"Terras boas, diz você? E ninguém as cultiva?
- Não senhor. É assim mesmo. E quando vocês virem isso ficam danados. E ainda não viram nada. Aquela gente tem uma maneira de olhar para nós que até faz ferver o sangue. Olham para nós e dizem: "Não gosto de ti meu filho da puta". Depois vêm os delegados do sheriff e vocês são perseguidos. Acampamos em qualquer lugar à beira da estrada, e eles mandam-nos embora. Basta olhar para a cara deles; logo se vê a raiva que têm à gente. E... vou-lhes dizer uma coisa: eles têm-nos raiva porque têm medo. Sabem que, quando alguém tem fome, trata de arranjar comida, ainda que tenha de a roubar. Sabem que deixar as terras abandonadas é um pecado, e que alguém se dispõe logo a tomá-las . Diabo! Ainda ninguém vos chamou "Okies"?
Tom perguntou:
- "Okies"? Que quer isso dizer?
- Bem, antigamente, "Okie" era aquele que vinha de Oklahoma. Agora é o mesmo que chamar a um tipo filho da puta. "Okie" quer dizer que o sujeito é uma merda. A palavra, em si, não quer dizer nada; o que mete raiva é a maneira como eles a dizem. Mas não vale a pena dizer mais nada. Vocês têm que ver a coisa pessoalmente. Têm que ir para lá. Ouvi dizer que há por lá agora umas trezentas mil pessoas, da nossa região, gente que vive como porcos, porque tudo na California tem dono. Não sobra coisa nenhuma. E os donos disso tudo agarram-se às suas coisas que eu cá sei. Até são capazes de matar. Têm tanto medo que ficam doidos. Vocês vão ver, vão ouvir o que por lá se diz. É a mais linda terra do Mundo, mas o povo de lá é um bocado ruim. Tem tanto medo e tantos cuidados que até desconfia da sua própria gente.
Tom olhou a água e enterrou os calcanhares na areia.
- Mas, se alguém trabalhar e fizer economias, pode comprar um pedacinho de terra, não pode?
O homem mais idoso riu e olhou para o filho, e o rapaz, calado, arreganhou os dentes numa expressão quase triunfal. E o homem disse:
- Vocês não conseguirão nenhum trabalho certo. Terão de arranjar dia a dia o dinheiro para a comida. E vão precisar trabalhar para uma gente mesquinha como o Diabo. Se apanharem algodão, podem estar certos que a balança está viciada. Talvez não aconteça sempre, mas geralmente é o que se dá. Terão, por isso, de partir do princípio que todas as balanças estão viciadas, porque lhes é impossível saber quais é que estão certas. E não poderão fazer nada, mesmo nada.
O pai perguntou em voz baixa:
- Então... então aquilo por lá não é nada bom, pois não?
- É bom, muito bonito tudo aquilo, mas a gente não consegue nada. Há, por exemplo, um pomar cheio de laranjas maduras... e um sujeito armado de revólver, que dá um tiro no primeiro que mexer nelas. E há um sujeito, dono de um jornal, lá perto da costa, que tem um milhão de acres de terra...
Casy ergueu vivamente a cabeça:
- Um milhão de acres? Que diabo faz o homem com tanta terra?
(...)
- Vocês vão-se embora daqui?
- Não sei, disse Tom. Você acha melhor?
Floyd riu com azedume.
- Não ouviu o que o polícia disse? Se a gente não abalar deitam fogo a todo o acampamento. Se você pensa que esse delegado aguenta uma coisa daquelas sem mais nem menos e não vai tratar de se vingar, é porque não está bom da cabeça. Garanto que essa gente volta hoje mesmo à noite, para queimar tudo(...)
- O que eu não sou capaz de compreender é porque é que aquele polícia se armou se armou em teso. Parece que queria à viva força armar uma zaragata. O que ele queria era aquilo - disse Tom.
- Nao sei como é a coisa por aqui, mas no norte conheci um polícia que era uma excelente criatura - afirmou Floyd. - Ele contou-me que, na zona dele, os polícias têm de caçar gente para meter no xadrez. O sheriff ganha 75 por dia por cada preso que meter na cadeia e só gasta 25 para lhe dar de comer. Não tendo presos deixa de ganhar dinheiro. O tal polícia disse-me que passou uma semana sem prender ninguém, e então o sheriff disse-lhe que tratasse de arranjar presos ou então que entregasse o emblema. Também esse gajo que esteve por aqui parecia disposto a prender gente de qualquer maneira.
SIPNOPSE:
Na década de 1930, as grandes planícies do Texas e do Oklahoma foram assoladas por centenas de tempestades de poeira que causaram um desastre ecológico sem precedentes, agravaram os efeitos da Grande Depressão, deixaram cerca de meio milhão de americanos sem casa e provocaram o êxodo de muitos deles para oeste, rumo à Califórnia, em busca de trabalho. Quando os Joad perdem a quinta de que eram rendeiros no Oklahoma, juntam-se a milhares de outros ao longo das estradas, no sonho de conseguirem uma terra que possam considerar sua. E noite após noite, eles e os seus companheiros de desdita reinventam toda uma sociedade: escolhem-se líderes, redefinem-se códigos implícitos de generosidade, irrompem acessos de violência, de desejo brutal, de raiva assassina. Este romance que é universalmente considerado a obra-prima de John Steinbeck, publicado em 1939 e premiado com o Pulitzer em 1940, é o retrato épico do desapiedado conflito entre os poderosos e aqueles que nada têm, do modo como um homem pode reagir à injustiça, e também da força tranquila e estoica de uma mulher. As Vinhas da Ira é um marco da literatura mundial.
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