domingo, 19 de outubro de 2025

Avisos do Nazismo para os Dias de Hoje



Enquanto a grande generalidade da população não vê o inevitável, ao menos hoje os alunos não precisam de uma visita de estudo, podem assistir à repetição do que foi a subida do fascismo ao poder nos mais diversos países. A propósito do livro "A mentalidade nazi", o jornal espanhol La Vanguardia entrevistou o escritor Laurence Rees e aqui fica essa entrevista:

"No seu livro, Rees narra como os alemães “votaram para nunca mais votar: a democracia tinha-os traído”.

As teorias da conspiração, cada vez mais frequentes, costumam provocar hilaridade, mas muitas delas não são inocentes e algumas podem até tornar-se criminosas em larga escala. O historiador britânico Laurence Rees aponta as teses conspiracionistas como um dos veículos utilizados pelo nazismo na Alemanha para consolidar o seu poder; a pior delas deu origem à perseguição contra os judeus, que resultou em seis milhões de mortos. Rees acaba de publicar Na Mente Nazi (Crítica), um ensaio estruturado em torno de doze recursos utilizados pelo nacional-socialismo e que são perturbadoramente reconhecíveis na sociedade atual. Na realidade, trata-se, como indica o subtítulo do livro, de doze avisos.

A investigação de Rees é uma análise psicológica da mentalidade do movimento que levou o mundo ao desastre da Segunda Guerra Mundial, mas sobretudo da dos seus seguidores. “Durante 35 anos – explica a La Vanguardia – estive interessado nas mentalidades que levaram as pessoas que apoiaram o nazismo a cometer atos tão terríveis, e em saber porque é que tantos, ao falar deles, não expressavam qualquer remorso.” O resultado é um volume que reúne métodos utilizados pelos nazis para manipular mentalmente a população, bem como dinâmicas psicológicas das quais se aproveitaram.

A difusão de teorias da conspiração é uma das mais marcantes, pois o paralelismo com o que acontece hoje é, no mínimo, inquietante. A mais importante dessas teorias forneceu a base da narrativa sobre a qual se construiu o Holocausto. É certo que a ascensão nazi não se pode explicar sem a Grande Guerra, mas, no entender de Rees, não pelo Tratado de Versalhes, como se assume habitualmente, e sim pelas manobras dos generais alemães para ocultar a sua incompetência.

“Quando começou a guerra – explica o historiador – os militares estavam convencidos de que obteriam uma vitória rápida, e estiveram prestes a consegui-lo, mas o conflito ficou estagnado nas trincheiras.” Abriu-se assim a porta a uma derrota que acabaria por se concretizar quatro anos mais tarde. “Assumiram os militares a responsabilidade pela derrota e admitiram o erro? Não. Em vez disso, culparam os judeus e as forças de esquerda.” Nascia o mito da “punhalada pelas costas”, em que Hitler acreditou firmemente e que lhe permitiu apresentar-se, mais tarde, como uma vítima do establishment. Pouco depois, os judeus tornar-se-iam o alvo do nacional-socialismo.




Esse mito, por sua vez, servia para unir os alemães e reforçar a ideia do “nós e eles” – outra das técnicas nazis. Esse outro grupo, “eles”, identificado como o inimigo da Alemanha, seria depois facilmente desumanizado pela propaganda oficial. “Hoje essa ideia do ‘nós e eles’ está em todo o lado”, argumenta Rees, que aponta como exemplo as claques radicais do futebol, mas que também se pode ver nos discursos xenófobos contra a imigração ou no “América primeiro” de Trump.

O historiador dedica um dos capítulos ao que chama “corrupção da juventude”. Segundo explica, os jovens foram um alvo primordial dos fascismos, tal como o são hoje para os movimentos de extrema-direita. A razão é explicada pelas neurociências: o córtex pré-frontal é a parte do cérebro que regula o comportamento social e modera os impulsos. “Mas esta parte não se desenvolve totalmente antes dos 25 anos. Por isso, certos discursos baseados na força tiveram tanto impacto nos jovens.” “Não é por acaso também que os exércitos se alimentam de jovens como força de choque”, acrescenta.

A antipolítica é outro dos ingredientes fundamentais. Hoje, como naqueles tempos, ascendem os partidos que propõem uma rejeição total do sistema político vigente. Naquela época, os nazis usaram esse recurso, que levou, nas eleições de 1932 – as que deixaram Hitler a um passo do poder – a que a maioria dos alemães votasse no NSDAP ou nos comunistas. “Ou seja, a maioria dos alemães votou para nunca mais votar, o que não tem precedentes na história. Por que o fizeram? A democracia tinha-os traído.”

O catálogo nazi que o autor expõe completa-se com apresentar o líder como herói; atuar em conivência com as elites; perseguir e atacar os direitos humanos; explorar a fé (se os teus seguidores têm fé absoluta em ti, de nada serve argumentar com eles); intensificar o racismo; esmagar a resistência; matar à distância (as câmaras de gás representavam a execução em escala industrial, mas também protegiam psicologicamente os carrascos) e, sobretudo, fomentar o medo.

Rees insiste que o que aconteceu com o nazismo não pode ser aplicado como modelo ao presente, mas sublinha que os paralelismos são evidentes. “É muito importante compreender que as pessoas são moldadas pelo tempo em que vivem. Por isso, é impossível que o nazismo volte, porque o partido nazi, felizmente, já não existe. Mas, em contrapartida, muitos dos seus valores fundamentais – como o antissemitismo, o racismo ou o nacionalismo violento – continuam entre nós.”

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Um País Sem Memória é um País Sem Futuro

 Dia seguinte às eleições autárquicas de 2025: das poucas coisas positivas foi o partido fascista CH ter metade das câmaras municipais do defunto CDS. 

O que mais me surpreendeu negativamente foi a vitória de Filipe Menezes em Gaia. Como é possível que um autarca que saiu deixando a câmara na falência, falando-se já na Detroit portuguesa e acusado de tudo e mais alguma coisa, incluindo de corrupção. Como é possível que os eleitores lhe tenham confiado o votos? Como?









domingo, 12 de outubro de 2025

Nenhum Fascista Merece o Nobel da Paz


Como costuma acontecer todos os anos, nunca faço ideia de quem é o escritor laureado com o Nobel da Literatura. Mesmo que fosse Lobo Antunes também não saberia muito porque na verdade nunca li nada dele, apesar de já me terem recomendado, pelo menos, o Memória de Elefante.

Mas este ano nem o nome do Nobel da Paz fazia ideia de quem fosse, até porque, cada vez menos acompanho todas as guerras e guerrinhas de um mundo que, depois da pandemia, anda mortinho por uma terceira guerra mundial.

Quem é Corina Machado vencedora no Nobel da Paz deste ano? Não fazia ideia.

Mas Jorge Majfud, escritor uruguaio e professor de literatura latino-americana, que escreve em vários jornais do mundo e que até foi considerado o intelectual mais influente da América Latina, explica no jornal argentino Pagina 12. 

"Em 2002, o presidente democraticamente eleito da Venezuela, Hugo Chávez, foi sequestrado e detido na ilha La Orchila. Corina Machado (na foto), vários empresários e o The New York Times apoiaram o golpe. A oposição proclamou Pedro Carmona (empresário e membro do Opus Dei) como novo presidente. Carmona decretou a dissolução da Assembleia Nacional, do Supremo Tribunal e de outras instituições. Machado assinou a declaração de apoio a essas medidas.

(...)

Sem contar com a participação de Corina Machado no golpe de 2002 (poder-se-ia dizer que isso aconteceu há duas décadas e todos podem mudar de opinião), os seus últimos apelos públicos, em 2025, a uma invasão militar dos Estados Unidos à Venezuela, desqualificavam-na para qualquer Nobel da Paz.

A tão desejada invasão da Venezuela, velha brutalidade imperialista apoiada pelo clássico servilismo dos colonizados com privilégios, deixaria milhares de mortos, senão uma guerra civil ou uma nova Palestina a sangrar sob bombardeamentos sucessivos e estratégicos “acordos de paz”.

Até Henrique Capriles se opôs a esse pedido. Ao mesmo tempo que Corina Machado batia às portas do Pentágono, no final de agosto, Capriles reconhecia algo de mero bom senso: “a maioria das pessoas que querem uma invasão dos Estados Unidos não vive na Venezuela”. Já Juan Guaidó, todos sabem, é um mercenário barato - nem os venezuelanos da Florida o querem.

Se queriam premiar alguém da oposição venezuelana, é bastante óbvio que havia muitos outros venezuelanos comuns que estão lá a lutar, legitimamente, pelas suas convicções e sem dinheiro estrangeiro ou de grandes capitais. Se queriam intervir na política venezuelana de forma menos obscena, poderiam ter considerado que o dinheiro do Nobel os sustentaria por um tempo. Mas não - tinha de ser Corina Machado.

Parece bastante óbvio que o petróleo, a “maldição” da Venezuela, é o fator central em tudo isto. Justo quando Trump assassina venezuelanos desconhecidos no Caribe, procurando distrair o povo norte-americano e uma desculpa para invadir a Venezuela, premiam uma figura conhecida que pede uma invasão. Não a premiam com o Nobel de Economia, mas com o “Nobel da Paz”. Essas execuções sumárias a piacere, sem julgamento, foram aplaudidas por Corina Machado. A Fox News qualificou-as como “valentia e clareza perante uma empresa criminosa que traz miséria ao nosso povo e desestabiliza a região para prejudicar os Estados Unidos”.

Claro, o que se pode esperar de um galardão, mais famoso do que prestigiado, que distinguiu genocidas históricos como Henry Kissinger e anjos como Obama, que, enquanto sorria, bombardeava tudo o que se movia no Médio Oriente - um historial que inclui desde crianças massacradas por drones até à destruição da Líbia, um país de notável desenvolvimento e perigoso independentismo. Sempre em nome da democracia e da liberdade que, nos Estados Unidos de hoje, já nem sequer se respeita nos discursos.

É tudo muito surreal, mas no fundo lógico.

"Nobel Golpista" de Jorge Majfud | Página 12 | 11 de Outubro 2025

domingo, 5 de outubro de 2025

sábado, 4 de outubro de 2025

O Erro de Paulo Futre Sobre a Vinda de Charters de Chineses


Campanha eleitoral de 2011 no Sporting. A dois ou três dias da votação, Paulo Futre tem uma conferência de imprensa, em que diz que o Sporting tem que ir buscar o melhor jogador de futebol chinês porque "vão vir charters de chineses" para o ver jogar.

A ideia não foi assim tão descabida. Só que, o erro do Futre foi querer ir buscar o melhor jogador chinês de futebol. Ora, como qualquer pessoa esclarecida sabe, o futebol não é o desporto rei dos chineses. A modalidade preferida dos chineses é o ténis-de-mesa!

Atentemos no que aconteceu por estas semanas, quando um clube que está no terceiro escalão do futebol da Alemanha - mas que tem uma equipa forte de ténis de mesa - foi buscar o melhor jogador chinês. A reportagem é de um jornal alemão de desporto que traduzi:

"Invasão chinesa em Saarbrücken"

Isto nunca tinha acontecido no 1. FC Saarbrücken! O clube é conhecido sobretudo pela sua secção de futebol, que milita na 3.ª Liga. Mas agora tem um campeão olímpico com milhões de fãs: na equipa masculina de ténis de mesa joga o chinês Fan Zhendong (28).

Durante muito tempo foi o número um do mundo e campeão mundial de singulares por duas vezes – e provocou em Saarbrücken uma autêntica invasão chinesa!

Normalmente, os jogos em casa contavam com cerca de 500 espectadores. Desta vez, os primeiros encontros na Joachim-Deckarm-Halle, com capacidade para 1880 adeptos, esgotaram. “E ainda poderíamos ter vendido pelo menos o dobro dos bilhetes”, afirma o diretor desportivo Nicolas Barrois (35).

Estão previstos jogos pontuais na maior Saarlandhalle (3500 adeptos) – como no dia 21 de dezembro contra o Borussia Düsseldorf.

Também nas gameboxes (lugares anuais) o clube vive um boom: “Normalmente vendemos entre 20 a 50 por temporada”, diz Barrois. “Desta vez, em apenas dois dias, foram 500. Entre 90 e 95% foram para a China.”

Lá, Fan é uma superestrela que precisa de proteção policial. Os seus fãs aproveitam agora a oportunidade para o verem na Alemanha, em pavilhões mais pequenos.

Curioso: a maioria dos chineses, apesar de terem lugar anual, só assiste a um ou dois jogos. “Se alguém gasta 3000 euros num voo, também investe os 200 euros no passe de época para garantir que vê o Fan”, explica Barrois.

Montes de correspondência de fãs chegam a Saarbrücken. “Ainda nem conseguimos abrir tudo, vamos tratar disso na pausa de inverno”, acrescenta Barrois. Também as vendas de camisolas dispararam: em dois meses, Saarbrücken vendeu tantas como normalmente ao longo de toda uma época.

Isto é importante para o clube, já que os jogadores estrela recebem salários de seis dígitos na Bundesliga. Mas parece que o investimento está a compensar.

Nascia Assim a Era da Pós Verdade

"Na cronologia da pós-verdade costuma repetir-se como episódio inaugural a célebre conferência de imprensa de 22 de janeiro de 2017. Kellyanne Conway, porta-voz do presidente Trump - encurralada perante uma mentira flagrante - respondeu que não mentia, mas que oferecia “factos alternativos” (alternative facts). Não se tratava de um lapsus linguae

Umas horas antes, quando começou a chover durante a cerimónia de tomada de posse, o próprio Trump tinha respondido com simplicidade: “Não está a chover”. O homem mais poderoso do mundo dizia que não chovia debaixo da chuva, e milhares de pessoas que se tinham abrigado debaixo dos guarda-chuvas começaram a fechá-los - o que revelou uma lealdade que já não vinha da convicção, mas de algo mais sinistro: a rendição. 

Nascia a era da pós-verdade.


Máriam Martínez-Bascuñán explica como, em menos de uma década, esse mundo que então nos pareceu delirante se tornou familiar. “Já não pensamos; alinhamo-nos. Já não argumentamos; partilhamos. Já não duvidamos; confirmamos. Mentir de forma indiscriminada já não tem como objetivo fazer com que as pessoas acreditem numa mentira específica, mas sim fazer com que ninguém acredite em nada.” A disputa sobre a verdade tornou-se uma batalha simbólica e emocional, e “nessa colisão entre um povo que já não acredita e umas elites que já não ouvem, a própria verdade tornou-se irrelevante”.

Excertos do artigo de Andrés Barba, hoje no El País a propósito do livro "O fim do mundo comum. Hannah Arendt e a pós-verdade de Máriam Martínez-Bascuñán