Sempre vi no meu avô aquela pessoa muito vertical e correta em quem me deveria inspirar. O meu avô não teve uma vida propriamente fácil. Cedo ficou sozinho no mundo com os irmãos pequenos, e sem pais, primeiro porque o pai fugiu com uma brasileira para o Brasil, abandonando cá a esposa grávida, e segundo porque pouco tempo depois a mãe morreu. Eram tempos de muita fome e doenças e as pessoas mais pobres morriam frequentemente. E é por isso que ninguém poderia falar bem do Salazar ao pé do meu avô que ele exaltava-se, porque em tempos de liberdade, ninguém deveria falar bem de um ditador que dava fome ao povo e deixava-o morrer, e depois ainda tinha a grande lata de dizer que mandava as sobras de Portugal para ajudar os países europeus em guerra.
O meu avô ficou ao cuidado de uma tia, irmã do pai, que teve que andar a pedir para alimentar aquelas quatro crianças, que, mal começaram a ter idade, tiveram que ir servir, como se dizia na altura, para casas de pessoas de mais posses, serem basicamente escravas, ainda que, como ainda me lembro de ouvir o meu avô contar, em casas em que se rezava o tercinho todos os dias porque era tudo gente de bem e temente a Deus-Nosso-Senhor mas os criados bem que podiam ir para o Inferno mortos de fome.
O meu avô casou e, ao contrário do irmão gémeo, que cedo tratou de arranjar um trabalho por conta de outrem, o meu avô sempre foi vivendo da terra, naqueles tempos em que se faziam terras, e em que do trabalho que se tinha a plantar, metade do que a terra dava, ainda tinha que se entregar a senhorio. Metade aos melhores senhorios! porque os mais fascistas exigiam duas partes e o rendeiro morria de fome com a parte que lhe restava para alimentar toda a família. E não deixa de ser irónico que, hoje, que os tempos da escravatura felizmente que já passaram, é ver agora todas aquelas enormes quintas aqui em volta, vedadas ao abandono, a silvas e mato. É fácil ser-se empreendedor quando os outros trabalham por nós, mas ainda há quem diga que "agora ninguém quer trabalhar". As pessoas querem trabalhar porque o dinheiro não cai do céu, não querem é ser escravas.
O primeiro filho do meu avô foi a minha mãe, que, ainda muito criança começou a lidar com o gado, a cozinhar e que ia para a escola de socos velhos, muitas vezes sem meias. Ouvi-a contar até que, certo dia, estava tanto frio, que teve que pôr a mala no chão e colocar os pés por cima. Aprendeu costura e, ainda por estes dias de quarentena, de umas meias grossas costurou um belo gorro! Pena não ter tirado uma fotografia às meia para ter o antes e o depois. Mas costura foi profissão que não seguiu porque cedo a vista lhe traiu os planos.
A filha do meu avô foi crescendo e tornou-se uma bonita jovem, recatada, de cabelos loiros, volumosos, e cheia de predicados que interessavam os jovens casadoiros da altura. Mas apesar de atrair também os filhos de boas famílias, que é como quem diz, de famílias de posses, muito superiores aos parco recursos dos meus avós, minha mãe acabou sempre a fugir deles.
O meu avô sempre instruiu a minha mãe que nós devemos procurar uma forma certa para pé, e não devemos querer uma forma que nos fique muito folgada e sempre foi assim que a filha do meu avô procedeu. Mas muitos anos mais tarde, haveria de chegar o dia em que a filha do meu avô se vira para mim e me diz:
- "Acho que ela tem uma forma um bocado grande para o teu pé".
# Origem da Expressão "pé rapado"
O meu avô ficou ao cuidado de uma tia, irmã do pai, que teve que andar a pedir para alimentar aquelas quatro crianças, que, mal começaram a ter idade, tiveram que ir servir, como se dizia na altura, para casas de pessoas de mais posses, serem basicamente escravas, ainda que, como ainda me lembro de ouvir o meu avô contar, em casas em que se rezava o tercinho todos os dias porque era tudo gente de bem e temente a Deus-Nosso-Senhor mas os criados bem que podiam ir para o Inferno mortos de fome.
O meu avô casou e, ao contrário do irmão gémeo, que cedo tratou de arranjar um trabalho por conta de outrem, o meu avô sempre foi vivendo da terra, naqueles tempos em que se faziam terras, e em que do trabalho que se tinha a plantar, metade do que a terra dava, ainda tinha que se entregar a senhorio. Metade aos melhores senhorios! porque os mais fascistas exigiam duas partes e o rendeiro morria de fome com a parte que lhe restava para alimentar toda a família. E não deixa de ser irónico que, hoje, que os tempos da escravatura felizmente que já passaram, é ver agora todas aquelas enormes quintas aqui em volta, vedadas ao abandono, a silvas e mato. É fácil ser-se empreendedor quando os outros trabalham por nós, mas ainda há quem diga que "agora ninguém quer trabalhar". As pessoas querem trabalhar porque o dinheiro não cai do céu, não querem é ser escravas.
O primeiro filho do meu avô foi a minha mãe, que, ainda muito criança começou a lidar com o gado, a cozinhar e que ia para a escola de socos velhos, muitas vezes sem meias. Ouvi-a contar até que, certo dia, estava tanto frio, que teve que pôr a mala no chão e colocar os pés por cima. Aprendeu costura e, ainda por estes dias de quarentena, de umas meias grossas costurou um belo gorro! Pena não ter tirado uma fotografia às meia para ter o antes e o depois. Mas costura foi profissão que não seguiu porque cedo a vista lhe traiu os planos.
A filha do meu avô foi crescendo e tornou-se uma bonita jovem, recatada, de cabelos loiros, volumosos, e cheia de predicados que interessavam os jovens casadoiros da altura. Mas apesar de atrair também os filhos de boas famílias, que é como quem diz, de famílias de posses, muito superiores aos parco recursos dos meus avós, minha mãe acabou sempre a fugir deles.
O meu avô sempre instruiu a minha mãe que nós devemos procurar uma forma certa para pé, e não devemos querer uma forma que nos fique muito folgada e sempre foi assim que a filha do meu avô procedeu. Mas muitos anos mais tarde, haveria de chegar o dia em que a filha do meu avô se vira para mim e me diz:
- "Acho que ela tem uma forma um bocado grande para o teu pé".
# Origem da Expressão "pé rapado"
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