quarta-feira, 13 de maio de 2015

O que ando a ler V

- Oh minha senhora, se deveis isso tudo a crimes, a Providência, que acaba sempre por ser justa, não vos permitirá gozá-lo durante muito tempo! redargui-lhe.
- Enganas-te - disse-me a Dubois. - Não julgues que a Providência recompensa sempre a virtude, não permitas que um breve momento de prosperidade te mergulhe em tais erros. É indiferente à manutenção das leis da Providência que este seja pecador enquanto aquele é virtuoso; é-lhe necessária igual quantidade de pecado e virtude, e o indivíduo que pratica uma coisa ou outra é-lhe absolutamente indiferente. Escuta-me, Sophie, escuta-me com um bocadinho de atenção. És inteligente e desejaria finalmente convencer-te. Não é a escolha , pelo homem, do vício, ou da virtude, minha querida, que lhe dá a felicidade, porque a virtude, como o vício, mais do que não é que um um modo de conduta no mundo. Não se trata, portanto, de seguir um de preferência à outra, e sim de talhar apenas o caminho geral. Todo aquele que se afasta desse caminho procede sempre mal. Num mundo inteiramente virtuoso aconselhar-te-ia sempre a virtude, pois, como para ela haveria recompensas implícitas, nela estaria infalivelmente a felicidade. Mas num mundo inteiramente corrupto jamais te aconselharia outra coisa que não fosse o vício. Aquele que não trilha o caminho dos outros acaba inevitavelmente por perecer; todos os obstáculos que se encontra no caminho o ferem e, como é o mais fraco, tem por força de ser destruído. 


É em vão que as leis pretendem restabelecer a ordem de reconduzir os homens à virtude; demasiado viciosas para semelhante empreendimento e demasiado fracas para alcançarem êxito, afastam por instantes do caminho trilhado, mas jamais conseguem que este seja definitivamente abandonado. Quando o interesse geral dos homens os leva à corrupção, aquele que não quer corromper-se com eles luta contra o interesse geral. Ora, que felicidade pode esperar aquele que contraria constantemente o interesse dos outros? Dir-me-ás que é o vício que contraria o interesse dos homens, e eu concordaria contigo se o mundo fosse constituído em partes iguais por pecadores e virtuosos, porque então o interesse de uns chocaria visivelmente com o dos outros, mas não é isso que acontece numa sociedade onde a corrupção impera. Nesta, os meus pecados só lesam os pecadores e determinam neles outros pecados que os desforram...
E ficamos todos felizes! A vibração torna-se geral, dá-se uma multitude de choques e lesões mútuas em que cada um recupera sem demora o que acabou de perder e se encontra constantemente numa posição vantajosa. O pecado só é perigoso para a virtude que, fraca e tímida, jamais ousa seja o que for. Mas se ela for banida da face da Terra, o pecado, lesando apenas pecadores, não incomodará mais ninguém, dará origem a outros pecados e não ofenderá quaisquer virtudes. Argumentar-me-ão com os efeitos benéficos da virtude? Outro sofisma, pois ela só serve para os fracos e é inútil àquele que pela sua energia  se basta a si mesmo e só precisa da sua astúcia para corrigir os caprichos do destino. Como querias não ter falhado na vida, querida filha, se seguiste sempre em sentido inverso ao de toda a gente? Se te tivesses deixado ir onda, terias encontrado o porto, tal como eu encontrei. Aquele que quer remontar um rio chega mais depressa do que aquele que o desce? O primeiro quer contrariar o outro, o segundo abandona-se à corrente. (Marquês de Sade - Justine)

Acabei o segundo livro de Sade, e não poucas vezes senti-me muito identificado com a sua personagem principal, Justine, que tentando sempre fazer o bem, acabava sempre fodida, muitas vezes até literalmente! sempre espezinhada, nunca obtendo nenhuma "recompensa divina" pelo bem que fazia em prol dos outros. Todos os outros, os que só faziam o mal e cometiam os crimes mais hediondos para subir na vida, esses sim, eram sempre recompensados.

Olho para a minha vida e olho em volta, e acho que me prejudico constantemente por ser demasiado frontal, por ser demasiado honesto, por não querer ir contra a minha ética pessoal, por dizer o que penso, por não esconder, por não usar de manhas. A esse propósito, ainda por estes dias, na revista de imprensa da TSF, Fernando Alves fazia referência a uma entrevista a Fernando Dacosta que falava da "manha portuguesa" "- Como é que sobrevivemos se não formos manhosos? Quem diz o que pensa está lixado". É por isso que eu me fodo constantemente, por não usar de manhas. 

Sem comentários:

Enviar um comentário