"Muitas vezes as pessoas vêm para cá iludidas".
Começo a chegar à conclusão que anda meio mundo a tentar aproveitar-se de benefícios a que não têm direito, e outros, os que naturalmente os têm, quase têm vergonha de os vir a usufruir. É mais ou menos como quando temos vergonha de pedir aquilo que é nosso, que emprestamos e que não nos devolveram.
Há mais de dez anos que a médica tinha-me dito que eu teria direito a uma incapacidade por causa da minha doença. Foi pedido um relatório médico mas depois quando ia tratar de pedir a junta médica, fiquei a saber que o governo de Passos Coelho roubava - sim, tratava-se de um roubo - 50€ de taxa moderadora para meramente solicitar o pedido para uma junta médica avaliar a percentagem de incapacidade. Isto não era taxa moderadora nenhuma, era sim uma tentativa de limitar ou desincentivar os pedidos de junta médica e baixar o número de pessoas que passaria a ter mais direitos.
Uma das vantagens de ter uma incapacidade superior a 60% era não ter que pagar "taxas moderadoras", entre aspas porque nunca ninguém me explicou como é que se "moderam" doenças auto-imunes crónicas para as quais nada fizemos para as ter. Mas como na altura estava desempregado e por essa via já não as pagava, achei que, com grande azar poderia ter só 50% de incapacidade e acabava de deitar 50€ ao lixo.
O tempo foi passando, mudei de médico, o país mudou de governo e fui deixando andar... Voltei a tentar por alturas da pandemia, mas tudo atrasou, e um relatório ficou perdido anos sem me ser entregue e já não tinha valor porque diz a burocracia que só se pode apresentar o relatório com seis meses (como se seis meses depois uma doença crónica - e crónico significa que é para sempre - pudesse estar diferente do que estava antes.
Voltei definitivamente à carga sobre este assunto este ano. Isto tinha que se resolver, desse por onde desse, tivesse eu a percentagem de incapacidade tivesse, mas ao menos ficaria a saber. O custo foi substancialmente menor, 12€.
Solicitei novo relatório, fui ao centro de saúde fazer o pedido, e a senhora lá que me disse que "muitas vezes as pessoas vêm para cá iludidas". Mas lá entreguei a papelada e fiquei a saber que seria chamado dali a uns quatro meses, e logo pensei que iria ser chamado em período nas férias. E não me enganei.
No dia agendado lá fui ao centro de saúde muito tranquilamente, afinal, não tinha nada a perder. Entreguei a requisição e o cartão de cidadão, paguei e aguardei ser chamado.
Não devo ter estado lá dentro mais do que dois minutos. Respondi à pergunta e, melhor do que um atestado médico, mostrei algumas deformações que comprovam o diagnóstico. Mandaram-me sair e disseram que iam então redigir o documento.
Cá fora devolveram-me o cartão de cidadão e aguardei mais uns quantos minutos. Até que me chamam novamente, e no balcão pergunto: "então o que é foi decidido"?
"A decisão foi-lhe muito favorável", disse-me a senhora. Eu olho para o papel em cima do balcão, começo a descer com os olhos e leio "incapacidade: 80%.
A senhora parecia muito surpreendida. A questão é que muitos problemas de saúde, que resultam em incapacidades não estão escritas na testa nem se vêem na cara. E por isso é que só uma junta médica, com recurso a relatórios médicos, pode atestar a incapacidade de determinada pessoa.
Já depois de ter o estado multiuso de incapacidade superior a 60% (que deve ser entregue uma cópia nas Finanças, Segurança Social e centro de saúde) é que tomei verdadeiro conhecimento de alguns direitos que a pessoa tem, tais como isenção de taxas moderadoras, benefícios fiscais (IRS), isenção de ISV na aquisição de um carro ou ainda isenção do IUC (dentro de algumas regras).
Mas o conselho que deixo é: não abdicar de nenhum direito que não gostarias de ter.
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