"Clara descreveu esta cena com minúcia no diário, pormenorizando com cuidado os dois quartos escuros, cujas paredes estavam manchadas pela humidade, a pequena casa de banho suja e sem água corrente, a cozinha onde havia sobras de pão velho e um tacho com um pouco de chá. o resto da vivenda de Férula pareceu a Clara congruente com o pesadelo que tinha começado quando a sua cunhada apareceu na sala de jantar da grande casa da esquina para se despedir (...)
*Esteban afastou-se a grandes passadas levando Clara pelo braço quase de rastos, se dar atenção à água suja que salpicava as impecáveis cinzentas que o alfaiate inglês. Estava furioso porque a irmã, mesmo depois de morta. conseguia fazê-lo sentir-se culpado, como quando era uma criança. Recordou a sua infância, quando ela o rodeava com as suas solicitudes obscuras, envolvendo-o em dívidas de gratidão tão grandes que não conseguiria pagá-las em todos os dias da sua vida. Tornou a sentir o sentimento de indignidade que frequentemente o atormentava na sua presença e o detestar o seu espírito de sacrifício, a sua severidade, a sua vocação para a pobreza e a sua inabalável castidade, que ele sentia como uma acusação pela sua natureza egoísta, sensual, e ansiosa de poder. "Que o Diabo te leve, maldita! disse entredentes, negando-se a admitir, nem no mais íntimo do coração, que a sua mulher tão-pouco chegou a pertencer-lhe depois de ter posto Férula fora de casa.
- Porque vivia assim, se lhe sobrava dinheiro? gritou Esteban.
- Porque lhe faltava tudo o resto - replicou Clara docemente."
(*cena que não aparece no filme)
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