"Winston carregou na tecla "números antigos" do telecrã e pediu os Times indicados, que saíra do tubo pneumático após a espera de apenas alguns minutos. As mensagens que recebera referiam-se a artigos ou notícias que por um ou outro motivo se considerava necessário alterar ou, na expressão oficialmente utilizada, retificar.
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Assim que fossem reunidas e conferidas todas as correções necessárias, a introduzir num determinado número do Times, este seria reimpresso, o exemplar original destruído, e o exemplar corrigido arquivado no seu lugar. Este processo de alteração contínua não se aplicava só aos jornais, mas também a livros, revistas panfletos, cartazes, folhetos, filmes, fitas gravadas, bandas desenhadas, fotografias - todo tipo de literatura ou documentação que pudesse concebivelmente ter qualquer espécie de relevância política ou ideológica. Dia a dia, e quase minuto a minuto, o passado ia sendo atualizado. Deste modo tornava-se possível demonstrar, com provas documentais, que todas as previsões do Partido haviam sido corretas; e nunca se permitia a permanência da mínima notícia ou artigo de opinião nos arquivos, que entrasse em conflito com as necessidades do momento.
Toda a História era um palimpsesto, raspado e reescrito tantas vezes quantas as necessárias. Em nenhum caso seria possível, uma vez terminado o tratamento do texto, provar que ocorrera qualquer falsificação. A secção mais importante do Departamento de Arquivos, muito maior do que aquela em que Winston trabalhava, compunha-se de pessoas tendo por única missão procurar e recolher todos os exemplares de livros, jornais e outros documentos desatualizados, que deviam necessariamente ser destruídos.
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E o próprio Departamento de Arquivos era afinal apenas um dos ramos do Ministério da Verdade, cuja função primordial não consistia em reconstruir o passado, mas em fornecer aos cidadãos da Oceânia jornais, filmes, livros de estudo, programas de telecrã, peças de teatro, romances - todos os tipos de informação, instrução ou divertimento, da estatuária à palavra-de-ordem, do poeta lírico ao tratado de biologia, da cartilha infantil ao Dicionário de Novilíngua. E o Ministério não só tinha que satisfazer as múltiplas necessidades do Partido, como devia repetir toda a operação a níveis inferiores para uso do proletariado. Existia toda uma série de departamentos independentes dedicados à literatura, à música, ao teatro e, de um modo geral, às diversões proletárias. Aí se produziam pasquins onde quase só se falava de desporto, crimes e astrologia; romances de cordel a cinco cêntimos cada; filmes a transbordar de sexo; e canções sentimentais inteiramente compostas por processos mecânicos numa espécie de caleidoscópio conhecido pelo nome de versificador. Havia mesmo uma subsecção inteira - encarregada de produzir pornografia da mais reles, que era mandada para o exterior em embalagens seladas e que nenhum membro do Partido, além dos que lá trabalhavam, estava autorizado a ver...
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