segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Eloísa de Castro - A Filosofia Heavy Metal - FiloMetal (2)

O El País voltou ao tema do Heavy Metal e da Filosofia, desta vez na revista de domingo, com uma entrevista a Eloísa de Castro que "escreve, canta, pinta, faz teatro e filosofa". E que "através do metal, traz para a actualidade a sabedoria das pensadoras históricas esquecidas que mais a inspiram. Assim, criou um novo género musical: o filometal".

Aqui fica a entrevista na íntegra e, no final, deixo o último álbum da artista que está na sua conta de Youtube.


"O olhar torvo de Camilo José Cela parece pousar sobre esta jovem de cabelo ruivo que posa com um vestido gótico, sob o qual se entrevê um corpo tatuado. Os saltos dourados ecoam sobre o soalho de madeira solene da Galeria de Retratos do Ateneo de Madrid, com rostos de ilustres senhores a observarem a filósofa, ensaísta, cantora de heavy metal e pintora Eloísa de Castro (Madrid, 28 anos). 

Entre os quadros, o da filósofa rebelde María Zambrano, a única mulher rodeada por 28 homens. Ela é um farol intelectual para De Castro. “Acaso não sou livre para sentir? Acaso não sou luz para viver?”, entoa a artista, de sangue burgalês, na sua canção María Zambrano, Ordo Amoris. De Castro recolhe o legado intelectual da pensadora malaguenha para o transportar para um gineceu musical, onde reúne pensadoras ignoradas pelos seus contemporâneos e esquecidas pela história. Fá-lo através do heavy metal, um género difícil para o profano, mas utilizado como veículo para a filosofia ou a ética, a mitologia ou a história. O seu é um exercício contra a corrente em tempos de altifalantes a cuspirem versos sobre quem tem o carro ou o cu maior.

O heavy seduziu essa criança com os seus casacos de cabedal e cabelos compridos. Também explorou o seu lado científico, pois encontrou o seu gineceu quando pediu que lhe oferecessem um microscópio e um telescópio. “Em pequena queria ser Rosendo e Einstein ao mesmo tempo”, comenta. Dois pro-homens peculiares. 

Não tinha referências femininas. Aos oito anos perguntou à mãe: “Sou um rapaz?”, pois os seus gostos pareciam masculinos: fascinava-a o metalero Leo Jiménez, vocalista dos Saratoga e grande figura do metal espanhol. “Não, és uma rapariga, com gostos que também são de raparigas”. E então conheceu Doro, diminutivo de Dorothee Pesch, a rainha do metal. E tudo se acelerou. 

“Convido os jovens a experimentar, a serem chonis, rappers, para depois escolherem o seu género e não verem o metal como algo satânico. Infelizmente fizeram-me bullying no secundário por gostar disto. Somos luz dentro da nossa escuridão e procuramos levar cultura às pessoas, não a maldade”, aponta.

@elodecastrofficial

Aquela adolescente foi percebendo pouco a pouco que também há mulheres na música sombria, embora demasiadas vezes enfiadas em espartilhos de couro sexualizados. “Pode ser uma ferramenta de expressão, desde que seja escolha delas. Eu gosto de ser mais elegante, não tão provocadora”, diz a filósofa, que hoje enverga um vestido comprido do qual sobressai a tinta da sua pele. Os nomes do irmão e da mãe, tatuados em grego antigo nas coxas. Num braço, o ícone do seu livro Antiética do Narcisista. Também um dragão, um símbolo, junto a uma chave inglesa em memória do seu avô Manolo e, no alto do peito, o núcleo da questão: a palavra Filometal. “É o meu bebé, a fusão entre filosofia e heavy metal, divulgando filosofia e ciência de teses exclusivamente femininas”, recorda.

Disseram-me que, se não aparecesse com um corpete, uma banda e mais decote, não teria hipótese nenhuma. Eu respondi: ‘Estão a confundir-me com outra pessoa’. Uma mulher que canta, escreve letras e lidera o seu próprio projecto mete medo. Todas as pessoas a quem se pode pedir conselho são homens. Alguns estão bem, mas a outros não lhes agrada que se iguale o seu poder. Se o filometal fosse feito por um rapaz da minha idade, agora estaria a rebentar”, diz a autora, que nas suas obras fala sobre o narcisismo da sociedade e os seus artifícios. Questionada sobre se teme afogar-se no seu reflexo, confessa que a sua psicóloga lhe receita regularmente um: “Não te esqueças de quem és”. Assim consegue aterrar e continuar a criar.

O seu disco de filometal Gineceu (2022) - que terá uma versão em teatro musical em Viagem ao Gineceu, que se apresentará a 27 de Março no Ateneo de Madrid - vai-lhe trazendo ganhos, alguns económicos e muitos morais, como ter conseguido que a sua avó compreendesse o filometal e a incentivasse a nunca se submeter. “A filosofia deve abrir caminho, tal como o heavy metal, através de um palco, lida, ao vivo. Nas redes sociais há muitos divulgadores. Gosto muito da Bea Jordán, tem uma onda muito choni! A filosofia tem de estar na rua, e deve-se debater como se debate A Ilha das Tentações”, ri-se. “Seria espetacular uma Operación Triunfo de filósofas! Levaria a Bea Jordán, a Alba Moreno [uma física divulgadora com estética choni], a La Zowi - estou apaixonada pela La Zowi —, a [a bióloga molecular e candidata a astronauta] Sara García e a Inés Chamil, divulgadora de heavy”.

“Defende o teu direito a pensar, porque até pensar de forma errada é melhor do que não pensar”

“Defende o teu direito a pensar, porque até pensar de forma errada é melhor do que não pensar”, insiste De Castro, que está convencida de que hoje em dia não se pensa, limita-se a seguir a massa. “Em tempos cinzentos, de crise, com pouco acesso à habitação e tudo o resto, os jovens precisam de uma aurora, como falava Zambrano, para nos consciencializarmos de que virá um futuro melhor. A história diz que depois do negro vem a luz”, confia. A artista critica, em tom de brincadeira, o filósofo Immanuel Kant por ter distinguido entre ciências e letras, como se as humanidades fossem inferiores. “As humanidades e a ciência não se entendem uma sem a outra; a filosofia é a mãe da ciência. É valiosíssimo estudar o cancro, mas precisas de ética, de saber ser um bom cidadão, de entender de política, de ter o teu momento artístico. Um bom cientista deve ter uma boa base humanística e vice-versa”.

- Uma mulher que escreve, canta, pinta, faz teatro e filosofa é um homem do Renascimento?

- O Renascimento foi uma boa época. Sem o desmerecer, isto é um remix do Renascimento, é também modernidade. Deveríamos dizer que somos pessoas do Renascimento, agora que estamos a incluir absolutamente tudo.

EL PAÍS, 7 de Dezembro de 2025 Por Juan Navarro | Fotografia de Lupe de la Vallina


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