sábado, 6 de junho de 2020

Como Era a Higiene na Roma Antiga?

Ler um livro escrito por alguém que viveu há mais de dois mil anos e que, por vezes, vai descrevendo como era a sua vida nesse tempo, é extraordinariamente interessante, visto que, além da riqueza do conteúdo e de percebermos neste caso qual o pensamento estóico sobre a vida, podemo-nos também aperceber que a nossa vida hoje em dia não mudou grande coisa.

Se calhar hoje as pessoas podem pensar que há dois mil anos as pessoas eram umas porcas e nem banho tomavam, porque quando pensamos no passado, eu pelo menos penso na Idade Média, mas a verdade é que, pelo menos na Roma Antiga, os hábitos de higiene não eram em nada inferiores ao dos nossos dias.

Para situar no tempo, Séneca foi contemporâneo de Cristo, e Cipião Africano (general romano) que ele retrata neste excerto, viveu cerca de duzentos anos antes:


"Vi ainda o pequeno balneário , bem escuro, segundo a moda de antigamente: os nossos maiores não apreciavam os banhos quentes senão às escuras! Senti então um grande prazer ao confrontar os costumes de Cipião com os nossos de hoje: era em semelhante cubículo que o grande homem  - o "terror de Cartago" -, a quem Roma ficou devendo não ter sido conquistada pela segunda vez, lavava o corpo cansado dos labores agrícolas! Sim, que ele não se eximia ao trabalho, mas seguindo os antigos costumes, arava ele próprio a terra. Cipião viveu sob este teto tão sem graça, pisou estes pavimentos tão ordinários! Nos dias de hoje, quem se resignaria a tomar banho em condições semelhantes? Qualquer um se considera pobre e mesquinho se as suas paredes não resplandecerem com grandes e preciosas incrustações, se os seus mármores de Alexandria não forem decorados com mosaicos da Numídia, trabalhosamente recobertos de verniz como se de pinturas se tratasse, se não tiverem uma cúpula recoberta de vidro, se o mármore de Tasos não revestir as piscinas onde metemos o corpo emaciado pelo banho de vapor, se, enfim, a água não correr de torneiras em prata! E, por enquanto, até estou falando das canalizações da plebe: que não dizer quando me referir aos balneários do libertos! Que multidão de estátuas, que sem número de colunas que nada sustentam, apenas decorativas, só para exibição de riqueza! Que abundância de água caindo ruidosamente das cascatas! Chegamos ao luxo de só poder pisar em pedras preciosas!...
No balneário de Cipião não há propriamente janelas, mas apenas umas fendas estreitas que deixam entrar a luz sem pôr em causa a solidez da construção. Hoje dá-se o nome de "banhos para traças" aos balneários cuja construção permite receber a luz durante o dia todo por janelas enormes. Se é impossível tomar banho e ficar bronzeado ao mesmo tempo, se não se pode contemplar a paisagem de dentro da banheira, já não presta! (...)

Abunda hoje quem acuse Cipião de perfeito provinciano por não ter nos seus banhos quentes largas vidraças para deixar entrar o sol, e não se deixar destilar no meio da luz à espera de fazer a digestão no banho. 
"Oh pobre homem! Nem sabia viver!" Cipião não se lavava com água filtrada, frequentemente ela estava turva, e quando chovia mais, quase ficava no lodo. A ele, aliás, não lhe fazia diferença lavar-se assim, pois ia ao banho para se limpar do suor, e não dos perfumes. Não imaginas o que dizem os delicados de hoje? "Não invejo esse Cipião! Tomar banho em condições semelhantes é de facto viver exilado!..." Pois digo-te ainda mais: ele não tomava banho todos os dias. Segundo os eruditos que referem os velhos costumes de Roma, os antigos lavavam todos os dias os braços e as pernas, ou seja, a parte do corpo onde se juntava sujidade proveniente do trabalho. Banho completo, só de nove em nove dias. Nesta altura haverá certamente quem diga: "Que porcos deviam eles andar!" A que julgas tu que eles cheiravam? A vida militar, a trabalho, a homem em suma. 

Cartas a Lucílio (carta 86) - Séneca 

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Verdade! E há muito mais. Olha esta passagem:

      "Ele tem vastas propriedades mas está cheio de dívidas; possui uma bela casa, mas comprada com dinheiro emprestado; ninguém exibe um mais bonito grupo de escravos, mas é incapaz de satisfazer os seus compromissos; se ele pagasse aos credores, ficava sem nada." (pág 404)

      Eliminar