domingo, 17 de novembro de 2024

Entrevistas ao Pepe Mujica? Coleciono Todas!

Há figuras históricas tão inspiradores, e talvez não haja ninguém tão inspirador quando o ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica. Em agosto partilhei uma entrevista que deu ao New York Time, partilho agora também a que deu hoje ao El País, depois dos tratamentos de radioterapia que fez a um cancro:


“Dediquei-me a mudar o mundo e não mudei coisa nenhuma”

Aos 89 anos, venceu o cancro e fala sobre a vida e a morte, o rancor, a felicidade e o seu legado.

Numa tarde de 1970, José Pepe Mujica conversava com outros homens numa mesa do bar La Vía, em Montevidéu. Um cliente reconheceu que eram guerrilheiros tupamaros e denunciou-os. A polícia cercou o local. Mujica levou seis tiros. No Hospital Militar foi tratado por um cirurgião que “era um companheiro, um tupa disfarçado”. “Dá-me um balde de sangue e salva-me. É daquelas coisas que nos fazem acreditar em Deus”, recorda Mujica. 

Passados exatamente 54 anos, está sentado na pequena sala da sua casa rural em Rincón del Cerro, a 15 quilómetros da capital, rodeado de livros, pequenas esculturas, quadros e fotografias. Mujica recupera de um cancro do esófago. “Deram-me 31 sessões de radioterapia às sete da manhã, todos os dias. Acabaram com o cancro, mas deixaram-me com um buraco assim [desenha um círculo grande com os dedos, como uma laranja]. Agora o buraco tem de se fechar e eu sou um velho, tenho 89 anos. Até estar completamente fechado, não consigo comer. Tenho de cuidar dele até endurecer.” Não esconde o mau humor pelas sequelas da doença, que o deixam “sem energia”. 

Minutos depois, Mujica volta a ser o de sempre: o político e o filósofo.

Em algum momento da vida perde-se o medo da morte?
A morte é uma senhora complicada, que não perdoa e está sempre à espreita. Mas, se não existisse, a vida não teria tanto sabor, seria uma chatice. A grande questão é onde gastamos o nosso tempo. Porque, se o desperdiçamos... Qual é o sentido?

Encontrou o sentido da sua vida?
Dediquei-me a mudar o mundo e não mudei coisa nenhuma, mas entreti-me. E fiz muitos amigos e aliados nessa loucura de tentar mudar o mundo para melhor. Dei um sentido à minha vida. Vou morrer feliz por deixar uma geração [seguidores] que me supera largamente.

O que pensa de figuras ultraconservadoras como Trump, Milei ou Bolsonaro?
São o culminar da pregação ultraliberal que se transforma em libertarismo. Se o liberalismo é isso, é um lixo.

Encontrou a felicidade em viver com muito pouco…
Em viver com sobriedade, porque quanto mais tens, menos feliz és.

Mas o mundo parece ir na direção contrária...
O mundo está a caminho do hiperconsumo, porque é regido por uma lei: multiplicar o consumo das pessoas, porque isso é o que garante a acumulação. E isso não é viver.

E o que é viver?
Viver é amar, é ter o prazer de estar a perder tempo com outra pessoa. Viver é, quando se é velho, jogar às cartas com os amigos, falar de recordações. Sou um estoico, filosoficamente falando. A minha definição é a de Séneca: ‘Pobre é quem precisa de muito’.

Quando Mujica saiu da prisão, em março de 1985, já em democracia e após 13 anos preso, sabia que queria comprar uma quinta no campo, longe da cidade. Em janeiro de 1986, ele e a mulher mudaram-se. Nunca mais saíram, nem quando Mujica foi presidente.

Por que ficaram na quinta?
O Estado dava-me um palacete com quatro ou cinco pisos, onde, para tomar um chá, era preciso fazer uma expedição. Então, decidi ficar aqui. Sei que sou um louco para os dias de hoje, mas não tenho culpa do mundo em que vivo.

O que lhe diziam os outros presidentes?
Respeitaram-me muito, mas achavam-me um bicho estranho. Quando fui falar com o rei da Noruega [em 2011], estavam à minha espera com uma gravata. Quando lá cheguei, disse à delegação: ‘Voltamos para trás’. E o tipo recuou, guardou a gravata, e fui falar com o rei. Não sou contra a gravata, mas contra ser obrigado a usá-la.

Que líder mundial mais o cativou?
Lula, de quem sou amigo até hoje. E, curiosamente, tenho de falar bem de Barack Obama.

Por que “curiosamente”?
Era um homem inteligente e que falava. Estive com ele três vezes e tivemos conversas muito interessantes. Reconheceu-me certas coisas. Disse-lhe que era preciso ajudar a desenvolver a América Central, não travar a imigração. E ele respondeu: ‘Tem razão, mas convença os republicanos disso’. Ele via os problemas.

No Brasil está o seu amigo Lula, mas também há Milei na Argentina e a crise na Venezuela. Como vê a situação da América Latina?
O panorama é, infelizmente, complicado. Porque nos unimos muito pouco e não existimos no mundo. Tivemos uma oportunidade com Lula, que é uma figura mundial com certo prestígio, mas não a aproveitámos. Na política internacional, não servimos nem para trazer o café. Precisamos de nos unir para nos defendermos, mas a agenda nacional consome todo o tempo.

Rafael Correa, Cristina Kirchner, Evo Morales, o próprio Lula… Por que não deixaram sucessores?
Cansei-me de dizer que o melhor dirigente é aquele que, ao desaparecer, deixa uma geração que o supera largamente. Porque a vida continua e a luta também, não acaba connosco. O dirigente deve semear e dar oportunidades para que o substituam. Sei que continuo a ser uma figura de peso, mas abri caminho. Agora, o que vai acontecer no futuro, quem sabe?

Por que decidiu virar a página sobre o passado?
Não viro a página; não gasto energia a cobrar, que é diferente. Não se vive de recordações. Na vida há feridas que não têm cura, mas aprende-se a continuar a viver.

Tem muitas feridas abertas?
Claro que sim, tenho coisas inesquecíveis, mas não as vou cobrar. Estive sete anos numa cela mais pequena que esta. Sem um livro, sem nada para ler. Tiravam-me uma ou duas vezes por mês para caminhar meia hora num pátio. Sete anos assim. Se fosse cobrar o que tenho para cobrar… Deus me livre.

Que mensagem deixa aos jovens?
Que a vida é bela, mas é preciso encontrar uma causa para viver. Pode ser a música, a ciência, qualquer coisa. Viver para pagar contas? Isso não é viver.

O que pede hoje à vida?
Que me cure disto. E que ainda consiga “ladrar” um pouco, dar algumas ideias.

El País17 Nov 2024 Federico Rivas Molina | Gabriel Díaz Campanella

O Êxodo

 Uma das coisas que mais me orgulho e, até poderia colocar no currículo, foi ter saído do Twitter quando a grande maioria ainda decidiu ficar. Sabiam que Musk o tinha destruído, até lhe mudou o nome, deixou de ser o que era e passou a ser mau, mas mesmo muito mau. Mas é sempre bom tentar continuar a ser afagado pelos milhares de seguidores e pelos coraçõezinhos. Apesar das montanhas de publicidade, apesar mentiras, dos milhares de bots, e das novas regras absurdas que mudavam consoante o que o Almíscar queria, as pessoas pessoas por lá foram ficando, entrando em negação, suportando o insuportável na tentativa de manter o pequeno consolo do afago no ego. 


É muito bom estar nas redes sociais e ser afagado. É por isso que já há muito poucos resistentes, como eu, que permaneceram nos blogs, porque aqui os comentários e as interações desapareceram. As pessoas já não têm paciência para ler, quando mais abrir um link de uma notícia, quando mais agora ler textos de gente desconhecida e dar-se ao trabalho de comentar. 

Ninguém consegue estar na internet a passar o dedo por mais de quinze segundos, porque é imperioso que se passa ao seguinte vídeo de gatinhos, ao seguinte vídeo de outra merda qualquer, num loop estupidificante eterno. 

Até que se deu, finalmente o Êxoso. Começaram todos a debandar do falecido Twitter chamado agora de X e começaram em massa a migrar para o Bluesky onde andei no último ano e meio. 

Primeiro foi o Guardian a sair, que tinha cerca de oitenta contas oficiais e milhões de seguidores mas a seguir foi o La Vanguardia e muitas outras contas importantes. 

Espero que por lá, no X, fiquem apenas o Musk e o Trump e todos os maluquinhos fascistas. 

Irracionalmente as Pessoas Votam em Quem as Quer Destruir

Este texto de Antonio Muñoz Molina no El País de dia 16 de Novembro, fala sobre as cheias em Valência, e como os valencianos votaram em quem atentou contra os seus interesses, mas poderia ser também sobre os mais jovens que votam em partidos que favorecem a especulação imobiliária, ou sobre os pobres que votam em políticos que defendem os interesses dos mais ricos do mundo, ou sobre os pretos que votam em políticos racistas ou sobre gays que votam em políticos homofóbicos. Este texto é sobre a irracionalidade reinante nos dias de hoje, em que os cidadão, hipnotizados pela agenda dominante dos média e das redes sociais, conseguem votar naqueles que os querem destruir. 


 A retaguarda protetora, a arrière-boutique para a qual Montaigne nos encoraja a retirar-nos de tempos a tempos, não precisa de ser um quarto solitário nem um espaço fechado. O próprio Montaigne, apesar do afastamento dos assuntos mundanos que escolheu aos trinta e poucos anos, continuou muito viajado e ativo até ao fim da vida, que foi ceifada por uma feroz cólica nefrítica. Montaigne percorreu a Itália a cavalo com uma pompa principesca, envolveu-se em assuntos públicos e em diplomacias cortesãs secretas, andou de um lado para o outro com a família e os criados, tentando escapar ao flagelo das guerras religiosas e da peste. E, quando permanecia no seu castelo, nem sempre estava isolado com livros e papéis na torre circular onde tinha instalado a sua biblioteca. Como senhor feudal, não escrevia à mão, mas ditava a um secretário. Das janelas da torre, podia observar a vida nos pátios e galerias do castelo e vigiar as vinhas e florestas das suas propriedades, sempre alerta para a possibilidade de que, por aqueles caminhos traçados sobre a terra fértil, surgissem grupos de bandidos a cavalo ou fanáticos armados das várias seitas religiosas.

Embora a forma dos ensaios de Montaigne fosse o monólogo, quase um fluxo de consciência, o seu instinto não era de isolamento, mas de conversação. Dizia que escrever, para ele, era como começar a falar com um desconhecido na rua. E na origem das suas reflexões e ideias estava um propósito de diálogo frustrado, pois Montaigne quis sempre continuar a conversar com o seu grande amigo e amor da alma, Étienne de La Boétie, que morreu quando ambos eram ainda muito jovens. Nele, Montaigne encontrou, como Adolfo Bioy Casares escreveu sobre outra amizade, “a pátria da sua alma”.

Montaigne não cultivou a tolerância, a liberdade de espírito ou a irreverência face aos dogmas numa atmosfera cultural favorável a esses valores. Fê-no contra a corrente da terrível maré dos tempos, quando protestantes e católicos se massacram com fúria idêntica, e o destino certo de qualquer dissidência era a tortura e a fogueira. O defensor e propagandista dos livros, felizmente multiplicados pela imprensa, que devolviam ao mundo a sabedoria e beleza dos autores gregos e latinos, viu como livros condenados ardiam nas mesmas chamas onde se queimavam os seus autores. E também viu como outros livros propagavam não o conhecimento, mas o obscurantismo, envenenavam consciências, incitavam ao extermínio e forneciam justificações teológicas. Gravuras rudes representavam os inimigos como canibais, ratos, bruxas espetadas em tridentes demoníacos, ou criaturas excrementícias vestidas de frades e freiras, emergindo do traseiro elefantiásico do Papa.

A retaguarda, infelizmente, não é uma escolha, mas um privilégio e, também, um golpe de sorte. Não há espaço para bastidores para as pobres gentes martirizadas de Gaza, agora sujeitas a um cerco de fome, além do terror das bombas; nem houve, há duas semanas, para aquela multidão que, em poucas horas, na província de Valência, viu as suas vidas devastadas por um dilúvio universal que não era só de água, mas de lama, lixo e carros esmagados como brinquedos ridículos. Os antigos conheciam os golpes súbitos de crueldade impessoal da natureza e, sem outro recurso intelectual além de os atribuir à malevolência dos deuses, ao menos tinham acumulado, ao longo dos séculos, as sabedorias necessárias para atenuar a destruição, limpando leitos de torrentes, desenhando ruas e construindo edifícios que, em vez de barreiras ou armadilhas mortais, pudessem ser escoadouros para o colapso das águas, respeitando dunas, pântanos, espécies vegetais e ambientes resistentes e flexíveis às invasões do mar. Precisamos de uma retaguarda, mas somos tão vulneráveis à irracionalidade dos poderosos como às catástrofes naturais, percebendo cada vez mais que uns são tão perigosos quanto as outras, numa escalada assustadora cujo desfecho desconhecemos.

Na véspera da calamidade de 29 de outubro, as principais medidas ambientais do governo valenciano foram extinguir um organismo regional de emergências, cortar fundos dedicados à prevenção e autorizar novas construções ainda mais próximas do mar, seguramente com o objetivo prático de serem varridas rapidamente pelas tempestades, desde que os construtores tivessem tempo de receber os seus lucros e os vereadores e altos cargos corruptos recolhessem as devidas comissões.

Aqui, como em todo o lado, a irracionalidade e a cegueira parecem contagiar uma grande parte da cidadania. Os mesmos que mais sofrem com as alterações climáticas votam massivamente em demagogos que as negam, instigados pela turba macabra da extrema-direita e financiados pelas oligarquias do petróleo, agora aliadas aos antigos apóstolos bondosos das empresas tecnológicas. Nas zonas mais castigadas pelos furacões no sudeste dos Estados Unidos, de Florida às Carolinas, os moradores mal saem das suas ruas inundadas e casas em ruínas para votar em Donald Trump, com o mesmo entusiasmo com que os israelitas estão prontos para votar, assim que possível, em Benjamim Netanyahu e na sua coorte de supremacistas vingativos.

Ligamos o telejornal, e a nossa neta Leonor, de seis anos, que quer ver desenhos animados, pergunta porquê. Quando lhe dizemos que queremos saber o que se passa no mundo, ela fica séria e responde: “Pois eu não gosto do que se passa no mundo.” Nós também não. Assistimos às notícias com apreensão e, às vezes, durante o pequeno-almoço, lemos o jornal em papel ou digital e ouvimos a rádio. Mas o desejo de saber e compreender acarreta o perigo de sermos inundados não apenas pelas informações ameaçadoras, mas pelo lodo pútrido das mentiras, calúnias e bulos, sustentados com fria desfaçatez por quem aprendeu a encobrir a sua incompetência e corrupção acusando outros de serem corruptos. Nesse telejornal que a menina quer que desliguemos rapidamente, vejo Alberto Núñez Feijóo a culpar Pedro Sánchez e Teresa Ribera pela tragédia de Valência. Essa expressão de sarcasmo turvo e máscara de borracha provoca-me um repúdio físico, como uma má digestão. Há graus de vileza que talvez surpreendam, secretamente, até quem os pratica.

Por isso, é necessário recolhermo-nos nos bastidores, desligar a rádio, apagar a televisão, ou deixar que as crianças vejam os seus desenhos animados, buscar o silêncio, passear pelo campo numa manhã de novembro, observar com a paciência de um botânico os últimos abelhões sobre as pétalas desfeitas das últimas dálias, ler um conto às crianças ou assisti-las nas suas leituras. 

Ler Montaigne ou o seu parente espiritual, Miguel de Cervantes. Enviar dinheiro à Cruz Vermelha de Valência. E também sair dos bastidores para nos manifestarmos por um ar limpo, uma habitação digna, cidades não colonizadas por especuladores ou turistas, uma educação pública crítica e humanista para todos, um serviço nacional de saúde universal a salvo dos mercadores, um mundo habitável e justo onde, oxalá, essas crianças possam viver quando forem mulheres adultas e nós já não estivermos cá.

domingo, 10 de novembro de 2024

Os Imigrantes que Devem Ser Proibidos de Entrar em Portugal

Os dados económicos estão excelentes. O desemprego está historicamente baixo e o governo de António Costa diminui o défice e o Estado português teve pela primeira vez lucro! Tal como nos Estados Unidos a economia sob a administração Biden ia muito bem. Mas então porquê tanta raiva e ódio, porque é que os Estados Unidos acabaram de votar o regresso à Idade das Trevas, e porque é que em Portugal, mais de um milhão de portugueses votaram num partido racista e xenófobo, para o qual o principal problema de Portugal são os ciganos e os imigrantes (pobres)?

Dizem que a economia vai bem, mas, no fundo, a economia é como aquela coisa do frango do Pitigrilli.

1% dos milionários come o dinheiro todo, então, teremos todos comido, em média, igual percentagem do crescimento económico cada um. Só que não. Uns compram casas de milhões, e têm uma em cada país, os outros têm que emigrar para conseguir juntar dinheiro para, eventualmente, algum dia no futuro terem dinheiro para ter um sítio onde dormir. 


Eu acompanho o drama da minha colega de trabalho. Tem 25 anos, quer casar e comprar casa. Mas, apesar de ter trabalho, e, muitas vezes ainda trabalhar aos fim-de-semana, e do namorado também ter trabalho e de ambos ganharem bem mais do que o salário mínimo por mês, estão desanimados por estar muito difícil comprar uma casa para viver. E, se não fosse a questão do namorado ter-se despedido para trabalhar e ajudar no negócio dos pais, dizia-me a minha colega, já teriam emigrado. 

Dizem todos os indicadores que a economia vai muito bem, obrigado, mas depois é o caos que se vê na saúde - ainda esta semana morreram dez pessoas por falta de assistência do INEM - são as crianças que continuam sem professores, e, brevemente não haverá professores em todas as disciplinas, e pior, os jovens não têm perspectivas de vida. Há sérias dificuldades. 

Os pobres hoje em dia não são aqueles de antigamente que iam pedir esmola para a porta da igreja (conhecidos por "pé rapado" no Brasil, obrigados a rapar a lama dos pés). Os pobres hoje em dia são todos aqueles que trabalham, têm carro, iPhone e até vão de férias mas ganham menos de 1500€ por mês.



E é por isso que raiva e ódio. A culpa não é das políticas neoliberais. Vêm os novos fascistas a que chamam populistas e tentam meter na cabeça oca das pessoas que o problema não é 1% da população ficar com tudo e outros todos ficarem sem nada. Nada disso. O problema é dos ciganos, dos imigrantes, o problema é sempre outro qualquer que não a verdadeira causa. 

Insatisfeitas com o estado de coisas a que o neoliberalismo em todo o mundo chegou, porque os problemas são os mesmos em todo o lado, as pessoas, em vez de fortalecerem políticas que redistribuem a riqueza, não, viram-se para os fascistas, como os taberneiros do CH, que simplesmente os querem esmagar! 

Os imigrantes que deveriam ser proibidos de vir para Portugal são os ricos que chegam aqui e compram casas e que inflacionam os preços e que depois os jovens portugueses, tal como a minha colega de trabalho, que querem comprar uma casa nunca terão essa possibilidade ou ficarão super endividados para o resto da vida. 

O problema não são os pobres coitados que vêm para aqui à procura da uma vida melhor, quase sempre explorados, lotados em barrações ou garagens, para fazer aquilo que por cá já ninguém quer fazer. 


Mas, infelizmente, são os mais jovens que mais votam na extema-direita, muitos com as mesmas dificuldades da colega de trabalho, que votam também no IL e no PSD (e até no PS que em oito anos também não fez muito para travar o estado de coisas a que chegamos). Votam nos partidos que permitem os vistos dourados, que permitem que a habitação, que é um direito constitucional, seja afinal um negócio e não dá perspectivas de a milhares de jovens deste país. 

Então, que se fodam todos. As pessoas queixam-se mas têm aquilo no qual votaram.  

sábado, 9 de novembro de 2024

Eleições nos Estados Unidos - O Sequestro dos Eleitores

Tal como vaticinei e, contrariamente à opinião de grande parte dos especialistas cá do burgo, Trump venceu as eleições nos Estados Unidos. E na ressaca dos resultados fui lendo muita coisa. Por cá agora alguns comentadores ajustam a argumentação à nova realidade e dão verdadeiras piruetas - mais ou menos como Marques Mendes fez aquando da pandemia, em que primeiro elogiou as medidas do governo de Costa, mas depois, perante a realidade dos mortos, afirmou que se estava mesmo a ver que ia dar mau resultado! 

Mas fui lendo também algumas coisas na imprensa internacional e este artigo em particular, do New York Times, foi dos que mais gostei e aqui vai ficar para memória futura:

"Nas vésperas das eleições de terça-feira para o próximo presidente dos EUA, uma grande maioria dos eleitores americanos afirmava que o país estava a seguir um caminho errado e que se sentiam desapontados com os candidatos. Uma pluralidade de eleitores afirmou que, independentemente de quem fosse eleito, o próximo presidente pioraria a situação. Quase 80% dos eleitores disseram que as campanhas presidenciais não lhes inspiravam orgulho na América.

A responsabilidade por este estado deplorável de coisas recai sobre os partidos Democrata e Republicano, que não apresentaram uma visão capaz de atrair a maioria dos americanos. Trump e Kamala Harris jogaram à roleta com o eleitorado, recorrendo frequentemente a ameaças apocalípticas sobre o fim da democracia para convencer as pessoas de que não tinham escolha senão votar conforme lhes era indicado.

Ambos os candidatos ofereceram políticas impopulares até entre os seus próprios apoiantes, servindo um banquete para os seus doadores enquanto distribuíam migalhas aos seus eleitores. Para um dos candidatos, essa estratégia de desdém resultou. Mas, no geral, falhou com o povo americano.

Apesar de toda a sua postura populista, Trump propôs reduções de impostos que favorecem os ricos, defendeu tarifas que quase certamente aumentariam o custo dos alimentos, criticou o pagamento de horas extraordinárias, elogiou o despedimento de trabalhadores em greve e permaneceu em silêncio enquanto os seus aliados falavam em destruir o Affordable Care Act. Insistiu que a questão do aborto fosse decidida pelos estados, apesar de a maioria dos americanos, incluindo muitos republicanos, acreditar que o aborto deveria ser legal em todo o país. E comprometeu-se a opor-se a novas restrições sobre armas, embora a maioria esmagadora dos americanos apoie leis mais rigorosas.

E o que recebiam os apoiantes de Trump em troca de apoiarem essa agenda impopular? Elon Musk prometia um período de sofrimento económico. Tucker Carlson dizia que Trump daria “uma lição” ao país. Por que razão alguém se comprometeria com isso? Porque, disseram-lhes, a alternativa era a guerra nuclear sob Kamala Harris. Que grande escolha.

Entretanto, Biden e os seus aliados ignoraram a crença do público de que ele era demasiado velho para um novo mandato. Quando finalmente decidiu afastar-se — apenas após um desastre televisivo que arruinou a sua campanha cambaleante — o Partido Democrata contornou a democracia, simplesmente coroando a sua sucessora. Em várias políticas — especialmente no que diz respeito aos direitos reprodutivos — Kamala Harris está alinhada com os eleitores. Mas rapidamente começou a dar sinais de que não iria avançar com políticas económicas progressistas que Biden havia conseguido arrancar das amarras do neoliberalismo.

Recusou-se a afirmar que manteria Lina Khan, a presidente da Federal Trade Commission, conhecida pelo seu combate aos monopólios e altamente popular entre democratas e até alguns republicanos (mas não, essencialmente, entre os seus doadores). Recusou-se a apoiar um embargo de armas contra Israel, embora uma sondagem de Junho tenha revelado que 77% dos democratas e 62% dos independentes o desejavam. E ao mesmo tempo ignorava os eleitores árabes e muçulmanos, aproximava-se da indústria das criptomoedas e exibia orgulhosamente o seu apoio de Dick Cheney, um homem que deixou o cargo com uma taxa de aprovação de apenas 13%. Harris fez uma aposta de alto risco: como Trump realmente representava uma ameaça para a democracia, quando chegasse a hora da verdade, a maioria dos americanos superaria a sua frustração com ela.

Durante a maior parte da última década, o discurso americano tem sido dominado por uma política de emergência: uma insistência coletiva de que estamos à beira do colapso, uma ansiedade que ambos os partidos exploraram para manter os eleitores reféns. Este ano, esse impulso atingiu o seu apogeu.

O que a nação acabou de viver não foi uma eleição; foi uma situação de reféns. Os nossos principais partidos representam os interesses de magnatas do streaming, da indústria de armamento, dos barões do petróleo, dos “gurus” do Bitcoin e da indústria do tabaco, muitas vezes sem sequer fingir ouvir os eleitores. Um sistema político assim está fundamentalmente falido.

Uma sondagem da primavera passada indicou que cerca de metade dos eleitores com menos de 30 anos acredita que não importa quem ganha as eleições. Descrevendo o crescente niilismo desta geração, um analista disse à Semafor: “Os jovens eleitores não vêem figuras boas na nossa política. Vêem um império em declínio, liderado por pessoas que não prestam.”

A teórica cultural Lauren Berlant observou que “as épocas políticas intensas geram devaneios”, períodos breves de romance em que mudanças súbitas parecem possíveis. Esses devaneios não se baseiam em verdadeira esperança, mas numa espécie de “otimismo cruel” que figuras e processos políticos inevitavelmente traem. Uma forma de entender o estado de espírito do país hoje - e o cinismo daqueles que atingiram a maioridade política após 2008 - é como uma longa ressaca do otimismo cruel da Era Obama: a euforia de uma campanha de “esperança” e “mudança” que acabou por se desmoronar, seguida por três eleições presidenciais de “aceitar ou rejeitar”. Contudo, esta década de desespero pode ser, à sua maneira, uma oportunidade.

“O remédio pode vir da mesma fonte do mal”, escreveu o filósofo Edmund Burke, refletindo sobre a disfunção política do seu tempo. Se alguma vez quisermos sair do ciclo de emergência em que estamos presos - onde Republicanos e Democratas se acusam mutuamente de horrores apocalípticos enquanto impõem políticas que só beneficiam as respetivas elites - precisamos de estar dispostos a exigir mais.

Uma ameaça à democracia não isenta os líderes de apresentar aos eleitores um plano para o futuro, que atenda às suas preocupações e reflicta a América que desejam. De facto, quanto maior a ameaça, mais importante se torna o trabalho de ganhar a confiança dos eleitores, em vez de lhes dar um ultimato.

Se os americanos querem sair deste impasse, precisamos de deixar de permitir que os candidatos se aproveitem de desculpas alarmistas. Quando os candidatos nem sequer têm a decência de nos vender ilusões, e nos dizem que simplesmente não temos escolha a não ser votar neles, precisamos de fugir na direção oposta.

E, no auge da frustração, mais de nós precisa de concorrer a cargos - contra os escolhidos, contra os incumbentes, como independentes, se necessário - mesmo que a derrota seja certa, mesmo que gritem que estás a “estragar” uma corrida que já estava estragada antes de alguém votar.

Dizer aos americanos que não têm escolha a não ser votar neles mostra um profundo desrespeito".

Tyler Austin Harper | The New York Times (7 de Novembro de 2024)

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

A Melhor Citação em Dia de Eleições nos Estados Unidos Que Vais Ouvir Hoje


"Nos Estados Unidos há basicamente um partido: o partido dos negócios. Tem duas facções, chamadas Democratas e Republicanos, que são um pouco diferentes, mas executam variações da mesma política. No geral, sou contrário a essas políticas. Assim como a maior parte da população" (Noam Chomsky)