domingo, 1 de janeiro de 2023

A Sede de Sangue

 


"Como a chuva, vem tudo a potes - ou não vem. Todo o continente é um imenso vulcão cuja cratera está temporariamente oculta por um panorama móvel, que é parte sonho, parte medo e parte desespero. Do Alaska ao Iacatão, a história é a mesma. A Natureza domina. A Natureza vence. Existe em toda a parte a mesma ânsia fundamental para chacinar, para destruir, para pilhar. Exteriormente, parece um povo excelente e honesto; saudável otimista e corajoso. Interiormente, está cheio de vermes. Um centelhazinha e explode. 

Acontecia muitas vezes, como na Rússia, um homem chegar amuado. Acordara assim, como que assarapantado por uma monção. Nove vez em dez era um bom tipo, toda a gente gostava dele. Mas quando a cólera irrompia nada o conseguia deter. Era como um cavalo com os vágados, e a melhor coisa que se poderia fazer por ele seria abatê-lo logo. Acontece sempre assim com as pessoas pacíficas. Um dia ficam amoque. 

Na América estão constantemente a ficar amoque. Do que precisam é de um escape para a sua energia, para a sua sede de sangue. A Europa é sangrada regularmente pela guerra. A América é pacifista e canibalista. Exteriormente parece um belo favo de mel, com os zangões a amarinharem uns por cima dos outros, num frenesi de trabalho; interiormente é um matadouro, com cada homem a matar o vizinho e a chupar-lhe o tutano dos ossos. 

Superficialmente, parece um mundo ousado, viril; na realidade, é um bordel dirigido por mulheres, com os nativos a atuarem como alcaiotes e os malditos estrangeiros a venderem a sua carne. Ninguém sabe o que é sentar o cu e estar satisfeito. Isso só acontece nos filmes, onde tudo é forjado, até os fogos do inferno. Todo o continente dorme profundamente, e nesse sono desenrola-se um grande pesadelo. 

Trópico de Capricórnio / Henry Miller (1939)

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