"Séneca é o exemplo de um espírito que tenta conciliar as ideias mais opostas que constitue o mundo,
e fá-lo, justamente, para que o mundo seja um lugar de encontro e não de discórdia (...)
De Séneca deriva uma atitude que representa um verdadeiro ensinamento:
saber enfrentar as contrariedades sem desalento,
saber aceitar os reveses da fortuna,
assumir que a realidade não depende da vontade do indivíduo"
"Tal não implica que, embora se baste a si próprio, ele não deseje ter um amigo, um vizinho, um companheiro. E até que ponto se contenta consigo mesmo mostra-o o facto de, por vezes, se contentar com uma parte de si. Se uma doença, se um inimigo lhe cortarem uma mão, se qualquer acidente lhe roubar um olho, ou mesmo os dois, ele contentar-se-á com o que lhe resta, e conservará tanta alegria de espírito depois de mutilado e estropiado como tinha quando possuía um corpo válido. No entanto, embora não se queixe da sua mutilação, prefere não a sofrer. É neste sentido que o sábio se contenta consigo mesmo: não que deseje, mas sim que possa prescindir de amigos. E ao dizer "que possa" entendo que suportará com firmeza de ânimo a perda de algum. Na realidade ele nunca estará sem qualquer amigo pois tem a possibilidade de rapidamente reparar a falta de algum. (...)
O sábio, embora se baste a si mesmo, deseja no entanto ter um amigo, quanto mais não seja para exercer a amizade, para que uma tão grande virtude não fique inativa; não (como na mesma carta afirmava Epicuro) "para ter alguém que ajude na doença e no socorros se for encarcerado ou cair na miséria", mas, pelo contrário, para ter alguém a quem ajude na doença, alguém que, caso seja capturado, possa libertar das prisões inimigas. Quem só cuida de si e procura amizades com fins egoístas não pensa corretamente. Tal como começou assim acabará: arranjou um amigo para o auxiliar na prisão, mas assim que os ferros rangerem tal amigo evaporar-se-á! Amizades deste tipo chama-se-lhes correntemente "oportunistas"; alguém que seja tomado por amigo por motivo da sua utilidade deixará de agradar quando deixar de ser útil. Por isso mesmo grande cópia de amigos rodeia os ricaços, enquanto a solidão é apanágio dos arruinados; os amigos fogem de onde são postos à prova; daí todos estes exemplos de deserções ou traições ocasionadas pelo medo. Necessariamente nestas amizades o principio e o fim estão em completo acordo: quem começou por ser amigo por conveniência, deixa de o ser também por conveniência; qualquer interesse prevalecerá também contra a amizade se nela se procurar outro interesse que não ela própria.
"Para quê arranjar então um amigo?" Para ter alguém por quem possa morrer, alguém que possa acompanhar ao exílio, alguém por quem arrisque e ofereça à morte. Isso a que aludis e que tem em vista o interesse, que considera as vantagens práticas, isso não é amizade, é uma negociata!
(...)
"O sábio basta-se a si mesmo". Amigo Lucílio, muita gente interpreta incorretamente esta máxima, afastando o sábio do mundo que o rodeia e reduzindo-o aos limites do seu corpo. Por conseguinte é imprescindível distinguir bem o que significa, e qual o alcance desta frase: o sábio basta-se a si mesmo para viver uma vida feliz, não simplesmente para viver, na medida em que para viver carece de muita coisa, mas para ter uma vida feliz basta-lhe possuir um espírito são, elevado e indiferente à fortuna.
(...)
O sábio precisa das mãos, dos olhos, de muita coisa necessária à vida quotidiana, mas não carece de coisa alguma: carecer implica ter necessidade, ser sábio implica não ter necessidade de nada.
Por isso mesmo, embora se baste a si próprio, precisa ter amigos; deseja mesmo tê-los no maior número possível, mas não para viver uma vida feliz, pois é capaz de ter uma vida feliz mesmo sem amigos.
(...)
A sua cidade fora tomada, os filhos e a mulher pereceram, tudo era pasto das chamas; sozinho, e apesar de tudo feliz, Estilbão partia quando Demétrio, aquele que das cidades destruídas tomou cognome de Poliorcetes, lhe perguntou se havia perdido alguma coisa. Resposta do filósofo: "não, todos os meus bens estão aqui comigo". Isto é que é ser um homem forte e indomável, capaz de vencer a própria vitória do seu inimigo! "Nada perdi", disse ele; e com isto forçou Demétrio a duvidar do seu triunfo.
(...)
Que importa, de facto, a situação em que te encontras, se tu a consideras má? "Como é isso? Então se um ricaço desonesto, se um homem senhor de muitos escravos mas escravo ainda de mais, disser: "eu sou feliz!", o facto de pronunciar esta frase fará dele um homem feliz?" Não, o que interessa não é o que ele diz, mas o que sente e o que sente continuamente e não num dia qualquer. E não receies que tão afortunada situação possa ser apanágio de um ser indigno: só um sábio se contenta com o que tem, todos os insensatos sofrem de descontentamento consigo mesmo.
Cartas a Lucílio (Carta 9) / Lúcio Aneu Séneca
"Para quê arranjar então um amigo?" Para ter alguém por quem possa morrer, alguém que possa acompanhar ao exílio, alguém por quem arrisque e ofereça à morte. Isso a que aludis e que tem em vista o interesse, que considera as vantagens práticas, isso não é amizade, é uma negociata!
(...)
"O sábio basta-se a si mesmo". Amigo Lucílio, muita gente interpreta incorretamente esta máxima, afastando o sábio do mundo que o rodeia e reduzindo-o aos limites do seu corpo. Por conseguinte é imprescindível distinguir bem o que significa, e qual o alcance desta frase: o sábio basta-se a si mesmo para viver uma vida feliz, não simplesmente para viver, na medida em que para viver carece de muita coisa, mas para ter uma vida feliz basta-lhe possuir um espírito são, elevado e indiferente à fortuna.
(...)
O sábio precisa das mãos, dos olhos, de muita coisa necessária à vida quotidiana, mas não carece de coisa alguma: carecer implica ter necessidade, ser sábio implica não ter necessidade de nada.
Por isso mesmo, embora se baste a si próprio, precisa ter amigos; deseja mesmo tê-los no maior número possível, mas não para viver uma vida feliz, pois é capaz de ter uma vida feliz mesmo sem amigos.
(...)
A sua cidade fora tomada, os filhos e a mulher pereceram, tudo era pasto das chamas; sozinho, e apesar de tudo feliz, Estilbão partia quando Demétrio, aquele que das cidades destruídas tomou cognome de Poliorcetes, lhe perguntou se havia perdido alguma coisa. Resposta do filósofo: "não, todos os meus bens estão aqui comigo". Isto é que é ser um homem forte e indomável, capaz de vencer a própria vitória do seu inimigo! "Nada perdi", disse ele; e com isto forçou Demétrio a duvidar do seu triunfo.
(...)
Que importa, de facto, a situação em que te encontras, se tu a consideras má? "Como é isso? Então se um ricaço desonesto, se um homem senhor de muitos escravos mas escravo ainda de mais, disser: "eu sou feliz!", o facto de pronunciar esta frase fará dele um homem feliz?" Não, o que interessa não é o que ele diz, mas o que sente e o que sente continuamente e não num dia qualquer. E não receies que tão afortunada situação possa ser apanágio de um ser indigno: só um sábio se contenta com o que tem, todos os insensatos sofrem de descontentamento consigo mesmo.
Cartas a Lucílio (Carta 9) / Lúcio Aneu Séneca
Bom dia, teria interesse de vender este exemplar? Meu sonho é ter acesso a este conhecimento
ResponderEliminarBom dia,
EliminarNão estou a vender, procure em sites como Custo Justo, OLX, Marktplace....
Boa sorte.