sábado, 18 de novembro de 2023

O Golpe de Estado de 7 de Novembro de 2023

 Aquela terça-feira, 7 de Novembro de 2023, era um dia como outro qualquer. Como de costume eu estava a trabalhar trabalhar, tranquilamente, a poucos metros da ponte D. Luís  quando inesperado acontece! 

O chefe chega, todo empolgado, e pergunta se sabíamos das últimas notícias. Parece que todo o governo estava a ser investigado, vinha aí o Diabo e, no mínimo iam rolar cabeças. Eu continuei no meu canto, impávido e sereno. Já os meus colegas tinham colocado os smartphones a dar em direito as notícias e, com tanto frenesim, mais parecia que vinha aí o fim do mundo em fio dental a íamos ser invadidos por extraterrestres. 

Mas foi pior. Um comunicado de imprensa da Procuradoria Geral da República acabava de cometer um golpe de Estado e deitar abaixo um governo de maioria absoluta, eleito democraticamente pelos portugueses. 

Perante os indícios e o diz-que-disse do comunicado, o primeiro-ministro demite-se. Foi um escândalo nunca visto. Certamente em breve todos iriam ser todos exemplarmente presos. 


Uma parte do país estava completamente eufórica. Nem imagino a quantidade de garrafas de champagne que terão sido abertas nesse dia. Contudo, eu, que nem sequer tinha contribuído para eleger este governo e de quem até sou muito crítico, não me senti particularmente feliz, pelo contrário, fiquei muito apreensivo. O meu primeiro sentimento foi de dúvida, sabendo muito bem que a justiça portuguesa ainda não tinha tido o seu 25 de abril, e que está completamente dominada por interesses, quer da maçonaria, quer pelos próprios partidos, quer do partido ilegal da extrema-direita que viola a Constituição e que se tem infiltrado nas forças de segurança. 

Como já há quase dez anos que não tinha televisão, não via telejornais nem ouvia os manipuladores, disfarçados de comentadores políticos, nem ouvia as escutas diárias, às pinguinhas, a queimar em lume brando os arguidos que, segundo a Constituição gozam de presunção de inocência.

Ainda assim, nunca foi por não ter televisão que me tinha por mal informado. Naquele tempo não esperava que a informação viesse ter comigo, era eu que ia atrás da informação e, entre outros, lia todos os dias o JN, DN, El País, Guardian, Folha de São Paulo, e comecei a ler o que diferentes figuras relevantes, de diversos setores, tinham para dizer, E o mais curioso é que, todos eles, convergiam com as minhas suspeitas: ou o ministério público rapidamente apresentava as graves provas que tinham reunido ou então estávamos perante um golpe de Estado. 

Cândida Almeida, ex-diretora do DCIAP escrever no Jornal de Notícias:

justiça portuguesa é, afinal, a mais célere do Planeta! Com estrondosa e censurável violação do segredo de justiça, esquecida que foi a discrição até então, o país foi acordado na passada terça-feira com notícias sobre a realização de várias diligências, de detenção, buscas e apreensões domiciliárias e não domiciliárias, no âmbito do processo relativo à exploração do lítio e hidrogénio verde. De imediato, os média rodearam-se de alguns espertos nestas matérias, e não só, que rapidamente se organizaram, nomeadamente sobre a égide dos vários canais de televisão, em mesas redondas, quadradas e de outras formas possíveis. 

Pela primeira vez na história da nossa liberdade assiste-se de forma grave e perigosa a uma negativa conexão entre a Justiça e a Política. 

As vozes sensatas presentes nesses debates foram desconsideradas e abafadas. Era preciso condenar, sem recurso, pelos crimes de que aqueles eram indiciados, corrupção activa e passiva, prevaricação e tráfico de influências. Registe-se que os detidos nem sequer tinham sido interrogados pelo juiz de instrução. A justiça da praça pública serve interesses ocultos e entusiasma os pretensiosos e ignorantes. O processo encontra-se em segredo de justiça (!), porém os justiceiros já decidiram a causa, no conforto de uma cadeira estrategicamente colocada num espaço de TV.

Com maior gravidade ainda foi a revelação de que corria no STJ inquérito contra o primeiro-ministro António Costa por actos relativos à investigação sobre o lítio. Rompendo com todas as normas deontológicas, alguém informou a imprensa da existência do inquérito, não obstante sem suspeitos ou arguidos constituídos. Por curiosidade, na passada quarta-feira, o Expresso online referia que são praticamente inexistentes indícios do cometimento de crime por António Costa, que até pode não ser constituído arguido. 

Receio que a nossa democracia não esteja de boa saúde. E falta esclarecer o porquê e para quê a Senhora PGR foi a Belém!...

Num artigo intitulado "Um dia negro", Miguel Sousa Tavares escrevia no Expresso:

E assim, curto e grosso, o país viu-se sumariamente enxovalhado e na lista negra de lugares onde seja saudável e prudente investir. De caminho, também e para efeitos internos, interrompeu-se a meio uma legislatura de maioria absoluta, atirou-se ao lixo um Orçamento prestes a ser votado e várias medidas urgentes e úteis para as pessoas dele constantes, interromperam-se as inadiáveis negociações com os médicos e a reestruturação do SNS, paralisou-se a execução do PRR e lançou-se em Bruxelas a suspeita sobre a boa aplicação dos seus dinheiros, aplicou-se um golpe de consequências ainda imprevisíveis na política de transição energética essencial a um país sem petróleo, gás ou centrais nucleares, mais uma vez protelou-se a escolha sobre o novo aeroporto de Lisboa, deixou-se a gestão governamental suspensa num momento em que paira uma recessão no horizonte, soltou-se, ufano, o populismo e a descrença nas instituições no ano das celebrações do 25 de Abril e devolveu-se a praça a alternativas forçadas que não existiam por si há três dias. Independentemente das culpas, da razão ou da sem razão de tudo isto, do lugar de esquerda ou de direita de onde se olhe para o fatídico 7 de Novembro, quem ainda consegue angustiar-se com o destino deste infortunado país não pode deixar de lamentar mais uma oportunidade perdida. Uma maio­ria absoluta, um Governo sem albergue para extremistas, contas certas, a dívida pública a ser paulatinamente diminuída a benefício de agora e dos que virão e o dinheiro europeu como nunca mais virá: tudo desperdiçado, outra vez.

Em 7 de Novembro aconteceu uma de duas coisas, e apenas uma de duas coisas, pois não há terceira hipótese. Ou um impensável cancro andou a ser congeminado e a germinar entre várias pessoas do círculo íntimo do poder e do primeiro-ministro, sem que ele desse por nada — o que eu quero acreditar, e acredito —, ou vários magistrados do Ministério Público (MP), confundindo diligências de governantes com indícios de crime de corrupção e “intervenções para desbloquear procedimentos” com crime de tráfico de influências, decidiram, leviana ou conscientemente, derrubar um Governo eleito pelos portugueses e agora ficarem tranquilamente sentados durante 10 anos a assistir à “justiça a seguir o seu curso” e à história a mudar abruptamente o seu.

Garcia Pereira escreveu no Noticias Online:


E assim sendo, e tendo tal forma de actuação do Ministério Público conduzido – como era tão previsível quanto inevitável que conduzisse – à demissão do Primeiro-Ministro e à queda do Governo, não há agora alternativa a esta questão: ou as suspeitas do Ministério Público têm um mínimo de credibilidade e não podem deixar de, num processo justo e com as devidas garantias de defesa, conduzir a uma fundamentada acusação e depois a uma justa condenação, tendo António Costa que assumir as respectivas responsabilidades jurídico-penais e políticas; ou tudo isto não passou de autêntica “fumaça”, e o Ministério Público, a sua dirigente máxima e todos quantos com eles alinharam nesta operação de cerco e aniquilamento não poderão deixar de ser política e criminalmente responsabilizados pelos gravíssimos danos pessoais, sociais e políticos que causaram, até porque não é de todo admissível que, numa situação como esta (ou seja, se se vir que a pública imputação não tinha fundamento), o Ministério Público possa, num autêntico golpe de Estado, derrubar um Primeiro-Ministro e o seu Governo, sejam eles quais forem"!

O insuspeito Pedro Tadeu escreveu no Diário de Notícias:


Vamos lá puxar pela memória. Paulo Pedroso, político, esteve em prisão preventiva entre maio e outubro de 2003, no âmbito do Processo Casa Pia. Cumpriu quatro meses e meio. Os tribunais inocentaram-no. O Estado português foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a pagar-lhe uma indemnização de 68 mil euros por detenção injusta.

O ator Herman José foi indiciado por um crime alegadamente ocorrido em Portugal a 8 de fevereiro de 2002. No entanto, Herman José apresentou provas, como gravações vídeo e bilhetes de avião, que demonstravam que naquela data estava no Brasil em trabalho para a SIC. Não foi julgado, mas fora despedido da SIC e sofrera graves danos reputacionais.

Madeleine McCann desapareceu na noite de 3 de maio de 2007, quando tinha quase 4 anos de idade, do seu apartamento em Praia da Luz, Algarve. As autoridades contaminaram o local do desaparecimento. Os pais foram publicamente declarados como principais suspeitos de uma morte acidental e de ocultação do cadáver da filha. 16 anos depois, o mês passado, a BBC noticiou que elementos da Polícia Judiciária se tinham deslocado a Londres onde tinham pedido desculpa ao casal. A Judiciária emitiu um comunicado a desmentir essa informação, alegando que foram apenas dadas informações sobre o andamento do caso, que foi arquivado pelo Ministério Público em 2008 e reaberto em 2013, sem resultados.

Miguel Macedo demitiu-se em 2014 de ministro da Administração Interna ao ser envolvido pelo Ministério Público no chamado Caso Vistos Gold. Ao fim de quatro anos foi absolvido de todas as acusações. Nunca mais voltou à política.

O antigo primeiro-ministro José Sócrates foi detido em 2014 (Operação Marquês) e preso preventivamente durante nove meses. A decisão de que o caso deveria seguir para julgamento só aconteceu sete anos depois. Dos 31 crimes que o Ministério Público o indiciava o juiz de instrução anulou 25. Há recursos a correr no Tribunal da Relação, da defesa e da acusação, num caso que se eterniza.

A pergunta que deixo é esta: Não podendo, nem devendo, a política meter-se no trabalho da Justiça, que penalizações a própria Justiça aplicou aos responsáveis por erros, omissões, incompetências, demoras, desleixos, teimosias e atropelos ao bom senso que, como é evidente, sempre que um caso é mediático, sistematicamente os investigadores judiciais cometem?... Que fizeram sobre isso, por exemplo, o Conselho Superior do Ministério Público ou o Conselho Superior da Magistratura?
E já nem falo das violações de segredo de justiça que, em todos estas situações, aconteceram e que arruinaram a reputação pública de alguns inocentes.

Se o Ministério Público quer que confiemos nele, tem de fazer Justiça a si próprio.

Assim de cabeça e sem recorrer à Wikipedia, em fevereiro de 1908, Manuel Buíça, que pertencia à carbonária e apoiado pelos republicanos, espeta uns balázios na cabeça do rei e, dois anos depois, uma revolução deita abaixo a monarquia e proclama a república. Dezesseis anos depois, em 1926, a Igreja Católica ressabiada pela perda de influência, e com o apoio dos militares faz um golpe e instala uma ditadura fascista que haveria de durar 48 anos, até de 25 de abril de 1974 em que, outra revolução comandada pelos militares devolve a liberdade e a democracia.
 
O Brasil teve os seus dois golpes, primeiro de Dilma, depois de Lula. Costa foi afastado exatamente da mesma forma e eu lembrei-me logo de um vídeo da Porta dos Fundos que satirizou isso muito bem. No nosso caso poderia ser:
"Já estou com dores nas costas".
Vocês disse "Costa"?  
Manda um comunicado a dizer que vamos investigar o Costa!

  

Dias depois do 7 de novembro e, como eu pensava, as minhas suspeitas mostraram-se certas, a montanha havia parido um perigoso golpe de Estado através de um comunicado da procuradoria.

Portugal era olhado com gozo "o primeiro-ministro que se demitiu por engano" ou "o ministério público que tinha confundido o nome do primeiro-ministro"! 

Mas ó Konivs, tu não achas que houve ali no governo do PS trapalhadas e facilitismos que pode roçar a corrupção?

Ó cara leitora ou leitor desprevenido que por aqui aterrou: é lógico que a tentação de quem tem a possibilidade de meter algum ao bolso é sempre grande, seja meter ao bolso a caneta lá da empresa, seja a meter uns dinheiros por debaixo da mesa na junta de freguesia, a câmara municipal ou no governo, porque, como até sabemos, diz-se que a melhor profissão que há é a de ex-ministro. 

E o problema é que, apesar de, contrariamente à maioria da opinião pública, nós nem estamos assim tão mal no que se refere à percepção da corrupção no mundo, a verdade é que temos que melhorar muito a esse respeito. E antes mesmo de apontarmos o dedo a quem quer que seja, nós mesmos, na nossa vida deveremos pautar a nossa vida pela ética e não tentando sempre arranjar um esquema ou aproveitarmo-nos das situações. 

Mas depois, eu olho para a Justiça, e vejo uma clara diferença de tratamento quando se trata de PS ou PSD (e eu estou muito à vontade porque não voto em nenhum dos dois). 

Na minha visão, o processo Casa Pia ia servindo para tentar decapitar o PS e meter na lama Paulo Pedroso. Sócrates esteve detido durante um ano para ser investigado, e está há 10 anos à espera de julgamento! E agora, um governo eleito democraticamente, de maioria absoluta é decapitado porque alguém se baralhou nos nomes! Mas estamos a brincar?

Por outro lado, se a Justiça é rápida a acusar uns, depois já não se vê nada quando se trata dos casos dos outros. Lembrar os submarinhos do irrevogável Paulo Portas, em que quem os vendeu na Alemanha foi preso, bem como quem os comprou na Grécia mas em Portugal nem sequer foi a tribunal! Ou lembrar também a Tecnoforma de Passos Coelho em que a comissão europeia, contrariando o ministério público português disse que houve graves irregularidades e corrupção! Mas também não foi a tribunal!


Assusta-me ver o rumo que isto está a tomar. Deita-se abaixo um governo com maioria absoluta assim do nada. Serão milhões de prejuízo. O país fica parado mais uns meses. O crescimento do populismo a acenar com o papão da corrupção. Apesar de todas as minhas críticas ao governo de António Costa, temos que o que venha a seguir seja bem pior...

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