sábado, 24 de outubro de 2015

Viver e gastar dinheiro não significa o mesmo

Se ao menos fosse possível explicar-lhes que viver e gastar dinheiro não significa o mesmo! Mas não vale a pena. Se lhes ensinassem a viver em vez de pensarem em gastar dinheiro, poderiam viver mais felizes com os seus vinte e cinco xelins. Se os homens usassem calças vermelhas, como eu costumo dizer, não pensariam tanto no dinheiro. Podiam dançar e saltar e cantar, pavonear-se e ser elegantes e precisariam de pouco dinheiro. E poderiam divertir as mulheres e as mulheres poderiam diverti-los. Deviam aprender a ser nus e belos a cantar e a dançar em grupos, a fabricar os seus instrumentos, a bordar os seus emblemas. E não precisariam de dinheiro. Esta é a única solução para o problema industrial: treinar as pessoas para conseguirem viver, e viver bem, sem necessidade de gastar. Mas é impossível. Hoje em dia as pessoas são limitadas, e a grande massa nem mesmo procura pensar, porque não sabe: devia ser viva e alegre e adorar o deus Pá, que é o grande deus das massas. A élite pode ter outros cultos, mas seria melhor que as massas fossem pagãs. 
Mas os mineiros não são pagãos, muito longe disso. São uma gente triste, morta para o amor, para a a vida. Os mais jovens andam com as raparigas nas motos e vão dançar jazz quando podem. Mas estão mortos por dentro. Para tudo precisam de dinheiro, e o dinheiro envenena quando se tem e quando não se tem. 



Acho que já deves estar cansada disto tudo isto, mas quero falar de mim e não tenho nada para contar. Não gosto muito de pensar em ti, porque é horrível. Mas toda a vida que faço agora é para preparar a nossa vida, juntos. No fundo, sinto-me assustado. Paira qualquer coisa no ar, que nos quer apanhar. Ou talvez seja simplesmente Mammon, que não é mais do que a vontade coletiva dos homens, que quer dinheiro e odeia a vida. Sinto no ar grandes mãos brancas e ávidas que apertam a garganta dos que querem viver para além do dinheiro. Aproximam-se maus dias. Se as coisas continuam assim, no futuro só nos resta a morte e a destruição das massas industriais. Às vezes sinto as entranhas a derreterem-se, enquato tu esperas um filho meu. Mas não faz mal. Todas as calamidades que assolaram o mundo jamais conseguiram apagar os corações, nem o amor das mulheres.
Portanto, nada poderá matar o meu desejo de ti, nem a pequena chama que existe entre nós. No próximo ano estaremos a viver juntos. E, embora tenha medo, acredito que estejas comigo. Um homem tem de lutar, mas, ao mesmo tempo, acreditar em alguma coisa. Só nos podemos precaver contra o futuro acreditando em nós e em qualquer coisa para além de nós. Portanto, pela minha parte, acredito na chama que nos une, que para mim é neste momento a única coisa que existe. Não tenho amigos, amigos íntimos, nada mais do que tu, e tudo o que me interessa na vida é essa chama. Há o bebé, mas é uma consequência. É o meu Pentecostes, a língua de fogo entre nós. O antigo Pentecostes não é correto. Eu e Deus, é pretensioso. Mas a língua de fogo entre nós, não. E luto e lutarei por ela contra todos os Cliffords e Berthas, companhias mineiras e governos e pessoas que só vivem por dinheiro. 

(Excerto de uma carta de Mellors a Lady Chatterly)

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Já tinha escrito que me revi em algumas coisas de Mellors. 
Comecei a ler este livro, não por ter sido um clássico que foi proibido e considerado pornográfico no Reino Unido. Não. Comprei-o, porque vi o livro à venda, usado, e o nome do autor me chamou a atenção porque sabia que D. H. Lawrence foi amigo e influenciou Huxley, autor de quem tem lido e relido alguns livros, e de quem gosto particularmente. 

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