segunda-feira, 13 de abril de 2020

Como um Estoico Vê a Morte


"Fiel aos princípios de Epicuro, dizia ele que, para começar, esperava que o último suspiro não fosse de forma alguma doloroso, se acaso o fosse, um pouco de alívio encontraria na sua propria brevidade, pois nenhuma dor de facto grande pode ser muito prolongada. De resto, mesmo no momento da separação da alma e do corpo, ainda que muito dolorosa, haveria de lembrar-se que depois dessa dor nunca mais sentiria dor alguma. Estava igualmente convencido de que a alma de um velho já se encontrava junto à boca, pelo que pouca força bastaria para a separar do corpo. "O fogo, quando encontra pasto favorável, só se extingue com água, ou quando tudo tomba em ruínas, mas se carece de alimento apaga-se espontaneamente". Tais palavras, meu caro Lucílio, satisfaz-me imenso ouvi-las, não porque sejam para mim novidade, mas porque me são confiadas num momento decisivo. Quer isto dizer que eu nunca vi ninguém no momento de cortar o fio dos seus dias? Vi, é um facto, mas considero mais significativa a atitude de quem atinge a morte sem ódio pela vida, de quem acolhe a morte em vez de a solicitar. Dizia ele também que a angústia perante a morte é fruto de nós mesmos, por nos deixarmos invadir pelo terror quando já a julgamos próxima. Mas de quem não está ela próxima, pronta como está a atingir-nos em qualquer lugar, a qualquer momento? "Reparemos" - acrescentava Basso - "como, no instante em que alguma causa de morte parece atingir-nos, muitas outras causas há ainda mais próximas das quais não sentimos receio." Há uma guerra, a presença do inimigo é ameaça de morte breve; surge uma congestão, e a morte é antecipada. Se quisermos estabelecer uma distinção entre os motivos do nosso medo, veremos que uns são reais , outros aparentes. O que tememos não é a morte, mas sim o pensar na morte; dela própria separa-nos sempre uma pequena distância. Por isso, se devemos temer a morte, então devemos temê-la sempre, porque em qualquer idade estamos sujeitos a ela.
Mas devo precaver-me, não vás tu odiar tanto como a própria morte uma carta assim tão grande. Vou terminar portanto. Quanto a ti, vai sempre pensando na morte, para a não receares nunca! (pág. 116)

Livro IV - Carta 30 / Cartas a Lucílio / Séneca


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