer tratamento e cerca de um ano depois deixei de ser picado pelas agulhas.

Muita gente também me falava constantemente que deveria experimentar as termas. Em particular as Termas de Monfortinho, muito indicadas para o tratamento da psoríase. Depois de muitos adiamentos por motivos vários, acabei mesmo por ir ver para crer, e fiz dois anos consecutivos, em 2008 e 2009, durante mais de duas semanas de cada vez. Fiz o pedido da credencial na médica de família, para depois de pagos os tratamentos, solicitar o reembolso da percentagem que o Estado comparticipava (na altura) este tipo de tratamento para fins medicinais. E lá fui experimentar as termas. Em conversa com algumas pessoas no hotel, e que frequentavam as termas há muitos anos, diziam-me que estava no sítio certo, que lá iria melhorar muito. Também os funcionários das termas me diziam o mesmo. Mas infelizmente não foi bem assim.
Os tratamentos (banhos, duche escocês, pulverizações) eram de manhã e à tarde, e o tratamento passava também por beber daquela água, conhecida por ser milagrosa.
Mas a verdade é que a água desidratava-me imenso a pele, esta secava muito depois de cada sessão, e até gretava, causando muito desconforto. Como tal, a minha rotina era, sair das termas e ir para o hotel, que ficava a uns duzentos metros, e hidratar-me. Ali tinha no entanto uma vantagem, a calma e tranquilidade, e aproveitei para passear e conhecer grande parte do concelho de Idanha. Aconselho mesmo vivamente aquela região: Monsanto, Penha-Garcia, Salvaterra do Extremo, Idanhas (Nova e Velha) etc.
Só que eu não estava ali para fazer turismo, estava sim para ver se melhorava da pele. Mas no fim de contas, ao fim daqueles dois anos de tratamentos, a verdade é que, mais uma vez contra todas as expectativas, não melhorei absolutamente nada, tendo gasto, mais uma vez, imenso dinheiro. Dinheiro esse que  hoje penso, que se calhar, teria sido melhor empregue num destino de sol e praia.

Entretanto a artrite piorava ano após ano. Vá lá saber-se porquê, começava a ter uma crise de artrite sempre em setembro. Já nem sequer metia férias neste mês, pois sabia que, mais semana, menos semana, iria estar de baixa. Até que no fim de 2009 piorei absurdamente, e estive vários meses de cama quase sem me poder mexer. A médica de família havia falado com a minha mãe, que eu deveria voltar a ser acompanhado no hospital, e eu como não tinha mais nenhuma alternativa, lá acedi. E estranhamente, passado muito pouco tempo, já tinha consulta para ir, agora num novo hospital, pois a localidade onde vivo, passou para a tutela desse outro hospital da região.

E iniciava-se aqui um novo capítulo... (continua)

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Fora da caderneta

Ouvia à pouco a notícia na rádio, passam hoje dez anos sobre o aparecimento do Facebook. Por cá, lembro-me que a febre começou bem mais recentemente, há uns quatro ou cinco anos talvez. Lembro-me de ter visto uma reportagem sobre como uma nova rede social estava a viciar, principalmente nas mulheres de meia idade, para um jogo on-line em que plantavam virtualmente uma horta. E é essa ideia que tenho, que inicialmente o Facebook captou o interesse das pessoas para os jogos e muitas as aplicações, porque redes socais, essas já antes existiam muitas, para todos os gostos e feitios. 

Aos poucos e poucos comecei a notar a debandada das pessoas que me eram próximas da rede social onde todos estávamos (Myspace). E estranhamente comecei também a notar, que as pessoas passaram a abdicar de um pseudónimo em detrimento do seu próprio nome, algo que antes nunca tinha visto, pois desde os tempos do mIRC que toda a gente sempre tinha nicknames.
A internet é um mundo de desconhecidos, é como chegar a uma grande cidade e cruzar-me com milhares de pessoas. Na rua, não trazemos o nosso nome escrito na testa, que idade temos, se gostamos de homens ou mulheres (ou dos dois) se estamos casados ou solteiros, para que todos os outros saibam pois não? Mas por que é que teríamos de o escancarar na internet? E tenho ideia que foi com o Facebook que as pessoas também o começaram a fazer.

Eu cresci e vivo num pequeno meio rural, e uma das coisas que algumas pessoas que vivem em meios citadinos sempre me apontaram como uma grade desvantagem, era o facto da cusquice das aldeias. É verdade que nos meios pequenos, as pessoas conhecem-se todas, tratam-se pelo nome, dizem "bom dia" e "boa tarde", preocupam-se e entreajudam-se mutuamente. Noutros casos não é bem assim, mas é como tudo. Ainda assim, as pessoas só podem saber da nossa vida, aquilo que nós lhe contarmos. Basta pensar nos nossos pais. Saberão os nossos pais tudo sobre nós? 
Mas se as pessoas se queixam, que nos meios pequenos tudo se sabe, o que as redes sociais, e em particular o que o Facebook veio provar, é que são as próprias pessoas a quererem ser faladas! São elas mesmas que colocam lá tudo sobre a sua vida pessoal, para que todo o mundo saiba tudo o que elas fazem, e fiquem a saber todos os peidos que dão.

Não, eu não estou, nem nunca estive registado no Facebook, porque nunca achei que aquilo fosse rede social para mim. Confesso que se calhar toda a pressão que tive, por parte dos amigos para me registar foi o primeiro indicador que não o deveria fazer! Quando surgiu a febre eu costumava jantar com um grupinho de amigos e conhecidos. Há vários anos que o fazia. O mesmo restaurante de sempre, os mesmos bares de sempre, a mesma rotina de sábado à noite. De repente ao jantar, em vez de conversarmos sobre os mesmos assuntos de sempre: o trabalho ou a ausência dele, os amores e desamores, a política, o futebol ou a música, não, os meus camaradas passavam todo o santo jantar a falar do que haviam feito durante o dia no Facebook. Comecei-me a perguntar se o melhor não seria eles jantarem cada um na sua casa, e conversarem por video-conferência. Pior, estava sempre a vir à baila o facto de eu ser o único que ainda lá não estava, na nova rede social da moda, e não sabia o que estava a perder. E a coisa começou a atingir níveis de verdadeira pressão "Tens-de-te-registar-no-Facebook". E essa pressão não lhes era favorável, pois eu só faço o que a minha cabeça manda, e não é a "mal" que alguém me obriga a fazer o que não quero. 

Mas como é que eu posso dizer mal se nunca me registei? Simples. Explorei brevemente a coisa, usando a conta de uma outra pessoa que quase não usava aquilo e percebi rapidamente que aquilo não era coisa para mim. Sei hoje perfeitamente, que essa rede social pode ter outros usos, que não para saber exclusivamente da vidinha alheia, mas para mim, pelo menos até ao momento, ainda não senti necessidade de me deixar contagiar.


E por que não me seduziu o Facebook? Simples, porque eu não quero reencontrar pessoas das quais me quis ver livre, e não quero voltar a falar com elas como se nada tivesse acontecido, como se o tempo não tivesse quebrado todos os laços. Porque a amizade é como uma planta que precisa ser cuidada, e quando não se rega morre. Não é um simples "Gosto" que revitaliza uma amizade morta e enterrada. Ou ser reencontrado por pessoas que se afastaram de mim por algum motivo, e agora subitamente, sabe-se lá porquê, já seria de novo a pessoa mais interessante do mundo. Também não quero saber da vida de ex-namoradas, mais, não quero que elas saibam de mim. E quem diz amigos e namoradas diz pessoas da família. Devo ter familiares espalhados pelos quatros cantos do mundo, alguns que se passar na rua nem reconhecerei, mas também não me interessa ser amigo deles na net, porque os laços com a família são sem dúvida importantes, mas como devem sê-lo no espaço próprio que é o mundo real. 

No fundo o Facebook é quase isso, uma reunião de ex-amiguinhos da escola, de ex-namorados, até de vizinhos com quem não se fala, mas fala-se lá. E de familiares a quem se perdeu o rasto. E quem já foi a uma reunião de ex-coleguinhas da escola dez anos depois, sabe bem o que se passa. Quer-se mostrar o quão bem sucedidos fomos, mostrar o melhor carro, uma roupa melhor, no fundo impressionar. E rapidamente percebemos que já não temos nada a ver com aquelas pessoas. Foram pessoas que num determinado momento da nossa vida foram importantes, mas o tempo encarregou-se de apagar os laços. Até porque as pessoas mudam, nós mudamos. E quando as pessoas são verdadeiramente importantes, os laços de amizade não se perdem, passem os anos que passarem, e nem que as pessoas vão para o estrangeiro. Estejam onde as pessoas estiverem, saberão que podem sempre contar connosco, e nós sabemos que podemos contar com elas. 

Depois esta nova rede social, que segundo se diz que ao que parece já está no fim do prazo de validade, também não trouxe nada de novo na comunicação das pessoas. Já existia o correio eletrónico, as mensagens instantâneas, as imagens e o vídeo... No fundo o que veio trazer foi a preguiça. Sim a preguiça. A vantagem de ter tudo ali agregado. Os contactos, os jogos, as mensagens instantâneas. Estava tudo ali, tanto que até comecei a notar que comecei a ficar posto de lado, por parte de alguns "amigos". "Quem não aparece esquece". Quem não está no Facebook não é fixe, porque não pode ver fazer "Gosto" no meu perfil, logo não tem tanto interesse. Mas por outro lado, teve esse aspeto positivo, de servir como que de filtro a quem é verdadeiramente importante ou não. Houve muitas baixas, muitos perderam-se, mas ficou quem sempre foi importante.

A preguiça. Com o Facebook os portugueses passaram a sair à rua, a protestar violentamente contra este governo fascista com um simples clique de rato. E creio que esta terá sido a maior revolução tecnológica que o Facebook trouxe: a preguiça. Basta clicar aqui que já aprovo ou desaprovo o que o coelhinho e o paulinho-das-feiras andam a fazer, e já cumpri o meu dever cívico. 

No fundo, esta rede social visasa agregar as pessoas que se conhecem, os familiares, colegas e amigos, pôr tudo ali, sem dar muito trabalho, no mesmo sítio. Até os contactos telefónicos se ressentiram. É curioso que em muito poucos anos, deixaram-se de se enviar postais por alturas do Natal, para se passarem a receber carradas de SMS, para em muito pouco tempo estas também terem diminuído tremendamente, e aposto que sei quem foi o culpado. Está tudo lá, quem está pois muito bem, quem não está que estivesse, pois se não está é porque não interessa. O mesmo se passa por exemplo nos aniversários. De repente ninguém se lembra do meu aniversário, aposto que no Facebook nunca ninguém se esquece, afinal aquilo tem alertas, e memorizar ou tomar nota dá trabalho. Dá trabalho lembrar-mo-nos dos amigos. Sempre a preguiça. Eu faço o mesmo, afinal as coisas dão para os dois lados, e devem ser recíprocas para o bem e para o mal, também eu faço de conta que me esqueço do aniversário de quem se esquece sistematicamente do meu. 

O problema com as amizades via internet, é que eu quero fazer novos amigos, quero poder estar em contacto com pessoas que tenham, de certa forma, os mesmos interesses que eu, pois para falar com amigos e familiares posso falar com eles pessoalmente, posso-me meter no carro e ir visitá-los. E para isso, para se conhecer novas pessoas via internet, nem sequer é precisa uma rede social, às vezes até um simples Blog pode servir para conhecer novas pessoas, como me aconteceu recentemente.

Eu já fiz muitas amizades na internet. Amizades no verdadeiro sentido da palavra. Arisco mesmo, sem grande risco, a dizer que depois dos trinta, as pessoas mais importantes que conheci e que fazem hoje parte da minha vida, conheci-as pela internet. Na maioria dos casos, sem dúvida que valeu a pena, mas também houve pessoas que preferia nunca ter conhecido. Mas isso é como tudo, podemos conhecer pessoas no dia-a-dia, ficarmos amigos, e depois termos verdadeiras desilusões. A internet é um simples mecanismo de possibilita entrar em contacto com pessoas, depois compete a cada trazer essas pessoas para o mundo real. E eu acho que deverá ser sempre assim que as coisas deveriam funcionar, a não ser claro, quando as pessoas moram a centenas de quilómetros de distância, ou em países diferentes por exemplo, como também já aconteceu comigo. O que não pode acontecer é as pessoas servirem-se da internet como uma muleta virtual, dando uma falsa sensação de companhia, como antes dava a televisão. Socializar não é em frente a um computador, manter as amizades é no mundo lá fora, não é passar horas a fio, todos os dias aqui, como se fosse tudo real. 

O Facebook como já disse, não trouxe nada de novo, já desde os meados dos anos noventa que houve na internet muitas outras coisas com as costas muito largas para o aumento dos divórcios e separações. O Facebook acabará por desaparecer tal como o conhecemos hoje, e entretanto muitas outras "maravilhas" aparecerão. O que não desaparecerá, ou não deveria desaparecer, é a necessidade dos humanos estabeleceram laços de amizade reais. Lembro-me sempre de uma entrevista que passou no programa "Pessoal e Transmissível" na rádio TSF com a Ingrid Bettancourt. Quando perguntada sobre quais as maiores transformações que encontrou no mundo, depois de seis anos e meio sequestrada na selva pelas FARC, sem nada saber do mundo, respondeu que além dos telemóveis, foi a forma como agora as pessoas se publicitavam nas redes sociais. Numa tradução minha mais ou menos literal:

"Estamos a perder aquilo que é a essência da comunicação humana, que é, sentar num café a conversar com as pessoas. Hoje em dia não há tempo para se estar num café a falar com as pessoas, porque estamos sentados num computador, a falar com as imagens virtuais de muita gente. Estamos a perder o contacto pessoal. Pergunto-me como vai ser o mundo amanhã? Quando os jovens perderam a noção do que é perder tempo com uma pessoa a falar com ela. É importante que dediquemos o tempo a coisas profundas, e eu acho que não há nada mais profundo que dedicar o tempo aos outros. Não a si mesmo - porque o problema da internet - é que dedicamos tempo ao nosso ego, a vender-mo-nos, a pôr uma foto bonita no perfil, a publicitarmo-nos da melhor maneira, a criar um espaço virtual onde mostrarmos uma imagem de nós mesmos, da que queremos vender." 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Fatura?


- Vai desejar fatura com contribuinte?
Não obrigado.

Sou contra a destruição das florestas. Por acaso já pensou em todas as árvores que é preciso matar, para produzir todo o papel que é preciso para emitir faturas?

E depois se tinha o azar de ganhar a lotaria das faturas? Depois que é que eu ia fazer com um automóvel topo de gama que nem ia caber na garagem? E como é que pagava o combustível, o selo e as revisões? Ia fazer o quê? Vender a casa? Ou vender o cu? Não obrigado, não estou interessado em vender nenhum dos dois. Para que é que um desempregado precisa de um carro, mesmo que seja "topo de gama", se não tem dinheiro para passear?