sábado, 21 de março de 2020

Preferível Doente Que Morto

De tanto se falar, esta coisa do coronavírus acabou mesmo por se tornar viral. Acabou o stock mundial de máscaras, desinfetantes e o mais surpreendente: açambarcamento de papel higiénico! A minha mãe diz que nunca passou por nada igual mas falou-me da cólera que, ao que parece, e nesse caso sim, era caso para grandes gastos de papel higiénico. 

Nada se fazendo a sério, como não se fez no resto da Europa e no resto do mundo, talvez porque de tanto a imprensa sensacionalista alertar para uma nova pandemia, e já assim era com a gripe A, isto funcionou como o Pedro e o Lobo, e porque coronavirus no cu dos chineses é refresco nos europeus, americanos e brasileiros, acho que seria mesmo só uma formalidade até à globalização fazer aparecer o primeiro infetado para Portugal.  E por coincidência logo nos primeiros dias a minha própria mãe esteve em contacto com uma pessoa que tinha estado em Itália, pessoa essa que até tinha um colega que apanhou o corona e que depois se passou a chamar COVID19 e que até conheciam a jovem da feira que, se calhar por ser jovem e mulher - porque isto parece que só dava nos velhos - e acabou mesmo para ir para os cuidados intensivos. 

Lá apareceram os primeiros casos em Portugal e apareceu a primeira morte e de nova medida em nova medida mais restritiva que a anterior, chegou-se ao estado de emergência, decretado pelo presidente da república hipocondríaco. O primeiro estado de emergência desde constituição de 1976. No dia seguinte eu saí para a rua, mas, contrariamente ao que esperava, não encontrei chaimites nas ruas, nem polícias, nem sequer a municipal. Tudo continuou igual. O estado de emergência era afinal, uma mera ferramenta proposta pelo presidente da república para que, se o governo assim entendesse, pudesse restringir alguns direitos e liberdades em prol do combate ao vírus. 

Já há duas semanas que tinha deixado de ir ao clube para treinar apesar dos colegas o continuarem a fazer como se nada se passasse. Mas nesta última semana já eu me sentia um pouco desconfortável. Deixei de ir ao hipermercado buscar o café e foi estranho quando comecei a ver as primeiras pessoas de máscara e luvas. Parecia que estava num filme de ficção científica. Começa-se a ficar ansioso, de sobreaviso. O inimigo pode estar em todo o lado, escondido, pronto a disparar. À medida que o vírus se vai aproximando de nós, começam-se a aumentar as distâncias para os outros. Disse à minha colega que se um de nós ficasse doente também o outro ficaria, porque nós trabalhamos lado-a-lado, quase um em cima do outro. E por coincidência somos os dois doentes auto-imunes. Mas isso de ficarmos os dois infetados não é necessariamente verdade, porque, à medida que se foi sabendo mais do bicho, constatou-se que metade das pessoas que fizeram testes estavam infetadas mas nunca tiveram qualquer sintoma. 

O medo instala-se e até aquela pessoa que na empresa nunca lava as mãos depois de ir à casa de banho, começa a fazê-lo (e ainda bem), pela sua segurança mas especialmente pela dos outros. 

As escolas foram fechadas. O trânsito das ruas parece Agosto. Um dos patrões que acha que isto é uma "constipaçãozinha" continua a ir ao ginásio e eu quero-o distante de mim. Entretanto tudo fechou e também os ginásios fecharam. Até os cemitérios e as missas o estado de emergência fechou. No início da semana a minha colega consegue falar com a médica dela e fica de baixa. Passamos a ser quatro na empresa. Eu não consigo chegar à fala com o meu médico do hospital, dizem-me depois que não me preocupe, que esteja atento ao telemóvel porque eles estão a contactar todos os doentes crónicos. Mas até à data não me contactaram. 

E lá continuei a trabalhar porque na empresa age-se como se tudo estivesse normal. Pode-se fazer teletrabalho, pode-se levar trabalho para casa. Sugeri até, o que é ilegal. Em vez dos onze dias de férias que obrigam a gozar em Agosto, poderiam ser gozados agora. Nem me importava com uma espécie de lay-off e ficasse em casa com redução do salário. Mas não, enterra-se a cabeça na areia e faz-se de conta que está tudo bem. A única pessoa que vai para casa é a que está saudável, porque está protegida pelo decreto de cuidar dos filhos menores de doze anos. 

Entretanto as pessoas que se preocupam comigo começam-me a fazer sentir irresponsável por continuar a trabalhar. Mas é a minha obrigação continuar a trabalhar até haver justificação em contrário. É sempre preciso um papel. O papel da baixa ou outro papel qualquer que assim o justifique. Enquanto trabalho ouço na rádio, no meio de todas aquelas indicações tomadas pelo governo sobre o estado de emergência que os trabalhadores que são doentes crónicos não podem estar a trabalhar. Nem os diabéticos podem trabalhar. Bom, então acabou-se, decidi. Amanhã não vou trabalhar. E não fui. Depois de contactado o centro de saúde via eletrónica liga-me a minha médica de família a dizer que não me pode dar baixa porque não estou doente. Tenho que ir ao site da segurança social direta e ver como fazer. No site não há nenhum menu a falar do coronavírus, nem nenhum formulário para o efeito.  

Bem mais importante. Hoje é sábado e chegou o dia de tomar a medicação. O que fazer? Tenho de ser eu o meu médico e eu a avaliar a situação. Tomar uma droga que me baixa as defesas por mais quinze dias, podendo no entanto a doença piorar, ou fazer a medicação normalmente e sujeitar-me a ser infetado e depois ser uma chatice?

Acho que é preferível doente que morto. 

Não é?

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