Calou-se uns segundos, para pensar. Depois recomeçou:
- Dantes diziam-me que eu tinha caraterísticas de mulher, mas não é isso. Não sou uma mulher não porque não quero matar pássaros, nem porque não quero ganhar dinheiro e triunfar na vida. Podia ter feito a vida no exército, facilmente. Mas não gostava de estar no exército. E no entanto dava-me bem com os homens, gostavam de mim e tinham um pouco de medo quando me encolerizava. Não. Era a autoridade suprema, que matava o exército, matava e embrutecia. Gosto dos homens e eles gostam de mim. Mas não suporto a imprudência pretenciosa e as histórias das pessoas que governam o mundo. Não posso seguir esse caminho, odeio a imprudência do dinheiro e de classe. Num mundo como este que poderei oferecer a uma mulher?
- Mas porque é que me hás-de oferecer o que quer que seja?
Não é um negócio. Apenas nos amamos.
- Não, não! É mais do que isso. Viver significa andar para a frente, seguir sempre em frente. E a minha vida não vai correr bem Sirvo para pouca coisa. E não tenho o direito de arrastar comigo uma mulher, para uma vida em que não realizo nada, que não leva a nada. Pelo menos interiormente, para nos manter frescos. O homem tem de oferecer à mulher algum algum significado à vida, se for uma vida isolada e se ela é uma mulher a sério. Não posso limitar-me a ser a tua concubina macho.
- Porque não?
- Porque não sou capar. E acabarias por a odiar.
- Como se não pudesses confiar em mim - disse ela.
Aquele sorriso irónico brilhou no rosto de Mellors.
- O dinheiro é teu, a posição é tua, as decisões têm de ser tuas. E no fundo, eu não passarei do fornicador da minha dama.
- E que mais és tu?
- Perguntas bem. Com certeza é invisível. No entanto, sou qualquer coisa para mim, pelo menos. Compreendo o sentido da minha existência, embora perceba que os outros não o possam compreender.
E a tua existência perde sentido se viveres comigo?
Ele hesitou antes de responder.
- É provável.
Ela também ficou pensativa.
- E qual é o objetivo da tua vida?
- Vou-te dizer. É invisível. Não acredito no mundo, nem no dinheiro, nem no progresso, nem no futuro da nossa civilização. Se a humanidade vai ter futuro, tem de se dar uma grande transformação.
- E como terá de ser o futuro?
- Só Deus sabe. Sinto qualquer coisa dentro de mim misturada com muita raiva. Mas o que isso significa não sei.
- Posso dizer-te? perguntou ela, fitando-o. - Posso dizer-te o que tens e que os outros homens não têm, e que fará o futuro? Posso?
- Diz-me então - replicou ele.
- É a coragem da tua própria ternura. É o que te leva a acariciar-me e a dizer-me que tenho o rabo mais bonito do mundo.
O Amante de Lady Chatterly / D.H. Lawrence / 1928
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Gostei deste Mellors, e identifiquei-me com ele em alguns aspetos para além dele no romance ter precisamente a minha idade. Filho de mineiros, ex-militar do exército na Índia, invulgarmente culto e de personalidade vincada, irónico e sarcástico, pensa pela cabeça dele e não segue a carneirada, e decide ter uma vida de quase eremita numa cabana da floresta na companhia da sua cadela, como couteiro Clifford, um baronete inglês casado com Lady Chatterly, que ficou numa cadeira de rodas depois da primeira guerra mundial. E é Mellors que Lady Chatterly vai certo dia encontrar num dos seus muitos passeios pelo bosque...