"Em quase todos os livros que tratam da amizade se fala dos grandes pares de amigos da antiguidade (...) Daí a impressão de que hoje já não existe a verdadeira amizade, de que esta pertence apenas e irremediavelmente ao passado. É uma impressão ilusória (..)
Verificamos, então, que existem também no nosso mundo nobre figuras de amigos, de amizade que duraram quase toda a vida, e que tiveram um certo peso na História. O caso mais óbvio e importante é o de Marx e Engels. A sua amizade data de 1844. Engels tinha então vinte e quatro anos, Marx vinte e seis. Tinham-se conhecido num encontro breve em Colónia, e colaborado a mesma revista. Conheciam-se, portanto, mas não tinha nunca acontecido entre eles o encontro revelador, aquele do qual nasce a verdadeira amizade. Este acontece em Paris, onde ficam juntos dez dias. Foi um período extraordinário e entusiasmante. Começaram mediatamente a trabalhar juntos no livro que seria depois editado sob o título A sagrada família. No ano seguinte Engels junta-se a Marx em Bruxelas e aqui escrevem juntos A ideologia Alemã e, em 1848, o Manifesto do Partido Comunista, o livro que viria a influenciar a história do mundo.
Marx e Engels completavam-se, tanto no carácter como no pensamento. Foi Engels que ensinou a Marx os primeiros rudimentos da economia, lhe descreveu as condições do proletariado, porque as conhecia em directo. Foi ele que deu a Marx a chave económica para modificar o idealismo hegeliano. Marx consegue, ao contrário, dar forma sistemática às intuições do amigo, construir a rigorosa demonstração daqui que o outro entrevia. O próprio Marx escreve a Engels "sabes como sou lento em perceber as coisas, e com sigo sempre os teus exemplos". Por outro lado, Engels encontrou em Marx o seu mestre espiritual e gostou sempre de se apresentar como o seguidor, o segundo violino do amigo. Em 1850, Engels toma a decisão de voltar a trabalhar na editora Ermer & Engels, de Manchester, fundada por seu pai. Como assistente geral ganhava cem libras estrelinas por ano e, com aquele dinheiro, mantém Marx e a sua família dezanove anos. Era um trabalho de que não gostava e que fazia para permitir ao amigo dedicar-se à sua grande tarefa, a compilação de O Capital. Quando finalmente em1859, pôde deixar o trabalho e voltar à atividade política e de estudo, sente-se renascer.
Engels era caçador entusiasta, um caminhante incansável, um grande bebedor, e sempre calmo. Mesmo durante o período em que trabalhava, conseguiu escrever diversas coisas que Marx admirava profundamente. Mas não publicou nada com o seu nome, para não entrar em conflito com o seu pai e, assim, correr o perigo de não poder mais ajudar o seu amigo Marx. Marx, por outro lado, fazia de tudo para não ser pesado ao amigo, trabalhava esforçadamente e vivia as maiores restrições. Apenas excecionalmente lhe pedia ajuda, e então, cheio de tristeza, lamentava-se de ser um fardo para ele. Houve só um momento em que a sua amizade pareceu desmoronar-se. Tinha morrido Mary Burns, com quem Engels vivera durante vinte anos, e Marx, todo absorvido nos seus problemas de economia, limitou-se a mandar uma carta de circunstância. Engels sentiu-se ofendido e escreveu-lhe. Marx teve então a coragem de lhe falar sincera e diretamente de todas as suas preocupações e Engels ficou feliz por reencontrar o amigo. Engels era sereno, Marx atormentado. Engels escrevia com fluidez, de maneira constante, Marx tinha repentes destrutivos e criativos. No entanto confiava totalmente em Engels, tanto para os problemas familiares como para os políticos. Esta confiança estava bem depositada. Por sua morte, em 1883, Elgels dedicou-se a pôr ordem nos inúmeros e caóticos papéis de O Capital. O segundo volume estava muito avançado e Engels poderá escrever a sua introdução em 1885. Para o terceiro e quarto volumes, pelo contrário, é-lhe exigido um enorme esforço. E só consegue publicar o terceiro.
A amizade entre Marx e Engels e em particular a dedicação de Engels, não podem ser consideradas como o entusiasmo que se estabelece entre companheiros de um movimento. Evidentemente esta amizade nasce como movimento. O encontro de 1844 foi, entre ambos, um verdadeiro estado nascente.
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