domingo, 1 de abril de 2018

Tristão, Isolda e o Filtro do Amor

Lembram-se da história de Tristão e Isolda? O enredo gira em torno da transformação da relação entre os dois protagonistas. Isolda pede à criada, Brangena, que lhe prepare uma poção letal, mas em vez disso, ela prepara-lhe um "filtro de amor", que tanto Tristão como Isolda bebem sem saberem o efeito que irá produzir. A misteriosa bebida liberta neles a mais profunda das paixões e arrasta cada um deles para um êxtase que nada consegue dissipar - nem sequer o facto de ambos estarem a trair infamemente o bondoso rei Mark. Na sua opera Tristão e Isolda, Richard Wagner captou a força da ligação entre os amantes numa das passagens mais exaltantes e desesperadas da história da música. Devemos interrogar-nos sobre o que atraiu para esta história e por que motivos milhões de pessoas, durante mais de um século, têm partilhado o fascínio de Wagner.

A resposta à primeira pergunta reside no facto de a composição celebrar uma paixão semelhante a uma outra real que ocorreu a vida de Wagner. Wagner e Mathilde Wesendonk tinham-se apaixonado de forma não menos insensata, se considerarmos que Mathilde era a mulher do generoso benfeitor de Wagner e que Wagner era um homem casado. Wagner tinha sentido as forças ocultas e insondáveis que por vezes se conseguem sobrepor à vontade própria e que, na ausência de explicações mais adequadas, têm sido atribuídas à magia ou ao destino.

A resposta à segunda questão é um desafio mais atraente. Existem, de facto, poções nos nossos organismos e cérebros capazes de nos impor comportamentos que podemos ser capazes, ou não, de eliminar através da chamada força de vontade. Um exemplo elementar é a substância química oxitocina. No caso dos mamíferos, seres humanos incluídos, esta substância é produzida tanto no cérebro como no corpo (nos ovários ou nos testículos). Pode ser libertada pelo cérebro a fim de participar, por exemplo, diretamente ou por interpostas hormonas, na regulação do metabolismo; ou pode ser libertada pelo corpo, durante o parto, durante a estimulação sexual dos órgãos genitais ou dos mamilos ou ainda durante o orgasmo, quando atua não só sobre o próprio corpo mas também sobre o cérebro. O seu efeito não fica nada atrás do efeitos dos elixires lendários. De um modo geral, influencia toda uma série de comportamentos higiénicos, locomotores, sexuais e maternos. 

Mais importante ainda para a minha tese, facilita as interações sociais e induz a ligação entre os parceiros amorosos. Um bom exemplo encontra-se nos estudos de Thomas Insel sobre o arganaz, um roedor com uma belíssima pelagem. Após um namoro fulminante e um primeiro dia de copulação repetida e apaixonada, o macho e a fêmea tornam-se inseparáveis até à morte. O macho adquire uma disposição hostil e quesilenta em relação a qualquer outra criatura que não seja a sua amada e mostra-se habitualmente muito prestável em torno do ninho. Uma ligação deste género não é apenas uma adaptação agradável, é também uma adaptação que trás muitas vantagens em muitas espécies, uma vez que mantém unidos aqueles que têm de cuidar da prole e contribui ainda para outros aspetos da organização social. Não há dúvida que os seres humanos estão constantemente a usar muitos dos efeitos da oxitocina, conquanto tenham aprendido a evitar, em determinadas circunstâncias, aqueles efeitos que podem vir a não ser bons. Não se deve esquecer que o filtro do amor não trouxe bons resultados para o Tristão e a Isolda de Wagner. Ao fim de três horas de espetáculo, sem contar com os intervalos, eles encontram uma morte desoladora.

O erro de Descartes / António Damásio / 1994

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