sexta-feira, 7 de novembro de 2025

O Mito das Gerações

Uma coisa que ouço frequentemente no trabalho é "porque a tua geração isto" ou "a tua geração aquilo". entre pessoas que distam dez anos de diferença! Mas faz algum sentido segmentar as pessoas desta forma? Isto tem algum fundo de verdade científica - os baby boomers são assim e a geração Z é assado - ou é uma coisa tão rigorosa quanto o horóscopo astrológico da revista sobre o que nos irá acontecer na próxima semana?

No fim de semana passado o jornal espanhol El País trazia uma reportagem muito interessante sobre o tema e aqui deixo o artigo traduzido para melhor elucidar quem por aqui passar:


"Todos começámos a pesquisar no Google a palavra millennial por volta de 2012 para descobrir se fazíamos parte do grupo. A designação surgiu pela primeira vez em 1991 no livro Generations, dos escritores e consultores norte-americanos Neil Howe e William Strauss, mas na altura não teve grande repercussão. Segundo o Google Trends, as pesquisas do termo começaram timidamente em 2005 e atingiram o pico máximo em 2013. Hoje os millennials são alvo de paródias na internet, mas na altura eram sociologicamente muito atraentes. Em menos de uma década foram destronados pelos zetas, que já são seguidos de perto pelos alfas, e que dentro de alguns anos serão substituídos pelos betas, bebés nascidos a partir de janeiro de 2025.

Antes dos millennials vieram os X e, muito antes, os boomers e a geração silenciosa. Fora do mundo académico, pouco se prestava atenção a estas classificações, mas desde que o tema entrou na cultura pop, sociólogos e demógrafos receiam que se esgotem todas as letras do alfabeto se continuar a moda de rotular uma nova coorte geracional aproximadamente a cada dez anos.

Em 2021, Philip Cohen, sociólogo da Universidade de Maryland, pediu numa carta aberta ao Pew Research Center, um centro de investigação norte-americano, que “fizesse as coisas bem” e deixasse de usar etiquetas “arbitrárias e contraproducentes” como geração Z e baby boomers, por “não estarem sustentadas por qualquer evidência científica”. Com exceção dos baby boomers, que correspondem de facto a um marco demográfico, as restantes gerações tinham sido declaradas e nomeadas “sem qualquer justificação empírica ou teórica”, dizia a carta, concluindo: “Rotular gerações e fixar as suas datas promove a pseudociência, mina a compreensão pública e prejudica a investigação.” Cohen foi apoiado por 170 investigadores. O poderoso think tank norte-americano anunciou então que entrava numa fase de reflexão sobre o assunto.

“O primeiro erro é acreditar que o X da geração X se refere à letra do alfabeto”, explica Oriol Bartomeus, politólogo e diretor do Institut de Ciències Polítiques i Socials (ICPS), ligado à Universidade Autónoma de Barcelona, acrescentando: “Na verdade, esse X representa uma incógnita. No seu livro Generation X (1991), Douglas Coupland descrevia uma geração sobre a qual se sabia pouco ou nada. A partir daí, continuar a nomear as gerações com as letras consecutivas do alfabeto foi uma tolice monumental”, diz o professor, que, em conversa telefónica, se confessa “muito anti-segmentação geracional”. Na sua carta, Cohen também ridicularizava o uso das letras e denunciava que o esquema geracional se tinha tornado “uma paródia”. “Aparentemente, com a geração Z chegámos ao fim do alfabeto — isto vai continuar eternamente?”, questionava.

Em 2023, o prestigiado centro de investigação concluiu a sua reflexão. O seu presidente, Michael Dimock, publicou “as cinco coisas a ter em mente quando se ouve falar de geração Z, millennials, boomers e outras gerações”. São elas: “As categorias geracionais não têm definição científica”; “induzem a estereótipos e simplificações excessivas”; “as discussões sobre gerações tendem a acentuar as diferenças e não as semelhanças”; “as visões convencionais sobre gerações podem criar um viés a favor das classes altas”; e, finalmente, “as pessoas mudam com o tempo”.



Philip Cohen concordou, por correio eletrónico, com estas conclusões e com a promessa do Pew Research Center de que “o público não deve esperar que as novas investigações usem a lente geracional. Só falaremos de gerações quando isso acrescentar valor aos debates e dar significado às tendências sociais.” Para o professor da Universidade de Maryland, o debate está ultrapassado: “Já não é relevante; simplesmente não devemos usar essas estratificações porque não fazem sentido”, afirma de forma categórica.

Bartomeus admite que não há “unanimidade académica” quanto à definição das gerações e explica que há duas escolas principais: a que defende que há uma geração por década e a mais clássica, representada por Ortega y Gasset, que considera que há um salto geracional a cada 30 anos. Um modelo menos rígido define as gerações de acordo com os acontecimentos históricos e sociais que cada uma viveu. Como explica Bartomeus, autor de El peso del tiempo: relato del relevo generacional en España, “em Espanha haveria uma divisão natural em 1975 entre a geração pré e pós-democracia; na Europa de Leste, em 1989, com a geração pós-Muro de Berlim; e em quase todo o mundo ocidental, em 2008, com os nascidos após a crise financeira que destruiu o pacto social e fez ruir a armadilha da meritocracia”.

Entretanto, os zetas ganham força na internet, parodiam a “pausa millennial” (aqueles segundos de hesitação antes de gravar um vídeo, que denunciam quem não nasceu com uma câmara na mão) e popularizam o “ok boomer”. Agora, vivemos um amargo confronto de acusações: os zetas culpam os boomers pela sua precariedade económica. “É verdade que é a primeira geração do declínio, que está a assistir ao desmantelamento da classe média e sente que lhe roubaram a carteira - mas é enganador dizer que a responsabilidade é geracional”, contrapõe Bartomeus. Para os especialistas, o pior da hiperfragmentação etária é que alimenta uma guerra entre gerações e desvia a atenção de problemas estruturais como o preço da habitação ou os baixos salários, que afetam diretamente o nível de vida.

A teoria de Cohen é que as etiquetas cristalizam a experiência de milhões de pessoas muito diferentes. Haverá quem resista ao estereótipo, mas outros esforçar-se-ão por se encaixar nele e reforçar o sentimento de pertença a um grupo. Como explica por telefone Almudena Moreno, socióloga da Universidade de Valladolid, a internet é replicante e muita gente acaba por acreditar que, se pertence à geração X, é apática; se é millennial, é narcisista e adora tostas de abacate; e se é zeta, deve pagar com gosto seis euros por um café de especialidade. “Estas etiquetas não nascem da sociologia, mas sim das necessidades do marketing de fragmentar o mercado e levar as pessoas a consumir produtos conforme a idade”, reflete.

No seu livro de 2021 The Generation Myth, o politólogo Bobby Duffy sustenta que o mercado tem interesse em exagerar as diferenças geracionais para poder oferecer uma solução. Duffy, professor no King’s College de Londres, escreve por correio eletrónico que existem mais desigualdades dentro de uma mesma geração do que entre duas gerações distintas. O exemplo são os millennials que herdam e os que não herdam. Segundo um artigo da revista The Atlantic, quando a esperança de vida era mais curta, a divergência entre quem herdava e quem não herdava ocorria muito cedo e determinava o rumo de toda a vida — uns e outros raramente se cruzavam. Hoje, um fenómeno típico do século XXI é que dois amigos vivem de forma idêntica até à meia-idade; depois, um deles herda, os planos divergem e as vidas afastam-se. Ambos continuam a ser millennials, fãs de tostas de abacate, mas agora um é rico e o outro não. E essa distância, que não é geracional, parece intransponível.

PARA SABER MAIS:

O Mito das Gerações - Super Interessante

sábado, 1 de novembro de 2025

Um Otelo Bastava

Não eram preciso três. Bastava um Otelo. E o Campo Pequeno...


"Oxalá que um dia não tenhamos que os meter no Campo Pequeno para que eles não nos metam a nós".
(Otelo Saraiva de Carvalho)

domingo, 19 de outubro de 2025

Avisos do Nazismo para os Dias de Hoje



Enquanto a grande generalidade da população não vê o inevitável, ao menos hoje os alunos não precisam de uma visita de estudo, podem assistir à repetição do que foi a subida do fascismo ao poder nos mais diversos países. A propósito do livro "A mentalidade nazi", o jornal espanhol La Vanguardia entrevistou o escritor Laurence Rees e aqui fica essa entrevista:

"No seu livro, Rees narra como os alemães “votaram para nunca mais votar: a democracia tinha-os traído”.

As teorias da conspiração, cada vez mais frequentes, costumam provocar hilaridade, mas muitas delas não são inocentes e algumas podem até tornar-se criminosas em larga escala. O historiador britânico Laurence Rees aponta as teses conspiracionistas como um dos veículos utilizados pelo nazismo na Alemanha para consolidar o seu poder; a pior delas deu origem à perseguição contra os judeus, que resultou em seis milhões de mortos. Rees acaba de publicar Na Mente Nazi (Crítica), um ensaio estruturado em torno de doze recursos utilizados pelo nacional-socialismo e que são perturbadoramente reconhecíveis na sociedade atual. Na realidade, trata-se, como indica o subtítulo do livro, de doze avisos.

A investigação de Rees é uma análise psicológica da mentalidade do movimento que levou o mundo ao desastre da Segunda Guerra Mundial, mas sobretudo da dos seus seguidores. “Durante 35 anos – explica a La Vanguardia – estive interessado nas mentalidades que levaram as pessoas que apoiaram o nazismo a cometer atos tão terríveis, e em saber porque é que tantos, ao falar deles, não expressavam qualquer remorso.” O resultado é um volume que reúne métodos utilizados pelos nazis para manipular mentalmente a população, bem como dinâmicas psicológicas das quais se aproveitaram.

A difusão de teorias da conspiração é uma das mais marcantes, pois o paralelismo com o que acontece hoje é, no mínimo, inquietante. A mais importante dessas teorias forneceu a base da narrativa sobre a qual se construiu o Holocausto. É certo que a ascensão nazi não se pode explicar sem a Grande Guerra, mas, no entender de Rees, não pelo Tratado de Versalhes, como se assume habitualmente, e sim pelas manobras dos generais alemães para ocultar a sua incompetência.

“Quando começou a guerra – explica o historiador – os militares estavam convencidos de que obteriam uma vitória rápida, e estiveram prestes a consegui-lo, mas o conflito ficou estagnado nas trincheiras.” Abriu-se assim a porta a uma derrota que acabaria por se concretizar quatro anos mais tarde. “Assumiram os militares a responsabilidade pela derrota e admitiram o erro? Não. Em vez disso, culparam os judeus e as forças de esquerda.” Nascia o mito da “punhalada pelas costas”, em que Hitler acreditou firmemente e que lhe permitiu apresentar-se, mais tarde, como uma vítima do establishment. Pouco depois, os judeus tornar-se-iam o alvo do nacional-socialismo.




Esse mito, por sua vez, servia para unir os alemães e reforçar a ideia do “nós e eles” – outra das técnicas nazis. Esse outro grupo, “eles”, identificado como o inimigo da Alemanha, seria depois facilmente desumanizado pela propaganda oficial. “Hoje essa ideia do ‘nós e eles’ está em todo o lado”, argumenta Rees, que aponta como exemplo as claques radicais do futebol, mas que também se pode ver nos discursos xenófobos contra a imigração ou no “América primeiro” de Trump.

O historiador dedica um dos capítulos ao que chama “corrupção da juventude”. Segundo explica, os jovens foram um alvo primordial dos fascismos, tal como o são hoje para os movimentos de extrema-direita. A razão é explicada pelas neurociências: o córtex pré-frontal é a parte do cérebro que regula o comportamento social e modera os impulsos. “Mas esta parte não se desenvolve totalmente antes dos 25 anos. Por isso, certos discursos baseados na força tiveram tanto impacto nos jovens.” “Não é por acaso também que os exércitos se alimentam de jovens como força de choque”, acrescenta.

A antipolítica é outro dos ingredientes fundamentais. Hoje, como naqueles tempos, ascendem os partidos que propõem uma rejeição total do sistema político vigente. Naquela época, os nazis usaram esse recurso, que levou, nas eleições de 1932 – as que deixaram Hitler a um passo do poder – a que a maioria dos alemães votasse no NSDAP ou nos comunistas. “Ou seja, a maioria dos alemães votou para nunca mais votar, o que não tem precedentes na história. Por que o fizeram? A democracia tinha-os traído.”

O catálogo nazi que o autor expõe completa-se com apresentar o líder como herói; atuar em conivência com as elites; perseguir e atacar os direitos humanos; explorar a fé (se os teus seguidores têm fé absoluta em ti, de nada serve argumentar com eles); intensificar o racismo; esmagar a resistência; matar à distância (as câmaras de gás representavam a execução em escala industrial, mas também protegiam psicologicamente os carrascos) e, sobretudo, fomentar o medo.

Rees insiste que o que aconteceu com o nazismo não pode ser aplicado como modelo ao presente, mas sublinha que os paralelismos são evidentes. “É muito importante compreender que as pessoas são moldadas pelo tempo em que vivem. Por isso, é impossível que o nazismo volte, porque o partido nazi, felizmente, já não existe. Mas, em contrapartida, muitos dos seus valores fundamentais – como o antissemitismo, o racismo ou o nacionalismo violento – continuam entre nós.”

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Um País Sem Memória é um País Sem Futuro

 Dia seguinte às eleições autárquicas de 2025: das poucas coisas positivas foi o partido fascista CH ter metade das câmaras municipais do defunto CDS. 

O que mais me surpreendeu negativamente foi a vitória de Filipe Menezes em Gaia. Como é possível que um autarca que saiu deixando a câmara na falência, falando-se já na Detroit portuguesa e acusado de tudo e mais alguma coisa, incluindo de corrupção. Como é possível que os eleitores lhe tenham confiado o votos? Como?









domingo, 12 de outubro de 2025

Nenhum Fascista Merece o Nobel da Paz


Como costuma acontecer todos os anos, nunca faço ideia de quem é o escritor laureado com o Nobel da Literatura. Mesmo que fosse Lobo Antunes também não saberia muito porque na verdade nunca li nada dele, apesar de já me terem recomendado, pelo menos, o Memória de Elefante.

Mas este ano nem o nome do Nobel da Paz fazia ideia de quem fosse, até porque, cada vez menos acompanho todas as guerras e guerrinhas de um mundo que, depois da pandemia, anda mortinho por uma terceira guerra mundial.

Quem é Corina Machado vencedora no Nobel da Paz deste ano? Não fazia ideia.

Mas Jorge Majfud, escritor uruguaio e professor de literatura latino-americana, que escreve em vários jornais do mundo e que até foi considerado o intelectual mais influente da América Latina, explica no jornal argentino Pagina 12. 

"Em 2002, o presidente democraticamente eleito da Venezuela, Hugo Chávez, foi sequestrado e detido na ilha La Orchila. Corina Machado (na foto), vários empresários e o The New York Times apoiaram o golpe. A oposição proclamou Pedro Carmona (empresário e membro do Opus Dei) como novo presidente. Carmona decretou a dissolução da Assembleia Nacional, do Supremo Tribunal e de outras instituições. Machado assinou a declaração de apoio a essas medidas.

(...)

Sem contar com a participação de Corina Machado no golpe de 2002 (poder-se-ia dizer que isso aconteceu há duas décadas e todos podem mudar de opinião), os seus últimos apelos públicos, em 2025, a uma invasão militar dos Estados Unidos à Venezuela, desqualificavam-na para qualquer Nobel da Paz.

A tão desejada invasão da Venezuela, velha brutalidade imperialista apoiada pelo clássico servilismo dos colonizados com privilégios, deixaria milhares de mortos, senão uma guerra civil ou uma nova Palestina a sangrar sob bombardeamentos sucessivos e estratégicos “acordos de paz”.

Até Henrique Capriles se opôs a esse pedido. Ao mesmo tempo que Corina Machado batia às portas do Pentágono, no final de agosto, Capriles reconhecia algo de mero bom senso: “a maioria das pessoas que querem uma invasão dos Estados Unidos não vive na Venezuela”. Já Juan Guaidó, todos sabem, é um mercenário barato - nem os venezuelanos da Florida o querem.

Se queriam premiar alguém da oposição venezuelana, é bastante óbvio que havia muitos outros venezuelanos comuns que estão lá a lutar, legitimamente, pelas suas convicções e sem dinheiro estrangeiro ou de grandes capitais. Se queriam intervir na política venezuelana de forma menos obscena, poderiam ter considerado que o dinheiro do Nobel os sustentaria por um tempo. Mas não - tinha de ser Corina Machado.

Parece bastante óbvio que o petróleo, a “maldição” da Venezuela, é o fator central em tudo isto. Justo quando Trump assassina venezuelanos desconhecidos no Caribe, procurando distrair o povo norte-americano e uma desculpa para invadir a Venezuela, premiam uma figura conhecida que pede uma invasão. Não a premiam com o Nobel de Economia, mas com o “Nobel da Paz”. Essas execuções sumárias a piacere, sem julgamento, foram aplaudidas por Corina Machado. A Fox News qualificou-as como “valentia e clareza perante uma empresa criminosa que traz miséria ao nosso povo e desestabiliza a região para prejudicar os Estados Unidos”.

Claro, o que se pode esperar de um galardão, mais famoso do que prestigiado, que distinguiu genocidas históricos como Henry Kissinger e anjos como Obama, que, enquanto sorria, bombardeava tudo o que se movia no Médio Oriente - um historial que inclui desde crianças massacradas por drones até à destruição da Líbia, um país de notável desenvolvimento e perigoso independentismo. Sempre em nome da democracia e da liberdade que, nos Estados Unidos de hoje, já nem sequer se respeita nos discursos.

É tudo muito surreal, mas no fundo lógico.

"Nobel Golpista" de Jorge Majfud | Página 12 | 11 de Outubro 2025

domingo, 5 de outubro de 2025