sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

A Minha Frase do Dia (2)




Signos para Sempre

 


A propósito do abominável dia dos namorados, a revista New York Magazine publicou um pequeno artigo em jeito de curiosidade sobre os signos: 

"Quão compatíveis sois? O "felizes para sempre" pode ser imprevisível, a menos que conheças os teus signos do zodíaco. Os pares do zodíaco feitos para durar -  e os que vão arder rápido.

Se lês o teu horóscopo, então já sabes que os nossos signos solares determinam como comunicamos, quais são os nossos desejos e se vamos espiar um ex que nos ignorou. (Estou a falar de ti, Escorpião.) Nós, astrólogos, usamos esses traços de personalidade para prever se um primeiro encontro acabará num "felizes para sempre" ou num tribunal.

Para te poupar tempo - e despesas legais - fiz este guia rápido para que possas fazer o mesmo. Este gráfico de compatibilidade astrológica revela a longevidade esperada de cada par do zodíaco (eixo Y: do "para sempre" ao "nunca") e a química entre eles (eixo X: do "nada quente" ao "super ardente").

Posto isto, parece que eu deveria ter investido as fichas todas numa mulher Caranguejo ou mulher Capricórnio. Ainda que na Touro também não pareça que esteja mal de todo.

domingo, 16 de fevereiro de 2025

O Amor Consumista

Passou mais um dia dos namorados e falou-se novamente de como 75% dos nossos jovens acham perfeitamente normal controlar, perseguir ou agredir psicologicamente. E depois o problema é as aulas de cidadania! Se calhar deveriam era aumentar a carga horária para aprender a respeitar o outro. E obviamente muito se escreveu na imprensa internacional sobre o preço dos chocolates e sobre o amor... Este artigo de José Nicolás do El País foi talvez dos que mais me chamou a atenção e aqui fica:


Se pensamos hoje numa pessoa que procura um parceiro, imaginamos frequentemente alguém que passa parte do tempo colado ao telemóvel, aprovando ou rejeitando perfis numa aplicação de encontros. Obviamente, nem toda a gente o faz, mas é muito comum. O Tinder é a aplicação mais utilizada em Espanha, com mais de três milhões de visitas por mês: agora, pode-se “namorar com toda a gente, a toda a hora e em todo o mundo”, escreve Liv Strömquist em "Não sinto nada". 

A internet e a sua utilização para encontrar um parceiro afastam-nos do momento romântico de começar a sentir algo por um colega de trabalho, de reparar na pessoa com quem coincidimos nos transportes públicos, de trocar olhares num bar… agora, tudo é escolhido. Acabamos por iniciar uma relação não por instinto, mas pela informação que um perfil escrito pelo outro nos fornece.

Strömquist acredita que optamos por esta forma racional de iniciar um relacionamento porque temos a tendência de querer compreender tudo: “A expansão da sociedade de consumo faz com que nos comportemos como consumidores racionais e que tentemos tirar o máximo proveito até mesmo das nossas relações pessoais.”

Neste excelente ensaio em forma de banda desenhada, a autora sueca cita pensadores como Byung-Chul Han, Eva Illouz e Slavoj Žižek, que argumentam que, devido à sociedade consumista e superficial em que vivemos, apaixonarmo-nos – cair de amor (fall in love em inglês ou tomber amoureux em francês) – tornou-se cada vez menos comum: “Em vez de nos deixarmos surpreender por um sentimento e tomarmos decisões intuitivas, pensamos de forma racional, como consumidores”, resume.



Há indícios de que o amor e o consumismo andam de mãos dadas. Nestes dias, as empresas de marketing lançam campanhas para oferecer as melhores experiências para casais, as floristas preparam-se para fazer o seu agosto e as empresas de chocolates e rebuçados faturam, numa semana, um terço dos lucros de todo o ano. No entanto, entre montras repletas de corações, ainda há espaço para a conexão espontânea, para os amores à primeira vista.

Algo assim aconteceu a Francis há alguns meses, durante uma visita ao Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (Malba). Numa das salas, cruzou-se com um rapaz que “lhe pareceu muito interessante”. Foi assim que uma amiga sua o descreveu na conta de Instagram do museu, que publicou um carrossel de imagens com um apelo: “Alejandro, estamos à tua procura”. A série de fotos reproduzia o pedido da amiga de Francis: “Na sala onde estão as obras de Remedios Varo, conheceu Alejandro, um colombiano que está em Buenos Aires em home office”, dizia uma das imagens. “Quando conta a história, sente que conheceu alguém que poderia ser um amigo especial (ou talvez algo mais). […] Agradecia muito se me ajudassem a encontrar o Alejandro. A minha amiga é uma das pessoas mais maravilhosas que conheço, e tenho a certeza de que Alejandro teria muita sorte em conhecê-la melhor.”

Hoje, a publicação tem mais de 36.600 gostos e é, de longe, a mais bem-sucedida da conta do Malba. Nos comentários, centenas de pessoas torciam para que o famoso Alejandro aparecesse e aguardavam ansiosamente a continuação da história. E aconteceu. O próprio Alejandro respondeu: “Uma amiga mostrou-me este post e eu sou o Alejandro. Que loucura e que graça isto.” O museu colocou-os em contacto e, mais tarde, ele publicou um vídeo onde contava que também sentiu uma ligação com Francis e que os dois já trocavam mensagens e se estavam a conhecer melhor. “É muito bonito”, dizia, visivelmente entusiasmado.

Está visto que encontrar o amor nem sempre exige recorrer a uma aplicação de encontros, ao programa A Ilha das Tentações ou ao balcão de um bar. Às vezes, basta visitar um museu – acontece quando e onde menos esperamos.

A Convenção


 Aquela espanhola de cinquenta e oito anos, com quem ainda não tinha falado, vem na minha direção, abraça-me e diz-me: "quero tirar uma fotografia contigo, para mostrar ao meu marido que estou com um metaleiro português"! Ele depois respondeu-lhe para não se entusiasmar demasiado! E acabou por ser, talvez, a conversa que me criou mais impacto das muitas, com tantas pessoas diferentes, com que tive a oportunidade de falar naqueles três dias. 

Estou na empresa há três anos e o mais curioso é que nunca tinha tido oportunidade de ver ao vivo os equipamentos que testo, reparo ou recondiciono. Ou melhor, vê-los ser utilizados na prática. Seria mais ou menos como alguém que trabalha numa fábrica de chocolates nunca ter provado o chocolate que ajuda a produzir. 

Apesar de entender bem o inglês - e não me venham com a treta que quem entende bem o inglês, querendo também o fala - o facto de não ser tão fluente faz com quem me deixe mais tímido nas conversas, mas fiz um esforço para receber o mais condignamente possível os cerca de cinquenta colegas estrangeiros que vieram cá ao Porto para uma convenção de três dias. Ainda assim alguém disse-me: "tu não tens sotaque"! 

O brilharete aconteceu com a colega de Myanmar. 

"Então, a vossa Nobel ainda continua presa"? 
- O quê, tu sabes que existe Myanmar?
Sim. Não deveria? Acho que é do conhecimento geral. 
Não! Sempre que digo que sou de Myanmar, Birmânia, perguntam-me: Germânia? E olha para mim, pareço mesmo germânica, não? 
Sim, com esse teu ar asiática é mesmo tal e qual! 

Com ela estava a colega do Chile, de quem nunca li nada de Neruda, nem ela de Saramago. Mas ao menos pude falar da Casa dos Espíritos da Isabel Allende!

Foram três dias num hotel todo modernaço no centro do Porto para fazer palestras e afinar estratégias para o futuro. A empresa vai bem e recomenda-se. Somos líderes de mercado, temos um novo produto inovador a ser desenvolvido totalmente em Portugal e serviu também para, além de nos conhecermos, falarmos uns com os outros e olearmos melhor a máquina. 

O colega do Equador ficou maravilhado com a viagem de comboio de Lisboa para o Porto, porque, mesmo àquela velocidade, achou que se veria aqui a viver. E depois comentou, não para mim, para outros colegas, sobre o número de horas de eletricidade que tem. Sim, há pessoas no planeta que trabalham, mas não têm, ao contrário de nós, 24 horas sempre disponíveis de eletricidade. E então, se não há eletricidade para televisão à noite, brinca-se com os filhos. E, se calhar, no mundo que tem 24 horas de eletricidade disponível, seria preferível estar mais disponível para os outros. 

Depois da primeira palestra e no primeiro intervalo para café, o patrão, que é alemão, veio ter comigo e como sabe que gosto de fotografia, entregou-me a sua Leica a preto e branco e pediu-me para ir deambulando e tirando fotografias a todos. Essas fotografias depois iriam ser partilhadas com todos. Olha a responsabilidade! Mais ainda porque, como comentei a brincar com colegas, aquele brinquedo deveria custar - sei lá - tanto como o meu salário anual!

O primeiro a interagir comigo foi um senhor romeno, já de cabelos brancos, porque queira falar sobre heavy metal, porque ele também é todo rock & roll e fã de Led Zepellin. Bom, da Roménia eu pouco mais sei além do mito do Drácula, mas lá conseguimos ter uma conversa amigável.

Como uma  colega portuguesa chegou a dizer, eu levei o papel de repórter fotográfico muito a sério, e ia tentando aproximar-me e apanhar as pessoas ao natural, como qualquer bom fotógrafo faz. Acho que nem me saí muito mal.

Dias antes da convenção, foi pedido para colocarmos uma fotografia nossa e uma pequena frase que nos definisse. Eu coloquei "nature and garden lover, table tennis player and heavy metal". Bloger achei melhor não, se não ainda se lembravam de me pedir o link do blog para ler o que por aqui vou colocando e se calhar é melhor não!

A espanhola de cinquenta e oito anos contou-me que o marido é fã de Iron Maiden e que, com a ajuda da filha, comprou bilhetes para Paris, um bilhete ainda por cima vip com acesso ao backstage. Ele não sabe de nada, só sabe que naquela semana vai viajar. Falamos de muitas coisas, incluindo, política. Temos visões muito semelhantes. 

Visão bem diferente tenho da senhora estadunidense, que tem mais de setenta anos e fez a continência para me dizer que Trump e Putin tornarão o mundo melhor. Afinal Trump é bom porque Kamala era má. Mas havia mais quatro candidatos e perguntei: em trezentos milhões de habitantes eram esses os dois melhores que tinham para gerir os destinos do país? Claro que não foi muito inteligente da minha parte dizer o que penso politicamente a alguém que, ainda por cima, terá posição de destaque na empresa.

No último dia e após dois dias muito cinzentos e de forte chuva, eis que vem a bonança de um dia de sol em pleno inverno, para os colegas estrangeiros passearem pela minha cidade. E tive então oportunidade de fazer turismo na minha cidade de adoção mas, pela primeira vez, com uma guia a explicar as coisas que eu já sei. Mas fiquei agradavelmente surpreendido com o seu profissionalismo. Inglês e sotaque perfeito, conhecimentos assertivos e sempre com um toque de humor. Contou muito bem a história da Lello que está erradamente associada à autora de Harry Potter, que é verdade, ela viveu no Porto, mas nunca lá tinha entrado dentro. 

E antes de começarmos o patrão interpela-me novamente e passa-me um novo gadjet para as mãos, desta feita uma câmara de filmar pequenina que não tem nada que ver com o aspeto duma câmara de filmar como eu as conheci. E, novamente, tentei fazer o melhor trabalho possível desta vez de repórter de imagem, passando todos à frente e esperando que todos passassem e tentando encontrar os melhores ângulos. 

Deambulamos por Santa Catarina, passamos pelo Bolhão (que está horrivelmente descaracterizado das vendedoras de outrora) e descemos até à Ribeira. Atravessamos a Ponte Dom Luiz, e fomos para o Cais de Gaia fazer um passeio de barco. Ao almoço estive numa mesa só com mulheres: a minha colega, e a jovem italiana que lhe disse que é muito bonita (a ver se ela acredita) as duas chinesas do meu lado direito, e mais umas quantas dispostas pelo resto da grande mesa. 

Depois de almoço, enquanto alguns decidiram usar o teleférico para ir até ao Mosteiro da Serra do pilar, eu acabei por ir caminhar um pouco sozinho e juntei-me depois pelo caminho à espanhola, à colega de Lisboa e ao colega do Equador. Fomos até ao Cais da Ribeira sentar numa esplanada e conversar. E ali tive as conversas mais interessantes e reveladoras dos três dias. 

À noite iríamos jantar ali pelo Cais de Gaia e bem antes da hora marcada fui descendo do Hotel para o rio. Já perto do restaurante encontrei a colega ucraniana (ao que parece pró russa) e bastou perguntar-lhe "então e como está a tua vida, muito afetada pela guerra"? Ao que ela disse que é como uma prisão porque o marido não pode sair do país, tal como todos os homens dos 18 até aos sessenta e não sei quantos anos. E apesar de ambos não termos um inglês extraordinário lá fomos conversando bastante, sobre estes tempos senis em que vivemos e sobre a juventude acéfala.

Foi uma experiência social muito interessante. Apesar de tudo e da minha maneira muito própria de ser, a verdade é que eu gosto de pessoas e de conhecer as pessoas, por mais que elas se vão mostrando ingratas e me vão desiludindo...

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Maria Teresa Horta no New York Times: "A Última das Três Marias de Portugal"

Maria Teresa Horta morreu a 4 de fevereiro e Patrícia Reis, escritora e autora da biografia a "Desobediente" escreveu no Diário de Notícias: 

"Maria Teresa Horta deixou-nos uma obra imensa que deveremos honrar e revisitar. Deixou-nos uma posição feminista que, ainda agora, é urgente manter. Deixou-nos boas ideias sobre jornalismo. Era uma mulher singular. Não era consensual e alimentava-se do conflito, nunca o escondeu. Dizia-me: “Sou uma chata, não me calo.” Ainda bem que não o fez. O que lhe devemos é tanto que não cabe num único texto. Portugal deveria ter sido mais generoso com a Teresa. Ela deveria ter uma lista imensa de prémios, não tem. Deveria ter ganhado o Prémio Camões. Deveria… tanto que lhe devemos e já não vamos a tempo de cumprir".

Hoje, dia 13 de fevereiro, dou de caras no New York Times com uma página sobre a "última das "Três Marias" de Portugal e o artigo lembra a importância que tiveram para chamar a atenção do mundo para o que se passava com a ditadura no nosso país. Como já por aqui escrevi antes, acho que tratamos muito mal os nossos artistas e não lhes damos o devido valor. Aqui fica o artigo:


 Maria Teresa Horta, uma escritora feminista portuguesa que ajudou a derrubar as restrições impostas às mulheres pelo seu país conservador, morreu a 4 de fevereiro na sua casa em Lisboa. Tinha 87 anos.

A sua morte foi anunciada no Facebook pela sua editora, Dom Quixote. O primeiro-ministro português, Luís Montenegro, prestou-lhe homenagem na rede social X, descrevendo-a como “um exemplo importante de liberdade e de luta pelo reconhecimento do lugar das mulheres.”

Maria Teresa Horta foi a última sobrevivente do célebre trio de escritoras conhecido como as “Três Marias”, que em 1972 publicou o marcante livro Novas Cartas Portuguesas. Composto por cartas que as três escritoras trocaram entre si sobre as dificuldades de ser mulher em Portugal, o livro abriu um novo mundo de expressão da sexualidade feminina reprimida, enfureceu a ditadura e levou à sua detenção e acusação criminal por indecência e abuso da liberdade de imprensa.

Para as feministas em todo o mundo, assim como para os defensores de uma imprensa livre, a ação policial contra as mulheres portuguesas em junho de 1972 foi um ultraje que, aos poucos, se tornou o foco de um movimento internacional de protesto”, escreveu a revista Time em julho de 1973.

As Três Marias - Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno (1939-2016) e Maria Velho da Costa (1938-2020) - tornaram-se heroínas do feminismo internacional, e a fama do livro alertou o mundo para a repressão sob a ditadura portuguesa. Simone de Beauvoir, Marguerite Duras e Adrienne Rich foram algumas das escritoras que declararam publicamente o seu apoio. A National Organization for Women votou para tornar o caso a sua primeira causa feminista internacional.

Este não foi o primeiro embate de Maria Teresa Horta com a controvérsia.

Em 1967, após a publicação do seu influente livro de poesia Minha Senhora de Mim, foi “espancada na rua”, contou à sua biógrafa Patrícia Reis em 2019. O livro, disse, “desafiava algo profundamente enraizado neste país: o silenciamento da sexualidade feminina.”

As visitas frequentes da polícia política portuguesa tornaram-se parte da sua vida.

Os temas da sua obra emergiam de uma dupla opressão: ser mulher numa sociedade dominada pelos homens e crescer num Estado policial.

Nasci num país fascista, um país que roubava a liberdade, um país de crueldade, prisões, tortura”, disse numa entrevista a um jornal italiano em 2018. “E cedo percebi que não podia aceitar isto.

Também não aceitava a opressão das mulheres na cultura tradicionalmente machista de Portugal. “As mulheres são espancadas ou violadas tanto por um médico, um advogado, um político, como por um operário, um camponês e assim por diante”, disse ao Diário de Notícias em 2017. “As mulheres sempre foram espancadas e sempre foram violadas. Não se considera a violência que ocorre na cama, no ato sexual com o marido.

Em 1971, essas preocupações levaram-na a reunir-se semanalmente com duas amigas e colegas escritoras, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, para partilharem reflexões escritas sobre os temas que as atormentavam.

Inspiraram-se numa obra clássica do século XVII, Cartas de uma Freira Portuguesa, supostamente escritas por uma jovem enclausurada num convento português para o oficial de cavalaria francês que a abandonara. Embora hoje os estudiosos acreditem que a obra seja ficção, a sua expressão poderosa de desejo reprimido e frustração ressoou nas Três Marias.

Tal como a freira do livro, usaram cartas entre si, bem como poemas, para expressar a sua insatisfação enquanto mulheres nos seus trinta anos, educadas por freiras, casadas e com filhos, numa Lisboa sufocada por uma ditadura de 35 anos, um catolicismo rígido e guerras coloniais mal planeadas em África.

Quando publicaram Novas Cartas Portuguesas, prometeram nunca revelar a ninguém, muito menos à polícia, qual delas escrevera cada parte.

“As suas visões e personalidades eram bastante distintas”, escreveu Neal Ascherson na The New York Review of Books ao analisar a tradução inglesa de 1975, intitulada The Three Marias. “Maria Isabel era a mais fria, Maria Teresa a mais exuberante, Maria Fátima a que se afastava do feminismo puro para uma análise social e psicológica da opressão de um povo inteiro.”

A obra - que Ascherson chamou de “um grande e complicado ramalhete” - está impregnada de uma raiva reprimida face à condição feminina.

Queriam que as três de nós nos sentássemos em salas de estar, bordando pacientemente os nossos dias com os muitos silêncios, as muitas palavras suaves e gestos que a tradição dita”, diz uma das cartas. “Mas, seja aqui ou em Beja, recusámos o claustro, estamos a despir-nos dos nossos hábitos, silenciosamente ou de forma desafiadora.

Outra carta afirma: “Ganhámos também o direito de escolher a vingança, pois a vingança faz parte do amor, e o amor é um direito há muito concedido na prática: praticar o amor com as nossas coxas, as nossas longas pernas que cumprem com mestria o exercício esperado delas.

Embora Ascherson considerasse o livro “por vezes exasperantemente impreciso, indulgente e prolixo”, reconheceu que “onde é preciso, o livro ainda fere” e “onde é erótico, não é exibicionista nem pudico, mas bem calculado para tocar a mente através da emoção.”

Alguns críticos portugueses elogiaram-no como “corajoso, ousado e violento”, como escreveu o autor Nuno de Sampayo no jornal A Capital. Previram, no entanto, que teria uma receção difícil.

O primeiro-ministro Marcello Caetano tentou prender as autoras, chamando-as de “mulheres que envergonham o país, antipatriotas.”

A 25 de maio de 1972, a censura estatal proibiu o livro. No dia seguinte, foi enviado para a polícia criminal de Lisboa. Quando o julgamento das autoras começou em 1973, a multidão era tão grande que o juiz ordenou a evacuação da sala.

Em maio de 1974, quase dois anos após a sua detenção e duas semanas após a queda da ditadura, as Três Marias foram absolvidas.

O juiz Artur Lopes Cardoso, que presidia ao caso, tornou-se um convertido de última hora, declarando que o livro “não era pornográfico nem imoral.” “Pelo contrário”, disse, “é uma obra de arte de alto nível, seguindo outras obras de arte produzidas pelas mesmas autoras.”

Maria Teresa de Mascarenhas Horta Barros nasceu em Lisboa a 20 de maio de 1937, filha de Jorge Augusto da Silva Horta, um médico proeminente e conservador que apoiava a ditadura, e Carlota Maria Mascarenhas. A sua avó paterna tinha sido uma figura destacada do movimento sufragista português.


Frequentou o Liceu Filipa de Lencastre, licenciou-se na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e publicou o seu primeiro livro de poesia aos 23 anos. Escreveu quase 30 outros, além de 10 romances.

Foi também crítica e repórter em vários jornais e editora literária de A Capital.

Nos anos 1980, dirigiu a revista feminista Mulheres, ligada ao Partido Comunista Português, do qual foi membro entre 1975 e 1989.

Considerava a escrita um dever público.

A obrigação de um poeta não é estar numa torre de marfim; não é estar isolado, mas sim entre as pessoas”, disse ela à revista online Guernica em 2014. “Como jornalista, nunca me isolei. Fui jornalista num diário e, todos os dias, saía à rua. Todos os dias tive contacto com as pessoas.

Venceu a maioria dos mais importantes prémios literários do seu país, mas gerou polémica em 2012 ao recusar o Prémio D. Dinis (das mãos de Passos Coelho), em protesto contra a orientação política de direita do governo.

Ela deixa o seu filho, Luís Jorge Horta de Barros, e dois netos. O seu marido, o jornalista Luís de Barros, antigo diretor do jornal O Diário, faleceu em 2019.

Perguntam-me porque sou feminista”, disse à revista Guernica em 2014. “Porque sou uma mulher de liberdade e igualdade e não é possível haver liberdade no mundo quando metade da humanidade não tem direitos.

Adam Nossiter | New York Times