Por estes dias, pensava no porquê de um ateu como eu continuar a ler livros sobre religião. Mas a resposta tem todo um sentido inverso: tornei-me resistente à religião por sempre tudo ter questionado e não aceitar o que me diziam como sendo verdade absolta e universal. Sempre quis saber, sempre quis que as coisas me fizessem sentido e não me limitei a ser uma ovelha obediente.
Nasci num tempo em que se acreditava que se iria morrer no ano 2000. Fui uma criança que cresceu a achar que nunca chegaria aos vinte e cinco anos porque "aos mil chegarás, dois mil não passarás". Nascia-se, ia-se para a escola, fazia-se a tropa, começava-se a trabalhar, casava-se, e claro, ia-se todos os domingo à missinha e rezava-se a Deus Nosso Senhor, criador de todas as coisas, para viver para sempre ou então arder no fogo eterno do inferno.
Como já por aqui contei diversas vezes, o único livro que existia em casa quando era criança era uma Bíblia. E, depois, aos dez anos, recebi outra bíblia mas só com o Novo Testamento, oferecida pelo padre, aquando da comunhão solene.
Lembro que, em pelo menos dois diferentes momentos da adolescência ter tentado ler a bíblia, a tal palavra de Deus. Li e forcei-me a tentar. Mas nunca aquilo fez o mínimo sentido para mim. Aquele Deus ali retratado nunca poderia ser o meu Deus. Nada fazia qualquer sentido para mim.
E até que, tantos anos depois, e depois de muito tempo à procura do livro, que não é propriamente fácil de encontrar, consigo adquirir "Cristo Nunca Existiu" de Milesbo (pseudónimo de Emilio Bossi), e para mim, tudo o que ali está faz todo o sentido.
Aqui deixo alguns excertos ao longo do livro e que possa persuadir alguém que por aqui passe a lê-lo:
CAPÍTULO I - O SILÊNCIO DA HISTÓRIA ACERCA DA EXISTÊNCIA DE CRISTO
"De Jesus Cristo, pessoa real, ser humano, a história não nos conservou documento algum, prova alguma, demonstração alguma. Cristo nada escreveu.
Sem levar em conta a Bíblia que, além de não dar nenhuma prova sobre a personalidade real do Cristo, ainda demonstra o contrário. Dos muitos autores profanos que foram contemporâneos de Cristo, nenhum nos deixou o menor vestígio acerca dele.
Ernesto Renan, o mais célebre dos cristólogos, que cometeu o erro de fazer da Vida de Jesus uma biografia quando não passa de uma engenhosa lenda, vê-se obrigado a reconhecer o silêncio da história em volta do seu herói. Ele escreve que os países gregos e romanos nunca ouviram falar de Cristo. Mesmo com os movimentos sediciosos provocados pela sua doutrina e as perseguições de que foram alvo os seus discípulos, ainda assim o seu nome não aparece nos autores profanos durante o primeiro século depois da sua morte, sequer indiretamente.
No judaísmo, Jesus não deixou impressão duradoura. Fílon, que morreu no ano 50, nada sabe acerca dele.
Um escritor hebreu, Justo de Tiberíades, que narrou a história dos hebreus desde Moisés até fins do ano 50 da era cristã, não cita sequer o nome de Cristo, segundo atesta Fócio. Juvenal, que fustigou com a sátira as crenças do seu tempo, fala extensamente dos hebreus, mas não dedica uma única palavra aos cristãos como se eles não existissem. Plutarco, nascido 50 anos depois de Cristo, historiador eminente e consciencioso, que decerto não poderia ignorar a existência de Cristo e dos seus prodígios, nem uma só vez alude, em suas numerosas obras, quer ao chefe da nova fé, quer a seus discípulos.
Séneca, que por seus escritos cheios de máximas perfeitamente cristãs faz duvidar se foi cristão ou teve relações com os discípulos de Cristo, no seu livro sobre as crenças, extraviado ou destruído, dado a conhecer por Santo Agostinho, não diz uma única palavra acerca de Cristo, e, falando dos cristãos, aparecidos já em muitos pontos da terra, não os distingue dos hebreus, a quem chama de um povo abominável.
Mas sobretudo expressivo e decisivo é o silencio de Fílon acerca de Cristo. Fílon, que contaria de 25 a 30 anos, quando apareceu Cristo, e que morreu alguns anos depois deste, nada sabe ou diz acerca dele. Como escritor distintíssimo que foi, ocupou-se especialmente de estudos sobre filosofia e religião, e, por certo, não esqueceria Cristo, seu compatriota de origem, se Cristo realmente tivesse aparecido sobre a face da terra e levado a cabo uma tão grande revolução do espírito humano.
Uma circunstância de grande relevo torna mais eloquente o silêncio de Fílon em torno de Cristo: é que todos os ensinamentos de Fílon podem passar por cristãos, de tal sorte que Havet não hesitou em chamar a Fílon um verdadeiro Padre da Igreja.
Por outro lado, Fílon preocupou-se especialmente em conjugar o judaísmo com o helenismo tomando do Antigo Testamento as partes mais edificantes, depois de distinguir o sentido alegórico do literal, enxertando na árvore da religião hebraica o misticismo dos neoplatónicos alexandrinos. Deste modo, chegou a formar uma doutrina platónica do Verbo ou Logos, que tem muita afinidade com a do IV Evangelho, na qual o Logos é precisamente o Cristo.
Pois bem: não é isto uma grande revelação? Fílon, que vive no tempo de Cristo, que já é célebre antes do nascimento dele, e que morre ainda alguns anos depois; Fílon, que realiza com o Judaísmo a mesma transformação, helenização e platonização idêntica à que os Evangelhos promovem, sobretudo o IV; Fílon, que fala do Logos ou do Verbo do mesmo modo que o IV Evangelho, porque não cita Cristo uma única vez sequer em suas numerosas obras? Porventura, não prova este fato eloquentíssimo que Cristo nunca foi pessoa histórica e real, mas sim pura invenção ou criação mitológica e metafísica, para o que contribuiu mais do que ninguém o próprio Fílon, que escreveu, como se fosse um cristão, sem saber nada de tal nome, que fala do Verbo sem conhecer o Cristo, e que ensina a mesma doutrina atribuída Cristo?
Por outro lado, Fílon, o Platão hebreu, alexandrino, contemporâneo de Cristo fala de todos os acontecimentos e de todos os personagens principais do seu tempo e do seu país, sem esquecer Pilatos. Conhece e descreve os essênios estabelecidos junto de Jerusalém nas ribeiras do Jordão. Foi como delegado a Roma para defender os hebreus no reinado de Calígula, o que faz supor nele um profundo conhecedor das coisas e nomes da sua terra. Se Cristo tivesse existido, Fílon certamente ver-se-ia obrigado a, no mínimo, a referir-se a ele.
Nós não conhecemos mais do que um único Jesus: o dos Evangelhos e dos Atos dos Apóstolos. Este personagem não deixou nenhum vestígio em Jerusalém, contra o que pretende Salvador; a sua vida não foi mesquinha, em oposição ao que supõe Stefanoni, ao contrário, a vida de Cristo, segundo a Bíblia, foi de tal forma rumorosa e extraordinária que nenhum outro Ser Humano viveu algo semelhante. Jesus deu causa a alvoroços públicos, a prisão, a um processo, a um drama judicial seguido de morte trágica.
Realizou prodígios maravilhosos, desde a visita dos anjos até as estrelas que marchavam para indicar o lugar do seu nascimento aos soberanos vindos da Ásia expressamente para o visitar; desde a degolação dos inocentes às discussões que sustentou aos doze anos com os doutores; desde a multiplicação do número e a transformação da natureza dos elementos à cura dos enfermos e à ressurreição dos mortos; desde a dominação dos elementos às trevas e terremotos, que assinalaram a sua morte até à sua própria ressurreição.
Ora, perante um personagem tão extraordinário e acontecimentos tais que atrairia a atenção das pessoas mais indiferentes e excitaria a curiosidade dos cronistas, analistas e historiógrafos, o silêncio da história é absolutamente inexplicável. Inverossímil e singularíssimo, como acertadamente notou Dide. Este silêncio constitui, por irrespondível, uma grande presunção contra a existência histórica e real de Cristo. Outros elementos críticos nos provam que só a inexistência de Cristo pode explicar o silêncio da história em volta dele, e que, por sua vez, este silêncio demonstra aquela não existência.
O mesmo silêncio da História acerca de Jesus revela-se também a respeito dos apóstolos, sobre os quais não existem outros documentos senão os eclesiásticos, destituídos de todo o valor provativo, pois que nô-los apresentam, não como homens naturais, mas como personagens sobrenaturais, ou pelo menos, taumaturgos, o que vem a dar na mesma.
Os únicos fatos históricos que se atribuem aos apóstolos, tais como a viagem de S. Pedro a Roma e as suas disputas com Simão Mago, o encontro de S. Pedro com Jesus e o famoso Quo vadis, Domine?, morte de S. Pedro e outros fatos, são narrados exclusivamente em livros declarados apócrifos pela própria Igreja. Outro tanto pode afirmar-se de José e de Maria, progenitores de Cristo, e bem assim de seus irmãos e de toda a sua família. Todas estas circunstâncias aumentam a significação do silêncio da história em volta de Cristo, circunstâncias que adquirem maior valor quando se vê que Cristo, Maria e os Apóstolos são puras criações místicas.
CAPÍTULO I
A BÍBLIA NÃO TEM VALOR DE PROVA
Demonstramos que Cristo não é pessoa histórica, porque a História, a verdadeira, não o conhece nem dele fala. Vamos demonstrar, agora, que a própria Bíblia, única fonte que dele nos fala, nada prova a seu favor, antes confirma a nossa tese. Cristo nunca existiu!
Maurice Vernès, numa antevisão genial e muito convincente assegura que aquilo que os livros do Antigo Testamento narram são, em geral, de feitura sacerdotal e profética, sem caráter algum histórico, mas apenas simbólico e teológico. Se tal é o resultado da exegese bíblica, pelo que respeita ao Antigo Testamento, lógico é que tal consequência se aplique também ao Novo Testamento, pois este, do princípio ao fim se apoia naquele.
Estamos convencidos de que a crítica chegará um dia a confirmar esta hipótese, porque é dentre todas, a mais racional. Por agora, basta saber que o edifício bíblico se fundamenta todo em terreno duvidoso, incerto e vago. De qualquer dos modos, a crítica já demonstrou o Novo Testamento não apresenta os requisitos necessários para autenticar a veracidade do que diz.
Todos os livros do Novo Testamento são anónimos. Cingindo-nos aos Evangelhos, as palavras precedidas pelas frases consagradas, segundo Mateus, segundo Marcos, etc., não só não provam que foram realmente dos Apóstolos ali citados, mas até indicam que foram redigidos por outros. Ignora-se, em absoluto, a época precisa em que os Evangelhos foram escritos.
A referência mais antiga que temos sobre este ponto é de Papias, bispo de Yerápolis, que se supunha martirizado no tempo de Marco Aurélio (161 - 180). O seu livro, porém, não chegou até nós. De seu testemunho relativo a Marcos e a Mateus, conserva-se apenas alguns fragmentos em Irineu e Eusébio, que demonstram não se referir aos atuais Evangelhos. Os testemunhos dos Evangelhos, que datam do III e IV século, que fé podem eles merecer?
O que é indiscutível, é que nenhum dos Evangelhos foi escrito no tempo em que Jesus Cristo viveu; e que nunca se tiveram à mão os pretendidos originais, mas sim e apenas, cópias dos mesmos e cópias das cópias. Quem nos garante, pois, que tais originais tenham existido? Tudo são trevas nos dois primeiros séculos do cristianismo.
Em tudo vemos, neste ponto, o anonimato e a falta de certeza, principais características dos livros do Novo Testamento, que bastariam para lhes tirar toda a autoridade. Mas, há mais. Os Evangelhos atuais não foram escolhidos pela Igreja com critério que revelasse maior autoridade nesses que em outros muitos Evangelhos que então andavam em voga: destes foram escolhidos quatro ao acaso, diz Santo Irineu, porque quatro eram as regiões do mundo e quatro os ventos.
E não é tudo. Antes do concílio de Niceia, a Igreja e os próprios Santos Padres serviam-se indiferentemente dos Evangelhos, que mais tarde foram declarados apócrifos, porque era igual a autoridade de todos. E mais ainda. A Igreja conservou muitas lendas que se encontram apenas nos Evangelhos apócrifos. No Novo Testamento acham-se mesmo passagens que se referem a lendas contidas unicamente nos referidos Evangelhos apócrifos. Resumindo: anonimato, incerteza nos originais, seleção ao acaso e falta de critério na pretensa autenticidade conferida pela Igreja aos Evangelhos atuais – eis aí ao que se reduz a autoridade do Novo Testamento!
Como se tudo isto fosse pouco, outras circunstâncias a diminuem ainda mais. Entre elas, as numerosas alterações a que estiveram sujeitos os Evangelhos atuais, devido à inépcia dos copistas, e especialmente à falsificação das diversas seitas. Isto nos explica, como diz Baur, a manifesta contradição das doutrinas englobadas no Novo Testamento, em luta contínua entre si.
Temos, por outro lado, a diversidade dos exemplares sobre os quais se fez a tradução do Novo Testamento em língua latina – diversidade tão grande e tão grave, que S. Jerônimo temia passar por falsário ao constituir-se em árbitro para escolher entre a profusão de tantos e tão diversos exemplares dispersos pelo mundo. E declarava ter-se visto obrigado a acrescentar, trocar e corrigir.
Juntemos ainda a demonstração feita já pela crítica, relativa à falta específica de autenticidade em não poucas partes do Novo Testamento. O último argumento contra a validade dos livros do Novo Testamento está no fato das irreparáveis contradições e das discordâncias numerosíssimas que ainda hoje contém, para não falar nos seus erros, na sua imoralidade e absurda puerilidade, apesar de a Igreja ter declarado que foram inspirados, palavra por palavra, pelo Espírito Santo!
Mateus e Lucas dão a Jesus duas genealogias diversas. Devendo Jesus nascer, segundo muitas profecias, da estirpe de Davi, Mateus pretende demonstrar que se cumpre o vaticínio, fazendo descender José, pai de Jesus, da linha de Davi. Por outro lado, porém, o mesmo Mateus afirma que Jesus fora concebido por obra do Espírito Santo. Parece, pois, que se Jesus foi concebido desse modo, não podia descender de Davi, ao passo que, descendendo de Davi, por via de José, não podia de modo nenhum ser concebido por obra do Espírito Santo.
Quanto ao ano em que Jesus nasceu, há contradição formal entre Mateus e Lucas, os únicos evangelistas que dele falam. Confrontando as circunstâncias históricas com que os dois relacionam o nascimento de Jesus, depreende-se de um modo incontroverso que o Cristo de Mateus devia ter pelo menos 11 anos quando veio ao mundo o Cristo de Lucas.
Em Mateus, José e Maria partem de Belém sem irem a Jerusalém e fogem para o Egito precipitadamente depois da adoração dos Magos, para salvarem Jesus da degolação dos inocentes, ordenada por Herodes. Pelo contrário, em Lucas, José e Maria vão publicamente ao templo de Jerusalém, onde tem lugar a cena de Simão e Ana, e depois, em vez da fuga para o Egito, voltam tranquilamente para Nazaré.
É assim que a narração de Lucas não só contradiz materialmente a de Mateus, mas até exclui, implicitamente, a famosa degolação dos inocentes, narrada por aquele. O fato de levarem Jesus ao templo de Jerusalém, onde é publicamente reconhecido por Simão como o Messias não se harmoniza, em ponto algum, não digo já com a fuga para o Egito, mas ainda mesmo com a matança dos inocentes, pois que, em tal caso, Herodes teria podido apoderar-se dele, sem tocar em um cabelo de nenhum outro menino.
Quanto à ultima ceia, que constituiu um fato capitalíssimo para o cristianismo porque nela teria Jesus instituído o mistério da Eucaristia, nem mesmo aí os Evangelhos se harmonizam. Os três primeiros colocam a última ceia no dia de Páscoa, enquanto João a coloca antes da Páscoa. Além disso, os primeiros fazem Jesus instituir nesta ceia o mistério da Eucaristia ao passo que João, absorto pela ideia eucarística narra a última ceia com inúmeros pormenores, mas sem dizer uma única palavra acerca dessa mesma ideia eucarística, sendo ele de resto, o único que teria valor testemunhal, pois assistiu a ela desde o princípio.
Repitamos aqui, pois vale a pena, que essa contradição, na qual muita tinta tem sido gasta inutilmente pelos estudiosos, não pode ser explicada exceto pela nossa dedução na qual, Cristo sendo um mito, e exatamente o mito do cordeiro pascal qui tollit peccata mundi é ele mesmo o alimento da ceia pascal.
CAPÍTULO VI
ABSURDOS ESSENCIAIS DA BIBLIA ACERCA DE CRISTO
Eis as concepções fundamentais sobre as quais se funda o cristianismo: Um Deus proíbe ao primeiro casal humano que coma do fruto que lhes daria a conhecer o bem e o mal. Eles porém desobedecem e são castigados, embora nenhuma culpa tenham, visto que antes de comerem esse fruto não sabiam distinguir entre o bem e o mal. Contudo, Deus não só castiga os autores do fato, inocentes, como se vê, mas todos os seus descendentes, que em nada foram participantes desse mesmo fato.
Para salvar a Humanidade dessa pretendida falta, Deus recorre a outra vítima, sendo certo que, para isso, bastaria um ato simples da sua vontade. Esta vítima, também inocente, é o seu próprio Filho, o qual, se era Deus, não podia morrer, e se era homem, não podia ressuscitar. Enfim, para cúmulo de imoralidade, para que esse Deus fosse morto, faltava quem o matasse. Assim, obrigando um povo a um deicídio, Deus condena este povo à infâmia, tanto mais imerecida, quanto era uma necessidade determinada pelo próprio Deus a fim de realizar o seu plano.
E toda esta série de imoralidades para salvar, não a Humanidade inteira, mas apenas aqueles que vierem ao mundo depois de Cristo, e ainda destes, só uma pequena parcela, pois que o mundo, passados vinte séculos, ainda é bem pouco cristão. E mesmo dos que são cristãos, só se salva uma pequeníssima parte, aqueles predestinados por Deus, como se ouve todos os dias pela voz autorizada da Igreja. Isto tudo demonstra incontestavelmente que Cristo é, sim, uma invenção dos teólogos.
3a PARTE - CRISTO NA MITOLOGIA
Se Cristo nunca existiu, como e por que foi inventado ou imaginado? A esta pergunta responderá o presente capítulo do nosso trabalho, onde exporemos uma nova e luminosa prova contra a existência humana, real e objetiva de Cristo. Além disso, se demonstrarmos que outros personagens análogos, senão idênticos a Cristo, o precederam na história das ideias humanas ou nos tempos dos conceitos representativos.
Se provarmos que os predecessores de Cristo, os mesmos que deram a este todos os elementos da sua vida, do seu pensamento e da sua missão não foram mais do que simples mitos, teremos demonstrado também que Cristo não é apenas uma cópia, mas um mito igual, de onde se concluirá logo que nunca existiu, a não ser na imaginação daqueles que têm acreditado nele. Começaremos por passar uma rápida vista sobre a vida e milagres dos Deuses Redentores, que precederam Cristo e da qual veio o mito cristão, pois Cristo não é mais que a repetição do mesmo tema.
A antiga Índia teve mais de um Deus Redentor. Porque nessa região, onde o maravilhoso e o sobrenatural têm a sua origem, o Deus Redentor Vischnú encarnou nove vezes, tomando forma humana para redimir a Humanidade do pecado original. Para o nosso trabalho só é interessante a oitava e nona avatar ou encarnação de Vischnú, que na oitava assume a pessoa de Cristna e na nona se encarna como Buda. Cristna, o Redentor hindu, nasce de uma virgem, a virgem Devanaguy, e a sua vinda está vaticinada nos livros sagrados hindus (Atharva, Vedangas, Vedanta).
O mesmo Vischnú, o Deus bom e conservador aparece a Lakmi, mãe da virgem Devanaguy, para lhe revelar os futuros destinos daquela que estava para nascer e para lhe indicar o nome que devia impor à mãe do Redentor, recomendando-lhe, finalmente, que não una sua futura filha em matrimônio com pessoa alguma, atendendo a que se deviam cumprir os desígnios de Deus.
Isto teve lugar uns 3500 anos antes da era vulgar e no palácio do rajá de Madura, pequena província da Índia oriental. A menina recebe ao nascer o nome de Devanaguy, conforme o que estava escrito. O rajá teve um sonho em que se viu expulso do trono pelo filho que nasceria de Devanaguy. Por esta razão, o tirano de Madura faz encerrar Devanaguy numa torre e soldar a porta para evitar toda a possibilidade de fuga, colocando ainda um valente guarda à vista da prisão.
Tudo porém foi inútil. A profecia de Poulastya, não podia ser impedida: E o espírito divino de Vischnú atravessou as paredes para se unir a sua amada. Certa noite, enquanto a virgem orava, uma celeste música veio de improviso deleitar os seus ouvidos, iluminou-se a prisão e Vischnú apareceu diante dela com todo o esplendor da sua divina majestade.
Devanaguy foi ofuscada pelo espírito de Deus que queria encarnar-se, e concebeu. Na noite do parto e enquanto o recém-nascido exalava os primeiros vagidos, um vento fortíssimo desmoronou o muro da prisão e a Virgem foi transportada com o filho, por um mensageiro de Vischnú, à uma cabana de pastores pertencente a Nanda. O recém-nascido foi chamado Cristna. Quando os pastores souberam do depósito que tinha-lhes sido confiado prostraram-se diante do filho da Virgem e adoraram-no.
O tirano de Madura, sabedor do parto e da fuga de Devanaguy encolerizou-se em extremo e ordenou uma matança geral de todos os meninos, nascidos nos seus Estados durante a noite em que Cristna tinha vindo ao mundo. Um pelotão de soldados sai imediatamente para o aprisco de Nanda, mas Cristna escapa milagrosamente daquele ameaça. São quase inenarráveis os episódios dos primeiros anos de Cristna, que saia sempre vitorioso dos perigos e ciladas que lhe armavam os que queriam a sua morte, fossem homens ou diabos.
Aos dezesseis anos, Cristna abandona os seus parentes e começa a percorrer a Índia, pregando a sua doutrina. É o tempo dos seus grandes milagres: ressuscita mortos, cura leprosos, restitui a audição aos surdos e a vista aos cegos. Proclama-se a segunda pessoa da Trindade, isto é, Vischnú, descido à terra para salvar o homem do pecado original.
Os povos acudiam em massa avidamente para o ver e ouvir os seus ensinamentos, adorando-o como a um Deus e dizendo: Este é realmente o Redentor prometido a nossos pais. A sua moral é pura, elevada e completamente altruísta. Rodeia-se de discípulos que devem continuar a sua obra. Ensina por meio de parábolas. Um dia, em que o tirano de Madura enviara muitos soldados contra ele e seus discípulos, estes, tomados de pânico, quiseram fugir, especialmente Ardjuna, chefe dos discípulos, que parecia abalado na sua fé. Cristna, que estava orando perto, ouvindo os seus lamentos foi ter com eles, repreendendo-os pela sua pouca fé, aparecendo-lhes com todo o esplendor da divina majestade e com o rosto de tal modo iluminado nem os discípulos puderam resistir a tanta luz.
Em seguida a esta transfiguração, os discípulos chamaram-lhe Jezeus, que quer dizer nascido da pura essência divina. De outra vez em que se encontrava com os discípulos, acercaram-se dele duas mulheres da pior condição que lhe derramaram perfumes sobre a cabeça e o adoraram. Quando Cristna compreendeu que tinha chegado a hora de abandonar a terra e voltar ao seio de quem o tinha enviado separou-se dos discípulos proibindo-lhes que o seguissem e, transportando-se às margens do Ganges mergulhou no rio sagrado. Em seguida ajoelhou-se, e orando esperou a morte.
Nesta posição foi atingido por uma flecha e pregado a uma árvore. O que o matou foi condenado a vaguear eternamente sobre a terra. Quando se espalhou a notícia da morte do Redentor, os seus discípulos correram a recolher os sagrados despojos; estes porém, tinham já desaparecido, porque ele ressuscitara e subira ao céu. A nona encarnação de Vischnú é aquela em que aparece como Buda. Foi revelada em sonhos à sua mãe a grandeza do filho e o ascendente que teria sobre todos os seus semelhantes.
Escolhe, para nela nascer, uma casta principesca, assim como Cristo escolheu a de Davi, e desce à terra. Isto acontecia 628 anos antes de Cristo.
CAPÍTULO I
CRISTO ANTES DE CRISTO
Os egípcios tinham também o seu Deus Salvador em Horus, convertido depois em Osiris ou simplesmente Serápis. Horus também nasceu de uma virgem no solstício do inverno e morreu no equinócio da primavera para depois ressuscitar como Cristo. Horus estava exposto no solstício do inverno sob a imagem de uma criatura à adoração dos fiéis, porque então, diz Macróbio, o dia era mais curto e este Deus não passava de um débil menino: o menino dos mistérios, cuja imagem os egípcios tiravam de seus santuários todos os anos e em um dia determinado (25 de dezembro).
Deste menino proclamava-se mãe a deusa de Sais, na famosa inscrição: O Deus que pari é o Sol. O deus Horus teve também a sua fuga, levado pela virgem Ísis, montada sobre um jumento. O mesmo mito foi aplicado no Egito ao rei Amenófis III, que convém recordar aqui por ser um documento da maior importância para demonstrar que, dezoito séculos antes de Cristo, os mistérios que se encontram no Evangelho de Lucas (c. I e II) já eram conhecidos.
Também Baco nasceu no solstício do inverno, depois de morto desceu aos infernos e ressuscitou, e a cada ano se celebravam os mistérios da sua paixão no equinócio da primavera. Chamava-se Salvador, como Cristo, e como ele, realizava milagres curando enfermos e prevendo o futuro. Na sua infância, ameaçaram matá-lo, como Herodes a Jesus, em uma emboscada. No templo de Baco operava-se o milagre da mudança de água em vinho, tal qual fez Jesus nas bodas de Canaã.
CAPÍTULO II
A MITOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO NÃO É ORIGINAL
De sorte que, se por um lado, Cristo é uma cópia dos Deuses Redentores do Oriente, e por outro, o mesmo Antigo Testamento, do qual Cristo depende, é pura cópia das mitologias orientais, teremos que, enquanto Cristo deriva dos Deuses Redentores, o mesmo Antigo Testamento, a que Cristo se adapta deriva das mitologias orientais criadoras dos mitos dos Deuses Redentores. Em outras palavras: sem o pecado original, que serve de base ao Antigo Testamento não teria acontecido a Redenção, que serve de base ao Novo.
Logo, se o pecado original deriva das mitologias orientais, com mais razão derivará Cristo, porque Cristo está para os Deuses Redentores, assim como o Novo Testamento está para as mitologias orientais, e por sua vez, Cristo está para o Antigo Testamento assim como os Deuses Redentores do Oriente estão para as mitologias orientais. Neste capitulo, demonstraremos que a mitologia do Antigo Testamento é uma imitação das mitologias precedentes.
A mitologia do Antigo Testamento baseia-se nestes conceitos fundamentais: Deus, a Criação, a queda dos anjos, o Éden, Eva, a Serpente e o Pecado Original, o Dilúvio, a Torre de Babel, os Anjos e os Demônios, o Paraíso e o Inferno, os Patriarcas, um legislador inspirado e os Profetas. Pois bem: esta mitologia não é original, porque outros povos a tiveram, muito antes dos hebreus.
A lenda do fim do mundo, como se encontra na Revelação é uma cópia idêntica da lenda dos livros sagrados da Índia, que têm as mesmas imagens e os mesmos fenômenos que no do Apocalipse.
Brahma criou o homem e a mulher, dando-lhes a consciência e a palavra, tornando-os superiores a tudo que tinha criado, só inferiores aos Devas e a Deus. Ao homem chamou Adima (Adão, o primeiro homem) e à mulher Heva (Eva, a que completa a vida). Colocou-os em um paraíso terrestre em meio de uma esplêndida vegetação; ordenou-lhes que se unissem, procriassem e o adorassem por toda a vida, e proibiu-lhes de deixar o paraíso terrestre (Ceilão). Eles desobedeceram e logo o encanto da Natureza desapareceu. Brahma os perdoou, mas expulsa-os daquele lugar de delícias, e condena-lhes os filhos a trabalhar, prevendo que se tornarão maus influenciados pelo espírito do mal que invadira a Terra.
Na mitologia persa, Ormuz promete ao primeiro homem e à primeira mulher a felicidade eterna, desde que se mantivessem bons. Mas um demônio com a forma de serpente é enviado por Ariman. Nesse demônio acreditam, pois os persuade de que Ariman é o distribuidor de todos os bens, e começam a adorá-lo. Uma particularidade digna de nota é a semelhança entre o paraíso terrestre persa com o Éden do Gênesis. O paraíso persa chama-se Eren, em vez de Éden, tendo havido corrupção de uma letra na passagem da lenda persa para a hebraica. Em outros paraísos terrestres há os mesmos rios.
Para finalizar. No nome do anjo posto de guarda no jardim, vê-se a semelhança da cópia com o original: No Zend-Avesta ele se chama Chelub enquanto que no Genesis é Cherub (Querubim).
Os hebreus tomaram igualmente, dos persas, durante o seu cativeiro nas margens do Tigre e do Eufrates, a ideia da imortalidade da alma e da vida futura, e, consequentemente, a mitologia dos anjos e demónios. Os próprios nomes dos anjos (dividido em 7 ordens como as 7 órbitas dos planetas), - Gabriel, Miguel, Rafael, Querubins, Serafins, Tronos (Ofanins) e Dominações - foram copiados das religiões persa e caldaica.
Mesmo Asmodeu, que no Antigo Testamento foi causa de perturbações histéricas em mulheres (Tobias, III,8; VI,14) foi copiado do Aeshmodaeva persa, o deus da concupiscência. O Paraíso e o Inferno provêm dos mitológicos orientais. Paraíso, em persa, significa jardim. O Paraíso e o Inferno, já figuravam na mitologia dos hindus, persas, egípcios, gregos (Elísio), romanos (Tártaro), gauleses e escandinavos. Mas esses povos não conheceram a eternidade das penas. Isso estava reservado para ser proclamado pelo manso cordeiro de Nazaré.
O legislador da Bíblia é, enfim, um copista fiel das antigas mitologias.
Quer dizer que a criação, a queda de Adão, o próprio decálogo, o dilúvio, a semana de sete dias o descanso dominical, o próprio descanso de sábado e um grande número de prescrições rituais, morais e penais foram para o Antigo Testamento depois da civilização caldaica.
O decálogo de Moisés foi copiado de uma recopilação do rei Hamurabi, oito séculos anterior a Moisés. Na tábua recentemente descoberta em Susa, pelo sábio assiriólogo Morgan, o rei Hamurabi esta representado no ato de receber das mãos de Deus (o deus Sol) um livro das leis, cena que prova que a de Moisés no Sinai é uma cópia.
CAPÍTULO III
ORIGEM E SIGNIFICADO DOS DEUSES REDENTORES
O Sol é o manancial da vida do Universo; a sua luz é a fonte de toda a beleza o movimento que origina é a causa de todo o bem. Ele e só ele é o verdadeiro, o Belo, e o Bom: é uno e trino. A primeira adoração da Humanidade dirige-se ao ministro máximo da Natureza, ao distribuidor de todo o bem, à luz incriada e eterna, à força fecundante do universo. Do Sol deriva a primitiva ideia de Deus. As próprias investigações dos orientalistas estabeleceram que até mesmo a etimologia da palavra Deus procede de um atributo do Sol, de Devv e da raiz divv, que em sânscrito significa, precisamente, o luminoso. Da raiz divv se derivam quase todos os nomes da suprema divindade dos povos europeus: desde o theos dos gregos ao disvas dos lituanos, do deus latino ao dia irlandês, até ao dieu dos franceses, ao dio italiano, ao dios dos espanhóis, etc
A ideia de Deus é, pois, originária do simples conceito do Sol, este corpo luminoso que tão grande influência exerce na vida do homem e de toda a natureza.
Daí o mito de Perseu, que faz baixar o fogo do céu à terra; o de Prometeu, que o rouba do céu para salvação da Humanidade, sendo por isso condenado a permanecer no Cáucaso com os braços em cruz, e sobretudo, o mito hindu da Trindade primitiva de Savistri, Agni e Vayu, que indica claramente a sua origem, isto é: o Sol, o Fogo e o Ar.
No rito védico, celebrava-se todos os anos o nascimento de Agni, no solstício do inverno, (25 de Dezembro) isto é, na época que coincide com o renascimento anual do Sol.
Há os sacerdotes que sobre o altar derramam um licor sagrado, o espirituoso soma. Há a unção e Agni toma o nome de Unto (em grego Crisnos, Cristo). A oferta do pão e do vinho fazia-se ao fogo sagrado, sobre o altar. Agni é também o mediador da oferta, o sacrificador que a si próprio se oferece como vítima. Os sacerdotes e os fiéis recebiam, cada um, uma partícula da oferta (hóstia) e a comiam como um alimento onde estivera Agni, Esta antiga Trindade, composta do Sol (Savistri) o pai celeste; do Fogo (Agni) filho e encarnação do Sol, e do Espírito (Vayú) o sopro do ar, ficou como dogma fundamental das religiões de origem ariana.
No cristianismo, também o Cordeiro ocupou na cruz o lugar de Cristo durante seis séculos, até que o Concílio Quintesexto de Constantinopla (692 dC.) o mandou substituir pelo corpo de Cristo.(cânone-82).
Cristna, Mitra, Horus, Apollo, Adonis, como Cristo, todos nascem em 25 de dezembro e ressuscitam no equinócio da primavera. O Deus do dia foi, pois, personificado no Deus Criador, primeiro e Redentor depois, e submetido a todas as peripécias humanas. Que isto sucedera a respeito dos Deuses Redentores da antiguidade, não há a menor dúvida, porque a própria antiguidade o deixou escrito em caracteres claros e com palavras explícitas.
A teoria de Cristo foi, como a sua biografia, tirada inteiramente dos Vedas. É o Deus (o Sol), que oferece o seu único filho (o Fogo) para salvação dos homens. Cristo repete todas as circunstâncias dos outros Deuses Redentores que o precederam. Nem mais nem menos. Logo, estes Deuses Redentores, por confissão dos escritores pagãos, dos próprios padres da Igreja e dos primeiros escritores cristãos como Heródoto, Plutarco, Macróbio, Atanásio, Lactâncio e Julio Firmico, não representavam mais do que o Sol.
A Igreja conserva-nos ainda, no culto, várias provas de que Cristo é um mito solar. Por exemplo: a festa da Páscoa não cai nunca em dia certo, variando, segundo as circunstâncias e alternativas astronómicas, e isto não seria possível se Cristo fosse um personagem histórico, pois em tal caso seria fixo e incontestável o dia da sua morte.
CAPÍTULO I
A MORAL CRISTÃ SEM CRISTO
Uma das glórias usurpadas pelo cristianismo é a de ter redimido a condição da mulher. É completamente falso. Eva, no Antigo Testamento é obra em segunda mão: foi tirada duma costela do homem. É ela que introduz o mal no mundo, e o Deus Judeu-cristão condena-a, por fim, a parir com dor e sujeita-a ao homem. (Gen. III 16).
Poderíamos intitular este capítulo, mistificação cristã, porque, tendo de provar que a moral cristã não é original no que tem de bom, forçoso será provarmos que é inferior, em muitos pontos, à das religiões orientais, que a precederam, inferior mesmo, sob este aspecto, ao judaísmo, e especialmente, inferior à civilização greco-romana. Comecemos pelas religiões orientais.
Confúcio, 500 anos antes, pregava já o preceito de não fazer aos outros o que não queremos que nos façam. Mêncio, outro filósofo chinês, repetia o mesmo preceito 300 anos antes de Cristo. A moral budista é imensamente superior à cristã, porque o amor do próximo pregado por esta não ultrapassa os confins do país nem as valas da seita. A moral budista tem ainda outra vantagem sobre a do pretendido Cristo: a de admitir a livre investigação da verdade, ao passo que, nos Evangelhos, em vão se procuraria uma palavra em favor da ciência.
É tempo de concluir. Vimos que a moral cristã se formou independentemente do pretendido Cristo e que já existia, no que tem de bom, antes do cristianismo. Isto é consolador para a Humanidade, pois demonstra que a moral humana não é monopólio de uma seita, mas obra da mesma Humanidade. E daqui pode concluir-se que ela é tão antiga quanto a Humanidade racional.
Na verdade, colocando a Bíblia, com a sua cosmologia errada e pueril, e seus muitos erros científicos como uma emanação da verdade divina, não é de estranhar que se repute infalível tudo o quanto nela é dito, mesmo no domínio científico, porque Deus não pode errar e portanto, a ciência não poderia avançar para além das Colunas de Hércules da Bíblia.
A liberdade de pensamento foi banida para plagas longínquas porque é inadmissível o debate de ideias numa igreja que se arvora depositária da verdade divina absoluta, preocupada apenas com o zelo religioso. Sabe-se quão funestos foram os efeitos que daí derivaram. Citamos como exemplo, a perseguição a Galileu, quando a mesma descoberta já havia sido anunciada na Grécia por Hiceta e Aristarco de Samos, (conforme Theophrastus) sem que eles tivessem sofrido qualquer tipo de constrangimento.
CAPÍTULO V - COMO ACONTECEU O TRIUNFO DO CRISTIANISMO?
Já vimos que o culto cristão não é mais que uma amálgama de cerimônias tiradas dos cultos precedentes. Agora assistimos ao processo de integração deste culto, processo mediante o qual assimila as práticas e a própria divindade do paganismo romano, transformando-o e corrompendo-o.
As divindades do paganismo, que não foram declaradas infernais, como é costume e as religiões - que convertem em demónios os deuses das religiões contrárias - foram convertidas em santos cristãos. Os gregos celebravam festas em honra de Hermes (Mercúrio) e de Nícan (o Sol); estas festas passaram ao calendário católico, nas mesmas datas, com os nomes de S. Ermeto e S. Nicanor.
Baco era adorado sob o nome de Soter (Salvador) e Apolo com o de Efoibios. estas festas foram mantidas com os nomes de S. Sotero e S. Efebo ou Efésio. Festejavam Baco com a festa de Dionysios, a que se seguia outra em louvor de Demetrius; pois os dois nomes encontram-se na mesma data, no calendário cristão, com os de S. Dionísio e S. Demétrio.
A festa de Ceres, a loira (Flávia) é a de Santa Flávia; a festa da pudica Diana converteu-se em Santa Prudência; a do Palladium de Minerva veio a ser a festa de Santa Paládia. As Saturnais converteram-se em S. Saturnino; a festa de Afrodisia (Venus) corresponde a S. Afrodísio e Santa Afrodísia; o dia do signo da Virgem (15 de agosto), em que Astrêa aparece no céu, na dita constelação, converteu-se na Assunção da Virgem...
Portanto, se o cristianismo pôde triunfar e substituir o paganismo, foi somente mediante a perseguição, a farsa e a assimilação do culto pagão, favorecido por outro lado, pela desagregação do Império romano e pela invasão dos bárbaros. O cristianismo não foi apenas o herdeiro do império romano, de cuja decadência se aproveitou para se erguer sobre as suas ruínas, mas até contribuiu enormemente, mais que nenhuma outra causa, para produzir tal decadência.