02h16... Sem conseguir dormir.
Estou em crer que a primeira forma de exploração e de escravatura do ser humano, começou com o tempo, com a necessidade de medir o tempo, com as religiões e com a necessidade de ocupar o tempo, porque aos seus olhos o ócio é maligno.
Mas curiosamente todos os outros animais não têm relógio, não têm horas marcadas, seja para se levantarem, para comer ou para fazer o que quer que seja. Têm um único referencial, o sol e a luz ou a falta dela. Os diurnos, quando se faz dia é tempo de acordarem e fazerem-se à vida, os noturnos pelo contrário, é quando a luz desaparece que entram em atividade.
O homem é escravo do tempo, e o tempo foi a primeira forma de capitalismo. Por alguma coisa se diz que "tempo é dinheiro". Arranjou-se forma de medir o tempo, e hoje somos escravos de outrem, durante um determinado tempo, que por norma são oito horas por dia, quando não são mais.
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O dia tem 24h, e em média passamos 8h na cama, seja a dormir, a descansar, ou simplesmente a fritar na cama sem sono. Se lhe juntarmos as dez ou onze horas dedicadas a ser escravo de outra pessoa, porque não são só as 8h de trabalho, temos também de juntar o tempo que perdemos na viagem e no almoço - ficamos com quê? Cinco ou seis horas por dia de tempo útil? Tempo que não é verdadeiramente útil pois chega-se a casa cansado e com outras coisas para fazer, e também é preciso descansar para poder voltar a ser escravo no dia seguinte.
Voltei a trabalhar - e que sorte que tive nestes tempos, de poder a voltar a ser escravo para poder voltar a ter dinheiro para sobreviver - mas isso paga-se caro, muito caro, pois passa-se a ser escravo da falta de tempo. Há muito tempo que não dizia "não tenho tempo para mim".
Sim, um solteiro, sem namorada, nem filhos, e com a vida facilitada por ainda estar em casa dos pais, e chegar a casa e ter a comidinha na mesa, também se queixa da falta de tempo.
Por estes dias pensava mesmo onde é que eu ia agora arranjar tempo para uma namorada? Se já não tenho tempo para nada, para mim e para as minhas coisas, onde iria arranjar esse tempo para me dedicar a outra pessoa? E se vivesse junto com alguém e tivesse filhos como a maioria das pessoas?
É tudo cada vez mais rápido. As próprias crianças já não aceitam um telemóvel com software lento, queixava-se uma colega por estes dias no trabalho. É de pequenino que nos dias de hoje, as crianças aprendem a ser escravas da falta de tempo.
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Cada vez mais se inventam mais máquinas para fazer as coisas ainda mais depressa, e paradoxalmente as pessoas têm cada vez menos tempo para si. Agora temos carros e aviões, assim podermos ir trabalhar cada vez mais longe de casa; tele-comandos para não precisamos de levantar o cu do sofá para mudar de canal, estores e portões elétricos, máquinas que fazem a comida sozinhas, etc, e as pessoas ficam fascinadas com tudo isso. Mas qual a utilidade de tudo isso? No fim de contas, como é que aproveitam todo esse tempo que essas maquinetas poupam? Ninguém diz que, com o telemóvel mais rápido que comprou, aproveita esse tempo a ler ou a fazer algo do seu interesse. Não, pelo contrário, aproveitam esse tempo sendo ainda mais escravas do tempo, correndo ainda mais de um lado para o outro, com cada vez menos tempo para si.
Cada vez mais as pessoas são mais pobres, porque a verdadeira riqueza é ter tempo para fazer o que realmente se quer. Ninguém pode ser verdadeiramente feliz vivendo acelerado de um lado para o outro, mas aprendem desde pequenas que sim. Cada vez mais as pessoas têm de trabalhar mais tempo e mais anos - culpa-se a esperança média de vida - para assim nos escravizarem a trabalhar até morrermos.
"A espécie de felicidade de que preciso, não é tanto fazer o que quero mas a de não fazer o que não quero." (Jean-Jaques Rousseau)
Não há tempo para as pequenas coisas, para observar os pequenos nadas, não há tempo para ver e ouvir os outros, e para se ocupar o tempo, mesmo que muitas vezes seja não fazendo absolutamente nada.
Outro efeito secundário da escravatura da falta de tempo, é começarmos a ter problemas de sono.