domingo, 12 de outubro de 2025

A Golpada do Nobel da Paz


Como costuma acontecer todos os anos, nunca faço ideia de quem é o escritor laureado com o Nobel da Literatura. Mesmo que fosse Lobo Antunes também não saberia muito porque na verdade nunca li nada dele, apesar de já me terem recomendado, pelo menos, o Memória de Elefante.

Mas este ano nem o nome do Nobel da Paz fazia ideia de quem fosse, até porque, cada vez menos acompanho todas as guerras e guerrinhas de um mundo que, depois da pandemia, anda mortinho por uma terceira guerra mundial.

Quem é Corina Machado vencedora no Nobel da Paz deste ano? Não fazia ideia.

Mas Jorge Majfud, escritor uruguaio e professor de literatura latino-americana, que escreve em vários jornais do mundo e que até foi considerado o intelectual mais influente da América Latina, explica no jornal argentino Pagina 12. 

"Em 2002, o presidente democraticamente eleito da Venezuela, Hugo Chávez, foi sequestrado e detido na ilha La Orchila. Corina Machado (na foto), vários empresários e o The New York Times apoiaram o golpe. A oposição proclamou Pedro Carmona (empresário e membro do Opus Dei) como novo presidente. Carmona decretou a dissolução da Assembleia Nacional, do Supremo Tribunal e de outras instituições. Machado assinou a declaração de apoio a essas medidas.

(...)

Sem contar com a participação de Corina Machado no golpe de 2002 (poder-se-ia dizer que isso aconteceu há duas décadas e todos podem mudar de opinião), os seus últimos apelos públicos, em 2025, a uma invasão militar dos Estados Unidos à Venezuela, desqualificavam-na para qualquer Nobel da Paz.

A tão desejada invasão da Venezuela, velha brutalidade imperialista apoiada pelo clássico servilismo dos colonizados com privilégios, deixaria milhares de mortos, senão uma guerra civil ou uma nova Palestina a sangrar sob bombardeamentos sucessivos e estratégicos “acordos de paz”.

Até Henrique Capriles se opôs a esse pedido. Ao mesmo tempo que Corina Machado batia às portas do Pentágono, no final de agosto, Capriles reconhecia algo de mero bom senso: “a maioria das pessoas que querem uma invasão dos Estados Unidos não vive na Venezuela”. Já Juan Guaidó, todos sabem, é um mercenário barato - nem os venezuelanos da Florida o querem.

Se queriam premiar alguém da oposição venezuelana, é bastante óbvio que havia muitos outros venezuelanos comuns que estão lá a lutar, legitimamente, pelas suas convicções e sem dinheiro estrangeiro ou de grandes capitais. Se queriam intervir na política venezuelana de forma menos obscena, poderiam ter considerado que o dinheiro do Nobel os sustentaria por um tempo. Mas não - tinha de ser Corina Machado.

Parece bastante óbvio que o petróleo, a “maldição” da Venezuela, é o fator central em tudo isto. Justo quando Trump assassina venezuelanos desconhecidos no Caribe, procurando distrair o povo norte-americano e uma desculpa para invadir a Venezuela, premiam uma figura conhecida que pede uma invasão. Não a premiam com o Nobel de Economia, mas com o “Nobel da Paz”. Essas execuções sumárias a piacere, sem julgamento, foram aplaudidas por Corina Machado. A Fox News qualificou-as como “valentia e clareza perante uma empresa criminosa que traz miséria ao nosso povo e desestabiliza a região para prejudicar os Estados Unidos”.

Claro, o que se pode esperar de um galardão, mais famoso do que prestigiado, que distinguiu genocidas históricos como Henry Kissinger e anjos como Obama, que, enquanto sorria, bombardeava tudo o que se movia no Médio Oriente - um historial que inclui desde crianças massacradas por drones até à destruição da Líbia, um país de notável desenvolvimento e perigoso independentismo. Sempre em nome da democracia e da liberdade que, nos Estados Unidos de hoje, já nem sequer se respeita nos discursos.

É tudo muito surreal, mas no fundo lógico.

"Nobel Golpista" de Jorge Majfud | Página 12 | 11 de Outubro 2025

domingo, 5 de outubro de 2025

sábado, 4 de outubro de 2025

O Erro de Paulo Futre Sobre a Vinda de Charters de Chineses


Campanha eleitoral de 2011 no Sporting. A dois ou três dias da votação, Paulo Futre tem uma conferência de imprensa, em que diz que o Sporting tem que ir buscar o melhor jogador de futebol chinês porque "vão vir charters de chineses" para o ver jogar.

A ideia não foi assim tão descabida. Só que, o erro do Futre foi querer ir buscar o melhor jogador chinês de futebol. Ora, como qualquer pessoa esclarecida sabe, o futebol não é o desporto rei dos chineses. A modalidade preferida dos chineses é o ténis-de-mesa!

Atentemos no que aconteceu por estas semanas, quando um clube que está no terceiro escalão do futebol da Alemanha - mas que tem uma equipa forte de ténis de mesa - foi buscar o melhor jogador chinês. A reportagem é de um jornal alemão de desporto que traduzi:

"Invasão chinesa em Saarbrücken"

Isto nunca tinha acontecido no 1. FC Saarbrücken! O clube é conhecido sobretudo pela sua secção de futebol, que milita na 3.ª Liga. Mas agora tem um campeão olímpico com milhões de fãs: na equipa masculina de ténis de mesa joga o chinês Fan Zhendong (28).

Durante muito tempo foi o número um do mundo e campeão mundial de singulares por duas vezes – e provocou em Saarbrücken uma autêntica invasão chinesa!

Normalmente, os jogos em casa contavam com cerca de 500 espectadores. Desta vez, os primeiros encontros na Joachim-Deckarm-Halle, com capacidade para 1880 adeptos, esgotaram. “E ainda poderíamos ter vendido pelo menos o dobro dos bilhetes”, afirma o diretor desportivo Nicolas Barrois (35).

Estão previstos jogos pontuais na maior Saarlandhalle (3500 adeptos) – como no dia 21 de dezembro contra o Borussia Düsseldorf.

Também nas gameboxes (lugares anuais) o clube vive um boom: “Normalmente vendemos entre 20 a 50 por temporada”, diz Barrois. “Desta vez, em apenas dois dias, foram 500. Entre 90 e 95% foram para a China.”

Lá, Fan é uma superestrela que precisa de proteção policial. Os seus fãs aproveitam agora a oportunidade para o verem na Alemanha, em pavilhões mais pequenos.

Curioso: a maioria dos chineses, apesar de terem lugar anual, só assiste a um ou dois jogos. “Se alguém gasta 3000 euros num voo, também investe os 200 euros no passe de época para garantir que vê o Fan”, explica Barrois.

Montes de correspondência de fãs chegam a Saarbrücken. “Ainda nem conseguimos abrir tudo, vamos tratar disso na pausa de inverno”, acrescenta Barrois. Também as vendas de camisolas dispararam: em dois meses, Saarbrücken vendeu tantas como normalmente ao longo de toda uma época.

Isto é importante para o clube, já que os jogadores estrela recebem salários de seis dígitos na Bundesliga. Mas parece que o investimento está a compensar.

Nascia Assim a Era da Pós Verdade

"Na cronologia da pós-verdade costuma repetir-se como episódio inaugural a célebre conferência de imprensa de 22 de janeiro de 2017. Kellyanne Conway, porta-voz do presidente Trump - encurralada perante uma mentira flagrante - respondeu que não mentia, mas que oferecia “factos alternativos” (alternative facts). Não se tratava de um lapsus linguae

Umas horas antes, quando começou a chover durante a cerimónia de tomada de posse, o próprio Trump tinha respondido com simplicidade: “Não está a chover”. O homem mais poderoso do mundo dizia que não chovia debaixo da chuva, e milhares de pessoas que se tinham abrigado debaixo dos guarda-chuvas começaram a fechá-los - o que revelou uma lealdade que já não vinha da convicção, mas de algo mais sinistro: a rendição. 

Nascia a era da pós-verdade.


Máriam Martínez-Bascuñán explica como, em menos de uma década, esse mundo que então nos pareceu delirante se tornou familiar. “Já não pensamos; alinhamo-nos. Já não argumentamos; partilhamos. Já não duvidamos; confirmamos. Mentir de forma indiscriminada já não tem como objetivo fazer com que as pessoas acreditem numa mentira específica, mas sim fazer com que ninguém acredite em nada.” A disputa sobre a verdade tornou-se uma batalha simbólica e emocional, e “nessa colisão entre um povo que já não acredita e umas elites que já não ouvem, a própria verdade tornou-se irrelevante”.

Excertos do artigo de Andrés Barba, hoje no El País a propósito do livro "O fim do mundo comum. Hannah Arendt e a pós-verdade de Máriam Martínez-Bascuñán